1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma,
1964/66), com data de 21 de Junho de 2016:
A Guiné e a sua circunstância: Da efeméride da crise dos “3 Gs” e do livro “Descolonização da Guiné”, da autoria do Coronel Jorge Sales Golias, um assumido e notável actor da mesma
Quando o nosso país, por manifesta fraqueza da geração de governantes superveniente ao 25 de Abril, desceu da glória legada pela gente de rija têmpera de outras eras, a protectorado dos seus principais credores internacionais e que estes sobrepuseram a sua “troika” à governação nacional, logo a Guiné e a sua circunstância me acudiram à lembrança. Ante o seu anunciado regresso, ora para apalpar nossa frouxidão, lembrei-me de regressar ao passado da Guiné.
Para a realidade de Portugal como o segundo país mais antigo da Europa, terceiro mais antigo do Mundo, todas as suas instituições creditadas de Direito e acreditadas em todas as instâncias internacionais, sem exclusão do regime político e do governo, o acontecimento do 25 de Abril de 1974 foi um dia inicial inteiro e limpo. De facto, nem o regime nem o governo eram sancionados pelo povo e a corporação militar nacional, acusando a sua usura nas guerras de África, destituíra-os, com economia de sangue, de desordens, sem a vacatura nas nossas instâncias supremas e restabelecera de imediato a cadeia de comando das nossas FA.
De acordo com o seu plano B, seria desencadeada uma rebelião em Bissau, em alternativa ao eventual insucesso na Metrópole.
Com o plano A rápida e exemplarmente triunfante em Lisboa e no país, ocorreu um evento paradoxal: por impulso da arma de Transmissões da Guiné, os primeiros militares a tomar conhecimento do sucesso total, o MFA de Bissau executou esse golpe por conta própria, na manhã do dia 26, decapitando o alto comando militar, secando a sua fonte de informações, pela dissolução da PIDE/DGS, à revelia da orientação do MFA central e das ordens do seu supremo comando.
Golpismo em favorecimento do IN, não por contingência, mas por “criação” ideológica, bem patente na narrativa, sem dúvida sincera e honesta, do Coronel Jorge Sales Golias.
O saber de que a quebra do moral e da disciplina são recompensas ao IN foi desde sempre comum ao soldado, profissional ou do contingente geral. E um golpe daquela natureza, em tão sensível teatro de guerra, seguramente que não buscava o contrário. E terá sido a “mãe de todas as batalhas” que levaram à tal “Descolonização exemplar”, para desgraça dos povos colonizados, com os quais Portugal levava 500 anos de compromissos e o empobrecimento de todos, em favorecimento de terceiros, que nunca derramaram lágrima, gota de sangue ou de suor, nem pelas gentes nem por aquelas terras africanas.
E assiste-nos o direito de o escrutinar como uma desobediência grave aos seus supremos superiores hierárquicos, o Presidente da República e o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, já então legitimados pela circunstância, pelo seu afã de obstar que a Descolonização da Guiné, e, por extensão, a do restante Ultramar, fosse realizada tendo por sujeito os povos e a sua realidade concreta e não para satisfação das utopias que povoavam a cabeça de minorias e das ideologias em moda, sustentadas em partidos armados, mas estranhas às suas maiorias. E terá constituído como que uma caixa de Pandora que se abriu para a impunidade campeadora, que colou a imagem de “república das bananas” a Portugal e que transubstanciou a Guiné-Bissau em Estado falhado.
São as nações que fazem os exércitos e não os exércitos que fazem nações. E, na realização dessa “Descolonização exemplar”, o MFA de Bissau apenas só teve ouvidos para os tiros e para os que os disparavam.
Em 1974, o exército do PAIGC tinha tantos anos de vida (10) como de errância, indigente de massa territorial, e ousava-o disputar com o Exército Português, com os seus 900 anos de existência e de gloriosas armas, o seu currículo de conquistas territoriais e de gentes, à dimensão das margens do Atlântico e do Índico, que transformara num “lago português”.
A retirada de Guileje enquadra-se numa manobra militar, não imposta mas decidida, da responsabilidade e comando de um oficial superior. Era uma posição dotada de obuses de 14,5 de longo alcance, morteiros de 81, canhões s/r 10,7, viaturas blindadas e abrigos de betão armado, resistentes a granadas perfurantes, predestinada por Amílcar Cabral a campo de batalha, uma espécie de Termópilas para a sua guarnição, no entanto longe de idêntico e funéreo fim. Como as baixas constituem o indicador da densidade das guerras, nesse período a que foi alvo de flagelações, massivas e continuadas, do armamento pesado registou-se uma só vítima mortal – o malogrado furriel de minas e armadilhas. Com o seu sorriso habitual e cínico, Nino Vieira dizia que a sua guerra contra Guileje só rendia baixas fora do quartel – nas ocasiões das colunas de reabastecimento de ida e volta a Gadamael e da ida e volta à água, a 4 km de distância.
A nomadização fora instalada em 1964, objecto de tanta intervenção da Engenharia de Bissau e, ao longo de 9 anos, até 1973, não foi possível abrir poços ou fazer furos mais próximos?
Essa famigerada retirada denuncia uma singularidade, apenas timidamente focada: a população preferiu acompanhar a retirada da tropa e ficar ao seu lado, à libertação oferecida pelo PAIGC, não obstante patrocinada por todo o mundo - ONU, Organização da Unidade Africana, Blocos Ocidental, Comunista e Não-Alinhados...
Seguiu-se a crise de Gadamael, sequela da retirada de Guileje e o seu preço, pago aqui com elevado número de mortos, imposto pelos factores cruciais: a troca da posição principal de resistência, dotada de abrigos específicos, por uma posição secundária, dotada de valas a céu aberto, a sua súbita e imprevista sobrecarga de população e militares e, sobretudo, o esmorecimento moral com sentido a derrota e a contagiante quebra da disciplina. A defesa de Gadamael passou por um período em que apenas foi sustentada pela valentia de cerca de 30 militares, do seu universo de 400. A chegada de uma companhia de pára-quedistas em seu reforço não só foi suficiente para a aguentar, mas também para forçar o IN a recuar para o território estrangeiro; e, se mais alguns chegassem, tirariam partido da “época das chuvas” como aliada e teriam perseguido os atacantes, enquanto estes chafurdavam no terreno, empenhados em safar o armamento pesado investido nas flagelações.
A crise de Guidaje foi a “mãe de todas as batalhas” dessa “Operação Amílcar Cabral” e a maior devoradora de vidas em ambos os campos. O aquartelamento só não terá imitado a retirada de Guileje, aos primeiros momentos do seu brutal ataque, graças a um factor: o desempenho ético e profissional do seu comandante, em posição de comando avançada, Tenente-coronel Correia de Campos que, com o seu exemplo de competência, coragem e valentia, obstou à quebra do moral e da disciplina aos seus comandados. Virá a ser o ignorado comandante no terreno da manobra das forças da Cavalaria de Santarém e de Estremoz que “convenceram” Marcelo Caetano à rendição, no 25 de Abril.
A História regista que a “Descolonização da Guiné”, com o seu efeito sistémico no restante Ultramar, foi obra da irreverência de um grupo de jovens oficiais, uns mais e outros menos contaminados pela ideologia em moda, por haverem voltado o feitiço (MFA) contra o seu feiticeiro (o General Spínola) - facto assumido por um dos seus actores principais, no aludido livro homónimo – que se apressaram em abandonar, em 5 meses, o que os seus antepassados realizaram em 500 anos.
Os tão seculares compromissos assumidos entre portugueses e guineenses não mereceriam diálogos mais “alargados e abrangentes”, que os monólogos impositivos dos camaradas José Araújo, Pedro Pires e até do Juvêncio Gomes?
Não invocando os indicadores estatísticos referidos às situações militar, económica, sociológica e histórica da Guiné, a iminência da nossa derrota no campo de batalha, propalada pelos nossos militares profissionais, desde 1974, configurará menos respeito pelos que deram a vida em combate e algo de menosprezo pelas centenas de milhares de portugueses que se entregaram ao serviço militar do seu país, sem nada pedir e sem perguntar se o país lhe daria alguma coisa. O PAIGC e os seus 4 mil militares seriam tão virtuosos e capazes que correriam a tiro os 45 mil militares/militarizados sob a bandeira de Portugal?
Partilho a indignação dos Pilav`s, esses tão poucos “cavaleiros do céu”, a quem tanto se deveu, em lidar com a atoarda da “perda da superioridade aérea”. Segundo o dicionário, “superioridade é a qualidade do que é superior” e, quanto aos meios aéreos da Guerra da Guiné, os tugas dispunham de aeronaves de pistão e de propulsão, enquanto os turras só disporiam de papagaios de papel…
Na sua reincarnação como idealistas pela autodeterminação e pela democracia dos povos em vias de colonização, o que é que os nossos corifeus do MFA/Descolonização viram de semelhante a esse ideal, na prática dos chamados Movimentos de libertação, para além de partidos-armadas, e não viram nos movimentos e correntes de opinião, que perseguiam os mesmo fins, mas sem derramamento de sangue - porque a civilização e a moral lhes ensinara que os fins não justificam os meios -, que justificasse o apressado abandono de territórios e gentes? Compadrio ideológico ou medo dos seus tiros? Eles eram formados, formatados, municiados, alimentados e patrocinados pelos países do Bloco Comunista e do Terceiro Mundo, plenos de ditaduras e de aversão aos direitos humanos.
Se consultado, o Zé Povinho saberia discernir: Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és!...
Outorgante expedito da “democracia” aos africanos, o MFA menorizou a nós, aos nossos pais e avós na sua outorga. Pela minha parte, já perdoei ao seu ideólogo programático, o falecido e então Major Melo Antunes, essa discriminação negativa: um ano de espera para uma Assembleia Constituinte, outro ano de espera para uma Assembleia Legislativa, dois anos de espera para eleger um Presidente da República e 8 anos de tutela armada – extinta pela revisão constitucional de 1982.
E porquê? Pela lógica idêntica à dos partidos armados da Guiné, Angola e Moçambique: não o sendo formalmente, o MFA era também um partido-armado…
No seu impetuoso “progressismo”, o MFA desvalorizara flagrantemente a nossa qualidade de segundo pais mais antigo da Europa e de terceiro mais do Mundo, reconhecido de Direito Internacional, desde 1179, fundador da ONU e da NATO, todas as suas instituições reconhecidas pela Comunidade internacional, então regido por uma constituição, das mais avançadas do mundo – reconhecimento do próprio Amílcar Cabral, que o complementava com o lamento de não ser cumprida.
Foi uma bizantinice, em resposta à qual avoco a autocrítica pública do General Spínola:
- “Sinto-me responsável pelo nascimento e criação do MFA e arrependo-me em não ter obviado o problema ao recusar-me a chefiar o golpe de Estado que instituiria da democracia; antes do 25 de Abril. Toda a Calçada da Ajuda (zona dos quartéis) e toda a Cavalaria estavam do meu lado”.
E sendo um ex-combatente amador da Guerra da Guiné, faço uma achega à “profissional”: Não obstante os seus picos, com a crise dos 3 Gs, Canquelifá, Pirada, etc, a gradação da Guerra da Guiné não ultrapassou a fasquia da “baixa densidade”.
Desde 1128 que o Exército Português vinha sendo glorioso em guerras de “média e alta densidade”…
Regressei passado, mas não fico nele. O comunismo e o seu bloco implodiram, mas Portugal preservou-se comunista, pela a partilha da sua Língua com os povos que beneficiaram/sofreram a sua Colonização.
Manual Luís Lomba
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de junho de 2016 >
Guiné 63/74 - P16236: (In)citações (93): O que será a paz? (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381)