sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16543: Inquérito 'on line' (69): Perguntar não ofende, mas às vezes pode incomodar... Os filhos dos ricos e dos poderosos de então andaram comigo na escola (25%), mas não na tropa (52%) e menos ainda na guerra (56%)... Resultados preliminares (n=44)... Prazo de resposta até 5 de outubro, 4ª feira, às 19h44

Bissau: Monumento ao Esforço da Raça
(c. 1950)
1. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "OS FILHOS DOS RICOS E PODEROSOS DE ENTÃO ANDARAM COMIGO"...


1. Não, não andaram comigo na escola  > 17 (38%)


2. Não, não andaram comigo na tropa  > 23 (52%)

3. Não, não andaram comigo na guerra  > 25 (56%)

4. Sim, andaram comigo na escola  > 18 (40%)


5. Sim, andaram comigo na tropa  > 11 (25%)


6. Sim, andaram comigo na guerra  > 7 (15%)

7. Não sei / não me lembro > 4 (9%) 


2. Mais um inquérito (ou "sondagem"...) para responder no nosso blogue, até ao dia 5 de outubro, até às 7:44 PM (19h44)... Não se trata de nenhum trabalho de pesquisa científica, é apenas um passatempo, inocente... Não sabemos quem responde nem quem não responde... Se chegarmos aos 100, ótimo, é uma boa amostra de conveniência.

Até hoje de manhã, tínhamos 44 respostas, cujos resultados preliminares apresentamos acima.

Por favor, camarada,  coloca a(s) cruzinha(s) aqui. diretamente, ao canto superior esquerdo do blogue... A pergunta tem resposta múltipla... E, já sabes, perguntar não ofende... E também não queremos naturalmente incomodar ninguém... Só queremos conhecer a tua experiência ou a tua perceção... 

Na época,  em 1961/74, havia o serviço militar obrigatório e o país estava a braços com uma guerra em 3 frentes, bem longe de casa... Dizem que mobilizou perto de 1 milhão de homens...200 mil terão sido os refratários; desertores foram poucos... Alguns de nós acham que, na época, éramos todos portugueses e todos iguais... Mas outros acrescentam que havia alguns de nós que eram mais iguais do que outros... Em que é que ficamos ?


3. Alguns comentários na página do Facebook da Tabanca Grande, com de ontem e hoje:

(i) Domingos Robalo:

Já fiz a minha votação e gostaria de comunicar o seguinte: Fiz 24 meses de Guiné de maio 69 a 71.

O sobrinho do ministro Sá Viana Rebelo e o filho do deputado à Assembleia Nacional falecido no acidente de helicóptero em Mansoa foram meus camaradas na Artilharia (BAC1 / GAC7). O primeiro comandava um pelotão de artilharia, creio que em Canquelifá e o segundo estava em Catió.

Outros "ricaços" e filhos de industriais por lá andavam em pelotões no TO. Obviamente que a maioria eram de origem mais modesta mas nem por isso menos considerados ou desrespeitados. Era assim na Artilharia.

Não esquecer que a maioria dos nossos soldados eram de origem Guineense, [tendo sido] vitimas dos assassinatos a seguir à independência daquele País de gentes amigas e ainda saudosas de Portugal.

PS - Correcção: o primeiro [, o sobrinho do ministro Sá Viana Rebelo] estava em Saré Bacar, e estivemos juntos na "Operação Mabecos", em Piche, na semana de carnaval de 1971, operação de triste memória.

(ii) Augusto Carolino Carvalho:

Alguns andaram na Escola Primária, depois ninguém mais os viu, só de vez em quando é que vinham à Terra.

 (iii) Mario Vasconcelos:

Durante o serviço militar nunca me preocupou saber a origem daqueles que correspondiam ao esforço praticado. Os laços que nos irmanavam eram de tal modo fortes, que esse aspecto, para mim, era irrelevante. Suponho ser mais admissível dizer que, durante o ensino superior, alguns fossem dessa proveniência. E, portanto, muitos deles devem ter representado a nação em esforço de guerra. Verdadeiramente, não sei quantificar.

 (iv) Raul Castanha:

Não faço a minima ideia de quem eram, no inicio, os meus camaradas de guerra ou melhor de tropa. Fomos todos iguais e cada um ocupou o seu lugar com as suas responsabilidades. A questão que se deveria ter colocado é se cumpriram ou não o seu papel.~

(v) Manuel Amaro:

 Havia de tudo... uns inventavam doenças como o filho do Director do Hospital Militar... outros, como o filho de um General, meu vizinho, faleceu em Angola.

(vi) Manuel Belinha:

Na escola aonde eu andei, andavam todos, ricos e pobres, brincávamos juntos . Nos anos 50 não havia colégios privados. Isso são coisas das mentes deturpadas modernas e de quem perde tempo a fazer estes inquéritos. Esta página [Facebook da Tabanca Grande] é de grande utilidade para todos nós que estivemos na Guiné . Ficarei muito triste se ela for usada para fins políticos.  Na Guiné éramos todos camaradas unidos, porque ninguém sabia e não se discutia política.

A vida é assim mesmo. Uns imigraram, para o estrangeiro ou grandes cidades. A vida de criança, mal era se não mudasse na idade adulta. Conheço gente que era rica,  hoje está pobre, também conheço gente que era pobre,  hoje está rica.  É a sorte e o destino de cada um.

(vii) José Augusto de Araújo:

Eu também estive na Guiné de 69 a 71, e já há muito que sou adepto da Tabanca Grande!...  Ricos ou pobres, todos os que lá fomos sofremos na pele o inferno da guerra!...
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Guiné 63/74 - P16542: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (38): Ajuda para reportagem da SIC, antigos militares fotocines que tenham gravado as mensagens de Natal da RTP... precisam-se! (Madalena Durão, produtora)



1. Mensagerm de Madalena Durão, Produtora da SIC

Data: 26 de setembro de 2016 às 15:24

Assunto: SIC - ajuda para reportagem

Muito bom dia,

Contacto-o por indicação do administrador da página do Facebook Guerra Colonial Portuguesa 1961-1974.

Sou produtora na SIC informação. Neste momento estamos a preparar uma reportagem sobre repórteres da guerra colonial para a rubrica "Perdidos e Achados".

É uma rubrica emitida aos sábados no Jornal da Noite que procura saber que o que é feito de pessoas, locais,  acontecimentos que tenham marcado o país em determinada altura. Na sequência deste trabalho, venho pedir a sua ajuda para encontrar algum militar fotocine que tenha gravado as mensagens de Natal da RTP, para nos ajudar a perceber qual o seu papel, assim como algumas histórias que possa acrescentar à nossa reportagem.

Agradeço a colaboração,

Com os melhores cumprimentos
Madalena Durão
Produtora


2. Resposta do editor LG:

Madalema: Estive quase dois anos na Guiné, entre 1969/71, numa companhia africana, sempre no mato, e nunca vi nenhum bicho chamado "fotocine"... e muito menos equipas da RTP por altura do Natal...

Em todo o caso, no nosso blogue, pode encontrar uma referência a Vicente Batalha que foi Comandante do Departamento de Fotografia e Cinema 3011 (Angola, 1972/74), tendo tido em Mafra (EPI) instrutores ligados ao cinema como Jorge Botelho Moniz, Lauro António e Fernando Matos Silva... Tentem contactá-lo, vive em Santarém.

Caso a Madalena não veja inconveniente, vou publicar um poste com o seu pedido. Pode ser que apareça algum fotocine ou alguém que tenha conhecido um fotocine no teatro de operações da Guiné... O nosso blogue tem uma grande audiência e temos também uma página no Facebook.

Veja aqui uma história passada com uma equipa da RTP que foi gravar as mensagens de Natal num aquartelamento junto à fronteira com o Senegal:

Por outro lado, temos um camarada nosso, Constantino (ou Tino) Neves que aparece num vídeo de Natal da RTP... Vou-lhe dar conhecimento do seu pedido... mas é pouco provável que ele se lembre do nome do fotocine. Ele vive na Cova da Piedade, Almada.


Sobre o Natal na guerra, temos 189 referências... O Jorge Félix, por exemplo, que foi piloto de helicóptero, na BA 12, Bissalanca (1968/70), lembra-se de um operador da RTP, Serra Fernandes, que virá a encontrar mais tarde justamente na RTP. Hoje 
é natural que há esteja reformado (*).

Enfim, Madalena, aqui tem alguns contributos do nosso blogue em resposta ao seu pedido.(**).

Boa saúde, bom trabalho. E obrigado por se lembrar destes portugueses que pertencem a uma espécie em vias de extinção...

Boa pesquisa, boa sorte. LG
Luís Graça

PS - Ainda sobre os "fotocines", a tal dúvida que me persegue e que pus ao Fernando Matos Silva, numa sessão na Cinemateca, há uns meses, em que ele apresentou o seu filme "Acto dos Feitos da Guiné" (1980):

A minha dúvida é a de saber se os destacamentos de fotocine se limitaram a levar cinema aos quartéis do mato e a produzir programas de rádio ou a gravar as famosas mensagens de Natal e Ano Novo... ou se também "fizeram cinema" (atualidades de guerra, documentários, etc.), para além da "cobertura" de acontecimentos protocolares e propagandísticos...

E, se sim, por onde pára hoje esse material... que ninguém lhe põe a vista em cima, à parte os (poucos) documentários produzidos pela RTP no longo período em que decorreu a guerra colonial (1961-75)?

Ele, sim, foi "fotocine"... Mas não tenho o seu contacto. Conheci-o através da Catarina Laranjeiro, jovem cineasta... Talvez contactando a RTP, a Cinemateca... Veja mais sobre ele, neste sítio, da UBI
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Notas do editor:


Guiné 63/74 - P16541: Estórias do Zé Teixeira (42): Tempestades (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)


Foto: © AD - Bissau

Em mensagem do dia 28 de Setembro,  o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias.

Meus caros amigos!
Na esperança que as férias vos tenham dado força anímica para continuarem com o belo projeto de dar a conhecer Guerra colonial aos vindouros, junto mais um texto que reflete um estranho momento vivido nos primeiros dias de Guiné.

Fraternal abraço do
Zé Teixeira


Estórias do Zé Teixeira

42 - Tempestades

Naquela tarde de junho, Luís caminhava, debaixo de um sol abrasador, em bicha de pirilau. Ressoava-lhe na mente as ordens rigorosas ditadas pelo Alferes Andrade, comandante do seu grupo de combate, que saía, pela primeira vez isolado, para uma missão de patrulhamento e emboscada até a madrugada do dia seguinte. “Arma apontada para a direita, arma apontada para a esquerda! Dois metros de distancia ao camarada da frente! Olho bem aberto e ouvidos atentos! Silêncio absoluto na marcha!” E tu “doutor”, dirigira-se diretamente a ele, "levas material que chegue para algum que lhe dê uma caganeira?! Não te esqueças da maca!"

Luís pensava com os seus botões. Ora eu preocupado em levar a bolsa bem cheia de material de primeiros socorros e ele a pedir-me medicamentos para a caganeira! Hum! Cheira-me a merda!... E ainda só passou um mês!

A marcha seguia lenta. Corpos a derreter deixavam que o suor encharcasse a camisa, as calças e até as cuecas. A água do cantil já se evaporara, ao deslizar pela secura das gargantas.

Malditas melgas! Gritava em silêncio. Eram pequenas, de asas arredondadas, mas tão chatas que o punham maluco. Embrulhavam-se nas gotas de suor que escorria pelo rosto provocando cócegas irritantes. Penetravam nos olhos e no nariz, zumbiam junto dos ouvidos, penduravam-se nas orelhas, nos braços… e eram tantas, meu Deus!

A cerrada mata dificultava a passagem, por entre as grossas árvores que tentavam alcançar um longínquo céu, enleadas por agressivos arbustos e lianas verdejantes.

Lá no alto, os jagudis com o seu manto preto, que lhe dava um certo ar de “gato pingado” vigiavam atentamente, enquanto a passarada fazia ouvir a sua orquestra canora que ecoava suavemente aos seus ouvidos.

Num repente fez-se silêncio total. Os jagudis, como que por encanto, sumiram-se do céu. Os pássaros calaram-se e até as melgas e mosquitos desapareceram. Surge uma suave brisa que se transforma em vento agreste. O céu começa a turvar-se, enquanto se ouve ao longe um ruído estranho. Uma espécie de ronco contínuo que aumenta em cada segundo que passa. Será o mar? Talvez o rio Cacheu que galgou as margens e vem ao nosso encontro, pensou temerariamente o Luís.
Nota que o sol se embrulhou nas nuvens negras e desapareceu, deixando o grupo numa aterradora escuridão. Sente um medo miudinho que lhe estremece o corpo todo e lhe faz arrepiar o cabelo.

Olhava para os colegas que o seguiam - ele ia a meio da coluna, junto ao alferes - e vê olhos perscrutando o ambiente, carregados de medo, tal como ele.

Um raio enorme e ruidoso, seguido um trovão que faz tremer a terra e os corpos acorda-o dos seus pensamentos negativos, para o assustar ainda mais. Segue-se outro… e outro… e outro… tantos e tão rápidos que era impossível contá-los. Cruzam-se e entrecruzam-se no ar iluminado os céus enquanto a terra estremece abalada com o ribombar dos violentos trovões que se seguem a cada raio. Sente-se num outro mundo… talvez no fim do mundo.

Se calhar, o nosso alferes tinha razão. Já deve haver muito cu bem borrado! Pensou e riu-se interiormente, pensando em si.

Chamou todos os santinhos do céu seus conhecidos para o acudir, a si e aos camaradas que o acompanhavam, não esquecendo a Santa Bárbara, advogada das trovoadas, a quem a sua mãezinha rezava de joelhos. Queimava, em sua honra, alecrim benzido no domingo de ramos, sempre que a trovoada - e não era nada que se comparasse a esta - aparecia lá no alto do monte onde nascera. Também ela tinha medo da trovoada!

Ah! Se ela, a mãezinha aqui estivesse, sentir-se ia bem mais seguro… e rezou, pedindo a Deus que não o deixasse partir, sem voltar a ver a sua santa mãe.

O ronco, espécie de rugido continuo, que ouvira ao longe, momentos antes, aumentara com o vento que chegou a grande velocidade para não perder este espetáculo com “periquitos” cagados de medo a viverem uns momentos tão deslumbrantes, como aterradores, com que a natureza os presenteara.

Pelos buracos invisíveis das nuvens negras que se avolumavam no céu, caíam longas pingas de água que o céu dispensava abundantemente. Suave bálsamo que a pele do Luís avidamente absorveu, para compensar o corpo do suor despendido na já longa marcha pela floresta.

Raios e trovões como nunca tinha visto. Um vento que rugia a avisar borrasca e agora a chuva a potes! E havia o inimigo por perto!

A marcha segue lenta, muito lenta, mas ninguém pára. Nem, quando um raio mais atrevido, ousa rasgar a meio uma gigantesca árvore, num esgar de dor que se ouve bem longe, transformando-a num archote de belo efeito pela luz que espalha naquela meia tarde, meia noite.

Assim como chegou, rápida e ruidosa, a tempestade se foi. A floresta ficou, de novo, entregue aos seus silêncios, mistérios e temores, com trinta e cinco homens no seu seio. Estranhos homens na cor, a forma de pensar e agir, caminhantes ao encontro de um mundo estranho, que os acolhia desta maneira.

A tarde perdia-se, mas ainda deu tempo deixar o sol secar no corpo a roupa que cobria o Luís e seus companheiros de aventura.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16176: Estórias do Zé Teixeira (41): O sonho do João

Guiné 63/74 - P16540: Notas de leitura (884): “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014 - Testemunho de Carlos de Matos Gomes (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo ao testemunho de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização na Guiné, como ele a viu, viveu e interpreta.
Teve o privilégio de pertencer ao núcleo fundador do MFA da Guiné, ofereceu-se para aquela comissão militar porque queria conhecer a política africana de Spínola. Interpreta o seu regresso a Lisboa, em fins de Julho de 1973 como o fim da continuidade militar, Spínola pretendia uma solução negociada, Marcello Caetano recusou. Dá uma interpretação singular à operação de reocupação do Cantanhez, "Grande Empresa", como um sinal de que Spínola queria deixar a Guiné mais ou menos como encontrou e é nesse exato momento que estalam as ofensivas do PAIGC na região de Guidage e de Guileje. Spínola não queria partilhar do que se avizinhava, a retração do dispositivo até se chegar a um fim iníquo.
E o que se passou a seguir ao 26 de Abril, observa ele, denota o estado de alma das nossas tropas.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: testemunho de Carlos de Matos Gomes (2)

Beja Santos

Na sequência do texto anterior, voltamos a abordar uma obra que se intitula “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins e os entrevistados dos três teatros de operações foram Carlos de Matos Gomes, José Villalobos Filipe e Nuno Lousada, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014. O objetivo da obra é de contribuir para o conhecimento sobre a descolonização portuguesa na sua fase final, e resulta de um projeto de investigação sobre a participação dos militares portugueses na descolonização.

O testemunho de Carlos de Matos Gomes abre com o seu perfil militar, descreve a sua preparação e as memórias daquele mosaico étnico e das contradições em que por vezes se desenvolviam os apoiantes de um lado e do outro. Fez parte do Batalhão de Comandos Africanos e ao mesmo tempo participou na génese do MFA na Guiné. Estamos agora nos acontecimentos históricos de 26 de Abril de 1974. O golpe militar em Lisboa fora bem-sucedido. À revelia de qualquer decisão do novo poder constituído, o MFA na Guiné depõe o Governador, nomeia um Encarregado de Governo, foram estabelecidos contactos com quadros do PAIGC e decidiram para as operações militares por sua conta. E assumiram decisões políticas que se vieram revelar contraditórias ao pensamento de Spínola:
“Fomos nós que dissemos que o nosso interlocutor era apenas o PAIGC, não havia cá mais outros movimentos. A partir daí, fomos nós que estabelecemos também a ação militar que devia ser adotada. Na Guiné, os oficias que não quiseram entrar neste processo, vieram-se embora”.
O MFA na Guiné não iludia a grande questão do exército africano, Comandos, Fuzileiros, Companhias de Caçadores, Pelotões, Unidades de Milícias, ao todo 12 mil homens. Não se sentiam derrotados no campo de batalha. Confiaram no que ficou exarado no acordo de Argel. Carlos de Matos Gomes insiste que foram dadas todas as oportunidades a esses militares para vir para Portugal. E observa:
“O que é curioso é que não optaram por isso e a mim não me surpreendeu, porque sabia que mesmo no Batalhão de Comandos, 60 ou 70% daquela gente tinha contactos com pessoas do PAIGC”.
Pensou-se que se ia dar um processo de integração. No seu testemunho, e perante o processo trágico dos fuzilamentos e humilhações a que foram sujeitos os Comandos, interpreta a brutalidade como uma fuga para frente da elite dirigente do PAIGC. “Esta elite vai encontrar sempre um inimigo externo para justificar as lutas pelo poder interno. Estes homens, os africanos combatentes das forças portuguesas, serviram de bode expiatório às lutas que sempre se travaram entre este grupo dos cabo-verdianos e dos guinéus”. Consumou-se uma tragédia:
“O Batalhão de Comandos tinha à volta de 900 homens, dois terços desapareceram. Não há, na Guiné, nenhum oficial nem quase nenhum sargento que tenha ficado”.

Capitão Carlos Matos Gomes, à esquerda, e Major Raul Folques. Bissau, 10 de Julho de 1973, na Recepção oferecida pelo Governador, General António de Spínola, depois de terem recebido a Cruz de Guerra de 1.ª Classe por feitos em combate.

Espraia-se sobre o assassinato de Amílcar Cabral e observa:
“Aquilo que nós sabíamos é que havia um tipo que para nós era perigosíssimo que assumisse o controlo do PAIGC, que era Nino Vieira. Porque ele iria radicalizar a ação militar, iria colocar a guerra pelo lado do PAIGC na guerra pura, que era aquilo que nós não desejávamos. Sabíamos que Nino Vieira iria etnicizar ainda mais a guerra”.
Vitorioso o golpe de 25 e 26 de Abril, houve múltiplas respostas em direção à paz, houve Unidades que estabeleceram prontamente contacto; muitos intermediários das forças africanas e outros foram trazendo elementos do PAIGC, foi a partir desta rede familiar e étnica que começou a esbater a desconfiança. E, curiosamente, vão-se encontrando antigos colegas que tinham estudado em Portugal. Cumprimentam-se efusivamente, as negociações correm em degelo.

Carlos Matos Gomes

As interpretações de Carlos de Matos Gomes são uma achega valiosa, partem de um prestigiado militar que no comando de tropa de elite assistiu à evolução da guerra para um patamar para a qual a resposta portuguesa era manifestamente insuficiente. Ele ajuíza que todo o esforço da chamada “reocupação do Cantanhez”, uma grande operação no sul da Guiné, numa área em pleno confronto com o PAIGC correspondia a uma mensagem que o General Spínola estava a dar de que se preparava para partir, operação muito bem urdida, com muitos atos de heroísmo, mas simbolizava que Spínola ia deixar a Guiné mais ou menos como a tinha encontrado e comenta:
“O agravamento da situação que se ai dar depois, em Maio de 1973, é já uma constatação de que todo o edifício que o General Spínola tinha arquitetado estava a ruir. A ruir, porque não tinha nenhum apoio político em Portugal. É um período também muito rico em termos de politização de todos os militares na medida em que o General Spínola tinha procurado sempre ganhar as populações. Já tentara ganhar populações como os Beafadas, no Sul de Bissau. Então, o PAIGC, com um grande ataque, vai revelar as fragilidades que esta manobra tinha, porque não era apoiada politicamente. O mês de Maio de 1973 foi revelador da incapacidade de, já não digo uma vitória militar, mas de sustentar uma situação apenas pelas forças militares. Maio de 1973 foi decisivo, em termos de consciencialização política, para os militares da Guiné, porque fomos pela primeira vez confrontados com o derrube do mito de Spínola”.

Atenda-se que este testemunho foi publicado anteriormente ao livro do Coronel Jorge Sales Golias, documento que já foi aqui apresentado. Trata-se de um testemunho em grande angular, que se põe mesmo em causa a viabilidade da Guiné e onde fica igualmente esclarecido que o 26 de Abril envolveu o núcleo principal das Forças Armadas e quase espontaneamente a generalidade das Unidades aspirou ao fim da guerra. O grande equívoco (para alguns) que a guerra tinha continuidade e motivação, caiu assim por terra.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16526: Notas de leitura (883): “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014 - Testemunho de Carlos de Matos Gomes (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16539: Os nossos seres, saberes e lazeres (177): 28 segundos de fama, adrenalina e felicidade de avô... Cernache, Coimbra, o meu primeiro vídeo de um salto em paraquedas... (Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho e Bambadinca, 1970/72)

Vídeo (0' 28'') alojado em You Tube > Luís Graça


Cernache, Coimbra, 25 de setembro de 2016... Paulo Santiago que há 4 anos tirou o curso de paraquedismo ("abertura  automática"), só agora tem um vídeo de um salto...

Escreveu ele: "Nos 4.000 pés... Abraço ao meu instrutor, Avelino Cruz, meu amigo e camarada da Guiné.... Mais ou menos à mesma hora, eu voava, e na maternidade, nascia a minha neta...bela!!!"

Foto e vídeo: Cortesia do Paulo Santiago / Avelino Cruz (2016)


1. Mensagem,  com data de 28 de setembro último, de Paulo Santiago [, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho e Bambadinca, 1970/72]:


Luis, boa tarde

Tenho um pequeno vídeo no Facebook,  relativo a um salto que dei no passado domingo, dia 25.

Como deves saber, saiu no blogue, há quatro anos tirei o curso de Paraquedismo ("abertura automática").  Se tivesse menos uns anos, ainda iria para a "queda livre"...

Até hoje, não tinha qualquer vídeo dos saltos. Foi o "largador" que filmou os breves segundos. O salto foi em Cernache, Coimbra. 

Coincidência, quase à mesma hora do salto, nascia, na maternidade Daniel de Matos, a minha neta.

Se achares o vídeo bom para "saberes e lazeres" podes publicar.Como não sei se é possível sacá-lo do facebook,vou reencaminhar-te o mail onde ele se encontra.

Abraço. Paulo

PS -  A neta é mesmo minha,vem da minha filha...

2. Comentário do editor:

Paulo,  duplos, triplos, múltiplos  parabéns!... Por estares em boa forma, pelo salto, pela neta!... Boa continuação da jornada da vida... Obrigado pelo vídeo... Como vês, está editado (no You Tube).... É a tua prova de vida. E um exemplo para os demais camaradas da Tabanca Grande que já queixam do peso dos anos... Nunca é tarde para saltar... até de paraquedas!....Abraço grande. LG
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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16538: Inquérito 'on line' (68): Quando os filhos dos ricos e dos poderosos de então andavam connosco na escola, na tropa e na guerra... Resposta até ao dia 5/10/2016, às 19h44...


Guiné > Bissau > s/d > "Monumento ao Esforço da Raça (Bissau)". Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 131". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal. Imprimarte, SARL).

Coleção de postais  ilustrados do Agostinho Gaspar / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010) (*)


1. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "OS FILHOS DOS RICOS E PODEROSOS DE ENTÃO ANDARAM COMIGO"...

1. Não, não andaram comigo na escola

2. Não, não andaram comigo na tropa

3. Não, não andaram comigo na guerra

4. Sim, andaram comigo na escola

5. Sim, andaram comigo na tropa

6. Sim, andaram comigo na guerra

7. Não sei / não me lembro


2. É um inquérito (ou "sondagem") para responder no nosso blogue, até ao dia 5 de outubro, até às 7:44 PM (19h44)... Colocar a cruzinha aqui. diretamente, ao canto superior esquerdo do blogue... Passadas as férias de verão, contamos com uma boa adesão dos nossos leitores, o mesmo é dizer, 100 ou mais respostas (**)...

Os ricos e poderosos do nosso tempo, do tempo da guerra colonial (1961/74), eram uma elite restrita: grandes agrários, grandes empresários industriais, grandes comerciantes, alto clero, banqueiros, generais, almirantes, magistrados,  deputados à Assembleia Nacional e procuradores à Câmara Corporativa, dirigentes do partido único (União Nacional / Ação Nacional Popular), ministros, governantes do Estado Novo, governadores civis, autarcas,,,.

Nas terras de província contavam-se pelos dedos. Tinham nomes de família sonantes. Eram respeitados. temidos, amados, odiados... Tinham criados, rendeiros, afilhados,,,, Eram influentes, eram poderosos, mesmo que nem todos fossem ricos, ou muito ricos... Portugal era (e ainda o é) uma "sociedade clientelar"...

Será que os filhos desses senhores (e senhoras) andaram connosco ?... Na escola, na tropa e na guerra ?... Não pomos outras hipóteses, como creche/jardim de infância, que era coisa que no nosso tempo não existia... Quando muito, catequese, mocidade portuguesa... A escola inclui o liceu (para os poucos que tinham a sorte de chegar  ao liceu e depois, com mais sorte ainda,  à universidade)...

Confesso que o mote me foi dado pelo nosso camarada Adão Cruz, ex-alf mil médico (***).

A resposta é múltipla: os filhos dos ricos e poderosos da  nossa terra, nos anos 50, 60, 60, 70, do século passado,  podem ter andado connosco na escola ou no liceu (?) ou até na tropa (!) mas provavelmente não na guerra... E, se eram mobilizados para a "guerra do ultramar", arranjavam, com facilidade, maneira de ficar no "ar condicionado" de Bissau, Luanda ou Lourenço Marques... É verdade ?...

Histórias, precisam-se!... E,  se houver fotos, melhor!.. Mas,  antes,  não se esqueçam de "votar", ou seja, escolher as categorias de resposta que vos parecerem mais adequadas... (LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de junho de 2010 >  Guiné 63/74 - P6645: Memória dos lugares (87): Bissau, cidadezinha colonial (Parte V) (Agostinho Gaspar)

(...) Não sei de quem é o autor deste monumento nem o ano exacto da sua concepção e construção. A estética é claramente estado-novista típica dos anos 40/princípios de 50... O monumento, destruído depois da independência (segundo sei), tem várias leituras: para uns pode ser uma obra-prima, para outros um mamarracho... Eu, que sou contra o camartelo dos iconoclastas (de todos os iconoclastas), tenho pena que o monumento não tenha sido poupado, como de resto parte da estatuária do 'colonialismo'...

Para os camaradas que fizeram a guerra colonial, como eu, e que conheceram este monumento, devo dizer o seguinte: toda a arte traz a marca do seu tempo e fala do seu tempo... Seria fácil, há trinta e cinco atrás, do alto da nossa arrogância juvenil, apodar o monumento de 'colonial-fascista'... Mas já nos tempos que por lá passei, em Bissau, em 1969/71, o termo raça me fazia urticária... Qualquer que fosse a raça em causa... Hoje é sabido, de resto, que não existem raças humanas... Pertencemos todos à mesma espécie, Homo sapiens sapiens... É uma constatação científica, não é uma asserção do politicamente correcto... Dito isto, tenha pena que os guineenses tenham destruído o 'Monumento ao Esforço da Raça' [, Portuguesa, claro]... fazia parte do seu património histórico, da mesma maneira que os marcos milíários que pontuavam as vias romans ligando a Lusitânia ao resto do Império Romano, fazem parte do nosso património histórico (...) (LG)


(**) Último poste da série > 25 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16419: Inquérito 'on line' (67): Valha-nos, ao menos, isso: as NT nunca usaram soldados-meninos....

(***) Vd. poste de 27 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16528: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (8): O Tanque

(...) O Alferes Almeida foi meu companheiro de quarto em Bigene, no norte da Guiné, se é que podemos chamar quarto ao alpendre onde dormíamos. Cerca de oito anos mais novo do que eu, o Almeidinha fez-se meu amigo de verdade. Amigo desde o acampamento da Fonte da Telha, do quartel de Porto Brandão e da Amadora.

Embarcámos para a Guiné no velho Uíge, empurrados pelo magnífico patriotismo de Salazar, entalados entre o belo gesto das senhoras do Movimento Nacional Feminino e o malabarístico safanço dos filhos dos ricos e patriotas da situação. Embalados pelas ondas do mar da Mauritânia, e sossegados pelas ricas ementas flamejantes do cozinheiro de bordo, demos à costa da Guiné no dia 13 de Maio de 1966. (...)

Guiné 63/74 - P16537: (In)citações (102): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte V): O Umaru Baldé que eu conheci... O "show" de morteiro 60 que o "puto" deu, no CIM de Contuboel, em exercício de fogo real, na presença do próprio gen Spínola em maio de 1969... (Valdemar Queiroz, fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Intrução Militar (CIM) > CART 2479 / CART 11 >  c. março/maio de 1969 > O instrutor (Valdemar Queiroz) e o recruta Umaru Baldé, "menino de sua mãe"...

Foto: © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados


Resende > Convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71) > 1999 > O Umarú Baldé, à esquerda, 30 anos depois da foto de cima, com o Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71) e outro camarada guineense que não foi possível identificar. Na altura, foi o Virgílio Encarnação quem levou o Umaru Baldé e o colega até Resende. O Encarnação também foi um dos que, a par do João Gonçalves Ramos, arranjou trabalho ao Umaru Baldé na Expo 98 / Parque das Nações.

Foto: © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; instrutor do CMI Contuboel] [, foto atual à esquerda]

Data: 27 de setembro de 2016 às 23:49
Assunto: As outras cartas da guerra... > Umaru Baldé

Ora viva, Luís Graça.

Como já escrevi no nosso blogue, encontrei-me em novembro de 1999, com o Umaru Baldé, a primeira vez na Damaia, Amadora [,onde ele tinha um quarto alugado, depois que entrou em Portugal, pela primeira vez, em 15/4/1999]. Encontrámo-nos ainda mais duas ou três vezes e também fui vê-lo a Torres Vedras [, ao Hospital do Barro, em 2000].

O nosso primeiro encontro foi surpreendente, pois estava à espera de ver o 'puto', mais crescido por certo, mas eis que aparece o Umaru com mais de 1,80. Embora passados trinta anos, conhecemo-nos logo e fizemos uma grande festa, mas já não me lembro do que falámos.

Nos encontros seguintes, o tema das nossas conversas era sempre o mesmo: ele arranjar documentos que comprovassem ter sido militar do exército português. Sei que fez vários requerimentos / exposições da sua situação sem conseguir o que pretendia.

Inclusive, tanto o Cap Analido Pinto como o Alf Pina Cabral e o 1º Sarg Ferreira Júnior [, da CART 2479 / CART 11] fizeram um documento, devidamente assinado, expondo a autenticidade de ele ter sido soldado recruta, com o seu número e tudo, da nossa CArt 2479. Mas de nada serviu.

Também falámos dos acontecimentos da Guiné-Bissau naquela altura em que ele era apoiante politico do 'Grupo de Bafatá'. [Partido da Resistência da Guiné Bissau - Movimento Bafatá, RGB - MB, fundado em 1986].

Julgo, não me lembro, nunca termos falado do tempo da guerra [, ou seja, da CART 11 e da  CCAÇ 12], a não ser que veio para transmissões em Bissau [, em 1972, já como posto de 1º cabo].

Não sei explicar como foi o processo do seu recrutamento na Guiné, por já não me lembrar a não ser o que ele conta numa das suas cartas [, já aqui publicadas: vd. poste P16525] .

Recordo-mo de ele ser muito 'djubi', ele e outros, e não teria mais de 16 anos. Basta dizer que ele era mais baixo que eu (1,68 m) e quando nos encontrámos na Damaia media mais de 1,85 m.

Mesmo com pouco físico, [o 'puto' Umaru]  era o homem do morteiro 60 e exímio apontador. Houve, na bolanha de Contuboel, um exercício de fogo real de morteiro, com a assistência do Gen Spínola, Cap Almeida Bruno e Maj Carlos Azeredo, em que os tiros do morteiro do Umaru foram de grande precisão, de tal modo que criaram grande espanto a todos os presentes.

De resto não me lembro de ter havido outro acontecimento relevante em que ele interviesse.
O resto já todos sabemos o que lamentavelmente aconteceu.

Um abraço
Valdemar Queiroz

Guiné > Setor L1 > Bambadinca >
CCAÇ 12 (1969/71) >  O fur mil Henriques,
o José Carlos Suleimane Baldé  e o Umaru Baldé,
em Finete, 2º trimestre de 1969.
Foto de LG
2. Comentário do editor:

Obrigado, Valdemar, pelos teus esclarecimentos adicionais. Ainda temos uma quarta (e última) carta para publicar, das que enviaste, escritas ou ditadas pelo Umaru Baldé e dirigidas a ti e, eventualmente,  a outros camaradas da Guiné, da CART 11 e da CCAÇ 12 [como foi o caso do António Fernando Marques, seu comandante de seção, da secção nº 2, do 4º Gr Comb / CCAÇ 12; o João Gonçalves Ramos (ex-sold radiotelegrafista), o ex-1º cabo, do 4º G Comb. Virgílio S. A. Encarnação; ou o até o próprio cap inf, hoje cor ref, Carlos Alberto Machado Brito].

Quando o Umaru Baldé precisou da ajuda do nosso blogue, ele ainda não existia, tendo nós começado timidamente em 2004 (ano em que se publicaram os primeiros... quatro postes). Mas sinto que o Umaru Baldé (c. 1953-2004) deve ficar, entre nós, na Tabanca Grande, a título póstumo, por muitas razões, e até pelos seus contributos (póstumos), as cartas, o relato do seu infortúnio, a expressão do seu amor à "Pátria Portuguesa", a solidariedade que gerou..., contributos esses que são relevantes para a história da "africanização" da guerra e do processo de retirada das NT, bem como para a reconstituição do "puzzle" da nossa memória... 

Dos originais militares guineenses da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1960/71), só temos, na Tabanca Grande, o nome do José Carlos Suleimane Baldé, vizinho do Umaru Baldé: o Zé Carlos era de Amedalai e o Umaru era de Demba Taco. Era, de resto, o único 1º cabo, do recrutamento local, que integrava a companhia: havia soldados arvorados que seriam promovidos a 1ºs cabos, logo que fizessem o exame da 3ª ou 4ª classe... 

Na altura o Cherno Baldé saudou a nossa decisão de integrar, em 2012, o  Zé Carlos na nossa Tabanca Grande nestes termos:

"A tua decisão de integrar o Suleimane na nossa Tabanca Grande terá, certamente, pouco efeito prático, mas reveste-se de um grande significado simbólico e de homenagem a todos os ex-milícias e soldados africanos que serviram na guerra da Guiné que, como costumo referir, foram voluntários da sua própria desgraça." (**)

Integrar o Umaru Baldé na nossa Tabanca Grande tem o mesmo significado. É um gesto de homenagem, de reparação moral, de solidariedade e de camaradagem. O Umaru Baldé é outro exemplo paradigmático da desgraça que aconteceu a todos aqueles guineenses, fulas e não só, que acreditaram no sonho de uma Pátria Portuguesa onde todos podiam caber, e que combateram nas nossas fileiras... Spínola foi o arauto desse sonho mas também o seu coveiro... A História nos julgará a todos!
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

 28 de setembro  de 2016 > Guiné 63/74 - P16532: (In)citações (102): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte IV): "Viva Médicas e Médicos Portugueses. Viva Portugal com os Negros Unidos" (sic) (carta de 15 de novembro de 2000)

27 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16530: (In)citações (101): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte III): E a propósito...o Umaru Baldé e o Luís Cabral que eu conheci... Eventualmente por uma diferença de alguns anos não se encontraram, no "terminal da morte" que era então o Hospital do Barro, em Torres Vedras, a vítima (Umaru Baldé, c. 1963-2004) e o carrasco (Luís Cabral, 1931-2009) (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)

27 de setembro 2016 > Guiné 63/74 - P16527: (In)citações (100): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte II): "Portugal, os portugueses e os políticos que querem esquecer os passados" (sic)... Ou a Pátria portuguesa que lhe foi madrasta...

26 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16525: (In)citações (99): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte I): "Filho único e menino, minha mãe chorou quando, em 12 de março de 1969, alferes me foi buscar a Dembataco para defender a pátria portuguesa"

(**) Vd. poste de  18 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9922: (In)citações (39): Integrar o Suleimane na Tabanca Grande foi de um grande significado simbólico e de homenagem a todos os guineenes que serviram na guerra da Guiné (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 - P16536: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte XII: Bissau, porto-cais, Pidjiguiti, estuário do Geba, ilhéu de Rei, catedral e monunento ao "esforço da raça", na praça do Império


Foto nº 48 A > Bissau, av marginal, julho de 1972: o que estariam a dizer estas duas crianças ? E em que língua falariam ? Em crioulo, em papel ? Dificilmente seria em português... Andariam na escola ? ...Estamos na época das chuvas... e elas estão, "naturalmente", descalças.... Olham para onde ? Comentam o quê ? O que será feito delas ?...


Foto nº 48 >  Avenida marginal, entra o porto-cais (à esquerda) e o cais do Pidjiguiti (à direita, não visível na foto)... Ao fundo, o ilhéu de Rei


Foto nº 48 B > Vista parcial do ilhéu do Rei, frente a Bissau 


Foto nº 48 C > Alguém conheceu este navio ? MÓRIAS ou MÚRIAS ? Não nos parece ter sido da nossa marinha mercante...  Seria um arrastão ou um navio de carga... espanhol ?


Foto nº 49 > A sé catedral


Foto nº 50 > Monumento estadonovista na praça do Império, frente ao palácio do governador... São construções planeadas em 1945, no tempo governador Sarmento Rodrigues.


Guiné > Bissau > Fotos n~s 48 a 50 > Julho de 1972 > "Bissau: crianças no porto do Pidjiguiti, Matriz [Catedral] e monumento numa praça cujo nome não recordo [,. Monumentos ao Esforço da Raça' na praça do Império]".


Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73), autor de "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp. + ilust; preço de capa 12,50 €). (*).



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Guiné 63/74 - P16535: Parabéns a você (1140): António Bastos, ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16524: Parabéns a você (1139): António Medina, ex-Fur Mil Art da CART 527 (Guiné, 1963/65) e Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando da 38ª CComandos (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16534: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (15): 1 de Abril de 1967, o dia em que se verificou a morte, em combate, do Alferes Linhares de Almeida

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de hoje, 28 de Setembro de 2016:

Prezado Luís Graça:

Antes de mais, votos de boa saúde.

Depois, na sequência do texto enviado pelo Dr. Adão Cruz, tomo a liberdade de remeter mais um apontamento, que poderá ser publicado, sobre os acontecimentos ocorridos no dia 01/04/1967, dia em que se verificou a morte em combate, do Alferes Linhares da Almeida[1].

Um abraço para todos os camaradas.
Domingos Gonçalves

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Às cinco horas da manhã saiu de Guidage uma coluna de quatro viaturas, transportando dois grupos de combate. Cerca de 200 metros antes da antiga tabanca de Ujeque os dois grupos desceram das viaturas e seguiram a pé, ao longo de uma picada que segue para Uália.

Cerca de 1000 metros antes de se atingir esse local montou-se, em sítio previamente escolhido, uma emboscada. A nossa força permaneceu emboscada até às nove horas.


Posição relativa de Ujeque, Samoje/Talicó/Sambuiá, Binta e Bigene
Infogravura: © Luís Graça & Camaradas da Guiné

Durante o período em que permanecemos emboscados não passou ninguém pela picada. Todavia, pelo carreiro adiante, existem muitos vestígios da passagem dos gajos.

Pouco antes das oito horas, não muito longe de nós, desencadeou-se um tiroteio bastante intenso. O detonar das granadas, e as rajadas das armas ligeiras, diziam que tudo se estava a passar relativamente perto. Contudo, não sabíamos se o fogo era com a Companhia 1547, de Bigene, ou se era com a 1585, e com os “Roncos” de Farim.

Durante cerca de quinze minutos o fogo deixou de se ouvir, para voltar, de novo, a iniciar-se, com a mesma intensidade.

Pelas nove horas levantou-se a emboscada, armadilhou-se a picada, e iniciou-se o regresso a Ujeque e, de seguida, a Binta.

De tarde chegou-nos a notícia: Os tiros que tínhamos escutado tinham sido travados com a Companhia de Bigene, que sofreu dois mortos, um dos quais o Alferes Almeida, a quem chamávamos o Bijagó, por ser natural aqui da Guiné.

No espaço de quinze dias já morreram na península de Sambuiá cinco dos nossos homens, sendo três negros e dois brancos. Os feridos, alguns com muita gravidade, também já são bastantes. Apesar de todo este sacrifício, em homens e material, o mito de Samboiá ainda continua vivo. Não é com este tipo de forças, que temos aqui, que se destruirá aquela base inimiga. Até hoje não foi possível chegar ao coração da base dos gajos. Todo o nosso trabalho, e todas as nossas canseiras, têm sido inúteis.

Para além disso, os estúpidos dos comandantes mandam fazer operações naquela área algumas vezes sem qualquer apoio aéreo. Tudo isto não passa de uma autêntica loucura. Infelizes, os vivos! Para os mortos, apenas poderá haver lágrimas, e saudade.

O Vidal Cambayo, empregado da Casa Ultramarina, foi preso pela PIDE, de Farim. Desde há bastante tempo que havia suspeitas sobre a filiação dele no PAIGC.

Era uma pessoa que não nos inspirava confiança, e que vivia paredes meias com a tropa, em condições de recolher todo o tipo de informações sobre os nossos movimentos.


Texto, retirado do relatório de actividades do batalhão. 1887

"A morte do alferes Linhares de Almeida foi extraordinariamente sentida na sua companhia, por ser o seu elemento mais destacado na actividade operacional em que revelou inexcedível coragem e valentia, que arrastavam e entusiasmavam pelo exemplo os restantes elementos. A estas qualidades notáveis aliava qualidades pessoais também notáveis, que lhe granjearam além do respeito, grande amizade e simpatia de todo o pessoal. Nesta operação, como de costume, o alferes Linhares de Almeida distinguiu-se pela forma como, após os primeiros tiros, marchou à frente de seus homens numa zona manifestamente perigosa, e como após os primeiros tiros ainda tentou reagir, até ser mortalmente atingido."
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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 27 de Setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16528: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (8): O Tanque

Último poste da série de 7 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16366: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil): O padre de Guidaje (imã)

Guiné 63/74 - P16533: Convívios (771): III Encontro de Paraquedistas, Bombarral, 2 de outubro de 2016, comemorativo dos 60 anos da criação das tropas paraquedistas em Portugal (1956-2016).


III Encontro de Paraquedistas, Bombarral, 2 de outubro de 2016, comemorativo dos 60 anos da criação das tropas paraquedistas em Portugal (1956-2016).

Inciativa com apoio da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste,l com sede na Lourinhã, e Associação de Pára-quedistas Tejo Norte, com sede em Oeiras, além do município do Bombaral.

Prazo para inscrições: até 28 de setembro de 2016
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 22 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16515: Convívios (770): Encontro do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh S/R 2199 (Cufar, 1970/72), dia 8 de Outubro de 2016, no Porto (Luís de Sousa)

Guiné 63/74 - P16532: (In)citações (102): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte IV): "Viva Médicas e Médicos Portugueses. Viva Portugal com os Negros Unidos" (sic) (carta de 15 de novembro de 2000)


Foto: © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Torres Vedras > Barro > O Fernando Andrade Sousa, ex- 1º cabo aux enf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), em véspera de ir passar umas férias à Tunísia, mais o Umaru Baldé, já doente, no Hospital do Barro, nas imediações de Torres Vedras, em agosto de 2000 (e não de 2007, como erradamente foi indicado no poste P16382) (*). Foi a última vez que o Fernando (com a esposa) esteve com ele.

O Hospital do Barro (, instalado num antigo convento do séc. XVI), hoje desativado, fazia parte do Centro Hospitalar Oeste - Unidade de Torres Vedras. O Fernando lembrar-se de ele, Umaru,  ter desaconselhado, ao casal,  a viagem à Tunísia. Durante 24 anos, de 1975 a 1999,  o Umaru Baldé andou em bolandas pela África subsariana e pelo norte de África,  tentando chegar a Portugal, o que só conseguiu em 15/4/1999.

Esteve internado no Hospital do Barro em 2000 e, ao que parece, terá voltado para lá para morrer (no final do ano de 2004, segundo informação do António Fernando Marques, que foi ao seu funeral;: está sepultado do cemitério do Lumiar em Lisboa, no talhão dos muçulmanos) (**).









1. Carta do Umaru Baldé, "ex-1º Cabo [da] Força Armada Porttuguesa", datada de 15 de novembro de 2000, de agradecimento a quem o apoiou no momento difícil da sua doença (**):

(i) "obrigado minha médica [do] HJMAJ, TV - Hospital [dr.] José Maria Antunes Júnior, de Torres Vedras, ou Hospital do Barro, hoje desativado (, pertencia ao Centro Hospitalar do Oeste), a pneumologista dra. Paula Raimundo;

(ii) os drs. Júlio e Félix,  do Hospital de Pulido Valente, Centro Hospitalar de Lisboa Norte,  Lisboa (onde o Umaru foi operado em 11/10/2000) [julgo tratar-se, respetivamente, do dr. Júlio Semedo, pneumologista,  coordenador da unidade de pneumologia de intervenção; e do dr. Francisco José Pimenta Félix, que dirige o serviço de Serviço de Cirurgia Torácica];

(iii)) antigos camaradas portugueses na Guiné, ex-alf mil Mário Pina Cabral (CART 11, 1969/70), ex-fur mil [António Fernando] Marques e ex-sold radiotelegrafista João Ramos [CCAÇ 12,  1969/71) (com quem trabalhou na Somague, durante 8 meses);

(iv) e ainda povo da freguesia  de Ventosa, Torres Vedras;

A carta,  escrita no dia em que teve alta do Hospital  Pulido Valente, termina com dois vivas;

"Viva Médicas e Médicos Portugueses";
"Viva Portugal com os Negros Unidos" (sic).

O Umaru Baldé diz explicitamente que teve "10 meses" internado nos hospitais portugueses, entre o Hospital Curry Cabral (, especializado em doenças infetocontagiosas) e o Hospital do Barro. de retaguarda (onde funcionava um serviço de pneumologia). O Umaru Baldé não esconde a gravidade da sua doença: a dra. Paula Raimundo, do Centro Hospitalar Oeste,  tratou-o durante 9 meses da doença pulmonar de que sofria, já estava "curado" há 2 meses dos pulmões, quando surgiu outra "doença muito grave", tendo sido referenciado para o Hospital Pulido Valente.

Na carta o Umaru Baldé diz que, desde que chegou a Portugal, em 15/4/1999,  esteve 12 meses sem trabalhar, sem tendo sequer título de residência.

Mais diz que, ao ao fim no seu exílio de 24 anos (desde que saíra da sua terra natal. em finais de dezembro de 1974),  nunca tivera confiança em hospitais que não fossem portugueses...

Tratado em Portugal, acabou por sobreviver mais alguns anos: não sabemos exatamente a data da sua morte, mas pensávamos que teria ocorrido em finais de 2004 (e não em 2007/2008, como indicado erradamente em postes anteriores).

A última carta que o Valdemar Queiroz, seu instrutor no CIM de Contuboel em março-maio de 1969, recebeu dele, tem a data de 18 de abril de 2003, quando o Umaru estava a tentar arranjar dinheiro para a viagem de regresso à sua terra, cada vez mais doente, sem trabalho e sem esperança... Seriam também os seus antigos camaradas (da CART 11 e da CCAÇ 12) que se quotizaram para lhe pagar o bilhete de regresso a Portugal, possivelmente já em 2004.

Não temos a certeza se morreu no antigo Hospital do Barro onde, ironicamente, haveria de morrer, anos mais tarde,    Luís Cabral (1931-2009), também ele vítima de doença prolongada... O Umaru esteve no Hospital do Barro seguramente em 2000, falta confirmar se lá voltou depois do seu regresso da Guiné-Bissau (c. 2003/2004).

Não se encontraram, mas poderiam hipoteticamente ter-se encontrado (e essa seria uma ironia da História!), no "terminal da morte" que era então o Hospital de Barro, a "vítima" (Umaru Baldé) e o "carrasco" (Luís Cabral)...

Foi sob o regime de Luís Cabral que se assistiu à perseguição, prisão, tortura  e, em muitos casos, execução brutal, sumária, de antigos militares guineenses que integraram as nossas NT (incluindo milícias e polícia administrativa). Estes crimes, qualquer que seja a sua tipificação (crimes de guerra, crimes contra a humanidade, etc.) não podem prescrever... Pelo menos na nossa memória e no nosso blogue, não prescrevem... (LG)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16382: Álbum fotográfico de Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12, 1969/71) - Parte III: Lembrando, com saudade, o "puto" Umaru Baldé

 (**) Vd. postes anteriores:

27 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16530: (In)citações (101): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte III): E a propósito...o Umaru Baldé e o Luís Cabral que eu conheci... Eventualmente por uma diferença de alguns anos não se encontraram, no "terminal da morte" que era então o Hospital do Barro, em Torres Vedras, a vítima (Umaru Baldé, c. 1963-2005) e o carrasco (Luís Cabral, 1931-2009) (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)

27 de setembro 2016 > Guiné 63/74 - P16527: (In)citações (100): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte II): "Portugal, os portugueses e os políticos que querem esquecer os passados" (sic)... Ou a Pátria portuguesa que lhe foi madrasta...

26 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16525: (In)citações (99): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte I): "Filho único e menino, minha mãe chorou quando, em 12 de março de 1969, alferes me foi buscar a Dembataco para defender a pátria portuguesa"

Guiné 63/74 - P16531: Os nossos seres, saberes e lazeres (176): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (2) (Mário Beja Santos

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Havia muito para ver em Belgrado e não resisti a dedicar-lhe estes dois episódios.
Como disse, há uma ideia feita que Belgrado não é assim um destino por aí além. As marcas de sucessivas destruições são bem visíveis. É uma cidade milenar com belos recantos, mas a nova Belgrado suplantou-a. E a Sérvia, com a sua história e seu orgulho, vive um tanto à deriva, a guerra de 1991 deixou marcas indeléveis, as outras repúblicas viraram-lhe as costas, a Sérvia está como a Hungria ou a Áustria, não tem acesso ao mar. É preciso andar nas ruas para perceber como eles são exímios e campeões no basquetebol, vólei e andebol, são altos e desengonçados. E prestáveis, o alfabeto cirílico não é para brincadeiras.
Fiquei com vontade de regressar, não conheço sentimento mais entusiasmante para quem viaja.

Um abraço do
Mário


Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (2)[1]

Beja Santos

Confesso a minha sedução pelos ofícios religiosos ortodoxos, é a palavra cantada e a majestade do coro que lhe responde, os oficiantes de pé, frente à vastidão de um altar que se prolonga para o interior. Tudo começou em 1977, na minha primeira viagem a Bruxelas. Já nessa altura estava interessado em visitar a Feira da Ladra local, passei por um templo de onde emanava uma melopeia litúrgica imponente. Entrei e gostei. E sempre que posso repito, o Deus em que acredito é gémeo do Deus em que acreditam todos os ortodoxos.



Estou na Igreja de S. Marcos, o templo não é esplendoroso mas é muito acolhedor. Tem colunas em pórfiro, gigantescas, encimadas por capitéis coríntios, belas imagens, há sempre esta presença bizantina, os ícones e as belas alfaias religiosas. Li as apreciações de alguns viajantes no Trip Advisor, considero-as injustas. Explico porquê.



Assim como o nosso Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra acolhe o túmulo do Fundador da nossa nacionalidade, este é o túmulo do Czar Dushan, O Poderoso. Trata-se de Stefan Urosh IV Dushan Nermanjre, casado com a Princesa Helena, irmã do Imperador Búlgaro. Foi um reinado de muitas peripécias, ao princípio tudo correu bem. Conquistou uma parte importante do território bizantino, coroou-se em Skopje. Foi czar e autocrata nos sérvios, gregos e albaneses. Foi sol de pouca dura, o império desfez-se rapidamente. Mas percebe-se como os sérvios têm no coração este seu czar.


Aqui há uns anos ofereceram-me um livro sobre as igrejas da Sérvia e do Montenegro. O que mais me impressionou é o permanente vínculo bizantino, desde a Idade Média à atualidade. Esta é a fachada da Igreja de S. Marcos, possui uma enorme harmonia, a loggia à italiana é muito equilibrada em torno da porta principal. E sigo daqui para a Catedral de S. Sava, um templo que tem uma história parecida com a nossa Igreja de Santa Engrácia.




Não quero cansar o leitor quanto às inumeráveis peripécias da vida acidentada deste templo, o maior de toda a cristandade ortodoxa. No templo anterior, houve quartéis e armazém, depois tomou-se a decisão para esta empreitada monumental, o exterior parece acabado, o interior vai precisar ainda de muito tempo até se concluir, imagino os milhões necessários para forrar estas paredes com mármore, pôr alfaias religiosas adequadas. O visitante entra e assiste ao espetáculo das obras. O mais significante é mesmo este S. Sava que assiste impávido ao escarcéu das máquinas, é alvo da veneração dos devotos e isso comove-nos muito.


Ao lado da catedral em construção temos uma igrejinha também dedicada a S. Sava, é uma concentração de beleza, uma incontestável casa de oração, ainda bem que há cadeiras para que o viajante septuagenário se sente e possa olhar demoradamente este espantoso entorno. Aqui fica uma amostra, o vigilante andava fora de portas, pude andar freneticamente a disparar o flash.




Finda a peregrinação religiosa, impunha-se subir à fortaleza de Belgrado. Visitei demoradamente uma exposição sobre a ocupação austro-húngara na I Guerra Mundial, imagens eloquentes da devastação dos canhões, nem o Palácio Real escapou, que enorme desolação. É da fortaleza que se avista a junção dos dois rios, mais uma vez se confirma que o Danúbio é caudaloso mas não é azul. Felizmente que os dias são maiores neste mês de Abril de chuvas intermitentes. Passeio-me pela baixa de Belgrado, o comércio está em grande azáfama, o que me acicata é mesmo a arquitetura, como se mostra. E agora vou procurar um jantar compatível, depois descansar os pés de tão bela caminhada, tenho que justificar o carrego de livros, e depois dormir bem, amanhã é a tal viagem de cerca de 500 km, 254 túneis e 435 pontes até chegar ao fundo do Montenegro. Não quero antecipar a espetacularidade que me espera.

(Continua)
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Notas do editor:

[1] Vd. poste anterior de 21 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16508: Os nossos seres, saberes e lazeres (174): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (1) (Mário Beja Santos

Último poste da série de 25 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16523: Os nossos seres, saberes e lazeres (175): Vou à Guiné-Bissau, quase todo os anos, desde 2005... Tenho um lugar, na próxima viagem, por terra, em VW Tiguam, de 30 a 35 dias, com partida a 13 de novembro... Se houver alguém interessado, que me contacte (José Carlos Carlos, telemóvel 934 148 787)