1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Julho de 2015:
Queridos amigos,
Era um sonho antigo, por razões de trabalho ou por lazer puro, cirandei ao longo dos anos entre Veneza e Milão, Florença e Pisa, Roma e outras espetacularidades conhecidas e apetecidas.
Gostava de dar uma saltada ao Sul, chegou o tempo propício. Uns pozinhos de Roma, uma fornalha que nenhuma água aplacava. E depois Salerno, escolhida para epicentro das incursões de sonhos da juventude, caso de Pompeia e não resisti à curiosidade mundana de ir até à Costa Amalfitana.
Como muitos de vós, li na juventude O Livro de San Michel, de Axel Munthe, fiquei sempre com curiosidade em confirmar aquelas belezas de Capri e arredores. Não me deslumbraram, com a suprema exceção da catedral de Amalfi.
Adiante falaremos.
Um abraço do
Mário
Un viaggio nel sud Italia (1)
Beja Santos
De Roma para Salerno
Visitei Roma pela primeira vez em 1985, vinha de uma missão da FAO em S. Paulo, Brasil, por ali andei quatro meses e meio com um projeto de educação alimentar, superentendia um chileno formado em Harvard, o prof. Hugo Amigo. Aqui arribei em 20 de Dezembro, e o encarregado do projeto submetia-me diariamente a sessões de trabalho, com base no meu relatório. Saía cedo do hotel e entrava no edifício da FAO, entre as Termas de Caracala e o Circo Máximo, tinha direito a estas vistas à hora de almoço. A 22 à noite, pedi para ir fazer compras, regressava a Portugal a 24. Um tanto à má-fila, concederam o dia seguinte, traria ainda trabalho para Portugal, era a moeda de troca. Naquele tempo S. Pedro estava aberta todo o dia mas os Museus Vaticanos tinham horário de funcionamento entre as 8h30 e as 14h. Comecei o dia na Capela Sistina, nunca me arrependia da escolha, passei todo lampeiro pelas obras de Rafael e tantas tentações por todas aquelas salas. Depois fui a S. Pedro, a tensão em que vivera todos aqueles meses com relatórios diários, reuniões intermináveis e o obrigatório trabalho de casa fizeram-me explodir em lágrimas frente ao túmulo de S. Pedro, foi uma cena de tal ordem que vieram perguntar se eu precisava de um médico.
Desta feita, a jornada centra-se em outros sonhos da juventude, Pompeia, a Magna Grécia, quero conhecer Nápoles, depois ir até Tivoli e depois Assis, e vaguear em Roma até apanhar o voo da Ryanair. Os alojamentos são proibitivos, andei à procura do mais chunga com comentários de haver higiene no habitáculo. E depois de muito consultar, Salerno era a cidade que oferecia melhores preços para ir a Pompeia, visitar a Costa Amalfitana e Nápoles. E assim se decidiu. E a 24 de Junho à noite, com um calor insuportável cheguei à Via Palestro, perto da estação terminal. Logo de manhã, atirei-me aos meus deveres.
Impressiona-me a arquitetura romana, quando se formou em Itália, no século XIX, havia que mostrar a estirpe e fazer uma cidade imperial, em 1911 os italianos conquistaram a ferro e fogo a Etiópia. As casas parecem palácios e olhar para as grandes portadas não é perda de tempo, há para ali escultura de grande valor. Ali perto da Piazza dei Cinquecento encontrei estes motivos escultóricos, comecei logo a trabalhar, veio um segurança aos gritos, as fotografias eram proibidas, tratava-se de um tribunal, pus um sorriso amarelo, esta já cá canta, Roma dá-me o que eu gosto.
Aqui está um bocadinho da fila em que me meti, duas horas de andar vagaroso, com uma garrafa de litro e meio, o calor já desabrochou, tirei muitas fotografias neste andar penitente, só vos mostro e esplendor de uma parte da colunata de Bernini, recentemente restaurada, o céu é enganador, parece translúcido com aqueles farrapos de nuvens, mas dardeja uma temperatura insuportável.
Para chegar aqui, junto da minha escultura preferida de Michelangelo, levei os encontrões da praxe, e fiquei embatucado pois esta beleza excede-me, também ela é enganadora. Circulam imensos vídeos sobre a Pietá, percebe-se que esta escultura é poliédrica, pluridimensional, para perceber como Cristo está morto e parece levitar, e este ângulo da imagem não permite ver sua Mãe no maior sofrimento deste mundo, até parece resignada. Custa sair dali. Michelangelo terá sido um homem de fé e mais do que o génio do artista o que eu lhe agradeço é a forma como comunica o sentido de dar a vida pelos outros, o núcleo da mensagem deste mármore de Carrara.
Quando se circula por S. Pedro com uma câmara tão rudimentar como a minha não vale a pena supor que é possível captar cúpulas, o baldaquino de Bernini. E não me entusiasma andar a fotografar papas, mesmo o meu querido João XXIII, embalsamado e iluminado. Assim, andei lampeiro à procura de detalhes do barroco opulento, fiquei-me por estes dois, acho-os de primeira água. Percorrido o maior templo cristão ao cimo da terra, vim gozar das delícias que a praça oferece, e não são poucas.
Apostei, veja-se a minha ingenuidade, que era possível fotografar a fonte a escorripichar para dentro do tanque. E que alegria tive quando vi que a imagem premiara tanta crença, tanta fé. Saio do Vaticano, quero um pouco de Roma, só ao fim da tarde é que parto para Salerno.
A câmara voltou a trair-me, ficaram impróprias para consumo imagens de castelos, fachadas, vestígios da Roma Imperial. Ficou incólume esta ponte sobre o Tibre e esta fonte na Piazza di Spagna, a sede atormenta-me, o calor não abranda, o melhor é almoçar, apanhar o metro e ir buscar os trastes ao albergue. O comboio parte à hora, menos três horas depois sou despejado em Salerno, pouco sei da cidade, por aqui desembarcaram os americanos em 43 depois de despejarem umas bombas, à frente da cidade estende-se o golfo com o mesmo nome.
Registei no meu canhenho que aquela igreja, mesmo à saída da agre ferroviária, se chamava igreja do Sagrado Coração de Jesus. Atraíram-me as esculturas em bronze da porta principal, tirei imagens mas estraguei-as, é um dos meus dons de amador. Por ali cirandei, gostei deste púlpito que tem reminiscências dos trabalhos da família Della Robbia, e fiquei emudecido com este sacrário, também moderno, parece um trovejar de ouro dentre um obscuro altar lateral. E ponho-me a caminho dentro do casco histórico, o quarto agora faz parte de um bed and breakfast, é simpático e tem ar condicionado. À saída dou com um jovem que é de Macedo de Cavaleiros e se diplomou na Covilhã em Economia da Energia, vem fazer aqui uma conferência. Lá fomos jantar um menu económico, estou a cabecear de cansaço e não prevejo as surpresas da manhã seguinte.
Limpo e pequeno-almoçado, a fazer fé no documento sobre as belezas arquitetónicas de Salerno, vou conhecer a sua catedral, dedicado à Virgem Maria e a S. Mateus. Já estamos no Mediterrânio Central, aqui o diálogo entre civilizações é uma constante. Gosto da cor da pedra e do vistoso que permite toda esta série de reminiscências bizantinas. E este imenso átrio de onde parece levantar-se esta espetacular torre sineira é a imagem que nunca mais me sairá da memória.
O Museu Diocesano de Salerno, acoplado à catedral, tem duas raridades de fama mundial. Primeiro, uma coleção de marfins (que se aproxima das 70 peças) que constitui o conjunto mais completo da cristandade medieval, pensa-se que do século XIII. São tão belos que os poucos que restam encontram-se no Louvre, no Museu Metropolitano, no Hermitage, em Berlim, Budapeste e Hamburgo. Só para ver estas peças justifica-se vir a Salerno. São temas do velho e novo testamento, o que aqui se mostra é a expulsão de Adão e Eva do paraíso, presumivelmente os dois a trabalhar e depois a Natividade e o anúncio dos pastores. Mas há mais, o museu conserva 11 folhas de pergaminho iluminadas do Exultet (o pregão da Páscoa) que datam de princípios do século XIII e que ilustram a oração que se recita na noite de Sábado de Aleluia. Consolado com tanta beleza, misturo-me com a pequena multidão que se passeia pelo casco histórico. Sente-se a maresia, mas apetece estar à sombra, tomar o pulso a esta pequena cidade que conheceu os horrores da II Guerra Mundial, mesmo na baixa intensidade.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 5 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14973: Os nossos seres, saberes e lazeres (109): Tomar à la minuta (11): Vinde, Divino Espírito, aqui estão os tabuleiros da nossa fé (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
Guiné 63/74 - P14994: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (19): Festa de Ferrel, 2015 - a burricada... Afinal, o que é faz correr o/a burro/a, a cenoura ou o chicote?... E hoje há sardinhada na nova tabanca de Ferrel, organização do régulo Joaquim Jorge, coadjuvado pelo régulo da tabanca de Porto Dinheiro, Eduardo Jorge Ferreira... De Lisboa vem expressamente o João Sacôto (Luís Graça)
Vídeo (1' 09''). Alojado em You Tube > Luís Graça
Foto nº 1
Foto nº 2
Foto nº 3
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Foto nº 5
Foto nº 6
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Foto nº 8
Foto nº 9
Foto nº 10
Foto nº 11
Foto nº 12
Foto nº 13
Peniche > Freguesia e Vila de Ferrel > Festas 2015 > 8 de agosto > A tradicional burricada na terra de Portugal que já teve mais burros por habitante... A corrida de burros nas festas de Ferrel é uma tradição com quase meio século, atraindo largas centenas, se não milhares, de visitantes...
Ferrel é também a terra do nosso novo grã-tabanqueiro, Joaquim Jorge, que se vai estrear hoje como régulo da tabanca local... Há uma sardinhada à espera de 24 bocas... Na organização do evento participa também o régulo da tabanca de Porto Dinheiro, Lourinhã, o Eduardo Jorge Ferreira (, o tal que na outra encarnação se cobriu de glória na batalha do Vimeiro, em 21 de agosto de 1808)...
E de Lisboa vem o João Sacôto, que foi camarada do Joaquim Jorge no BCAÇ 619 (Catió, 1964/66)... Mais uma prova de que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Não se veem há 50 anos...
O meu obrigado ao Joaquim pela hospitalidade e generosidade. As festas de 2015 acabaram na segunda-feira, dia 10, e o Joaquim e a Esmeralda estão a precisar de mudar de ares e de descansar... Mesmo assim não viraram a cara à nossa sugestão, minha e do Jaime, de juntar a malta numa sardinhada, na sua terra, em pleno mês de agosto...
Obrigado também ao Eduardo, pela cumplicidade e participação na organização. Obrigado ao Jaime Bonifácio Marques da Silva e ao João Sacôto, dois nossos grã-tabanqueiros, por terem alinhado desde a primeira hora...
Até mais logo, camaradas e amigos, por volta do meio dia...
Marcamos encontro em Ferrel.
LG
Fotos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados
Ferrel é também a terra do nosso novo grã-tabanqueiro, Joaquim Jorge, que se vai estrear hoje como régulo da tabanca local... Há uma sardinhada à espera de 24 bocas... Na organização do evento participa também o régulo da tabanca de Porto Dinheiro, Lourinhã, o Eduardo Jorge Ferreira (, o tal que na outra encarnação se cobriu de glória na batalha do Vimeiro, em 21 de agosto de 1808)...
E de Lisboa vem o João Sacôto, que foi camarada do Joaquim Jorge no BCAÇ 619 (Catió, 1964/66)... Mais uma prova de que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Não se veem há 50 anos...
O meu obrigado ao Joaquim pela hospitalidade e generosidade. As festas de 2015 acabaram na segunda-feira, dia 10, e o Joaquim e a Esmeralda estão a precisar de mudar de ares e de descansar... Mesmo assim não viraram a cara à nossa sugestão, minha e do Jaime, de juntar a malta numa sardinhada, na sua terra, em pleno mês de agosto...
Obrigado também ao Eduardo, pela cumplicidade e participação na organização. Obrigado ao Jaime Bonifácio Marques da Silva e ao João Sacôto, dois nossos grã-tabanqueiros, por terem alinhado desde a primeira hora...
Até mais logo, camaradas e amigos, por volta do meio dia...
Marcamos encontro em Ferrel.
LG
Fotos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:
Último poste da série > 8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14984: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (18): Há festa em Ferrel e nasceu mais uma tabanca, de que será régulo o Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616 / BCAÇ 619 (Empada, 1964/66)
Último poste da série > 8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14984: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (18): Há festa em Ferrel e nasceu mais uma tabanca, de que será régulo o Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616 / BCAÇ 619 (Empada, 1964/66)
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terça-feira, 11 de agosto de 2015
Guiné 63/74 - P14993: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (15): De 19 a 22 de Junho de 1973
1.
Em mensagem do dia 6 de Agosto de 2015, o nosso camarada António Murta,
ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma página do seu Caderno de Memórias.
19 a 22-06 1973
Da História da Unidade BCAÇ 4513:
JUN73/19 – Forças da CCAÇ 18 detectaram e levantaram em NHACOBÁ 1 mina antipessoal IN.
Passados 15 minutos foram flagelados durante 5 minutos com cerca de 20 granadas de morteiro 60 e RPG-7 da direcção S-SW, sem consequências.
[Este doc. Não refere a minha 2ª CCAÇ, mas estivemos todos em Nhacobá ao lado da CCAÇ 18. Há outros dados que não coincidem, mas podem ser falhas minhas].
Do meu diário:
19 de Junho de 1973 – (terça-feira) – Aldeia Formosa; Nhacobá e o nosso segundo ataque.
Missão: protecção às máquinas que trabalham em Nhacobá. Na estrada já pouco falta fazer. Para Nhacobá foi toda a minha Companhia juntamente com a CCAÇ 18 (Companhia africana). Até lá, tudo foi rotina: saída de Aldeia Formosa em coluna, chegada a Cumbijã e caminhada a pé até Nhacobá. Seguiu a “18” à frente, logo seguida do meu grupo e depois os restantes. Todo o caminho esperei uma emboscada ou coisa parecida, mas nada aconteceu. A chegada a Nhacobá foi demorada, devido à lentidão da picagem da estrada. Apesar de termos chegado a Cumbijã cerca das 7h30, só por volta das 10 e picos entrámos em Nhacobá.
Mal tínhamos acabado de montar o dispositivo de defesa e eis que se desencadeia infernal flagelação, partindo das palmeiras na orla da mata em frente, do outro lado da bolanha. O costume. Nós estávamos na orla da mata de Nhacobá, com a bolanha, portanto, a separar-nos no frente-a-frente. A resposta foi rápida e partiu principalmente da “18”, muito mais experiente do que nós. Dada a posição do meu grupo na orla, de vegetação muito densa, era quase impossível fazer fogo a não ser de morteiro. Mesmo este, após o lançamento da primeira granada, ficou inoperacional por se ter enterrado no chão demasiado mole, castigado pelos últimos temporais. Para usar a bazuca, só saindo a campo aberto, muito perigoso, mas como fez um soldado da “18” perto de mim, com um camarada incansável a municiá-lo, correndo para enfiar a granada e logo voltando para pegar outra, correndo de novo à frente... Gostei de ver, mas quando o apontador “decapitou” a palmeira na nossa frente, afastei-me para local mais recatado. Estavam a atacar-nos com morteiro 82 e com RPG que desfolhavam as árvores por cima das nossas cabeças. Não demorou mais de 10 minutos a troca de galhardetes, mas nós continuámos a fazer fogo, cerca de 15 minutos mais. É uma tensão enorme a que se sente e dez minutos parecem uma eternidade. Felizmente sem vítimas, tirando as palmeiras com bocados arrancados.
Para o meu grupo é o segundo ataque, sendo este, sem dúvida, o mais forte. Para os restantes grupos da minha Companhia é o baptismo de fogo. Acabado o ataque de flagelação, todos os trabalhos recomeçaram, tanto para as máquinas como para os homens que desmatavam à catanada e à machadada, o local do futuro (?) destacamento. Cerca das 14h30 acabaram os trabalhos de hoje e todos regressaram nas viaturas que já nos esperavam. Todos excepto a CCAÇ 18, pois que esta Companhia mártir terá que dormir ali esta noite.
Ao fim da tarde, já em Aldeia Formosa, assisti a um fenómeno meteorológico surreal, nunca visto, o mais maravilhoso espectáculo natural da minha vida: vento ciclónico manteve em suspensão um volume incalculável de finíssimo pó que, cobrindo tudo, não deixava ver nada para além de 10 metros. Nem os edifícios. Em contraluz, com o sol perto do ocaso, toda aquela espessa cortina de pó irradiava amarelo dourado, criando uma atmosfera opaca e imaterial. De repente, o vento aumentou mais a sua velocidade, desabando então uma chuva torrencial que, aos poucos, fez desaparecer aquela visão amarela e a seguir tudo lavou. Veio acompanhada de grande trovoada, que se prolongou com a chuva mesmo depois de o vento ter cessado. E prolongar-se-iam por muito tempo, a chuva e a trovoada, apanhando sem defesa quem estivesse no mato como, por exemplo, a “18” em Nhacobá.
Da História da Unidade do BCAÇ 4513:
JUN73/20
- A 1.ª CCAÇ detectou e levantou em NHACOBÁ 1 mina antipessoal IN PMN.
- Máquina da Engenharia accionou perto do mesmo local 1 mina antipessoal, sem consequências.
Do meu diário:
20 de Junho de 1973 – (quarta-feira) – Aldeia Formosa; Descanso.
Dia de descanso. Em Nhacobá hoje não houve flagelação para a Companhia que foi substituir a “18”. Hoje já saíram de Aldeia Formosa alguns camaradas para férias. Em breve estarão na Metrópole e certamente que lá, estranharão que ninguém se atire ao chão quando uma porta bate.
Soube ao fim da tarde que amanhã irei com a Companhia para Nhacobá, mas desta vez para lá passar a noite. É a nossa vez. Não gelei, mas só por causa da minha actual indiferença por tudo, estúpida e sem sentido. Toda a gente tem medo, porque não o hei-de ter também? Não sei, mas fiquei indiferente à notícia. Só tenho pena dos meus soldados, esses heróis anónimos a quem tudo falta e de quem nunca tive uma recusa, tão pouco uma queixa. Reagiram sem medo ao último ataque que tivemos em Nhacobá. Mas..., e se tivessem? Que preparação técnica, física e psicológica lhes foi ministrada? A única preparação séria tem sido a dos últimos tempos aqui na zona. E têm cumprido.
Notícias colhidas já ao fim do dia: em Nhacobá foi accionada uma mina anticarro, que apenas partiu uma ponta da pá do Caterpillar que a accionou; da Metrópole um camarada recebeu, juntamente com um jornal desportivo, uma página do “Diário de Notícias” dando destaque à grande actividade militar aqui na Guiné. Não sei se é inédito, mas referenciava uma série de localidades ultimamente flageladas. Fiquei a saber que, para além de Nhacobá, Guidage, Guilege e Aldeia Formosa, que o jornal também cita mas que é do conhecimento de todos, foram também atacados mais de uma dezena de destacamentos. À data, parece que a Metrópole tem os olhos postos nisto aqui e, creio, não deve ser sem uma certa apreensão. Também a nós, cá, estas notícias com uma visão mais global da situação, deixa preocupados e consternados.
Soube também, e isso foi o que mais me horrorizou, que o meu “paraíso” de Nhala está em vias de ser atacado em grande escala, com mísseis e foguetões. Isto, segundo informações recebidas de lá e tendo por base documentos militares da hierarquia (Perintrps?). Ficaram, para mim, confirmados os boatos que corriam por aqui, a título confidencial [?] sobre a situação de Nhala. E é muito possível que ataquem, pois devem ter informação de que, em Nhala, estão apenas dois grupos de combate e um deles tem que fazer as saídas normais para o mato. Coisa curiosa é que há mais de dois anos que não há ali o mínimo problema com a guerrilha.
Da História da Unidade do BCAÇ 4513:
JUN73/21
- Pelas 10h05 grupo IN não estimado flagelou durante 10 minutos da direcção S-SW, com cerca de 15 granadas de canhão-sem recuo, 30 granadas de morteiro 82 e RPG-7, forças da 2.ª CCAÇ que faziam protecção aos trabalhos de Engenharia causando 2 feridos graves.
- Forças da CART 6250 [Mampatá] detectaram e levantaram em Nhacobá 1 mina antipessoal IN.
- Máquina da Engenharia accionou outra sem consequências.
Do meu diário:
21 de Junho de 1973 – (quinta-feira) – Nhacobá todo o dia e toda anoite; 2.ª flagelação (3.º ataque no currículo).
Estes apontamentos, referentes aos acontecimentos da parte da manhã, estão a ser escritos dentro da mata de Nhacobá, mesmo em frente à bolanha que nos separa dos locais de onde normalmente partem os ataques para aqui.
Hoje a nossa missão é defendermos isto até amanhã de manhã. Até à chegada nada se verificou de anormal. Está aqui a minha Companhia e alguns grupos de Mampatá. Depois de fazermos a picagem de toda a zona, incluindo a área de trabalho das máquinas, instalámo-nos ao longo da orla da mata, frente à bolanha. Ontem foi a vez de a 1.ª Companhia passar cá a noite.
Há bocado, cerca das 9h15, rebentou uma mina antipessoal accionada por uma das máquinas que trabalham aqui na “pedreira” perto, mas sem consequências. Uma vez que o meu grupo tinha estado ali a fazer a picagem para detecção, saí para saber como aconteceu, onde estava a mina, dialogar com o operador da máquina e tentar perceber se o monte de terra onde a mina fora colocada estaria seguro para continuar o trabalho. De regresso ao meu grupo, fui surpreendido por um rebentamento forte e depois outro, e outro..., dentro da mata, em toda a volta. Era um ataque e eu abriguei-me como pude junto ao tronco de uma das árvores. Estava ainda longe dos meus homens e não podia fazer nada a não ser esperar. Esperei sozinho, sempre a contar com o pior, mas muito calmo. Entretanto as explosões prosseguiam, tanto no ar (RPG 7) contra as copas das árvores, como no chão à nossa volta (RPG e morteiro ou canhão). Isto é aflitivo, pois não sabemos qual a posição para defendermos melhor o corpo: deitados protegemo-nos melhor das granadas de morteiro mas, por outro lado, ficamos à mercê dos finíssimos estilhaços dos RPG 7 que rebentam por cima de nós em todas as direcções. Aflitivo é também o barulho aterrador das detonações em cadeia, que fazem os ouvidos zunir. E a pressão psicológica, não menos aflitiva, de sabermos que tudo aquilo é endereçado a nós e que a ideia deles é mesmo matar-nos.
[Recordo que, apesar de estar sereno - não tremia -, senti crescer um nó na garganta que quase me sufocava. E sabia que se entrasse em acção, isso passava logo].
Enfim, são minutos de incerteza e de esperança, e foi nesse estado de espírito que me apercebi da cadência de disparo do meu morteiro, lá para os lados do meu grupo. Ou pelo menos foi isso que me pareceu distinguir naquela balbúrdia de rebentamentos. Alarmado, levantei-me ainda debaixo de fogo e corri para o local do morteiro, onde cheguei berrando para que parassem, até porque se percebia já um afrouxamento da flagelação. O meu maior medo era que tivéssemos outro ataque durante o dia - ou à noite -, e nos faltasse material para nos defendermos, ao passo que ali, com tanta tropa, isso não me preocupava nada.
Já tinham lançado 16 granadas mas:
- “Meu alferes, não posso parar, agora que estou ali a ver as “saídas” deles! Além disso, ainda tenho aqui três granadas descavilhadas!
- Porra, manda lá essa merda e pára com isso senão estamos lixados, - disse eu sem outro remédio mas ao mesmo tempo agradado com o entusiasmo e o desplante do homem. E lá foram mais três granadas para o outro lado da bolanha, para aquela linha de mata fodida, talvez a uns 300 metros daqui, não sei bem. Começou tudo às 9 e 50 exactamente.
Nhacobá, 1973 – Fotografia colhida na orla da mata, vendo-se a bolanha e a mata em frente de onde partiam os ataques sucessivos.
Foi o terceiro ataque sofrido pelo meu grupo no espaço de 9 dias. Ora, como as nossas saídas são dia-sim, dia-não, verifico que em 4 dias e meio, fomos atacados 3 vezes. Esta flagelação teve a duração de 10 minutos (como a de anteontem), mas foi mais violenta e à base de morteirada. Da nossa parte a resposta foi imediata e com grande potencial porque estão aqui seis grupos de combate, creio. Mesmo depois de se terem “calado”, ainda batemos aquela zona durante bastante tempo. Só que desta vez não fomos tão bafejados pela sorte, como nas vezes anteriores, pois tivemos vários feridos: dois milícias (ou soldados da CCAÇ 18?), com ferimentos ligeiros na cabeça e nas costas, e dois soldados do grupo do meu camarada Alf. J. A. C. P. com ferimentos graves. Estes foram logo evacuados nas Chaimites, mas receia-se já pela vida de um deles, que tinha dois grandes buracos nas costas, (supõe-se que com estilhaços dentro) e grande perda de sangue. Quando saiu já mal falava e, infelizmente, foi sem que um dos nossos auxiliares de enfermagem tivesse chegado junto dele para o assistir.
[Hoje, (Agosto de 2015), devo referir um episódio relacionado com estes dois feridos graves e que não foi registado no meu diário. Antes, dizer que felizmente, ambos regressaram um dia de Bissau e que, por determinação louvável do Cap. B. da C., não mais sairiam para o mato. Ficaram com o encargo das messes e respectivos bares até ao fim da comissão.
É referido atrás, no meu diário, que estes feridos não tiveram assistência de enfermagem antes da evacuação, mas não recordo o motivo de não ter aparecido o auxiliar de enfermagem do 1º grupo de combate a que pertenciam. Recordo, sim, um episódio relacionado e que, na altura, me deixou irritadíssimo e que se passou assim: após aquele diálogo entre mim e o apontador do morteiro do meu grupo que queria lançar as granadas todas, ainda durante a flagelação mas quando já dava o diálogo por encerrado, começámos a ouvir gritos aflitos que, pareceu-me, reclamavam um morteiro. Reconhecemos a voz do alferes do 1º grupo, já citado, que se encontrava bastante afastado de nós e que parecia dizer com insistência: “— Trás morteiro! Trás morteiro!”. Meio perplexo, porque ele também tinha morteiro e porque a flagelação dava sinais de parar, ainda admiti que tivesse perdido o morteiro enterrado no chão e que quisesse continuar o contra-ataque. Não dava para perceber, nem havia muito tempo para isso. Eu, com o apontador e o municiador do nosso morteiro, pegámos nas granadas e no tubo e corremos como malucos pela mata fora, - julgo que já sem rebentamentos à volta -, para chegar ao local de onde partiam os apelos. Ainda não tínhamos chegado bem, quando o alferes, vendo-nos e percebendo o equívoco, berrou furioso: “— Não é o morteiro, é o enfermeiro!...” Eram os nervos à flor da pele. Fiquei ainda mais furioso do que ele, até por não saber porque não tinha enfermeiro. Mandei de volta o morteiro e as granadas e a ordem para vir rápido o nosso cabo enfermeiro, mas já não chegou a tempo, pois os feridos tiveram de ser evacuados para A. Formosa. Ainda recordo o Alf. J. A. C. P. de joelhos no chão amparando o seu soldado ferido nas costas. Eram realmente dois ferimentos impressionantes].
Segue o meu diário.
As árvores, junto do local do rebentamento da granada de morteiro que feriu os quatro soldados, estão crivadas de estilhaços por onde, agora, corre seiva. O alferes pode considerar-se feliz: estava atrás de uma árvore a uns seis metros do local onde caiu a granada e não sofreu absolutamente nada. Também à mesma distância e atrás de outra árvore se encontrava o ferido mais grave, só que não estava deitado mas sim de joelhos. Um erro que lhe saiu caro.
Pouco antes desta flagelação, a nossa aviação tinha largado bombas não muito longe daqui mas, por azar, tinha-se afastado, talvez para trazer mais. Já depois de tudo ter acabado, apareceram novamente e estiveram a bater a zona, tendo algumas das bombas caído quase junto a nós, um pouco para a direita. Seguiu-se o vaivém do costume e por longo tempo: iam a Bissau buscar os seus ovos mortais e vinham depois aqui desovar, regressando de imediato para trazer mais. Isto dá-me alguma tranquilidade, já que temos que aqui passar a noite.
Entretanto, também os obuses de Cumbijã faziam o batimento da zona, mesmo na nossa frente, seguindo as indicações que pela rádio lhes eram transmitidas por um dos grupos de Mampatá (creio que do camarada Farinha), que estão aqui connosco.
Chegou há momentos até mim a informação de que, ali atrás, junto aos trabalhos da Engenharia, foi encontrada uma “Viúva Negra”. Mais uma mina que escapou às picas. Fui inteirar-me do ocorrido: um soldado agachou-se encostado a uma árvore para se sentar e, ao pôr a mão no chão, sentiu a terra fofa e algo duro por baixo. Teve um estremecimento e um palpite certeiro: ia sentar-se em cima de uma mina antipessoal. Ergueu-se e tratou de que a pessoa certa fizesse o levantamento da mina. São neste momento 13 e 55. Às 14 e 30 acabarão os trabalhos de Engenharia e certamente sairemos daqui para uma posição mais recuada onde passaremos a noite.
[Penso que a ordem era dormirmos dentro de Nhacobá, mas como tínhamos de ser nós a usar o bom senso para nos defendermos, afastámo-nos para as imediações].
(Apontamentos continuados já em Aldeia Formosa, no dia seguinte). Afastámo-nos cerca de 500 metros de Nhacobá e instalámo-nos paralelamente à estrada para Cumbijã, 15 metros dentro da mata. Ainda de dia, vimos aproximarem-se três Fiat que, de repente, picaram em direcção a Nhacobá e todos largaram fiadas de bombas que rebentaram no solo com um fragor assustador.
São quase 18 horas e eu como alguma coisa da ração de combate. O pessoal, como sempre, acomodou-se sem cerimónias num longo cordão humano. Está aqui toda a 2.ª Companhia. Aproveitando o entardecer sereno, tento cortar capim com a faca de mato para acondicionar, sob o pano de tenda, o local da pernoita. Digo, tento, porque tenho uma rotura no pulso esquerdo e quase não posso fazer força. Para piorar, ao agarrar o capim com essa mão, sou picado por uma abelha mesmo entre os dedos. Faço nova tentativa, mas de novo aperto outra abelha juntamente com o capim: nova picadela. Receando ficar com mão inchada, desisti. Tudo corre mal hoje! Resolvi então descansar um bocado, pois já não me seguro de pé com o cansaço e o sono. Previno o rapaz das transmissões e o enfermeiro que estão junto a mim, e deito-me no chão todo abotoado, embrulhado no pano de tenda e com meias grossas enfiadas nas mãos. Transpiro sem parar, mas só assim consigo evitar um pouco os malditos mosquitos.
Acordo já de noite e está tudo calmo. Tento dormir mais umas horas, mas o zum-zum dos mosquitos é desesperante e já estou cheio de picadelas. Até nas costas me picaram através do pano de tenda e do camuflado.
[Havia um soldado que, modulando a voz para imitar o zumbido dos mosquitos, dizia: “Tennnnnnssssssss..., companhia!!!”. Conseguia animar todos à volta e animar-se a si próprio para que as picadelas não doessem tanto].
Como se aproxima o temporal do costume, a estas horas, prefiro sentar-me enrolado de novo e esperar. Não tardou nada para que viesse a chuva, mas desta vez não durou mais de uma hora. Enquanto choveu estive de costas contra uma árvore e sentado nos calcanhares, para evitar a enxurrada por baixo de mim. O dilúvio entrava-me pela cabeça e pelas costas e escorria-me continuamente pelo cu. Tive de alhear-me e manter-me quieto, enquanto por cima de nós, para ajudar, desabava uma potente trovoada. A cada relâmpago as árvores na nossa frente, subitamente iluminadas, pareciam agigantar-se e tombar sobre nós, ameaçadoras, para logo parecer que se afastavam com o regresso do negrume da noite. Isto não é mesmo para meninos. Cessou a chuva mas os relâmpagos ainda persistiram por muito tempo, até que gradualmente se afastaram, permanecendo ziguezagueando lá longe como fitas de luz azul.
À minha volta não vejo nada nem ninguém. Acabados os relâmpagos, parece que fiquei sozinho. Será que todos dormem? Faço-me novamente num rebuçado, todo encharcado, e durmo várias horas seguidas mas com pesadelos. Vi vários vultos no meio da bolanha de Nhacobá a prepararem um morteiro e ouço, quase a seguir, uma brutal explosão junto de mim. Dou um salto e tiro à pressa o lenço de seda que me protegia a cara e pergunto ao rapaz das transmissões onde foi a explosão. Ele, assustado com a minha atitude, demorou a responder, mas depois lá disse que não tinha acontecido nada. Realmente, reparo, e à volta está tudo tranquilo. Tento adormecer novamente, mas os mosquitos são aos milhares e dão-me cabo dos nervos. Quase enlouqueço com tal tortura.
Volto a acordar e tudo continua calmo. Desta vez até a noite parece menos feia. Lá no alto está a lua um pouco pálida, mas com a sua fraca luz, já impede que os arbustos e as palmeiras, ao mexerem na escuridão, me pareçam figuras fantasmagóricas. Esta maldita noite parece não ter mais fim. Adormeço novamente e, desta vez, têm que me acordar, pois já é dia e temos que sair imediatamente para Cumbijã.
(22-06-73). Preparamos tudo e lá seguimos estrada fora, cheios de precauções e carregados com caixotes de granadas que nos entregaram ontem num reabastecimento tardio.
[Afinal não era preciso poupar nas granadas!].
Finalmente, chegamos pelas 7 e picos a Cumbijã, já todos transpirados e esgotados. Aguardámos a coluna normal da manhã e regressámos a Aldeia Formosa nas viaturas que trouxeram a 3.ª Companhia que nos vem substituir. Chegamos a Aldeia Formosa, temos o resto do dia para descansar.
À tardinha vem-me avisar que o Oliveira (Tarouca) se está a sentir mal e já não fala. Corro a arranjar uma Berliet e peço ao Capitão de Operações J. C. que me previna o médico. Saio na viatura com os meus furriéis em direcção à escola de Monsanto, onde tinha o meu grupo instalado, e trouxemos o rapaz para a enfermaria onde já nos esperava o médico que, depois de o auscultar-analisar, lhe receitou uma série de medicamentos que depois os enfermeiros se encarregarão de lhe ministrar. Suspeitam de princípio de paludismo com uma infecção renal. Vai ficar algum tempo na enfermaria até recuperar.
[Admiração é não termos ficado lá todos na enfermaria!].
Soube ainda hoje que os dois soldados do grupo do Alf. J. A. C. P., ontem feridos em Nhacobá, devem estar fora de perigo, porque quando foram evacuados de avião daqui para Bissau, já falavam calmamente. Soube também que a 3.ª CCAÇ, até à noite, ainda não tinha tido problemas em Nhacobá.
(continua)
Texto e fotos: © António Murta
____________
Nota do editor
Último poste da série de 4 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14971: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (14): 15 a 18 de Junho de 1973
CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74
15 - De 19 a 22 de Junho de 1973
15 - De 19 a 22 de Junho de 1973
19 a 22-06 1973
Da História da Unidade BCAÇ 4513:
JUN73/19 – Forças da CCAÇ 18 detectaram e levantaram em NHACOBÁ 1 mina antipessoal IN.
Passados 15 minutos foram flagelados durante 5 minutos com cerca de 20 granadas de morteiro 60 e RPG-7 da direcção S-SW, sem consequências.
[Este doc. Não refere a minha 2ª CCAÇ, mas estivemos todos em Nhacobá ao lado da CCAÇ 18. Há outros dados que não coincidem, mas podem ser falhas minhas].
Do meu diário:
19 de Junho de 1973 – (terça-feira) – Aldeia Formosa; Nhacobá e o nosso segundo ataque.
Missão: protecção às máquinas que trabalham em Nhacobá. Na estrada já pouco falta fazer. Para Nhacobá foi toda a minha Companhia juntamente com a CCAÇ 18 (Companhia africana). Até lá, tudo foi rotina: saída de Aldeia Formosa em coluna, chegada a Cumbijã e caminhada a pé até Nhacobá. Seguiu a “18” à frente, logo seguida do meu grupo e depois os restantes. Todo o caminho esperei uma emboscada ou coisa parecida, mas nada aconteceu. A chegada a Nhacobá foi demorada, devido à lentidão da picagem da estrada. Apesar de termos chegado a Cumbijã cerca das 7h30, só por volta das 10 e picos entrámos em Nhacobá.
Mal tínhamos acabado de montar o dispositivo de defesa e eis que se desencadeia infernal flagelação, partindo das palmeiras na orla da mata em frente, do outro lado da bolanha. O costume. Nós estávamos na orla da mata de Nhacobá, com a bolanha, portanto, a separar-nos no frente-a-frente. A resposta foi rápida e partiu principalmente da “18”, muito mais experiente do que nós. Dada a posição do meu grupo na orla, de vegetação muito densa, era quase impossível fazer fogo a não ser de morteiro. Mesmo este, após o lançamento da primeira granada, ficou inoperacional por se ter enterrado no chão demasiado mole, castigado pelos últimos temporais. Para usar a bazuca, só saindo a campo aberto, muito perigoso, mas como fez um soldado da “18” perto de mim, com um camarada incansável a municiá-lo, correndo para enfiar a granada e logo voltando para pegar outra, correndo de novo à frente... Gostei de ver, mas quando o apontador “decapitou” a palmeira na nossa frente, afastei-me para local mais recatado. Estavam a atacar-nos com morteiro 82 e com RPG que desfolhavam as árvores por cima das nossas cabeças. Não demorou mais de 10 minutos a troca de galhardetes, mas nós continuámos a fazer fogo, cerca de 15 minutos mais. É uma tensão enorme a que se sente e dez minutos parecem uma eternidade. Felizmente sem vítimas, tirando as palmeiras com bocados arrancados.
Para o meu grupo é o segundo ataque, sendo este, sem dúvida, o mais forte. Para os restantes grupos da minha Companhia é o baptismo de fogo. Acabado o ataque de flagelação, todos os trabalhos recomeçaram, tanto para as máquinas como para os homens que desmatavam à catanada e à machadada, o local do futuro (?) destacamento. Cerca das 14h30 acabaram os trabalhos de hoje e todos regressaram nas viaturas que já nos esperavam. Todos excepto a CCAÇ 18, pois que esta Companhia mártir terá que dormir ali esta noite.
Ao fim da tarde, já em Aldeia Formosa, assisti a um fenómeno meteorológico surreal, nunca visto, o mais maravilhoso espectáculo natural da minha vida: vento ciclónico manteve em suspensão um volume incalculável de finíssimo pó que, cobrindo tudo, não deixava ver nada para além de 10 metros. Nem os edifícios. Em contraluz, com o sol perto do ocaso, toda aquela espessa cortina de pó irradiava amarelo dourado, criando uma atmosfera opaca e imaterial. De repente, o vento aumentou mais a sua velocidade, desabando então uma chuva torrencial que, aos poucos, fez desaparecer aquela visão amarela e a seguir tudo lavou. Veio acompanhada de grande trovoada, que se prolongou com a chuva mesmo depois de o vento ter cessado. E prolongar-se-iam por muito tempo, a chuva e a trovoada, apanhando sem defesa quem estivesse no mato como, por exemplo, a “18” em Nhacobá.
Da História da Unidade do BCAÇ 4513:
JUN73/20
- A 1.ª CCAÇ detectou e levantou em NHACOBÁ 1 mina antipessoal IN PMN.
- Máquina da Engenharia accionou perto do mesmo local 1 mina antipessoal, sem consequências.
Do meu diário:
20 de Junho de 1973 – (quarta-feira) – Aldeia Formosa; Descanso.
Dia de descanso. Em Nhacobá hoje não houve flagelação para a Companhia que foi substituir a “18”. Hoje já saíram de Aldeia Formosa alguns camaradas para férias. Em breve estarão na Metrópole e certamente que lá, estranharão que ninguém se atire ao chão quando uma porta bate.
Soube ao fim da tarde que amanhã irei com a Companhia para Nhacobá, mas desta vez para lá passar a noite. É a nossa vez. Não gelei, mas só por causa da minha actual indiferença por tudo, estúpida e sem sentido. Toda a gente tem medo, porque não o hei-de ter também? Não sei, mas fiquei indiferente à notícia. Só tenho pena dos meus soldados, esses heróis anónimos a quem tudo falta e de quem nunca tive uma recusa, tão pouco uma queixa. Reagiram sem medo ao último ataque que tivemos em Nhacobá. Mas..., e se tivessem? Que preparação técnica, física e psicológica lhes foi ministrada? A única preparação séria tem sido a dos últimos tempos aqui na zona. E têm cumprido.
Notícias colhidas já ao fim do dia: em Nhacobá foi accionada uma mina anticarro, que apenas partiu uma ponta da pá do Caterpillar que a accionou; da Metrópole um camarada recebeu, juntamente com um jornal desportivo, uma página do “Diário de Notícias” dando destaque à grande actividade militar aqui na Guiné. Não sei se é inédito, mas referenciava uma série de localidades ultimamente flageladas. Fiquei a saber que, para além de Nhacobá, Guidage, Guilege e Aldeia Formosa, que o jornal também cita mas que é do conhecimento de todos, foram também atacados mais de uma dezena de destacamentos. À data, parece que a Metrópole tem os olhos postos nisto aqui e, creio, não deve ser sem uma certa apreensão. Também a nós, cá, estas notícias com uma visão mais global da situação, deixa preocupados e consternados.
Soube também, e isso foi o que mais me horrorizou, que o meu “paraíso” de Nhala está em vias de ser atacado em grande escala, com mísseis e foguetões. Isto, segundo informações recebidas de lá e tendo por base documentos militares da hierarquia (Perintrps?). Ficaram, para mim, confirmados os boatos que corriam por aqui, a título confidencial [?] sobre a situação de Nhala. E é muito possível que ataquem, pois devem ter informação de que, em Nhala, estão apenas dois grupos de combate e um deles tem que fazer as saídas normais para o mato. Coisa curiosa é que há mais de dois anos que não há ali o mínimo problema com a guerrilha.
Da História da Unidade do BCAÇ 4513:
JUN73/21
- Pelas 10h05 grupo IN não estimado flagelou durante 10 minutos da direcção S-SW, com cerca de 15 granadas de canhão-sem recuo, 30 granadas de morteiro 82 e RPG-7, forças da 2.ª CCAÇ que faziam protecção aos trabalhos de Engenharia causando 2 feridos graves.
- Forças da CART 6250 [Mampatá] detectaram e levantaram em Nhacobá 1 mina antipessoal IN.
- Máquina da Engenharia accionou outra sem consequências.
Do meu diário:
21 de Junho de 1973 – (quinta-feira) – Nhacobá todo o dia e toda anoite; 2.ª flagelação (3.º ataque no currículo).
Estes apontamentos, referentes aos acontecimentos da parte da manhã, estão a ser escritos dentro da mata de Nhacobá, mesmo em frente à bolanha que nos separa dos locais de onde normalmente partem os ataques para aqui.
Hoje a nossa missão é defendermos isto até amanhã de manhã. Até à chegada nada se verificou de anormal. Está aqui a minha Companhia e alguns grupos de Mampatá. Depois de fazermos a picagem de toda a zona, incluindo a área de trabalho das máquinas, instalámo-nos ao longo da orla da mata, frente à bolanha. Ontem foi a vez de a 1.ª Companhia passar cá a noite.
Há bocado, cerca das 9h15, rebentou uma mina antipessoal accionada por uma das máquinas que trabalham aqui na “pedreira” perto, mas sem consequências. Uma vez que o meu grupo tinha estado ali a fazer a picagem para detecção, saí para saber como aconteceu, onde estava a mina, dialogar com o operador da máquina e tentar perceber se o monte de terra onde a mina fora colocada estaria seguro para continuar o trabalho. De regresso ao meu grupo, fui surpreendido por um rebentamento forte e depois outro, e outro..., dentro da mata, em toda a volta. Era um ataque e eu abriguei-me como pude junto ao tronco de uma das árvores. Estava ainda longe dos meus homens e não podia fazer nada a não ser esperar. Esperei sozinho, sempre a contar com o pior, mas muito calmo. Entretanto as explosões prosseguiam, tanto no ar (RPG 7) contra as copas das árvores, como no chão à nossa volta (RPG e morteiro ou canhão). Isto é aflitivo, pois não sabemos qual a posição para defendermos melhor o corpo: deitados protegemo-nos melhor das granadas de morteiro mas, por outro lado, ficamos à mercê dos finíssimos estilhaços dos RPG 7 que rebentam por cima de nós em todas as direcções. Aflitivo é também o barulho aterrador das detonações em cadeia, que fazem os ouvidos zunir. E a pressão psicológica, não menos aflitiva, de sabermos que tudo aquilo é endereçado a nós e que a ideia deles é mesmo matar-nos.
[Recordo que, apesar de estar sereno - não tremia -, senti crescer um nó na garganta que quase me sufocava. E sabia que se entrasse em acção, isso passava logo].
Enfim, são minutos de incerteza e de esperança, e foi nesse estado de espírito que me apercebi da cadência de disparo do meu morteiro, lá para os lados do meu grupo. Ou pelo menos foi isso que me pareceu distinguir naquela balbúrdia de rebentamentos. Alarmado, levantei-me ainda debaixo de fogo e corri para o local do morteiro, onde cheguei berrando para que parassem, até porque se percebia já um afrouxamento da flagelação. O meu maior medo era que tivéssemos outro ataque durante o dia - ou à noite -, e nos faltasse material para nos defendermos, ao passo que ali, com tanta tropa, isso não me preocupava nada.
Já tinham lançado 16 granadas mas:
- “Meu alferes, não posso parar, agora que estou ali a ver as “saídas” deles! Além disso, ainda tenho aqui três granadas descavilhadas!
- Porra, manda lá essa merda e pára com isso senão estamos lixados, - disse eu sem outro remédio mas ao mesmo tempo agradado com o entusiasmo e o desplante do homem. E lá foram mais três granadas para o outro lado da bolanha, para aquela linha de mata fodida, talvez a uns 300 metros daqui, não sei bem. Começou tudo às 9 e 50 exactamente.
Nhacobá, 1973 – Fotografia colhida na orla da mata, vendo-se a bolanha e a mata em frente de onde partiam os ataques sucessivos.
Foi o terceiro ataque sofrido pelo meu grupo no espaço de 9 dias. Ora, como as nossas saídas são dia-sim, dia-não, verifico que em 4 dias e meio, fomos atacados 3 vezes. Esta flagelação teve a duração de 10 minutos (como a de anteontem), mas foi mais violenta e à base de morteirada. Da nossa parte a resposta foi imediata e com grande potencial porque estão aqui seis grupos de combate, creio. Mesmo depois de se terem “calado”, ainda batemos aquela zona durante bastante tempo. Só que desta vez não fomos tão bafejados pela sorte, como nas vezes anteriores, pois tivemos vários feridos: dois milícias (ou soldados da CCAÇ 18?), com ferimentos ligeiros na cabeça e nas costas, e dois soldados do grupo do meu camarada Alf. J. A. C. P. com ferimentos graves. Estes foram logo evacuados nas Chaimites, mas receia-se já pela vida de um deles, que tinha dois grandes buracos nas costas, (supõe-se que com estilhaços dentro) e grande perda de sangue. Quando saiu já mal falava e, infelizmente, foi sem que um dos nossos auxiliares de enfermagem tivesse chegado junto dele para o assistir.
[Hoje, (Agosto de 2015), devo referir um episódio relacionado com estes dois feridos graves e que não foi registado no meu diário. Antes, dizer que felizmente, ambos regressaram um dia de Bissau e que, por determinação louvável do Cap. B. da C., não mais sairiam para o mato. Ficaram com o encargo das messes e respectivos bares até ao fim da comissão.
É referido atrás, no meu diário, que estes feridos não tiveram assistência de enfermagem antes da evacuação, mas não recordo o motivo de não ter aparecido o auxiliar de enfermagem do 1º grupo de combate a que pertenciam. Recordo, sim, um episódio relacionado e que, na altura, me deixou irritadíssimo e que se passou assim: após aquele diálogo entre mim e o apontador do morteiro do meu grupo que queria lançar as granadas todas, ainda durante a flagelação mas quando já dava o diálogo por encerrado, começámos a ouvir gritos aflitos que, pareceu-me, reclamavam um morteiro. Reconhecemos a voz do alferes do 1º grupo, já citado, que se encontrava bastante afastado de nós e que parecia dizer com insistência: “— Trás morteiro! Trás morteiro!”. Meio perplexo, porque ele também tinha morteiro e porque a flagelação dava sinais de parar, ainda admiti que tivesse perdido o morteiro enterrado no chão e que quisesse continuar o contra-ataque. Não dava para perceber, nem havia muito tempo para isso. Eu, com o apontador e o municiador do nosso morteiro, pegámos nas granadas e no tubo e corremos como malucos pela mata fora, - julgo que já sem rebentamentos à volta -, para chegar ao local de onde partiam os apelos. Ainda não tínhamos chegado bem, quando o alferes, vendo-nos e percebendo o equívoco, berrou furioso: “— Não é o morteiro, é o enfermeiro!...” Eram os nervos à flor da pele. Fiquei ainda mais furioso do que ele, até por não saber porque não tinha enfermeiro. Mandei de volta o morteiro e as granadas e a ordem para vir rápido o nosso cabo enfermeiro, mas já não chegou a tempo, pois os feridos tiveram de ser evacuados para A. Formosa. Ainda recordo o Alf. J. A. C. P. de joelhos no chão amparando o seu soldado ferido nas costas. Eram realmente dois ferimentos impressionantes].
Segue o meu diário.
As árvores, junto do local do rebentamento da granada de morteiro que feriu os quatro soldados, estão crivadas de estilhaços por onde, agora, corre seiva. O alferes pode considerar-se feliz: estava atrás de uma árvore a uns seis metros do local onde caiu a granada e não sofreu absolutamente nada. Também à mesma distância e atrás de outra árvore se encontrava o ferido mais grave, só que não estava deitado mas sim de joelhos. Um erro que lhe saiu caro.
Pouco antes desta flagelação, a nossa aviação tinha largado bombas não muito longe daqui mas, por azar, tinha-se afastado, talvez para trazer mais. Já depois de tudo ter acabado, apareceram novamente e estiveram a bater a zona, tendo algumas das bombas caído quase junto a nós, um pouco para a direita. Seguiu-se o vaivém do costume e por longo tempo: iam a Bissau buscar os seus ovos mortais e vinham depois aqui desovar, regressando de imediato para trazer mais. Isto dá-me alguma tranquilidade, já que temos que aqui passar a noite.
Entretanto, também os obuses de Cumbijã faziam o batimento da zona, mesmo na nossa frente, seguindo as indicações que pela rádio lhes eram transmitidas por um dos grupos de Mampatá (creio que do camarada Farinha), que estão aqui connosco.
Chegou há momentos até mim a informação de que, ali atrás, junto aos trabalhos da Engenharia, foi encontrada uma “Viúva Negra”. Mais uma mina que escapou às picas. Fui inteirar-me do ocorrido: um soldado agachou-se encostado a uma árvore para se sentar e, ao pôr a mão no chão, sentiu a terra fofa e algo duro por baixo. Teve um estremecimento e um palpite certeiro: ia sentar-se em cima de uma mina antipessoal. Ergueu-se e tratou de que a pessoa certa fizesse o levantamento da mina. São neste momento 13 e 55. Às 14 e 30 acabarão os trabalhos de Engenharia e certamente sairemos daqui para uma posição mais recuada onde passaremos a noite.
[Penso que a ordem era dormirmos dentro de Nhacobá, mas como tínhamos de ser nós a usar o bom senso para nos defendermos, afastámo-nos para as imediações].
(Apontamentos continuados já em Aldeia Formosa, no dia seguinte). Afastámo-nos cerca de 500 metros de Nhacobá e instalámo-nos paralelamente à estrada para Cumbijã, 15 metros dentro da mata. Ainda de dia, vimos aproximarem-se três Fiat que, de repente, picaram em direcção a Nhacobá e todos largaram fiadas de bombas que rebentaram no solo com um fragor assustador.
São quase 18 horas e eu como alguma coisa da ração de combate. O pessoal, como sempre, acomodou-se sem cerimónias num longo cordão humano. Está aqui toda a 2.ª Companhia. Aproveitando o entardecer sereno, tento cortar capim com a faca de mato para acondicionar, sob o pano de tenda, o local da pernoita. Digo, tento, porque tenho uma rotura no pulso esquerdo e quase não posso fazer força. Para piorar, ao agarrar o capim com essa mão, sou picado por uma abelha mesmo entre os dedos. Faço nova tentativa, mas de novo aperto outra abelha juntamente com o capim: nova picadela. Receando ficar com mão inchada, desisti. Tudo corre mal hoje! Resolvi então descansar um bocado, pois já não me seguro de pé com o cansaço e o sono. Previno o rapaz das transmissões e o enfermeiro que estão junto a mim, e deito-me no chão todo abotoado, embrulhado no pano de tenda e com meias grossas enfiadas nas mãos. Transpiro sem parar, mas só assim consigo evitar um pouco os malditos mosquitos.
Nhacobá, 21 de Junho de 1973 – Eu, junto do capim das abelhas, na mata onde passaria a noite.
Sem legenda.
Acordo já de noite e está tudo calmo. Tento dormir mais umas horas, mas o zum-zum dos mosquitos é desesperante e já estou cheio de picadelas. Até nas costas me picaram através do pano de tenda e do camuflado.
[Havia um soldado que, modulando a voz para imitar o zumbido dos mosquitos, dizia: “Tennnnnnssssssss..., companhia!!!”. Conseguia animar todos à volta e animar-se a si próprio para que as picadelas não doessem tanto].
Como se aproxima o temporal do costume, a estas horas, prefiro sentar-me enrolado de novo e esperar. Não tardou nada para que viesse a chuva, mas desta vez não durou mais de uma hora. Enquanto choveu estive de costas contra uma árvore e sentado nos calcanhares, para evitar a enxurrada por baixo de mim. O dilúvio entrava-me pela cabeça e pelas costas e escorria-me continuamente pelo cu. Tive de alhear-me e manter-me quieto, enquanto por cima de nós, para ajudar, desabava uma potente trovoada. A cada relâmpago as árvores na nossa frente, subitamente iluminadas, pareciam agigantar-se e tombar sobre nós, ameaçadoras, para logo parecer que se afastavam com o regresso do negrume da noite. Isto não é mesmo para meninos. Cessou a chuva mas os relâmpagos ainda persistiram por muito tempo, até que gradualmente se afastaram, permanecendo ziguezagueando lá longe como fitas de luz azul.
À minha volta não vejo nada nem ninguém. Acabados os relâmpagos, parece que fiquei sozinho. Será que todos dormem? Faço-me novamente num rebuçado, todo encharcado, e durmo várias horas seguidas mas com pesadelos. Vi vários vultos no meio da bolanha de Nhacobá a prepararem um morteiro e ouço, quase a seguir, uma brutal explosão junto de mim. Dou um salto e tiro à pressa o lenço de seda que me protegia a cara e pergunto ao rapaz das transmissões onde foi a explosão. Ele, assustado com a minha atitude, demorou a responder, mas depois lá disse que não tinha acontecido nada. Realmente, reparo, e à volta está tudo tranquilo. Tento adormecer novamente, mas os mosquitos são aos milhares e dão-me cabo dos nervos. Quase enlouqueço com tal tortura.
Volto a acordar e tudo continua calmo. Desta vez até a noite parece menos feia. Lá no alto está a lua um pouco pálida, mas com a sua fraca luz, já impede que os arbustos e as palmeiras, ao mexerem na escuridão, me pareçam figuras fantasmagóricas. Esta maldita noite parece não ter mais fim. Adormeço novamente e, desta vez, têm que me acordar, pois já é dia e temos que sair imediatamente para Cumbijã.
(22-06-73). Preparamos tudo e lá seguimos estrada fora, cheios de precauções e carregados com caixotes de granadas que nos entregaram ontem num reabastecimento tardio.
[Afinal não era preciso poupar nas granadas!].
Finalmente, chegamos pelas 7 e picos a Cumbijã, já todos transpirados e esgotados. Aguardámos a coluna normal da manhã e regressámos a Aldeia Formosa nas viaturas que trouxeram a 3.ª Companhia que nos vem substituir. Chegamos a Aldeia Formosa, temos o resto do dia para descansar.
À tardinha vem-me avisar que o Oliveira (Tarouca) se está a sentir mal e já não fala. Corro a arranjar uma Berliet e peço ao Capitão de Operações J. C. que me previna o médico. Saio na viatura com os meus furriéis em direcção à escola de Monsanto, onde tinha o meu grupo instalado, e trouxemos o rapaz para a enfermaria onde já nos esperava o médico que, depois de o auscultar-analisar, lhe receitou uma série de medicamentos que depois os enfermeiros se encarregarão de lhe ministrar. Suspeitam de princípio de paludismo com uma infecção renal. Vai ficar algum tempo na enfermaria até recuperar.
[Admiração é não termos ficado lá todos na enfermaria!].
Soube ainda hoje que os dois soldados do grupo do Alf. J. A. C. P., ontem feridos em Nhacobá, devem estar fora de perigo, porque quando foram evacuados de avião daqui para Bissau, já falavam calmamente. Soube também que a 3.ª CCAÇ, até à noite, ainda não tinha tido problemas em Nhacobá.
(continua)
Texto e fotos: © António Murta
____________
Nota do editor
Último poste da série de 4 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14971: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (14): 15 a 18 de Junho de 1973
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
Guiné 63/74 - P14992: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte XI: Bissau
Foto nº 1
Foto nº 2
Foto nº 3
Foto nº 4
Foto nº 5
Foto nº 6
Foto nº 7
Foto nº 8
Foto nº 9
Foto nº 10
Foto nº 11
Foto nº 12
Guiné > Bissau > c. 1968/70 > Fotos de Bissau, do álbum de Jaime Machado
[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]
Não temos legenda para as fotos, esperamos que os nossos leitores contribuam com algumnas dicas... O Jaime Machadfo disse-me que ia uns
dias aos Açores... Se ele nos ler, há de por certo dar uma ajuda, como sempre...
Aqui ficam algumas legendas:
Fotos nº 1, 2 e 3: zona portuária de Bissau e avenida marginal (na foto nº 3, vê-se uma nesga da ilha de Rei):
foto nº 4: fortaleza da Amura, entrada principal virada para sul (zona portuária);:
foto nº 5: jardim no exterior da fortaleza da Amura, ao fundo, o edifício da Alfãndega;
foto nº 6: avenida principal, av da República (, hoje, Av Amílcar Cabral), que ia da Praça do Império até à zona portuária;
fotos nº 7 e 8: praça do Império, monumento ao "esforço da raça" e palácio do governador (autoria: Gabinete de Urbanização Colonial / Arquitetos João António Aguiar e José Manuel Galardo Zilhão, 1945);
fotos nºs 9 e 10: piscina da messe de oficiais do QG - Quartel General;
foto nº 11: Messe de oficiais de Bissau, também conhecido como "Clube Militar", o famoso "Biafra" (se não me engano.,..);
foto nº 12: "djubi" de Bissau, pequeno comerciante ambulante, (LG)
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Nota do editor
Último poste da série > 2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14959: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte X: Bafatá
Guiné 63/74 - P14991: O segredo de... (23): Histórias escondidas com o rabo de fora (Mário Vitorino Gaspar)
1. Em mensagem do dia 1 de Agosto de 2015, o nosso camarada Mário
Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) fala-nos de algumas histórias escondidas com o rabo de fora.
Caros Camaradas da Tabanca Grande
No dia 13 de Abril de 1966 apresentei-me com o Posto de Cabo Miliciano (promovido a 3 de Abril) no Regimento de Infantaria 14, em Viseu – deveria apresentar-me de manhã, mas só pelas 17H30 cheguei ao Regimento.
O Comandante do Regimento era o Tenente Coronel Carlos Faustino da Silva Duarte (antigo jogador de futebol e vencedor da Taça de Portugal em 1939). Este efectuou uma Reunião com os novos Sargentos e Oficiais novos que chegaram de manhã ao RI 14.
Fiquei na 1.ª Companhia sendo o Comandante o Capitão Amaral. O Comandante do Pelotão, sendo eu um dos Monitores, era o Alferes Miliciano Antunes. Foi para a Brigada de Trânsito posteriormente, e segundo as informações que possuo aposentou-se.
Eram Monitores um outro Cabo Miliciano Fernando e um Cabo Readmitido (PCAB/RD). Esta equipa manteve-se até Agosto de 1966. Integrado na Equipa de Natação do RI 14, treinava, mas não de início da constituição da mesma, visto não ter sido inscrito por me ter apresentado na Unidade tardiamente. Posteriormente vieram a saber que nadava, foi o próprio Comandante do Regimento o Tenente Coronel Faustino a incluir-me na equipa. Treinei o estilo de bruços.
Tudo corria às maravilhas, só que terminada uma das recrutas da minha Companhia tinha de dormir no campo para onde era transportado à noite e depois de dormir seguia de jipe para Viseu onde continuava os treinos. Isto era estranho, mas sucedeu.
No dia 4 de Julho tive de interromper os treinos, marchando para CIOE, em Lamego para frequentar o Curso de Operações Especiais, e após as provas e julgado no Anfiteatro recusei ser Ranger, regressando com mais 5 Cabos Milicianos a Viseu no dia 10. Integrado na equipa de natação, e como já não contavam com a minha participação, o Tenente Coronel Faustino, entusiasta do desporto, disse-me se me importava de treinar os 100 metros Costas. Estilo que nunca praticara, e aceitei por insistência. Difícil a missão. Teria oportunidades de conquistar um bom lugar nos 100 metros Bruços. Depois de treinarmos nas Piscinas do Luso e outras, a 20 de Julho partiu a equipa de Natação para Tomar, para participarmos nos Campeonatos de Natação da 2.ª Região Militar, na Piscina Vasco Jacob. De todos os nadadores do RI 14, só eu no dia 21 fiquei apurado para a final, terminando em 2.º lugar, mas quase todo o percurso comandei. O meu estilo de costas resumia-se à posição, não batia crawl, complicado por movimentar-me na água só com a força, e grande, de braços. O Júri eliminou-me, sendo o seu líder a figura da terra Vasco Jacob, nome da piscina. Disse ao Comandante Faustino que não me podiam eliminar, o estilo costas é costas, e não crawl. Após protesto decidiram haver razão da minha parte. A 22 de Julho foi o bonito, era a única hipótese. Teria ganho uma medalha se tivesse participado nos 100 metros Bruços.
Complicou-se tudo por cada um ter uma opinião. Como não era nadador do estilo era difícil fazer os 100 metros, teria de dosear as forças. Mas uns diziam para puxar os 100 metros. Era impossível, disse ser melhor quanto a mim puxar os primeiros 33 metros e fazer os segundos 33 metros descansando um pouco e aplicando-me na última volta. Insistiram tanto, cada um com a sua opinião. Explicava-lhes ser possível obter a medalha por ver que somente o nadador que tinha ganho a minha eliminatória me venceria. Confundiram-me e venci os 33 metros e os 66 metros e, passados uns metros rebento. Termino em 4.º lugar e ultrapassado no final da prova.
Todos preparados para seguirmos para Viseu, pergunto a um Tenente se não seria possível darem-me uma dispensa de fim-de-semana, apanhava uma boleia para o Entroncamento e tinha comboio para casa. O Comandante Faustino, um militarista, gostava da minha atitude e passou-me uma dispensa, escrita num papel, dizendo ao Tenente para se oficializar a questão em Viseu.
Aqui é que começa a história.
Apanhei uma boleia numa viatura militar e apanhei o comboio. Tinha de me apresentar no dia 25, segunda-feira, mas fui ficando, até apanhar o comboio para Viseu no domingo seguinte, 31 de Julho, chegando ao RI 14 a 1 de Agosto.
Um fim-de-semana longo. Dez dias em casa, uma semana mais que essa tal dispensa.
Era o 1 de Agosto e chegado ao quartel começam todos: “Estás… f…”. O 1.º Sargento olhava-me muito sério, mas com vontade de rir, era daqueles que partilhava aquilo que trazia da terra, e lá ia um petisco, salpicão, presunto ou paio.
Dizia-me:
- E agora Mário?
Respondi:
- Agora bate chapas e tinta robbialac!
Disse-me:
- Estiveste de Sargento de Piquete, e quem te fez o Serviço foi o João!
O João era um Cabo Miliciano negro da Guiné.
Fui na direcção do Bar dos Cabos Milicianos. Curioso por ter sido o único quartel que o Cabo Miliciano tinha alguma coisa. Sucedia partilhar-se a Messe com a dos Cabos Milicianos, mas com divisórias, não fosse a moléstia.
Entretanto vejo o Alferes Miliciano Antunes, amigo e camarada. A nossa equipa na instrução, 77 recrutas cada vez, era uma máquina e sem óleo. Éramos os 4 indomáveis na instrução, desde Abril, sem paragens.
Olhou-me, dizendo:
- Desta não te safas. Sabes que o João fez o Serviço de Piquete por ti, eu estava de Oficial de Prevenção, e tu nas putas… Não te safas não! Olha, amanhã estás de Serviço, novamente de Piquete, nunca pensei que fosses tu, mas ou o nosso Primeiro meteu água, não percebo, mas estás de Sargento de Piquete e eu de Oficial de Prevenção!
Interrompi-o e disse:
- O 1.º deve ter trocado o Serviço do João pelo meu. Como ele fez o meu Serviço, faço amanhã o dele!
Despedi-me a 4 de Agosto de todos. Chamado a frequentar o XX Curso de Minas e Armadilhas, a Tancos. Fiquei bem sensibilizado. O Tenente Coronel Faustino chamou-me e disse:
- Tentei livrá-lo, mas não foi possível. Estava apurado para os Campeonatos das Regiões Militares. Não me recordo das razões que levaram a que não ficasse inscrito logo na Reunião!
Respondi:
- Cheguei à tarde!
- Se chegasse de manhã, não teria sido chamado para Tancos!
Despedi-me com um aperto de mão. Segui para o Comando da Companhia, despedi-me dos Sargentos da Secretaria. Logo encarei com o Capitão Amaral, que disse:
- É bom rapaz, mas para um militar…
O camarada Antunes, parece ter chorado e abraçou-me.
De seguida foi um adeus e especiais cumprimentos para o Cabo Miliciano Fernando e o 1.º Cabo RD.
E a festa continuou. Em vez de me apresentar a 5 em Tancos, fui para casa e cheguei a Tancos de manhã. Espectáculo a chegada, gritavam em coro: “Estás feito e f… desta vez não… ”!
Velhos conhecidos, das Caldas, de Tavira, de Vendas Novas…
Perguntei quem recebia as guias e disseram ser um Sargento que estava sempre nos copos.
Disse:
- Vamos apostar? Entrego-lhe as guias, bebemos uns copos e o nosso amigo paga!
Apostámos uma rodada. O grupo não era pequeno. O Sargento estava junto da cantina e fui na sua direcção, ao ver-me diz:
- É você que falta? Só chega agora?
Respondi:
- Vai um copo?
Riu e disse:
- Onde é que ele está?
Bebemos o primeiro copo, depois o segundo, sem surpresa para mim pagou os copos. O vinho não era mau.
Começámos, não tenho a certeza o Curso nesse mesmo dia, mas só apresentação.
A 17 de Setembro terminámos.
Passei o Curso, mas foi um Curso com história, muitos Aspirantes e Cabos Milicianos chumbaram.
Por andar desenfiado, o Major da Secretaria no Regimento Artilharia de Costa (RAC) pôs-me de Sargento de Dia ao Regimento a 8 de Janeiro, partia para a Guiné a 11.
Dia 8 era domingo. O último domingo que devia estar com a família, fiquei de Serviço. Pagava 500$00, mas o Major fez tudo bem feito, ninguém pegou. Este Serviço era chato, era a bandeira e responsável pelos combustíveis.
Apresentei-me na parada, julgo que Tenente Ferro:
- Apresenta-se o Cabo Miliciano que vai entrar de Sargento de Dia ao Regimento e que parte para a Guiné na quarta-feira!
Respondeu:
- Vai partir para a Guiné e está hoje de Serviço? No final venha falar comigo!
Estando juntos, diz-me:
- Sabe, as braçadeiras põem-se e tiram-se, percebeu?
- Sim meu Tenente!
- Vamos ao rancho…
Fui para junto da minha cama, tirei a braçadeira. Saí. Dei umas voltas e regressei. Fomos ao rancho, era bacalhau com grão. Nunca tinha visto tal. O Tenente exigiu ver o rancho não no tacho pequeno mas no caldeirão. As espinhas do bacalhau todo desfeito espetadas no grão.
Almocei com o Tenente que me fez a surpresa de encomendar bife com batatas fritas de um restaurante.
Depois sucedeu mais uma asneira, talvez uma das piores da minha vida militar. Os carros que vinham atestar, entregava as chaves e dizia:
- Abasteçam-se!
Olhavam admirados e era encher e deve alguém ter dado com a língua que apareceu um número razoável de candidatos.
- É encher, encher!
O 1.º Sargento da minha Companhia (que era 2.º Sargento), dizia-me que tínhamos muito que fazer na Secretaria. Na Reunião com o Tenente, depois do jantar, combinou-se como seria feita a ronda. Disse-me que eu seria o último a fazer. Ninguém me acordou e mal abri os olhos e termina o Serviço, mudo de roupa e adeus RAC.
Voltei na quarta-feira, no dia 11 de Janeiro de 1967.
Chegada ao Largo de Bissau a 17. Transbordo para a LDM e barcaça, via fluvial, a vegetação quase a tocar-nos e com uma maçã golden, um ovo, um quarto de pão, uma laranja e destino incerto.
Estes atrasos terminaram aqui. Não existia espaço. Sentido das responsabilidades.
Quando fazia asneiras, ouvi mais de uma vez dos Oficiais:
- Isso era o que você queria! Não ganhei guerra nenhuma!
Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14981: O segredo de... (22): O problema não eram os pecados, - os nossos segredos -. O problema acontecia quando quem mandava em nós desvendava os pecados (Domingos Gonçalves)
Caros Camaradas da Tabanca Grande
No dia 13 de Abril de 1966 apresentei-me com o Posto de Cabo Miliciano (promovido a 3 de Abril) no Regimento de Infantaria 14, em Viseu – deveria apresentar-me de manhã, mas só pelas 17H30 cheguei ao Regimento.
O Comandante do Regimento era o Tenente Coronel Carlos Faustino da Silva Duarte (antigo jogador de futebol e vencedor da Taça de Portugal em 1939). Este efectuou uma Reunião com os novos Sargentos e Oficiais novos que chegaram de manhã ao RI 14.
Fiquei na 1.ª Companhia sendo o Comandante o Capitão Amaral. O Comandante do Pelotão, sendo eu um dos Monitores, era o Alferes Miliciano Antunes. Foi para a Brigada de Trânsito posteriormente, e segundo as informações que possuo aposentou-se.
Eram Monitores um outro Cabo Miliciano Fernando e um Cabo Readmitido (PCAB/RD). Esta equipa manteve-se até Agosto de 1966. Integrado na Equipa de Natação do RI 14, treinava, mas não de início da constituição da mesma, visto não ter sido inscrito por me ter apresentado na Unidade tardiamente. Posteriormente vieram a saber que nadava, foi o próprio Comandante do Regimento o Tenente Coronel Faustino a incluir-me na equipa. Treinei o estilo de bruços.
Tudo corria às maravilhas, só que terminada uma das recrutas da minha Companhia tinha de dormir no campo para onde era transportado à noite e depois de dormir seguia de jipe para Viseu onde continuava os treinos. Isto era estranho, mas sucedeu.
No dia 4 de Julho tive de interromper os treinos, marchando para CIOE, em Lamego para frequentar o Curso de Operações Especiais, e após as provas e julgado no Anfiteatro recusei ser Ranger, regressando com mais 5 Cabos Milicianos a Viseu no dia 10. Integrado na equipa de natação, e como já não contavam com a minha participação, o Tenente Coronel Faustino, entusiasta do desporto, disse-me se me importava de treinar os 100 metros Costas. Estilo que nunca praticara, e aceitei por insistência. Difícil a missão. Teria oportunidades de conquistar um bom lugar nos 100 metros Bruços. Depois de treinarmos nas Piscinas do Luso e outras, a 20 de Julho partiu a equipa de Natação para Tomar, para participarmos nos Campeonatos de Natação da 2.ª Região Militar, na Piscina Vasco Jacob. De todos os nadadores do RI 14, só eu no dia 21 fiquei apurado para a final, terminando em 2.º lugar, mas quase todo o percurso comandei. O meu estilo de costas resumia-se à posição, não batia crawl, complicado por movimentar-me na água só com a força, e grande, de braços. O Júri eliminou-me, sendo o seu líder a figura da terra Vasco Jacob, nome da piscina. Disse ao Comandante Faustino que não me podiam eliminar, o estilo costas é costas, e não crawl. Após protesto decidiram haver razão da minha parte. A 22 de Julho foi o bonito, era a única hipótese. Teria ganho uma medalha se tivesse participado nos 100 metros Bruços.
Complicou-se tudo por cada um ter uma opinião. Como não era nadador do estilo era difícil fazer os 100 metros, teria de dosear as forças. Mas uns diziam para puxar os 100 metros. Era impossível, disse ser melhor quanto a mim puxar os primeiros 33 metros e fazer os segundos 33 metros descansando um pouco e aplicando-me na última volta. Insistiram tanto, cada um com a sua opinião. Explicava-lhes ser possível obter a medalha por ver que somente o nadador que tinha ganho a minha eliminatória me venceria. Confundiram-me e venci os 33 metros e os 66 metros e, passados uns metros rebento. Termino em 4.º lugar e ultrapassado no final da prova.
Todos preparados para seguirmos para Viseu, pergunto a um Tenente se não seria possível darem-me uma dispensa de fim-de-semana, apanhava uma boleia para o Entroncamento e tinha comboio para casa. O Comandante Faustino, um militarista, gostava da minha atitude e passou-me uma dispensa, escrita num papel, dizendo ao Tenente para se oficializar a questão em Viseu.
Aqui é que começa a história.
Apanhei uma boleia numa viatura militar e apanhei o comboio. Tinha de me apresentar no dia 25, segunda-feira, mas fui ficando, até apanhar o comboio para Viseu no domingo seguinte, 31 de Julho, chegando ao RI 14 a 1 de Agosto.
Um fim-de-semana longo. Dez dias em casa, uma semana mais que essa tal dispensa.
Era o 1 de Agosto e chegado ao quartel começam todos: “Estás… f…”. O 1.º Sargento olhava-me muito sério, mas com vontade de rir, era daqueles que partilhava aquilo que trazia da terra, e lá ia um petisco, salpicão, presunto ou paio.
Dizia-me:
- E agora Mário?
Respondi:
- Agora bate chapas e tinta robbialac!
Disse-me:
- Estiveste de Sargento de Piquete, e quem te fez o Serviço foi o João!
O João era um Cabo Miliciano negro da Guiné.
Fui na direcção do Bar dos Cabos Milicianos. Curioso por ter sido o único quartel que o Cabo Miliciano tinha alguma coisa. Sucedia partilhar-se a Messe com a dos Cabos Milicianos, mas com divisórias, não fosse a moléstia.
Entretanto vejo o Alferes Miliciano Antunes, amigo e camarada. A nossa equipa na instrução, 77 recrutas cada vez, era uma máquina e sem óleo. Éramos os 4 indomáveis na instrução, desde Abril, sem paragens.
Olhou-me, dizendo:
- Desta não te safas. Sabes que o João fez o Serviço de Piquete por ti, eu estava de Oficial de Prevenção, e tu nas putas… Não te safas não! Olha, amanhã estás de Serviço, novamente de Piquete, nunca pensei que fosses tu, mas ou o nosso Primeiro meteu água, não percebo, mas estás de Sargento de Piquete e eu de Oficial de Prevenção!
Interrompi-o e disse:
- O 1.º deve ter trocado o Serviço do João pelo meu. Como ele fez o meu Serviço, faço amanhã o dele!
Despedi-me a 4 de Agosto de todos. Chamado a frequentar o XX Curso de Minas e Armadilhas, a Tancos. Fiquei bem sensibilizado. O Tenente Coronel Faustino chamou-me e disse:
- Tentei livrá-lo, mas não foi possível. Estava apurado para os Campeonatos das Regiões Militares. Não me recordo das razões que levaram a que não ficasse inscrito logo na Reunião!
Respondi:
- Cheguei à tarde!
- Se chegasse de manhã, não teria sido chamado para Tancos!
Despedi-me com um aperto de mão. Segui para o Comando da Companhia, despedi-me dos Sargentos da Secretaria. Logo encarei com o Capitão Amaral, que disse:
- É bom rapaz, mas para um militar…
O camarada Antunes, parece ter chorado e abraçou-me.
De seguida foi um adeus e especiais cumprimentos para o Cabo Miliciano Fernando e o 1.º Cabo RD.
E a festa continuou. Em vez de me apresentar a 5 em Tancos, fui para casa e cheguei a Tancos de manhã. Espectáculo a chegada, gritavam em coro: “Estás feito e f… desta vez não… ”!
Velhos conhecidos, das Caldas, de Tavira, de Vendas Novas…
Perguntei quem recebia as guias e disseram ser um Sargento que estava sempre nos copos.
Disse:
- Vamos apostar? Entrego-lhe as guias, bebemos uns copos e o nosso amigo paga!
Apostámos uma rodada. O grupo não era pequeno. O Sargento estava junto da cantina e fui na sua direcção, ao ver-me diz:
- É você que falta? Só chega agora?
Respondi:
- Vai um copo?
Riu e disse:
- Onde é que ele está?
Bebemos o primeiro copo, depois o segundo, sem surpresa para mim pagou os copos. O vinho não era mau.
Começámos, não tenho a certeza o Curso nesse mesmo dia, mas só apresentação.
A 17 de Setembro terminámos.
Passei o Curso, mas foi um Curso com história, muitos Aspirantes e Cabos Milicianos chumbaram.
Por andar desenfiado, o Major da Secretaria no Regimento Artilharia de Costa (RAC) pôs-me de Sargento de Dia ao Regimento a 8 de Janeiro, partia para a Guiné a 11.
Dia 8 era domingo. O último domingo que devia estar com a família, fiquei de Serviço. Pagava 500$00, mas o Major fez tudo bem feito, ninguém pegou. Este Serviço era chato, era a bandeira e responsável pelos combustíveis.
Apresentei-me na parada, julgo que Tenente Ferro:
- Apresenta-se o Cabo Miliciano que vai entrar de Sargento de Dia ao Regimento e que parte para a Guiné na quarta-feira!
Respondeu:
- Vai partir para a Guiné e está hoje de Serviço? No final venha falar comigo!
Estando juntos, diz-me:
- Sabe, as braçadeiras põem-se e tiram-se, percebeu?
- Sim meu Tenente!
- Vamos ao rancho…
Fui para junto da minha cama, tirei a braçadeira. Saí. Dei umas voltas e regressei. Fomos ao rancho, era bacalhau com grão. Nunca tinha visto tal. O Tenente exigiu ver o rancho não no tacho pequeno mas no caldeirão. As espinhas do bacalhau todo desfeito espetadas no grão.
Almocei com o Tenente que me fez a surpresa de encomendar bife com batatas fritas de um restaurante.
Depois sucedeu mais uma asneira, talvez uma das piores da minha vida militar. Os carros que vinham atestar, entregava as chaves e dizia:
- Abasteçam-se!
Olhavam admirados e era encher e deve alguém ter dado com a língua que apareceu um número razoável de candidatos.
- É encher, encher!
O 1.º Sargento da minha Companhia (que era 2.º Sargento), dizia-me que tínhamos muito que fazer na Secretaria. Na Reunião com o Tenente, depois do jantar, combinou-se como seria feita a ronda. Disse-me que eu seria o último a fazer. Ninguém me acordou e mal abri os olhos e termina o Serviço, mudo de roupa e adeus RAC.
Voltei na quarta-feira, no dia 11 de Janeiro de 1967.
Chegada ao Largo de Bissau a 17. Transbordo para a LDM e barcaça, via fluvial, a vegetação quase a tocar-nos e com uma maçã golden, um ovo, um quarto de pão, uma laranja e destino incerto.
Estes atrasos terminaram aqui. Não existia espaço. Sentido das responsabilidades.
Quando fazia asneiras, ouvi mais de uma vez dos Oficiais:
- Isso era o que você queria! Não ganhei guerra nenhuma!
Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14981: O segredo de... (22): O problema não eram os pecados, - os nossos segredos -. O problema acontecia quando quem mandava em nós desvendava os pecados (Domingos Gonçalves)
Guiné 63/74 - P14990: Notas de leitura (746): O “Ericeira”: nos primórdios da BD sobre a guerra colonial (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Agosto de 2014:
Queridos amigos,
Acho que chegou a hora para fazermos algum esforço de recolha da BD e a Guiné em particular.
Já aqui foram feitas referências a trabalhos de A. Vassalo, que não esconde a sua admiração pelas façanhas de Alpoim Calvão. Há seguramente mais.
A revista Visão, importantíssima na BD, deu-lhe espaço e muito digno.
A seguir se fará menção a um interessante trabalho de A. Vassalo sobre a LDM 203, várias vezes esteve para soçobrar e, qual Fénix Renascida, voltou às rias da Guiné, e um dia foi desmantelada.
Ficarei agradecido a quem me puder ajudar com sugestões e empréstimos.
Um abraço do
Mário
O “Ericeira”: nos primórdios da BD sobre a guerra colonial
Beja Santos
O acervo da BD na temática da guerra colonial não para de crescer, parece-me que chegou a hora de juntarmos esforços para a coligir na íntegra, ou quase. Já aqui foi feita a referência a obras de A. Vassalo, caso da Operação Mar Verde. Nos seus empréstimos recentes, o nosso confrade Carlos Pedreño Ferreira chamou-me à atenção para estas duas páginas sobre o “Ericeira”, adaptação e desenho de Baptista Mendes publicadas na revista da Armada, Fevereiro de 1972.
O “Ericeira” era Eduardo Henriques Pereira, nascido na Ericeira em 1946. Ofereceu-se muito jovem com voluntário da Armada, aparece na Guiné no Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 9, estamos em 1964. Cedo dá sinais de destemor, finda a primeira comissão, ofereceu-se novamente como voluntário para a Guiné, foi incorporado no DFE n.º 7. Regressa com uma Cruz de Guerra e vários louvores. E três meses depois está a caminho de Angola onde veio a falecer. Como escreve o autor, “no dia do seu funeral”, o comércio da Ericeira encerrou as portas e, pode dizer-se, todo o povo da terra lhe prestou a última e justa homenagem, incorporando-se no funeral.
Recorde-se o “Ericeira” e as suas duas comissões na Guiné.
Oxalá outros confrades deem sugestões para mais referências à BD.
Em breve aqui se mencionará de A. Vassalo, a saga, por ventura única, da LDM 2003.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 7 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14979: Notas de leitura (745): Um dia diferente, da autoria do ex-Alf Mil Médico Aníbal Justiniano da CART 494, extraído do livro "Missão Guiné 63-65 Companhia de Artilharia 494”, escrito por Augusto Carias, Adelino Gomes e Aníbal Justiniano (Coutinho e Lima)
Queridos amigos,
Acho que chegou a hora para fazermos algum esforço de recolha da BD e a Guiné em particular.
Já aqui foram feitas referências a trabalhos de A. Vassalo, que não esconde a sua admiração pelas façanhas de Alpoim Calvão. Há seguramente mais.
A revista Visão, importantíssima na BD, deu-lhe espaço e muito digno.
A seguir se fará menção a um interessante trabalho de A. Vassalo sobre a LDM 203, várias vezes esteve para soçobrar e, qual Fénix Renascida, voltou às rias da Guiné, e um dia foi desmantelada.
Ficarei agradecido a quem me puder ajudar com sugestões e empréstimos.
Um abraço do
Mário
O “Ericeira”: nos primórdios da BD sobre a guerra colonial
Beja Santos
O acervo da BD na temática da guerra colonial não para de crescer, parece-me que chegou a hora de juntarmos esforços para a coligir na íntegra, ou quase. Já aqui foi feita a referência a obras de A. Vassalo, caso da Operação Mar Verde. Nos seus empréstimos recentes, o nosso confrade Carlos Pedreño Ferreira chamou-me à atenção para estas duas páginas sobre o “Ericeira”, adaptação e desenho de Baptista Mendes publicadas na revista da Armada, Fevereiro de 1972.
O “Ericeira” era Eduardo Henriques Pereira, nascido na Ericeira em 1946. Ofereceu-se muito jovem com voluntário da Armada, aparece na Guiné no Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 9, estamos em 1964. Cedo dá sinais de destemor, finda a primeira comissão, ofereceu-se novamente como voluntário para a Guiné, foi incorporado no DFE n.º 7. Regressa com uma Cruz de Guerra e vários louvores. E três meses depois está a caminho de Angola onde veio a falecer. Como escreve o autor, “no dia do seu funeral”, o comércio da Ericeira encerrou as portas e, pode dizer-se, todo o povo da terra lhe prestou a última e justa homenagem, incorporando-se no funeral.
Recorde-se o “Ericeira” e as suas duas comissões na Guiné.
Oxalá outros confrades deem sugestões para mais referências à BD.
Em breve aqui se mencionará de A. Vassalo, a saga, por ventura única, da LDM 2003.
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14979: Notas de leitura (745): Um dia diferente, da autoria do ex-Alf Mil Médico Aníbal Justiniano da CART 494, extraído do livro "Missão Guiné 63-65 Companhia de Artilharia 494”, escrito por Augusto Carias, Adelino Gomes e Aníbal Justiniano (Coutinho e Lima)
Guiné 63/74 - P14989: Parabéns a você (943): Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Guiné, 1967/68) e Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14986: Parabéns a você (942): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)
domingo, 9 de agosto de 2015
Guiné 63/74 - P14988: Libertando-me (Tony Borié) (29): Talvez seja o "nosso aspirante"
Vigésimo nono episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 3 de Agosto de 2015.
Os amigos, companheiros de guerra, estiveram num tempo da nossa vida, onde eram quase a nossa família. Depois da guerra, alguns de nós, começámos uma família, isso mudou um pouco o nosso comportamento, criámos novos grupos, não é que não nos lembrássemos mais daqueles companheiros, mas as novas responsabilidades, dificuldades e a sobrevivência, mudou-nos, mas colocar esses amigos, companheiros de guerra, de novo juntos, pelo menos fisicamente, pois os que por lá ficaram atravessados por estilhaços ou balas inimigas, naquelas savanas, tarrafo e rios de lama, esses seguem juntos, mas no nosso pensamento, mas para colocá-los de volta, agora, quando não há muito tempo nas nossas vidas, quando aparece um, ficamos de algum modo contentes, pelo menos vendo a sua fotografia e, mesmo que qualquer desses companheiros não esteja entre nós, não há nenhuma razão para um momento menos feliz, é um momento sobre o tempo, sobre as nossas relações de quando éramos jovens.
Passando os olhos pelo nosso blogue, no post P14957, o nosso companheiro, João Sacôto, que foi alferes miliciano, fazendo parte da CCAÇ 617/BCAÇ 619, que andou lá por Catió, Ilha do Como e Cachil, precisamente nos mesmos anos que também por lá andámos, mostra umas fotos em que se pode ver uma simpática personagem, cujo nome não nos lembramos, mas deve de ser ele, estou mesmo em dizer que é ele, pois a foto que temos do nosso tempo de convivência, são muito idênticas. Temos alguns amigos, mas “amigos especiais”, daqueles que sempre lembramos, são os da guerra, aqueles que estavam na mesma situação de angústia e aflição, aqueles que estando no interior de África, olhavam o mapa e viam a cidade de Bissau, não como alguma civilização, mas como o caminho da Europa, são esses amigos, daquele tempo de juventude, daquele tempo de aprendizagem, onde a convivência nos fazia copiar os maus e bons costumes.
Nessa altura éramos um normal soldado recruta, vulgo instruendo, que estava no seu dever de cidadão, seguindo os princípios para que foi educado, tanto no seu lar, como na escola primária da vila de Águeda, onde sempre lhe disseram que a sua Pátria, estando em guerra, devia ser defendida, sem quaisquer restrições, mesmo usando o sangue dos seus cidadãos. Neste contexto, o instruendo que nós éramos, veio a sua casa, com licença de fim de semana, retornando ao seu quartel, o tal lugar onde o estavam a preparar para defender a, tal sua Pátria.
Era aquele normal fim de semana para, entre outras coisas, saborear a comida da mãe Joana, todavia, quando saímos da nossa aldeia, o sol ainda não cobria a marca, na base da porta do curral das ovelhas, dizendo-nos que era meio dia, aquilo era fácil, eram vinte e poucos quilómetros, sacola ao ombro, com alguma roupa lavada, assim como o farnel que a mãe Joana nos preparava. Seguíamos quase sempre a corta-mato, ou seja encurtando caminho, percorremos quase todo o trajecto da vila de Águeda à cidade de Aveiro, tirando um pequeno percurso, em que viajámos à boleia no carro do “homem do berbigão”, oriundo de Mourica do Vouga, que encontrámos numa taverna próximo da povoação de Eixo, naquele momento, comia ele, “umas sopas de cavalo cansado”, vulgo “sopas de vinho”, que seguia direito à lota de Aveiro, comprar o berbigão, sardinha e carapau, para vender pela madrugada na nossa zona, cujo carro era puxado por um “macho”, cujo “acelerador” era um valente cajado com que batia no lombo do desgraçado animal, quando este começava a dar sinais de fraqueza, pois não tinha partilhado com o seu dono das tais “sopas de cavalo cansado”.
Era domingo, um dia antes, pois no papel da licença estava escrito segunda-feira, o céu já estava colorido com aquelas cores estranhas, pois lá para o lado das praias já se podia observar o começo da noite, a tal noite que se prolongou por África e nos acompanhou nos próximos três anos.
Com ele nos cruzámos em plena Avenida Lourenço Peixinho, já na cidade de Aveiro, fazendo-lhe uma tremenda saudação, mesmo daquelas em que nos colocamos na posição de sentido, só com a diferença, em que ambos trajávamos civilmente. Ele riu-se, com aquele sorriso maroto, sempre mantendo uma certa compostura, eu fiquei a olhá-lo, talvez espantado. Esta simpática personagem era o nosso aspirante, instrutor que nos ensinou algumas normas militares, como marcar passo, manusear a espingarda “Mauser”, desencavilhar uma granada, que nós nunca aprendemos pois ficávamos nervosos, quase a tremer, alguns exercícios físicos, enfim, aquelas coisas que se aprendem na recruta. Na primeira instrução do nosso pelotão, ele, a tal personagem, muito sério, explicou que trajando civilmente não era necessário “bater a pala” a nenhum superior, nunca mencionou o nosso nome, mas claro, olhando para nós com o tal sorriso maroto. Voltamos a falar sozinhos, já em Lisboa, à saída do comboio especial que nos trouxe para a capital, onde fomos distribuídos por diversos quartéis, aí dizendo-nos que mais cedo ou tarde, o nosso destino era a guerra do ultramar.
Tomando a liberdade de mostrar as fotos do companheiro João Sacôto, para ver a comparação, oxalá que esta simpática personagem esteja viva, se estiver que apareça com saúde e alegria em viver, pois se não houver outra razão, a sua atitude para connosco, tornou-nos cúmplices, podemos mesmo dizer que tivemos o nosso “secreto”, o que nos torna de algum modo felizes por o termos conhecido, neste mundo selvagem, onde os oceanos já não têm aquele azul de outrora, os ventos já não trazem a brisa de orvalho, mas sim, varrem destroços da catástrofe que é o modo de vida e procedimento dos “vindouros”, que não têm nenhuma contemplação ou respeito por quem deu a vida pela sua bandeira, pela tal sua Pátria.
Tony Borie, Agosto de 2015
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Nota do editor
Último poste da série de 2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14960: Libertando-me (Tony Borié) (28): Pôr a carta no Correio, na guerra
Os amigos, companheiros de guerra, estiveram num tempo da nossa vida, onde eram quase a nossa família. Depois da guerra, alguns de nós, começámos uma família, isso mudou um pouco o nosso comportamento, criámos novos grupos, não é que não nos lembrássemos mais daqueles companheiros, mas as novas responsabilidades, dificuldades e a sobrevivência, mudou-nos, mas colocar esses amigos, companheiros de guerra, de novo juntos, pelo menos fisicamente, pois os que por lá ficaram atravessados por estilhaços ou balas inimigas, naquelas savanas, tarrafo e rios de lama, esses seguem juntos, mas no nosso pensamento, mas para colocá-los de volta, agora, quando não há muito tempo nas nossas vidas, quando aparece um, ficamos de algum modo contentes, pelo menos vendo a sua fotografia e, mesmo que qualquer desses companheiros não esteja entre nós, não há nenhuma razão para um momento menos feliz, é um momento sobre o tempo, sobre as nossas relações de quando éramos jovens.
Passando os olhos pelo nosso blogue, no post P14957, o nosso companheiro, João Sacôto, que foi alferes miliciano, fazendo parte da CCAÇ 617/BCAÇ 619, que andou lá por Catió, Ilha do Como e Cachil, precisamente nos mesmos anos que também por lá andámos, mostra umas fotos em que se pode ver uma simpática personagem, cujo nome não nos lembramos, mas deve de ser ele, estou mesmo em dizer que é ele, pois a foto que temos do nosso tempo de convivência, são muito idênticas. Temos alguns amigos, mas “amigos especiais”, daqueles que sempre lembramos, são os da guerra, aqueles que estavam na mesma situação de angústia e aflição, aqueles que estando no interior de África, olhavam o mapa e viam a cidade de Bissau, não como alguma civilização, mas como o caminho da Europa, são esses amigos, daquele tempo de juventude, daquele tempo de aprendizagem, onde a convivência nos fazia copiar os maus e bons costumes.
Nessa altura éramos um normal soldado recruta, vulgo instruendo, que estava no seu dever de cidadão, seguindo os princípios para que foi educado, tanto no seu lar, como na escola primária da vila de Águeda, onde sempre lhe disseram que a sua Pátria, estando em guerra, devia ser defendida, sem quaisquer restrições, mesmo usando o sangue dos seus cidadãos. Neste contexto, o instruendo que nós éramos, veio a sua casa, com licença de fim de semana, retornando ao seu quartel, o tal lugar onde o estavam a preparar para defender a, tal sua Pátria.
Era aquele normal fim de semana para, entre outras coisas, saborear a comida da mãe Joana, todavia, quando saímos da nossa aldeia, o sol ainda não cobria a marca, na base da porta do curral das ovelhas, dizendo-nos que era meio dia, aquilo era fácil, eram vinte e poucos quilómetros, sacola ao ombro, com alguma roupa lavada, assim como o farnel que a mãe Joana nos preparava. Seguíamos quase sempre a corta-mato, ou seja encurtando caminho, percorremos quase todo o trajecto da vila de Águeda à cidade de Aveiro, tirando um pequeno percurso, em que viajámos à boleia no carro do “homem do berbigão”, oriundo de Mourica do Vouga, que encontrámos numa taverna próximo da povoação de Eixo, naquele momento, comia ele, “umas sopas de cavalo cansado”, vulgo “sopas de vinho”, que seguia direito à lota de Aveiro, comprar o berbigão, sardinha e carapau, para vender pela madrugada na nossa zona, cujo carro era puxado por um “macho”, cujo “acelerador” era um valente cajado com que batia no lombo do desgraçado animal, quando este começava a dar sinais de fraqueza, pois não tinha partilhado com o seu dono das tais “sopas de cavalo cansado”.
Era domingo, um dia antes, pois no papel da licença estava escrito segunda-feira, o céu já estava colorido com aquelas cores estranhas, pois lá para o lado das praias já se podia observar o começo da noite, a tal noite que se prolongou por África e nos acompanhou nos próximos três anos.
Com ele nos cruzámos em plena Avenida Lourenço Peixinho, já na cidade de Aveiro, fazendo-lhe uma tremenda saudação, mesmo daquelas em que nos colocamos na posição de sentido, só com a diferença, em que ambos trajávamos civilmente. Ele riu-se, com aquele sorriso maroto, sempre mantendo uma certa compostura, eu fiquei a olhá-lo, talvez espantado. Esta simpática personagem era o nosso aspirante, instrutor que nos ensinou algumas normas militares, como marcar passo, manusear a espingarda “Mauser”, desencavilhar uma granada, que nós nunca aprendemos pois ficávamos nervosos, quase a tremer, alguns exercícios físicos, enfim, aquelas coisas que se aprendem na recruta. Na primeira instrução do nosso pelotão, ele, a tal personagem, muito sério, explicou que trajando civilmente não era necessário “bater a pala” a nenhum superior, nunca mencionou o nosso nome, mas claro, olhando para nós com o tal sorriso maroto. Voltamos a falar sozinhos, já em Lisboa, à saída do comboio especial que nos trouxe para a capital, onde fomos distribuídos por diversos quartéis, aí dizendo-nos que mais cedo ou tarde, o nosso destino era a guerra do ultramar.
Tomando a liberdade de mostrar as fotos do companheiro João Sacôto, para ver a comparação, oxalá que esta simpática personagem esteja viva, se estiver que apareça com saúde e alegria em viver, pois se não houver outra razão, a sua atitude para connosco, tornou-nos cúmplices, podemos mesmo dizer que tivemos o nosso “secreto”, o que nos torna de algum modo felizes por o termos conhecido, neste mundo selvagem, onde os oceanos já não têm aquele azul de outrora, os ventos já não trazem a brisa de orvalho, mas sim, varrem destroços da catástrofe que é o modo de vida e procedimento dos “vindouros”, que não têm nenhuma contemplação ou respeito por quem deu a vida pela sua bandeira, pela tal sua Pátria.
Tony Borie, Agosto de 2015
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Nota do editor
Último poste da série de 2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14960: Libertando-me (Tony Borié) (28): Pôr a carta no Correio, na guerra
Guiné 63/74 - P14987: Fotos à procura de... uma legenda (60): uma viatuira civil, reduzida à carcaça, possivelmente destruída por mina A/C na estrada Bambadinca-Saltinho (Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/1970)
Foto nº 1
Foto nº 1 A
Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]
[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]
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Nota do editor:
Último poste da série > 30 de julho de 2015 > ída por mina A/C na estrada BambadiOs manos Marques da Silva, fundadores do conjunto musical "Ritmos Caboverdeanos", em digressão por Bissau e Dacar, em junho de 1964, que iam "tramando", sem o quererem, o primo António Medina...
Guiné 63/74 - P14986: Parabéns a você (942): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)
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Nota do editor
Último poste da série > 8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14983: Parabéns a você (941): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)
Nota do editor
Último poste da série > 8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14983: Parabéns a você (941): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)
sábado, 8 de agosto de 2015
Guiné 63/74 - P14985: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (38): é possível barrar a emigração a muitos milhões de jovens africanos sem perspectiva de vida? Nem Luís Cabral conseguiu fechar as entradas na Praça de Bissau...
1. Mensagem do Antº Rosinha:
[Foto à direita, o Antº Rosinha , ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-colon e retornado, como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar ...]:
Data: 3 de agosto de 2015 às 19:46
Assunto: É possível barrar a emigração a muitos milhões de jovens Africanos sem perspectiva de vida? Nem Luís Cabral conseguiu fechar as entradas na Praça de Bissau.
Como é possível fechar a Europa aos jovens de toda a África, se não foi possível fechar as entradas de jovens de toda a Guiné-Bissau dentro de Bissau que é uma ilha?
Em 1980 eram tantos milhares de jovens na cidade de Bissau, vagabundeando na Praça, que Luís Cabral tentou fechar na Chapa Bissau, na estrada de Antula e na estrada que vinha de Bor, com polícias e camiões para recolher, registar os sem emprego e recambiá-los para as suas tabancas.
Eu já escrevi isto, mas agora serve para comparar exactamente tudo, mas tudo mesmo, aquilo que se passa hoje com toda, mas toda mesmo, a juventude africana, com aquilo que se passava nos anos a seguir à independência da Guiné para as mãos do PAIGC.
Isto é, toda a juventude Bissau-guineense, viu a demora em aparecerem os resultados prometidos e apregoados pelo Regime e pelos heróis da Independência e o instinto de defesa muito presente no povo africano não demorou, de uma maneira passiva, mas bem vincada, manifestou-se com uma autêntica invasão maciça da capital, vagabundeando o dia inteiro pela praça, sem qualquer preparação, sem discursos e sem armas, apenas com a sua presença, sempre em movimento, e isto diariamente até que o governo reagiu.
Luís Cabral, reagiu e caíu.
Mas já em 1980, milhares de guineenses sabiam que era preciso "fugir" mesmo da cidade de Bissau porque tal como hoje assistimos, todas as capitais africanas ficaram literalmente inabitáveis.
Não havia perspectiva de uma independência africana à «maneira europeia» sem se ter feito uma colonização europeia real em toda a África Subsariana.
Como tal aquela áfrica vai recorrer à colonização selvagem de árabes e de chineses.
A Europa vai pagar tudo com juros suportando as reclamações dos jovens africanos, pois é apenas a reclamar, aquilo que os africanos estão a fazer em Calais e no Mediterrâneo e em Ceuta.
Em Portugal há muitas reclamações há muitos anos, principalmente na freguesia de São Sebastião da Pedreira.
O primeiro ministro inglês e o presidente francês, estão na situação em que Luís Cabral estava em 1980, sem saber o que fazer com tantos «pretos».
Mas que porra, quem diria?
Havia pessoas que tinham a razão do seu lado, mas não tinham a força das armas.
Seria pior? Seria melhor? Pelo menos seria diferente.
Cumprimentos
Nota do editor:
Último poste da série > 7 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14583: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (37): Sempre houve emigrantes europeus para África, agora dá-se o inverso
[Foto à direita, o Antº Rosinha , ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-colon e retornado, como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar ...]:
Data: 3 de agosto de 2015 às 19:46
Assunto: É possível barrar a emigração a muitos milhões de jovens Africanos sem perspectiva de vida? Nem Luís Cabral conseguiu fechar as entradas na Praça de Bissau.
Como é possível fechar a Europa aos jovens de toda a África, se não foi possível fechar as entradas de jovens de toda a Guiné-Bissau dentro de Bissau que é uma ilha?
Em 1980 eram tantos milhares de jovens na cidade de Bissau, vagabundeando na Praça, que Luís Cabral tentou fechar na Chapa Bissau, na estrada de Antula e na estrada que vinha de Bor, com polícias e camiões para recolher, registar os sem emprego e recambiá-los para as suas tabancas.
Eu já escrevi isto, mas agora serve para comparar exactamente tudo, mas tudo mesmo, aquilo que se passa hoje com toda, mas toda mesmo, a juventude africana, com aquilo que se passava nos anos a seguir à independência da Guiné para as mãos do PAIGC.
Isto é, toda a juventude Bissau-guineense, viu a demora em aparecerem os resultados prometidos e apregoados pelo Regime e pelos heróis da Independência e o instinto de defesa muito presente no povo africano não demorou, de uma maneira passiva, mas bem vincada, manifestou-se com uma autêntica invasão maciça da capital, vagabundeando o dia inteiro pela praça, sem qualquer preparação, sem discursos e sem armas, apenas com a sua presença, sempre em movimento, e isto diariamente até que o governo reagiu.
Luís Cabral, reagiu e caíu.
Mas já em 1980, milhares de guineenses sabiam que era preciso "fugir" mesmo da cidade de Bissau porque tal como hoje assistimos, todas as capitais africanas ficaram literalmente inabitáveis.
Não havia perspectiva de uma independência africana à «maneira europeia» sem se ter feito uma colonização europeia real em toda a África Subsariana.
Como tal aquela áfrica vai recorrer à colonização selvagem de árabes e de chineses.
A Europa vai pagar tudo com juros suportando as reclamações dos jovens africanos, pois é apenas a reclamar, aquilo que os africanos estão a fazer em Calais e no Mediterrâneo e em Ceuta.
Em Portugal há muitas reclamações há muitos anos, principalmente na freguesia de São Sebastião da Pedreira.
O primeiro ministro inglês e o presidente francês, estão na situação em que Luís Cabral estava em 1980, sem saber o que fazer com tantos «pretos».
Mas que porra, quem diria?
Havia pessoas que tinham a razão do seu lado, mas não tinham a força das armas.
Seria pior? Seria melhor? Pelo menos seria diferente.
Cumprimentos
Antº Rosinha
_____________Nota do editor:
Último poste da série > 7 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14583: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (37): Sempre houve emigrantes europeus para África, agora dá-se o inverso
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