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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13361: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (30); Mafra, a EPI, 1967: "Aquele Convento de Mafra era sem dúvida uma fábrica de oficiais"...(Paulo Raposo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, Mansoa e Dulombi, 1968/70)


Mafra > EPI (Escola Prática de Infantaria) > 2º incorporação de 1967 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra, "a garande fábrica de oficiais"
Foto ( e legenda) : © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados [Edição:_ LG]


1. O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 
1968/70) - I Parte: Mafra (*)



[ Foto à direita: Paulo Enes Lage Raposo, Alferes Miliciano de Infantaria, com a especialidade de Minas e Armadilhas, CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 (Guiné, Zona Leste, Setor L1, Bambadinca, 1968/70); a CCAÇ 2405 passou por Mansoa, sendo depois colocada em  Galomaro e Dulombi; perdeu 17 militares na travessia do Rio Corubal, na sequência da retirada de Madina do Boé, Op Mabecos Bravios, 6 de fevereiro de 1969; o Paulo Raposo foi o organizador do nosso  I Encontro Nacional, em 15 de outubro de 2006, na Quinta da Ameira, Ameira, Montemor-O-Novo.]



Entrei para a E.P.I, no Convento de Mafra,  como soldado cadete, na 2ª incorporação do ano de 1967, mais precisamente no dia 10 de Abril. Escolhi esta incorporação para não apanhar os rigores do inverno dentro daquele grande Convento.

O choque da entrada foi grande, passar de civil a militar não é fácil. Após a entrada, só podiamos sair depois de saber marchar, conhecer as patentes e saber fazer a continência.

Aquela primeira semana parecia que nunca mais acabava.

Na parte de trás do Convento, na grande parada, formava-se o Batalhão de Instrução. O seu comandante era o major Rocha, que passava o tempo a dizer:
– Comigo não há figos.

 Devia estar apanhado pelo clima de África nalguma Comissão de serviço que lá devia ter feito. Encontrei-o mais tarde na Messe de Bissau e logo Ihe perguntei:
–  Então, meu major, não há figos?
–  Comigo não há – respondeu ele de seguida.

O comandante da companhia era o capitão Ferro, com quem nunca mais me cruzei. O adjunto do comandante era o irrequieto  ten Garcia Lopes, a quemn voltei a encontrar na Guiné a comandar uma companhia de Comandos. O nosso instrutor era um rapaz da nossa idade, o alferes Leonel de Carvalho, sempre muito aprumado. Vi-o na televisão já como coronel, a comandar as forças militares que estavam na ponte 25 de Abril, aquando do grande bloqueio de 1994. Coitado, deve ter passado por situações muito desagradáveis.

Uma vez passada a primeira impressão entramos na rotina de um quartel. Há horas para tudo, no fundo também nos educa e auto-disciplina.

Recordo aqui alguns momentos que me custaram bastante.

O primeiro foi a dor que me causou, nos tímpanos, o estampido que a G3 dava quando fazia fogo. Até nos habituarmos, aqueles primeiros momentos passados na carreira de tiro eram dolorosos.

O segundo foi o lançamento de uma granada de mão, também na carreira de tiro. Só olhar para a granada me metia medo, quanto mais agarrá-la, tirar-lhe a cavilha e lancá-la.

Foi o ten Garcia Lopes que me acompanhou. Disse-me:
– Agarra a granada com a mão direita, tira a cavilha de segurança com a esquerda e lança-a; vê onde a granada cai e depois é que te metes no buraco.

Assim foi, mas não foi fácil.

O terceiro foi o campo de obstáculos que havia na Tapada Real, a que chamávamos a Aldeia dos Macacos. Havia dois obstáculos que eram difíceis de vencer. No fundo, o propósito era o de nos libertar dos medos e de nos vencermos a nós próprios.

Um deles era o salto ao galho. Este obstáculo era constituído por uma plataforma que ficava elevada a uns três metres do chão. À frente da plataforma, a uma distância de um ou dois metros, estava um poste que tinha no topo um galho. Tínhamos, portanto, de nos lançarmos para o galho. Se falhássemos, caíamos, agarrados ou não, ao poste.

O outro obstáculo era o pórtico. Era constituído por uma vigas que faziam um quadrado, que tinha uma largura de 40 cm e estava a uma altura do chão de 6 metros. Tínhamos de subir por uma corda, trepar para a viga, fazer o perímetro e descer pela mesma e única via.

Outro era o trabalho de estrada. Uma vez por semana fazíamos este exercício: íamos a correr de Mafra ao João Franco, no Sobreiro, e regressávamos. As subidas eram feitas em passo rápido, o resto do percurso a correr, com as belas botas que nos enchiam os pés de bolhas, mais os 3,9 kg da G3 que levávamos às costas.

O dia da Infantaria é o dia 15 de Agosto. Este dia representa a vitória da Infantaria (rainha de todas as batalhas) no célebre quadrado da Batalha de Aljubarrota, em 1385, realizado por D. Nuno Alvares Pereira. Naquele momento, D. Nuno implorou a protecção de Nossa Senhora. Em seu louvor foi construído o Mosteiro da Batalha.

Durante a batalha, D. Nuno e os soldados passaram tanta sede naqueles dias de Agosto, que, simbolicamente, D. Nuno mandou lá colocar uma bilha com água que está junto a uma pequena capela, para mais ninguém ter sede naquele local.

Esta vitória representa também e acima de tudo a força de vontade popular (Infantaria) contra a aristocracia espanhola (Cavalaria) e, de um certo modo, também contra a aristocracia portuguesa vendida aos espanhóis.

Foi feito um convite aos cadetes para irem até Fátima pelo dia 13 de Agosto. Fomos alguns. Fardados como cadetes, acompanhámos o andor de Nossa Senhora. Terminada a cerimónia fomos todos dormir para casa de um rapaz, nosso colega, que tinha a sua quinta perto de Ourém. Uns dormiram em camas e outros no chão.

Foi uma noite passada cheia de alegria, com o José Megre a animar o serão, a contar as suas histórias das corridas de automóvel, por que tinha passado em Inglaterra. É um excelente contador de histórias.

Tudo se passou. Aquele Convento de Mafra era sem dúvida uma fábrica de Oficiais. (**)

Paulo Raposo
______________

Notas do editor:

(*) Extratos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 4-7. Reproduzido na I Série do blogue, em poste de 12 de abril de 2006.

Guiné 63/74 - P13360: Manuscrito(s) (Luís Graça) (34): Aerograma para a Sophia que me emprestou o Livro Sexto, quando o T/T Niassa me levou para longe da minha praia



Foto: © Luís Graça (2011)


Aerograma para a Sophia 
que me emprestou o Livro Sexto,
quando o T/T Niassa me levou 
para longe da minha praia


Poderei não suportar o dia 
em que o mar se retirar 
da minha praia.

Poderei adoecer,
ou até mesmo morrer,
se me tirarem o mar
da minha rua, 
da minha porta.

E o pôr do sol
sobre a linha do horizonte da minha janela.
E o cheiro a maresia
no meu almofariz de cheiros.
E a tua estrela,
que na noite da guerra se recorta.
E as neblinas matinais
lavando os meus olhos.

Não sei se conseguiria fazer o luto
da morte do mar que já foi meu,
que já foi nosso.
Emigrarei para o hemisfério sul
quando me tirarem o mar do norte,
o mar do Serro,
as Berlengas ao fundo,
o meu querido mês de agosto,
o vento nos canaviais
na Praia do Paimogo.

Posso amar as tuas montanhas
e as tuas albufeiras
e as tuas florestas de castanheiros e carvalhos,
a gente rude e franca do norte,
mas preciso de regressar ao sul,
de vez em quando,
para respirar como as baleias.

Um exército de lapas
move-se de rocha em rocha
como sinal premonitório
da transmigração do mar.


Praia da Peralta,
8 de Setembro de 2007

Lisboa, v5 2 jul 2014
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13312: Manuscritos(s) (Luís Graça) (33): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte VI): O novo bairro da Ajuda (1965/68), um "reordenamento" na estrada para o aeroporto...

Guiné 63/74 - P13359: Op Trampolim Mágico: 26 de fevereiro de 1972: 18 Gr Comb + 2 GEMIL + CCP 123, com apoio da FAP e da Marinha, fazem desembraque anfíbio na margem direita do Rio Corubal e passam tudo a pente fino, do Fiofioli a Mansambo (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74)

1. No nosso último encontro, em Monte Real, no passado dia 14 de junho, em conversa com os camaradas Joaquim Mexia Alves e Juvenal Amado, veio à baila uma operação anfíbia no Rio Corubal em fevereiro de 1972, no setor L1 (Bambadinca).

O Joaquim Mexia Alves, na altura alf mil op esp na CART 3492, sediada no Xitole, participou nessa operação, juntamente com mais malta do BART 3873, cujo comando e CCS estavam sediados em Bambadinca. O Juvenal Amado mandou-me, a seguir, informação mais detalhada sobre essa operação, com nome de código Trampolim Mágico,  que aparece descrita no blogue do nosso camarada Luís Dias, Histórias da Guiné 71/74 -  A CART 3491, Dulombi. (Vd. poste de 10 de junho de 2014 > A nossa cruz de guerra).

[Foto à esquerda: Luís Dias, c. 1972/74]


Escrevi ao Luis Dias a pedir-lhe autorização para reproduzir,  no nosso blogue, o texto e as fotos que ele acabara de publicar, com vista a uma divulgação maior. Aqui vai a mensgem que tem data de 16/6/2014:

Luís: Não tenho a certeza do teu mail estar a funcionar... Há mensagens com data anterior devolvidas... Mas escrevo-te a pedir autorizaçãop para  publicar parte de um poste teu em que descreves a tua participação na Op Trampolim Mágico, juntamente com outras unidades,  incluindo a CART 3492 (Xitole), a CART 3494 (Xime), a CCAÇ 12...
Como vais tu ? Não tens dado sinais de vida... Foi o Juvenal (que faz anos amanhã) que me ajudou a chegar até aqui...

O Fiofiioli era um "mito" no meu tempo e a marinha não se atrevia a entrar no Rio Corubal, depois da Op Lança Afiada (10 dias), em março de 1969... Se tiveres mais fotos e informação, diz-me ou escreve... Vou publicar um poste sobre a Op Trampolim Mágico com o teu nome e com link para o teu blogue... Tudo isto faz parte das nossas memórias... mais ou menos doridas...

Pode ser ? Um abraço. Luis


2. A resposta do Luís Dias acaba de chegar, por intermédio do Juvenal Amado:

2 de Julho de 2014 às 21:36
Assunto: Operação Trampolim Mágico

Caro Juvenal: Fazes o favor de reencaminhar esta msg para o Luís Graça, dado que o seu endereço desapareceu do meu sistema e não sei porquê.Um abraço. Luís Dias

Amigo Luís Graça

Peço desculpa de só agora te estar a responder, mas tenho andado atarefado com aulas de formação, bem como outras actividades e confesso que não tenho tido tempo de vir ver as minhas msgs (estão em perto de 300!!!).

Podes utilizar tudo o que quiseres do blogue da minha companhia, muito em especial, o que está escrito sobre a operação Trampolim Mágico. A foto foi retirada já não sei de onde, talvez da Tabanca Grande (o blogue que tão dignamente diriges), mas não tenho referências da mesma.

Um abraço e manda sempre, Luís Dias




Guiné > Zona Leste > Croquis do Sector L1 (Bambadinca) > 1969/71 (vd. Sinais e legendas)


3. Descrição da Op Trampolim Mágico > Excerto do blogue do Luís Dias > poste de 10 de junho de 2014 > A nossa cruz de guerra.


Entre 24 de Fevereiro e 26 de Fevereiro [de 1972], o 2º GC e 3º GC da companhia [, a CART 3491, sediada em Dulombi] , participaram na Op Trampolim Mágico, na área de intervenção do BART 3873, com sede em Bambadinca, (que tinha chegado à Guiné poucos dias depois de nós - éramos todos uns "periquitos").

As NT foram agrupadas  da seguinte forma:

(i)  Grupo Castanho, formado por 4 GC da CART 3493 [ Mansambo], juntamente com o 2º e 3º GC da CCAÇ 3491 [, Dulombi];

(ii) O Grupo Laranja, formado por 4 GC da CART 3492 [, Xitole,]  reforçados por 1 GC da CCAÇ 3489 [, Cancolim,] e outro da CCAÇ 3490 [, Saltinho];

(iii) O Grupo Amarelo, formado pelos 4 GC da CART 3494 [, Xime], reforçados por 2 GC da CCAÇ 12 [, Bambadinca];

(iv) O Grupo Preto, formado pelos GEMIL 309 e 310;

(v) O Grupo Verde, formado pela CCP 123 [, BCP 12, Bissalanca, BA 12, 1972/74].

Em apoio: 1 parelha de Fiats G91, 1 parelha de T-6, 2 Hélios e 1 Héli-canhão e a artilharia de uma LDG.

Os grupos Castanho e Laranja foram embarcados em LDG e desceram o Rio Geba, onde passaram o dia, desembarcando em Porto Gole, ao fim da tarde e onde pernoitaram.

No dia seguinte, embarcámos de novo e lançados a todo o "vapor" fizemos um desembarque na Ponta Luís Dias (tem o nome de um dos alferes da nossa companhia, mas não tem nada a ver com ele) e em Tabacuta, sob o bombardeamento da aviação e da artilharia da LDG e com a presença no terreno do Comandante-Chefe, General António de Spínola.

Efectuámos acções de ataque a aldeias dominadas pelo IN, atravessando as matas do Fiofioli até Mansambo.

Dada o número das nossas forças os guerrilheiros foram fugindo, deixando para trás as mulheres, as crianças e os velhos, efectuando flagelações à distância, em especial de noite, para tentar nos localizar.

Nesta operação, em que estavam envolvidos batalhões recém-chegados à Guiné, houve momentos, em especial no Grupo Castanho, em virtude de termos ficado parados muito tempo ao sol (a excepção foram os nossos dois GC, que eram os últimos da coluna e que, ao nos apercebemos que iríamos ficar ali muito tempo saímos do sol, procurando abrigo na sombra das árvores) que poderiam ter dado em desgraça, face à falta de água, originando muitas evacuações por cansaço, insolação e desidratação.

A operação que implicou muitos meios não obteve os êxitos esperados, para além da destruição de locais do IN, da apreensão de diverso material e de documentação e da recuperação de população (32 pessoas) e foi mais um meio de mostrar ao IN a nossa presença na zona onde eles estavam implantados.



Porto Gole, onde existia um Padrão dos Descobrimentos portugueses e onde bebemos a cerveja que nos soube melhor, depois de um dia no meio do Rio Geba, dentro da LDG. [Foto de João Martins, reproduzida no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Com a devida vénia.]



Lancha LDG utilizada pelo agrupamento Castanho e Laranja, na Op Trampolim Mágico. Em pé e do lado dto (a olhar para a foto), o Alf Luís Dias. Fopto de Luís Dias (2014).



Zona de mato denso onde estavam diversas palhotas que serviam de refúgio a elementos do PAIGC e população que os apoiava e que foram destruídas pela nossa passagem. Foto de Luís Dias (2014).

Texto e fotos (a preto e barnco):  ©  Luís Dias (2014). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Vd. postes sobre a Op Lança Afiada

Guiné 63/74 - P13358: Parabéns a você (758): António Nobre, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969/70)

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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P13351: Parabéns a você (757): Silvério Lobo, ex-Soldado Mec Auto do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13357: (Ex)citações (235): A 'Máfrica' (EPI, Mafra) dos nossos verdes anos (Vasco Pires, camarada da diáspora lusitana no Brasil; ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

1. Comentário do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) (*)


Sim, a metáfora é minha, aliás, a citação.

Vamos lá, então, explicar para os mais apressados.

Muitos de nós - inclusive eu - vínhamos da Academia Coimbrã, em um momento de "clivagem", na segunda metade da década de 60 do século passado.

Mafra: Convento... Fonte desconhecida
Só para relembrar: Barricadas de Paris, De Gaulle  voa para Baden-Baden para se encontrar com Massu, Guerra do Vietname, Universidade de Kent 70...

Então, "Máfrica" exprimia a reação,  de jovens inocentes e provincianos que se julgavam na vanguarda da modernidade e pensavam que iam mudar o mundo, à disciplina militar, reforçada, por ser num curso acelerado [, o COM].(**)



No meu caso, o impacto foi "amortecido", pois dormia e comia fora do quartel [, EPI].

Quanto a juízos de valor, nada tenho contra quem os faz, todavia, eu  procuro não fazê-los. (***)

forte abraço a todos
Vasco Pires
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13355: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): IV (e última) Parte: A Máfricacomo "instituição totalitária", no sentido sociológico forte do termo...

(**) Vd. também:

1 de fevereiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12662: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (15): Mafra, Tavira, Caldas, Santarém, Vendas Novas..., nos tornaram vítimas e agentes (Vasco Pires)


...(...) O processo começava aí: "Máfrica", Vendas Novas, Tavira, Caldas da Rainha... E lá íamos nós, mais ou menos convencidos e eficientes agentes, enquadrar outros mais, pelos quartéis de Portugal e de África. Mafra e Tavira, eram o início de um processo de inserção no sistema de muitos milhares, que a propaganda chegou a fazer pensar, que estavam "dilatando a Fé e o Império". 

Mafra, Tavira, Caldas, Santarém, Vendas Novas..., nos tornaram vítimas e agentes. (...)



16 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10535: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (2): Como fui parar a Gadamael, por acção do meu pai e reacção do 'Paizinho' 

(...) Meu avô materno era filho de comerciante, e como seus irmãos emigrou para o Brasil, e ao contrário deles voltou a Portugal, no fim da primeira década do século XX, casou com uma professora, que era duma família profundamente ultramontana, originaria da Madeira.

A minha infância e adolescência foi passada em escolas da região, seguida de uma passagem de cinco anos pela efervescente cena Coimbrã da segunda metade da década de 60.

Em 69, saí desse "borbulhar" de novas ideias e atitudes, para a disciplina EPI na "Máfrica" de tantos de nós. Logo começou a minha boa sorte, de ter camaradas, subordinados e superiores que me ajudaram nesta caminhada de três anos pelos quartéis de Portugal e África.

Nesta caminhada de soldado-cadete, apareceu o Raul, que era da Mealhada, professor, com família constituida, e lá rumávamos todo Domingo para Mafra. O Raul era um gordo bem humorado, que fazia todos os exercícios como qualquer atleta, mas comer do rancho já era pedir muito, logo tratou de desarranchar e alugar apartamento, e lá fui eu "no vácuo". E assim foi-se amortecendo o choque da irreverência da Academia Coimbrã, com a disciplina do quartel.

Onde quer que estejas, Raul, o meu muito obrigado! (...) 


Guiné 63/74 - P13356: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (44): uma seleção de fotos do Jorge Canhão...



IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Mais uma foto de família.O encontro juntou 145 participantes. E o próximo, o 10º, já está marcado para 18/4/2015.


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Uma aspeto parcial da esplanada, antes dos aperitivos. Devido ao calor, os aperitivos foram servidos no interior.


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Aspeto parcial da sala onde se tomaram os aperitivos.


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Ao centro, Jorge Picado (Ílçhavo) e  o J. Casimiro Carvalho (Maia)... À esquerda, o David Guimarães (Espinho).


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Em primeiro plano, o Fernando Súcio (Vila Real) que se fartou de tirar fotos mas não mandou nenhuma para a organização...


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > O J. Casimiro Carvalho e o Alexandre Coutinho e Lima


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > As "nossas caras lindas"; da direita para a esquerda, a Giselda, a Maria de Lurdes (esposa do fotógrafo), a Gina e Lígia (de costas)



IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > A comissão organizadora: da esquerda para a direita, J. Mexia Alves, Carlos Vinhal, Luís Graça e Miguel Pessoa.


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Aspeto parcial de alçgumas meses na sala de almoço


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Um aspeto parcial do almoço, com o Joaquim Peixoto (Penafiel), em primeiro plano, de perfil

I
IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > O J. Casimiro Carvalho (Maia) e o Agostinho Gaspar (Leiria), mais um outro camarada, de pé,. ao meio, que não sei identificar


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > O "régulo" da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales, e o seu "secrtário geral", Zé Manel Dinis.. Dois grã-tabanqueiros de Cascais...


Fotos: © Jorge Canhão (2014). Todos os direitos reservados. {[Edição e legendagem: LG]
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Guiné 63/74 - P13355: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): IV (e última) Parte: A Máfrica como "total institution", no sentido sociológico forte do termo...


Capa da brochura, s/d, usada no COM - Curso de Oficiais Milicianos, ministrado na EPI - Escola Prática de Infantaria, Mafra (ou a Máfrica, como lhe chama o Vasco Pires, nosso camarada da diáspora lusitana no Brasil), 


Planta do EPI, Mafra





EPI - Salas de aula
































Reprodução da quarta (e última) parte do guia do instruendo do COM (Curso de Oficiais Milicianos), usado na EPI - Escola Prática de Infantaria, em Mafra (*):  Informações úteis para o instruendo (Correio, telefone, sslas recreativas, cantinas, barbearias, farmácias, parques de estacionamento, retificação de documentos, datas de casamentos, talhes de barba e cabelo...).

Imagens: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. O documento original, sem data, chegou-nos, devidamente digitalizado, por mão do nosso camarada Mário Vasconcelos [ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72. Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à esquerda].

Recorde-se que já publicámos o guia do instruendo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos, documento que nos chegou por mão da parelha Fernando Hipólito / César Dias, e que é claramente mais "ideológico" do que o guia que estamos agora a publicar. Comparando os dois guias, há claramente um tratamento mais "classista", de maior deferência, em relação ao instruendo do COM, futuro "oficial e cavalheiro".

Não encontro este documento na Biblioteca do Exército.

Estas "indicações" ( e não "instruções") dadas aos instruendos dos COM remetem, por sua vez, para o Regulamento Geral de Instrução do Exército (RGIE).

2. De qualquer, a grande escola de cadetes e fábrica de oficiais  que depois seguiam para os teatros de operações do ultramar, a grande 'MÁFRICA' (, a expressão é do nosso grã-tabanqueiro Vasco Pires), que terá formado dezenas e dezenas de milhares de oficiais subalternos e comandantes operacionais, era, como em qualquer parte do mundo, uma verdadeira "instituição totalitária" ("total institution") no sentido forte, sociológico, do termo.

Se não,  vejamos alguns traços comuns às instituições e organizações a que poderíamos aplicar a tipologia desenvolvida, e,m 1961, pelo sociólogo americano Erving Goffman (Asyluns: essays on the social situation of mental patients and otther inmates. New York: Anchor, 1961).

(i) Este tipo de institituições  são organizações "muralhadas",  fechadas, com "barreiras" delimitando claramente as trocas ou transações com o exterior, tanto ao nível das entradas no sistema  (inputs) como das saídas (outputs);

 (ii)  como em qualquer estabelecimento militar (mas também prisional, conventual, hospitalar psiquiátrico...), essas barreiras tanto são físicas (sob a forma de muros altos, arame farpado, áreas minadas, portões, janelas gradeadas, portarias, guichés ou balcões de atendimento, pessoal e sistemas mais ou menos sofisticados de vigilância e protecção, áreas de acesso interditas ao público, etc.; como a própria arquitectura dos edifícios, marcada por uma grande volumetria ou monumentalidade, mais evidente ainda em Mafra, já que o  EPI está instalado num antigo convento);   como são  barreiras imateriais, culturais ou simbólicas (logótipos, regulamentos, valores, práticas, ritos, vestuário, normas de acesso, códigos linguísticos, sistemas de sinalização, etc.).;

(iii) tais barreiras servem fundamentalmente para demarcar as fronteiras do sistema de acção interno e definir a identidade organizacional (por ex., o soldado fardado e armado junto a uma barreira de arame farpado, as formaturas, as divisas e galões, os toques de clarim);

(iv) os instruendos (neste caso...)  estão colocados sob uma única e mesma autoridade (o comandante da EPI);

 (v) comem, dormem e trabalham sob o mesmo teto;

(vi) cada fase da atividade quotidiana desenrola-se, para cada instruendo, , numa relação de grande promiscuidade com um elevado número de outros instruendos, submetidos às mesmas regras, procedimentos, deveres e obrigações;

(vii)  todos os períodos de atividade são regulados segundo um programa estrito, isto é, todas as tarefas estão "encadeadas", obedecem a um plano imposto "de cima" por um sistema explícito de normas e regulamentos cuja aplicação é assegurada pelo pessoal militar (de instrução e de apoio), fortemente hierarquizado (oficiais, sargentos e praças); e, por último,

(viii)  as diferentes atividades assim impostas são por fim reagrupadas segundo um plano único e racional,concebido expressamente para responder ao fim ou missão oficial da instituição (, formação militar, humana, técnica e operacional de oficias subalternos em tempo de guerra).

O traço essencial destas instituições, como a MÁFRICA, é a aplicação ao indivíduo dum tratamento coletivo (e, nalguns casos, coercivo) de acordo com um sistema burocrático que cuida de todas as suas necessidades. Daí decorrem alguns consequências importantes, segundo a sociologia da "total institution":

(ix) A tarefa principal dos profissionais (pessoal dirigente e de enquadramento) não é tanto a de dirigir, controlar, ou supervisionar o trabalho, como numa empresa, como sobretudo a de vigiar e punir toda a infracção às regras, todo o comportamento desviante (, isto é mais evidente nas instituições ligadas á justiça, à reinserção social, e  até `á saúde mental - caso dos manicómios, no séc. XX e primeira metade do séc. XX);

(x) Há um fosso intransponível entre o número restrito de dirigentes e de pessoal de enquadramento (instrtutores, neste caso) e a massa de indivíduos dirigidos lou em formação (instruendos);

(xi) Os instruendos são forçados a viver no interior do estabelecimento, por períodos variáveis  (entre 3 a 6 meses),  mantendo com o mundo exterior contactos limitados, enquanto os profissionais continuam , entretanto, oficialmente integrados nesse mundo exterior (têm as suas famílias e as suas casas,  as suas relações sociais, os seus hobbies, etc., no exterior, na comunidade, "lá fora");

(xii) Cada grupo tende a ter  uma imagem estereotipada (e muitas vezes negativa e até hostil) um do outro: para o instrutor, o instruendo  é, incialmente,  visto como um simples mancebo, um ser virado sobre si mesmo, egocêntrico, infantil, reivindicativo, efeminado, mole, cobarde, muitas vezes agressivo, mentiroso, desleal e ingrato; para o instruendo, o instrutor  começa por ser visto  um ser poderoso e muitas vezes prepopente e até tirânico; em todo o caso, quase sempre distante, frio, mesquinho e desumano;

(xiii) Os contactos entre os dois grupos são restritos: a própria instituição impõe a distância espacial e temporal entre eles; mesmo quando certas relações são inevitáveis (a interação na instrução); há barreiras selectivas (as regras da hierarquia militar,  baseadas da unidade comando controlo); há segregaçºão socioespacial (messe de oficiais, messe de sargentos, refeitório de praças);

(xiv) Os instruendos são mantidos sistematicamente na ignorância das decisões que lhe dizem respeito, quer os motivos alegados sejam de ordem militar, legal, administrativa, disciplinar, penal; por outro lado,. nem têm qualquer poder reivindicativo, dada a sua situação de total subordinação e a sua sujeição ao regulamento de disciplina militar;

(xv) A instituição no sentido lato do termo (edifícios, instalações, equipamentos, recursos técnicos, humanos e financeiros, razão social, história, políticas, nome, logotipo, etc.), é vista, tanto por uns como por outros, como ‘propriedade’ dos dirigentes (comandante, instrutores, pessoal de apoio), sendo o pobre do instruendo visto, condescendentemente, quando muito um ‘hóspede’; não há visitas e as saídas (tal como as entradas) são estritamente regulamentadas e controladas em função da lógica do processo de instrução militar, não das necessidades, expectativas ou preferências do instruendo (ou da sua família); como "hóspede" que é, a ele aplica-se o provérbioi popular: "O peixe e o hóspede ao fim de três dias fedem", isto é, cheira mal:

(xvi) A relação de trabalho (nas "total institutions") tende a estar  mais próxima da relação senhor/servo do que da relação de trabalho livre (embora subordinado), que é uma das estruturas-base das sociedades modernas: o conteúdo, a organização e as demais condições de trabalho, os horários, os planos de actividades, as regras de funcionamento, o regimento, etc., são impostos e sancionados pela instituição,


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1964 > Curso de Sargentos Milicianos (CSM) > "Mafra, 26 de Janeiro de 1964 > O 1.º pelotão, da 1.ª Companhia,  ao 2.º dia de tropa"... Foto (e legenda) do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67).


Foto: © Veríssimo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



(xvii) A "nstituição totalitária", enquanto comunidade residencial e organização fortemente centralizada, regulamentada e fechada, é, de resto, incompatível com uma outra estrutura básica no processo de socialização: a família; a sua eficácia depende, aliás, em grande parte do grau de rutura que ela provoca com o universo familiar dos seus membros e com os papéis sociais que desempenhavam antes (pai, esposo, educador, etc.). 

Em suma, e segundo o sociólogo norte-americano Erving Goffman, as ‘instituições totalitárias’ (prisões, hospícios, asilos, lazaretos, hospitais psiquiátricos ou manicómios dos séculos passados, mas também estabelecimentos militares e militarizados,  unidades da marinha de guerra e mercante, frota da pesca do bacalhau, colégios internos, reformatórios, centros de reclusão/reinserção social, mosteiros, conventos, seminários, etc.); seriam, nas sociedades humanas, lugares de coerção destinados a modificar a personalidade, as atitudes ou o comportamento do indivíduo, e a que o indivíduo responde através de dois tipos de "adaptações":

(a) primária ou manifesta (por ex., aceitação das regras, interiorização das normas e valores, submissão à disciplina, compliance ou adesão ao tratamento prescrito, ressocialização);  e

(b) secundária ou latente (como meio de escapar ao papel e ao personagem ou ao label que a instituição lhe impõe — instruendo, educando, interno, noviço, aprendiz, louco, doente, recluso, recruta,  etc.. — e que o leva a assumir uma vida clandestina no seio da instituição. (LG)

PS - Claro que este "modelo sociológico" também se aplicava, com as necessárias adaptações e cautelas, tanto à 'MÀFRICA' como  ao CISMI, Tavira, por onde muitos de nós passámos (e fomos "passados")... antes de ir parar, alegremente,  às bolanhas da Guiné.
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Nota do editor:

(*) Postes anteriores:

18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13003: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte I: Finalidade, Funcionamento, Provas de aptidão, classificação e Faltas

25 de abril de 2014 > Guiné 63774 - P13041: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte II: Averbamentos; Serviço interno; (...); Salas de estudo; Comportamento; Saídas do quartel; Passaporte de dispensas ou licenças; Cartas de recomendação, pedidos feitos por interpostas pessoas, etc.. etc., [vulgo, "cunhas"].

28 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13055: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte III :vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos

terça-feira, 1 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13354: Agenda cultural (330): Atenção, Viriatos, ao lançamento, no dia 9, às 17h30, no Salão Nobre da CM Lisboa, do livro inédito, "As Viríadas", a epopeia portuguesa setecentista escrita pelo médico Isaac Samuda (Lisboa,1681 - Londres, 1729)









1. Por mail de Manuel Curado, professor de filosofia da Universidade do Minho,  Braga,  chegou-nos este convite da Câmara Municipal de Lisboa, da Rede de Judiarias de Portugal e da Imprensa da Universidade de Coiimbra, para o lançamento do livro "As Viríadas do Doutor Samuda", edição crítica,  a cargo do prof dr Manuel Curado,  da epopeia setecentista,  inédita,  dos médicos judeo-portugueses Isaac Samuda  (Lisboa, 1681- Londres, 1729) e Jacob de Castro Sarmento (Bragança, 1691-Londres, 1762),

A sessão realizar-se-á  no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa, dia 9 (3ª feira), às 17h30.

2. Sobre a obra (que vem enriquecer a língua e a cultura portuguesas), ver  a seguir uma sinopse, transcrita, com a devida vénia, da página da Imprensa da Universidade de Coimbra [, negritos nossos]:



As Viríadas do Doutor Samuda
Autor: Manuel Curado
Língua: Portuguesa
ISBN: 978-989-26-0659-0
Editora: Imprensa da Universidade de Coimbra
Edição: 1.ª
Data: Maio 2014
Preço: 25 euros
Dimensões: 240 mm x 170 mm
N.º Páginas: 688

Uma epopeia portuguesa setecentista inédita, mas não ignorada, em décimas bem ritmadas, cujo autor, Isaac Samuda, é um dos judeus de talento que o fantasma da Inquisição chegou a aprisionar por um tempo e ameaçava persegui-lo de novo, pelo que teve de emigrar, é o livro que temos o gosto de aqui apresentar.

A obra era inédita, conforme dissemos, mas não se desconhecia a sua existência, porquanto várias publicações, entre as quais o Dicionário de Inocêncio, haviam falado dela. Tão-pouco o era a figura do seu herói, tantas vezes enaltecida ao longo dos séculos, nomeadamente na célebre epopeia de Brás Garcia Mascarenhas, Viriato Trágico, que é anterior a esta.

Do autor das Viríadas, Isaac Samuda, também se conheciam dados significativos, para além dos já mencionados: bacharel em Artes, estuda Medicina na Universidade de Coimbra, e, devido à sua origem judaica, é forçado a exilar-se; chega a Londres nos primeiros anos do século XVIII; aí efectua a mudança de nome, como era de rigor, e começa a exercer a sua profissão junto da colónia portuguesa. Dentro de poucos anos é admitido em duas instituições britânicas de grande prestígio: O Real Colégio de Médicos e a Real Sociedade de Londres (na qual foi o primeiro judeu a ser recebido).

Estes e muitos outros dados, incluindo a multiplicidade dos interesses científicos de Samuda, são cuidadosamente analisados pelo autor desta edição, Manuel Curado, professor de Filosofia da Universidade do Minho - Braga. Assim, não deixa de pôr em relevo a presença dos ecos das epopeias clássicas, como a intervenção dos deuses, a paixão de Viriato por Ormia, que Tântalo, um dos guerreiros lusitanos, também pretende.

Mas não esqueçamos que o poema está cheio da descrição de combates, da alegria dos banquetes, das exortações de Viriato aos seus companheiros de armas. Ao lado destes temas, surge a descrição de paisagens e monumentos (designadamente os de Évora), que põe em destaque a sensibilidade artística do poeta. 

Não menos evidente é o seu interesse pela Botânica, ao descrever com minúcia e saber as plantas e os seus frutos. São igualmente significativos os seus conhecimentos na área da Física. Para o provar basta ler a estrofe 40 do canto VI, onde se descrevem as alterações do rosto de Ormia, ao ouvir a declaração de amor de Tântalo. Manuel Curado observa: "Ao descrever a alteração da cor do rosto de Ormia" ele a comparava "a um prisma newtoniano que decompõe a luz". E, em nota, acrescenta ainda que Samuda fez mais duas alusões "ao prisma de Newton que decompõem a luz branca". Do saber filosófico que premeia toda a obra nem se torna necessário fazer menção.

Samuda não viveu o suficiente para completar a sua longa epopeia. Na estância 58 do canto XIII, Viriato acaba de celebrar mais uma vitória e de se coroar com ramos de azinheira. As estrofes seguintes (58-108) são já da autoria do seu grande amigo Jacob de Castro Sarmento, porquanto o tema se transformou na apologia de um Deus único e Verdadeiro. É um velho sírio que dá essa longa explicação, que Viriato agradece na estância com que finda o poema.

O destino do texto das Viríadas passou por muitos acidentes até se recuperarem duas cópias - as únicas que se conhecem até à data - que surpreendentemente estão guardadas em bibliotecas da América do Norte: uma na Thomas Fisher Library, na Universidade de Toronto, outra no Jewish Theological Seminary, em Nova Iorque.

É nesses dois exemplares, portanto, que se baseia a presente edição crítica. A riqueza e profundidade do trabalho executado por Manuel Curado, além de acrescentar mais uma epopeia à nossa Literatura, é um estudo profundo e seguro das Viríadas. Nele se evidencia o rigor e experiência que caracterizam os estudos deste investigador e professor.
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de junho de 2014 > ao Nober da CM LisboGuiné 63/74 - P13342: Agenda cultural (329): Lançamento do livro "Capitão de Abril", de Fernando Salgueiro Maia, apresentado pelo Cor Vasco Lourenço, dia 1 de Julho de 2014, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, Lisboa