Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Comentário de Patrício Ribeiro ao poste P18183 (*):
[Foto à direita; um antigo "filho da Escola", leia-se: fuzileiro da Marinha Portuguesa, radicado na Guiné-Bissau há mais de 3 décadas, fundador e diretor da empresa Impar Lda; nascido em Águeda, em 1947, viveu desde tenra idade em Angola, onde fez tropa, foi grumete fuzileiro, 1969/72; voltou a Portugal com a descolonização; fixou-se na Guiné-Bissau em 1984]
Varela... Estas árvores que se vêm na foto [, de cima,], já foram levadas pelo mar.
1. Comentário de Patrício Ribeiro ao poste P18183 (*):
Patrício Ribeiro, grumete fuzileiro, 1969/72 |
Tenho aqui perto uma pequena palhota para passar alguns fins de semana. Há 20 anos estava a mais de 250 metros do mar, agora o mar já está muito mais perto; dentro de algum tempo, já posso pescar com a cana, a partir da minha varanda…
Neste mesmo local, numa clareira, aterraram os helicópteros da fragata Vasco da Gama, para recolher os Portugueses que aqui estavam encurralados na guerra de 1998. Foi num destes helis que o nosso saudoso Pepito, saiu.
Eu também aqui estava… Mas tinha por missão ajudar a sair outros Portugueses que se encontravam no interior, em Canchungo e Cacheu. Como não apareceram às horas combinadas, estive em S. Domingos e depois em Ingoré (, sem combustível e em situação de guerra), à procura deles… E de onde, a partir dos rádios da Missão Católica, comuniquei com a fragata a informar que estavam atrasados para a sua evacuação…
Ao fim do dia, também saí desta praia [, de Varela,] numa canoa nhominca, acompanhando os últimos 10 portugueses que quiseram sair, assim como de outras nacionalidades, a quem a fragata autorizou o embarque…
Como destino, “o pôr do sol”, o poente… Passados 18 milhas, mar adentro, lá encontramos a nossa frota com 3 navios dos “filhos da escola” que na parte final nos vierem cumprimentar nos botes e mandar subir pela escada de corda, para a Vasco.
Já não foi possível os helis voltarem a aterrar na praia, havia quem os quisesse deitar abaixo… mas fomos acompanhados pelo ar, de onde recebíamos ordens, por vezes mandavam-nos, à nossa canoa, desviar de alguns obstáculos, que havia no mar …
Guiné-Bissau > Bolama > s/d > Cais > Uma canoa nhominca, para transporte de passageiros. A sua lotação máxima são 100 passageiros. As canoas nhominca são as melhores embarcações e que se adaptam ao mar desta costa de África. O povo nhominca foi quem as construiu há séculos, propositadamente para este mar!... Já mandei construir algumas destas canoas, que depois entrego aos projectos, em pequenos estaleiros em Bissau, ou no grande estaleiro de Zinguichor, no Senegal. A maior concentração destas embarcações que já vi, foi em St. Louis, no norte do Senegal, umas largas centenas! Elas percorrem todo o mar costeiro, nesta costa de África, à pesca.
Já passei por grandes problemas que davam para contar durante horas, mas como dizem os meus amigos... "chego sempre"... E eu acrescento: até agora, felizmente! Foi numa destas canoas "nhominca", que fiz a viagem para a fragata Vasco da Gama, acompanhado de outros portugueses [, em 1998]…
Por vezes quando todos entram em pânico, é necessário tomar algumas atitudes pouco "recomendáveis" e tomar conta da embarcação, que o digam os meus colaboradores, ou alguns nossos amigos, que brincam com o que às vezes tenho que fazer, para que tudo corra bem. "É necessário que cada um fique no seu lugar, não deixar que corram todos para o mesmo lado". (***)
Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
2. Comentários dos leitores (*)
(i) Hélder Sousa:
Patrício:
O que nos relatas, de forma sucinta, certamente que daria para um filme de acção e 'suspense' com muitas peripécias.
Sobre o avanço do mar, desconfio que isso pode ser 'ilusão de óptica'. Tenho ouvido e lido o que o presidente Trump considera sobre 'alterações climáticas' e por isso acho que pode haver algum exagero nessa coisa das árvores terem sido levadas pelo mar. Se foram é porque faziam falta nalgum lugar. (...)
(ii) Tabanca Grande [Luís Graça]:
O Patrício Ribeiro não é por acaso que era conhecido em Bissau, ainda até há pouco, como o "pai dos tugas"... Os jovens, cooperantes, rapazes e raparigas, tinham por ele um enorme respeito e admiração na altura em que o meu filho, João Graça, o conheceu em dezembro de 2009, em Bissau...
Esta história do resgaste de diversos portugueses e outros, em plena guerra civil de 1998, perdidos em Varela, Canchungo e Cacheu, devia merecer honras de título de caixa alta nos jornais da época e nas parangonas dos telejornais... Não me dei conta que isso tenha acontecido... Mas é uma história de heroísmo!...
Já sabia, além disso, que na impossibilidade de voltar o heli a Varela, o Patrício se metera na sua canoa nhominca, levando mais um grupo (10 pessoas, de nacionalidade portuguesa e outras...) ao fim da tarde, pelo mar fora, até à fragata salvadora!...
Camaradas 18 milhas náuticas numa canoa nhominca (, embarcação em que ele é perito e que muito admira!) (***), são mais do que 33 km pelo mar adentro... Não é para todos, é para quem aprender a amar e respeitar o mar, como ele, que foi "filho da escola" da Armada...
Esta história incrível tem de ser melhor conhecida de todos nós... O Ribeiro Patrício, que é um homem modesto, nosso camarada, ex-grumete fuzileiro, deveria ter sido condecorado no 10 de junho por este feito de grande coragem e altruísmo!... Se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo!
Reparem: ele ficou na Guiné, segundo creio, não abandonou a Guiné, mesmo em plena guerra de 1998/99... O Pepito e a família, cuja casa no bairro do Quelélé, em Bissau, foi pilhada e destruída pela soldadesca senegalesa, que apoiava o 'Nino' Vieira, esteve refugiado em Cabo Verde, creio que à volta de um ano... O Pepito tinha nacionalidade guineense, e este foi um dos acontecimentos mais marcantes (e traumatizantes) da sua vida, segundo me confidenciou em vida... Voltou à Guiné. para recomeçar a sua vida, uma vida nova... O Patrício Ribeiro, por sua vez, é português, é alias o português mais guinéu da Guiné-Bissau... onde vive e trabalha há quase 4 décadas...
Enfim, o Patrício Ribeiro, agora com 70 anos, está a começar a "abrir o livro"... Um homem que sabe muito da história recente da Guiné-Bissau, saberá até de mais, pelos círculos em que se move, mas sempre o achei uma pessoa cautelosa, discreta, afável e fiável...
Enfim, aqui fica o poste com o seu comentário, que eu tinha prometido!... E, quanto ao meu, peço-lhe que ele corrija ou confirme o que escrevi.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 7 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18183: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte VIII: Perdidos no rio Cacheu, em maio de 1968 (3)
(**) Último poste da série > 18 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18103: (De)Caras (102): O nosso João Crisóstomo em estampilha comemortativa da Fundação Internacional Raoul Wallenberg, emitida pelos correios postais do estado de Israel