quarta-feira, 20 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18760: Historiografia da presença portuguesa em África (119): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Insisto no ineditismo desta iniciativa governamental do Capitão de Artilharia Ricardo Vaz Monteiro e no acervo de materiais coligidos, de grande riqueza para se entender mentalidades e o estado da Guiné no arrancar da década de 1940. E a grande surpresa em encontrar gente preparada, com conhecimento das realidades, nalguns casos, muito poucos, usando uma linguagem um pouco de babugem, de um modo geral o governador recebeu comentários desassombrados.
Confesso a minha satisfação em ter encontrado esta pérola na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa onde a amável bibliotecária foi buscar aos Reservados uma resma de relatórios de outros administradores, entre os anos 1930 e datas próximas, logo que termine a faina do BNU da Guiné é o mergulho que vou dar.

Um abraço do
Mário


Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (4)

Beja Santos

Importa referir que esta iniciativa do então Capitão Ricardo Vaz Monteiro, Governador da Guiné entre 1941 e 1945, tanto quanto nos é dado saber, é de um ineditismo surpreendente: é um líder com visão, tem a subtileza de mandar um inquérito sobre diversas matérias, desde a produção da mancarra até às finanças das circunscrições, quer apurar o grau de conhecimentos destes seus colaboradores, haverá um intenso debate em função das memórias que ele recebe, e do modo mais discreto possível todo este trabalho ganha a forma de publicação, o mais longe que se pôde apurar é que foi editado pela imprensa nacional, em Bolama, em 1942.

Suspendeu-se o texto anterior à volta das respostas do Administrador de Farim, é notório tratar-se de pessoa culta, bem preparada e pouco disposta a dar respostas equívocas ou ínvias. Respondendo acerca do emprego de charruas, ele observa:  
“Raros devem ser na Guiné os terrenos limpos de resíduos vegetais e que se prestam à cultura dos produtos mais vulgares, porque o indígena, de uma forma geral, dedica-se de preferência ao sistema de cultura extensiva, não o interessando o preparo racional do terreno que precisa devido às enormes extensões de terras virgens que existem. E, nestas condições, o charruamento das terras sujas se não é de todo impossível é, pelo menos, difícil, trabalhoso e de pouco rendimento. E nos terrenos sujos, quer dizer nas terras onde existem troncos e raízes de árvores à superfície a gradagem não se pode fazer”.
Como também havia questões postas sobre funcionários, guardas florestais e quejandos, ele vai direto à questão:
“Ainda hoje a grande maioria do funcionalismo da população civilizada da Guiné é cabo-verdiana; e todos nós sabemos como é difícil corrigir os erros bebidos no leite materno”.

Também não enjeita pronunciar-se sobre a questão dos régulos:
“Como a própria Reforma Administrativa Ultramarina preconiza, devia tornar-se obrigatória após um prazo de dois anos a condição de só se preencherem os lugares de régulos, chefes de povoação, intérpretes e quadros administrativos com indivíduos que soubessem ler, escrever e contar em português. Os pretendentes ou herdeiros de regulados não têm outro interesse ou objectivo senão o de ocuparem tais lugares para sugarem o trabalho dos próprios indígenas, para exercerem toda a casta de extorsões e atropelos sobre os indígenas que ficam amarrados à sua prepotente autoridade. Hoje em dia já não se encara a autoridade do régulo com o respeito devido, em virtude dos desmandos, abusos e violências de toda a espécie que muitos deles praticam”.

O seu ponto de vista sobre a política indígena e os regulados também nos parece digna de registo:
“Os régulos, nesta área administrativa, no geral, são impostos e pertencem a raça diferente: Mandingas, Fulas e Biafadas. As razões que a tal obrigam, desconheço-as”.
É curioso como este ponto de vista tem alguma parecença com a resposta do administrador de Mansoa.
Em todas estas memórias há sempre aspetos pertinentes ao nível dos conhecimentos que apraz registar. Veja-se o que responde o Administrador do Gabu a propósito da questão posta acerca de pomares, palmares, hortas e viveiros:
“O interesse do indígena pela cultura de pomares e palmares só se estimulará quando começar a colher o resultado do seu esforço, isto é, quando o trabalho empregado na sua cultura vier a dar a compensação devida. Até lá, essa cultura tem de ser simplesmente imposta. A cultura da batata-doce e mandioca já foi iniciada este ano em obediência à determinação de V. Ex.ª. mas a sua produção é bastante limitada por ter havido faltas de plantas. É de toda a conveniência a introdução da cultura do feijão”.

Tome-se agora em consideração o comentário do Administrador de Buba questionado sobre o gado bovino:
“Nesta circunscrição só existe gado em certa abundância nas zonas habitadas pelos Balantes. Eles têm por hábito nunca vender o gado senão quando muito afrontados por qualquer necessidade urgente. Mesmo em época de fome preferem passar provações a desfazerem-se do seu gado. Os bovinos constituem para si a nota comprovadora da sua importância no meio social. Os bovinos são para o Balanta a sua farpela mais luxuosa”.
O mesmo administrador mostra-se cético quanto à proibição de falar crioulo e dá as suas razões:
“A proibição de se falar o crioulo somente nas repartições, nas escolas e em todos os estabelecimentos do Estado, a meu ver, serão de resultados muito limitados. Onde se fala mais crioulo não é nas repartições públicas nem nas escolas nem nos estabelecimentos do Estado mas fora: na rua, nas casas particulares e sobretudo nos estabelecimentos comerciais. Nas suas transacções, os comerciantes e os empregados, na sua maioria, só falam crioulo. Assim foi e assim é desde há muito”.

Surpreendente é o que o Administrador de Bijagós responde ao Governador acerca das licenças para o exercício de comércio fora das povoações comerciais:
“A opinião que o signatário forma dos concessionários e proprietários, salvo raras excepções, é a seguinte: pede-se uma concessão não para trabalhar e de conta própria tirar à terra o máximo da sua riqueza, mas única e exclusivamente para explorar o indígena. O que se pretende é que na concessão, ou perto desta, haja bolanhas. Pois logo que tal se dê fazem compreender que são donos do chão e que eles, indígenas, só podem cultivar o terreno com a sua autorização e vendendo-lhe os produtos. É tal o desplante dos senhores “ponteiros” que chegam a considerar os indígenas como propriedade sua, de que pretendem tirar o máximo rendimento.
Acresce que, quase sempre, os senhores concessionários e proprietários se eximem ao pagamento dos respectivos impostos, principalmente licenças comerciais e, ao comprarem os produtos, exploram o indígena ao máximo, fazem-no ou por medidas que saem muito fora do normal ou por pesagens em que os instrumentos de pesar foram previamente preparados para o fim em vista. E como a fiscalização deste comércio se torna impossível, o signatário tem de há muito opinião formada de que só com a proibição do exercício do comércio nas concessões e propriedades é que se acabará com tal estado de coisas”.
Mudando de azimute, desta vez dirigido para a questão do melhoramento da exploração agrícola indígena, pronuncia-se do seguinte modo:
“Nos Bijagós, cuja área é toda povoada por extensos palmares, estes não permitem o emprego da charrua, pois haveria necessidade de se cortarem as palmeiras para arranjar terrenos próprios a outras lavouras, o que se tornaria contraproducente, visto diminuir a produção do coconote, a maior riqueza do arquipélago, senão a única”.
E vamos verificar que este senhor administrador também faz profissão de fé em meter as mãos na massa quanto a pomares, palmares, horta e viveiros:
“Desbravei o mato necessário para a plantação de cerca de mil pés de banana, sendo seiscentos pés das Canárias e trezentos pés das melhores qualidades de Tombali.
Fiz grandes viveiros de citrinos, pinheiras e feijão-congo, que já no próximo ano serão distribuídos pelos postos e tabancas indígenas, assim como plantei muita mandioca e batata-doce. Tudo está presentemente pegado, espero que nenhuma árvore morra, pois não lhe faltarei com a rega. Para o ano, penso fazer viveiros de coleiras, fruta-pão, goiabeiras, etc., que penso fazer parte dos pequenos pomares indígenas que tenciono fazer”.

E assim se põe termo à leitura de um documento que tem algo de inacreditável, pela falta de precedentes, por muitos comentários desassombrados, acima de tudo por se verificar que aquele governador da Guiné, em plena II Guerra Mundial queria pôr a Guiné a funcionar em novos moldes, não só produzir no que hoje chamamos nos níveis de sustentabilidade, mas a angariar um novo fôlego exportador, colhem-se depoimentos de administradores, sabe-se lá com que grau de sinceridade, entusiasmados com o ressurgimento colonial que era uma das apostas do Estado Novo e não deixa de nos pôr a refletir o que muitos deles denunciam como a exploração do indígena e o afã em pôr o ensino português no plano das realidades.

Confesso que a minha maior surpresa se prende com a figura do governador, a tomarmos um pouco à letra o que historiografia tem registado parece que entre Carvalho Viegas e Sarmento Rodrigues tinha havido um limbo, ora acontece que este Capitão de Artilharia Ricardo Vaz Monteiro não pede meças à preparação e ao entusiasmo desses dois governadores, ainda mais por a Guiné estar na penúria, todo o seu programa era fazer muito mais com o menos existente, firmar a ordem e pôr justiça naquele modelo colonial que apregoava ser humanista e assimilacionista. Não hesito em dizer que esta conferência dos administradores é uma referência incontornável na historiografia da Guiné portuguesa.

BNU de Bissau iluminado, no âmbito das comemorações do centenário do BNU

Rapariga Manjaca, imagem retirada do livro “Guiné Portuguesa”, por Luís Carvalho Viegas, volume II, 1936
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Nota do editor

Postes anteriores de:

16 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18641: Historiografia da presença portuguesa em África (114): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1) (Mário Beja Santos)

6 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18716: Historiografia da presença portuguesa em África (116): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (2) (Mário Beja Santos)
e
13 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18739: Historiografia da presença portuguesa em África (117): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18759: Parabéns a você (1457): Cherno Baldé, Amigo Grã-Tabanqueiro, Gestor de Projectos, natural da Guiné-Bissau, nosso colaborador permanente, assessor para as questões etno-linguísticas

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Nota do editor:

Último poste da série de 19 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18754: Parabéns a você (1456): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Dr. Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro, Historiador, natural da Guiné-Bissau

terça-feira, 19 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18758: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVI: História e imagens de São Domingos: fotos de 1 a 8


Foto nº 1 >  Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1968 > "O rancho dos pobres"


Foto nº 2 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1969 > Companhia perfilada para a entrada no refeitório geral das praças.


Foto nº 3 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 27 de setembro de 1968 > Dia do Batalhão, que foi celebrado em 27 de Setembro de 1968, um ano depois da nossa partida no T/T Timor.

Foto nº  4 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1968 > Grupo especial numa ronda de rotina ao aquartelamento, composto por uma secção com 12 homens, e agora comandada por um aferes ‘especial’, SAM...


Foto nº 5 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 >  1968 > Trincheiras a céu aberto, com várias saídas, abertas na terra vermelha protegidas com algumas palmeiras e em direcção ao Posto de Vigia das sentinelas.


Foto nº 6 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 >  1968 > Trincheiras e abrigos feitos de bidões vazios e troncos de palmeiras, protegendo edifício militar, talvez uma caserna de telhado de zinco.


Foto nº  7 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 >  1968 > Caserna fortemente protegida por uma carreira de troncos de palmeira e bidões vazios, cheios de terra, cascas de ostras e cimento.


Foto nº 8 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 >  1968 > Posto de vigia dentro do arame farpado, composto por um esqueleto de troncos de madeira, acabando em cima com um pequeno cubículo, com bidões e troncos de palmeira como protecção, coberto com uma pequena estrutura de zinco, contra o sol e contra a chuva, algures num fim de tarde com o Sol a pôr-se a oeste.



Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue.



Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:  F037 – História e Imagens de São Domingos



I - Anotações e Introdução ao tema:


Pretende-se dar um contributo global a todo o Sector O1B – São Domingos, que esteve sob o comando e ordens do BCAÇ 1933, durante o período de 2 de Abril de 68 até 3 Agosto de 69.

Não houve qualquer intuito de meter esta ou aquela foto, foram apenas tiradas ao acaso dos grupos já organizados, em mais de 40 temas diferentes.

Cada um vai ser futuramente objecto de lançamento para edição do nosso Blogue.  A maioria dos dados técnicos e confidenciais, foram retirados da leitura do Livro,  ‘História da Unidade do Batalhão de Caçadores 1933’, cujo lema de estandarte era «O que fizermos vos dirá quem somos»

São apenas um pequeno Resumo daquilo que está escrito ao pormenor,  Ssendo uma parte Reservada e outra Confidencial.

A – História do Sector O1B - São Domingos:

Introdução:

O BCAÇ 1933 foi ocupar o Sector O1B na fronteira Norte, uma faixa de 120 por 15 km2 o que perfaz uma superfície aproximada de 1800 km2 para este sector, com uma configuração geral de quase rectangular, compreendida entre a fronteira Norte com O Senegal, a Sul com o Rio Cacheu, a Oeste com o Oceano Atlântico até Cabo Roxo, e a Leste por uma linha de povoações, designadamente ‘Faranjato-Quissir-Rio Cacheu’ .

1 - Dispositivo das NT:

Integram o sector sob o comando do BC1933 o seguinte dispositivo:

- Comando e CCS do BCAÇ 1933;

- CCaç1684, CCaç1801, CArt1744;

- CCAÇ2 – Africanos; Companhia de Milícias 24 - Africanas.

2 – História e movimentos:


O BC1933 vem substituir o Batalhão de Caçadores 1894.

- A 21 Março 68 chegada a SD do Comandante e Oficial Adjunto por via aérea;

- A 22 Março68 chegada a SD por via marítima, de mais 16 elementos da CCS, incluindo o Chefe do Conselho Administrativo e outros elementos para fazer a passagem de testemunho da Companhia que iria sair.

- A 26 Março68 a chegada do restante pessoal do batalhão, ficando em sobreposição até 2 de Abril com BC1894.

- A 2 Abril68, o BC1933 passou a comandar e tomar posse administrativa e militar de todo o sector O1B de São Domingos.

– Não existem no sector populações controladas pelo IN

- Contudo a partir do Senegal existem cerca de 12 linhas de infiltração no sector O1B

– O IN em Susana e SD actua mais com minas A/P e por vezes A/C

– Na zona Norte os principais locais de apoio do IN são ‘Ziguinchor e Samine’

– O IN tenta implantar-se no sector com acções sobre as populações, recrutando á força elementos para a guerrilha, implantando engenhos explosivos – minas, fazendo emboscadas às NT, destruindo pontes e outros meios de circulação

– O IN estava instalado em diversos Santuário no Senegal, com cerca de 350 guerrilheiros.

– O armamento estimado e que era utilizado pelo IN, era pesado e ligeiro, nomeadamente:

1 Canhão S/R ; 5 morteiros 82; 11 morteiros 60; 7 Bazookas (LGF); 10 Lança Roquetes;

10 Metralhadoras pesadas; 21 metralhadoras ligeiras; 20 armas ligeiras; Varias minas A/P

– Foi na zona deste sector, ainda inexistente - Varela-Susana-SD – que se iniciaram os primeiros ataques à Guine Portuguesa, sendo considerado o início da guerra de guerrilha.

- A fronteira Norte com o Senegal, é mais ou menos paralela ao Rio Casamança – Rio Cacheu

- O ambiente envolvente é de bolanha, mangais, lalas e campadas, conforme o tipo de vegetação, arborescente, savana, manchas florestais, árvores de grande porte e palmeiras.

3 – Rede hidrográfica:

No sector, a rede hidrográfica é constituída por rios que são navegáveis para canoas, em parte dos rios pode navegar-se com barcos de motor fora de borda, e nos principais pode ser navegado por barcos-lanchas tipo LDM e LDP:

4 – Os aeródromos ou pistas de aterragem no sector, existem:

- 1 Pista em Varela e Sedengal apenas para Avionetas DO - Dornier 27

- 1 Pista em Ingoré com 975 m

- 1 Pista em Susana com 1000 m

- 1 Pista em SD com 1200 m

Todas são em terra-batida, e na época das chuvas carecem de assistência constante para não ficarem inoperacionais. Nenhuma das pistas tem postos de reabastecimento de combustível

5 – Portos:

No que respeita a Portos, temos:

- 2 Em Susana, 1 em São Vicente que serve Ingoré, e outro em SD

6 - Povoações:

São referenciadas cerca de 50 povoações no sector com população indígena:

- Na zona de Susana, temos Varela, Igim, Jufunco, Elia e Susana, todas com mais de 500 hab

- Na zona de SD temos apenas a Vila de SD, como centro principal, sede de circunscrição, com 3 bairros, 1 serração, e com 5 casas comerciais- apenas reconheci uma em toda a estadia naquele local. A população é de 609 habitantes e grande parte deles trabalha na serração e a tropa é a principal fonte de receita.

Podemos referenciar também a povoação de Poilão de Leão, dada a sua relativa importância estratégica e com uma população de 337 hab.

- Na área de Ingoré, que é a localidade mais importante de todo o sector, tem muito comércio e óptimas condições de vida, com uma população de 2149 hab;

- Depois tem Antotinha, é um reordenamento com um total de 2307 hab

7 – População:

São habitantes que têm vivido quase sempre na zona - sector O1B, desde tempos remotos.

Não existe praticamente população europeia – branca – no sector, com algumas raríssimas excepções aos escassos comerciantes Libaneses à procura do lucro, e missionários.

Nem mesmo os guardas administrativos são de origem europeia.


8 – Grupos étnicos:

- As etnias predominantes no sector são: Felupes, Baiotes, Manjacos, Banhuns, Mancanhas, Caboianas, Cassangas, Balantas, Mandingas e Fulas.

- Em SD podemos ver os Felupes, Baiotes, Manjacos os mais relevantes, e Mancanhas e Banhuns

9 – Modos de vida:

Tota a população do sector se dedica à lavoura, em especial na época das chuvas. Na época seca, podem dedicar-se à caça, pesca, furar palmeiras e recolha de chabéu.

Em SD trabalha muita gente na serração.

Os jovens deslocam-se para a Gâmbia e Senegal ou para centros maiores tais como Susana, SD, Ingoré à procura de trabalho.

Todos gostam de trabalhar para a tropa, mas o que mais desejam é ingressar na Milícia.

10 – Línguas e dialectos:

São falados os dialectos, Felupe, Baiote, Papel, Manjaco, Mancanha, Banhum, Caboiana, Balanta, Fula, Mandinga e Cassanga.

As mais faladas são a língua Balanta, Felupe-baiote e de menor importância as restantes.

Também é falada entre eles, num reduzido número, o crioulo.

O Português é falado por grande número dos mais jovens, de todas as etnias.

11 – Religiões:

A população do sector é quase toda Animista – Não sei o que significa animista!

Existe um pequeno número islamizado e um pequeno número de católicos.

Podemos dizer que existem no sector, cerca de 20.000 animistas, 500 islamitas, 70 católicos.

12 – Aspecto económico:

A população do sector dedica-se quase exclusivamente, à colheita e produção dos recursos indispensáveis à sua subsistência. O Coconote e a mancara vendem para exportação.

Cultivam para consumo próprio o arroz de bolanha e sequeiro, o óleo e o vinho de palma.

Na área de SD existe gado bovino que só com parcimónia pode ser utilizado na alimentação das tropas, dado que os nativos são renitentes à sua venda.

O mesmo quanto a gado caprino, aves de capoeira e ovos, sendo notória sua escassez.

A pesca é utilizada para consumo próprio e apesar da sua abundância não é prática corrente dos nativos a pesca para efeitos comerciais.

Embora existam pomares, só por acaso as NT consomem bananas, laranjas, limões, papaia ou ananás.

Não existem, praticamente, produtos hortícolas, para além daqueles que são cultivados pelas NT junto dos Aquartelamentos.

B – Aspectos da localidade de São Domingos:

SÃO DOMINGOS – "FORTE ÁLAMO" DA GUINÉ.

Legendas e Anotações Gerais:

Conforme já se referiu podemos notar que a Vila de São Domingos poderia até ser chamada de um pequeno ‘Campo de Concentração’, dado a sua área minúscula, o cerco de arame farpado e minado a toda a volta, e a reduzida falta de qualquer coisa que fazer que não seja esperar que o IN ataque. A diferença é que estamos comandados pelos nossos oficiais superiores das NT e não pelo IN.

Mas vou colar a imagem que já foi dada a este aquartelamento, por outro Poste da Companhia de Intervenção nos anos de 67/69, a CART1744 do Capitão Serrão. Foi quase comparada a um Forte do Faroeste Americano, pelas suas paliçadas em troncos de palmeira, os abrigos também de palmeira e bidões com cascas de ostras e terra, foi então que me lembrei das Histórias de Forte Álamo, no Novo México. Esta ideia cai melhor do que campo de concentração, que cheira mais a nazis e extermínio de povos.

Vou apresentar para edição algumas – 59 fotos - das centenas de imagens que tenho em arquivo de São Domingos, onde cumpri a minha missão entre final de Março 68 até ao fim da comissão, Agosto de 69. São portanto 16 meses no mesmo cenário, um pequeno perímetro de meia dúzia de quilómetros quadrados, feitas as contas acho que tem 3,3 km2, cercado a arame farpado, duas fileiras, armadilhado a toda a volta, com alguns postos de vigia e observação.

Era um local importante noutros tempos, agora dotado de Administrador civil, constituindo a Circunscrição de São Domingos. Habitado por população Felupe e outras etnias. Era limitado a Norte com a República do Senegal, a Leste com a Guiné Conacri, a Oeste a estrada que conduzia a Susana, Varela e Oceano Atlântico, a Sul o Rio São Domingos, um pequeno afluente do grande Rio Cacheu, a porta mais importante de saída daquele local.

Uma povoação sem nenhuma actividade comercial, existia uma pequena serração de madeiras perto da foz do rio, uma casa de comes e bebes, que era um pequeno tasco que servia alguns caranguejos, camarão ou ostras, e umas cervejas, normalmente não geladas, e nada mais. Não existia uma única casa comercial, nem qualquer população branca, que eu tivesse visto, e conhecia bem todo aquele pequeno espaço.

No centro da vila existia um largo, e em frente à casa do administrador civil, tínhamos então o Mastro onde se erguia e arreava a bandeira nacional, uma pequena avenida de terra com separador central, feita já no tempo do nosso batalhão, e mais tarde com meia dúzia de lâmpadas fluorescentes – e que passamos a designar por Avenida das Luzes Fluorescentes.

A população vivia fora do perímetro militar, mas eram protegidas e apoiadas pelas nossas tropas. Fazia parte da guarnição, a Companhia de Comando e Serviços, uma Companhia de Intervenção, neste caso a Companhia de Artilharia 1744, comandada pelo Capitão Serrão, que ocupava uns pavilhões a Norte, colados ao Centro de Comando.

Tinha uma pista de terra batida com 1200 metros, e um pequeno cubículo coberto que fazia de posto de vigia e de entrada e saída de passageiros. Apenas os aviões Dakota de 2 motores se faziam à pista, estando operacional, as Avionetas DO, os Heli Alouette III, e bombardeiros T6.

13 - A área da povoação de SD onde está localizado o Comando do Sector, é um pequeno núcleo com uma extensão em comprimento, desde o fim da pista até ao cais do Rio SD, de 2200m, com uma extensão lateral de cerca de 1500 m no máximo, o que dá uma área total disponível de não mais do que 3 a 3,3 km2. Isto é mais ou menos um pequeno Campo de Concentração, rodeado de arame farpado. É uma área semelhante a pouco mais do que a Avenida dos Aliados no Porto.

14 - Tem duas vias de entrada e saída por via terrestre – minadas – até Susana ou Ingoré;

Mais uma entrada e saída por via aérea com uma pista de 1200 metros, acessível a Dakota.

Mais uma entrada ou saída pelo Rio SD em direcção ao Rio Cacheu ou até Bissau, Atlântico.

15 – Dispositivo existente na sede do sector em SD:

- Comando e CCS;

- CART 1744;

- Pelotão de Milícias 173 da CM 24;

- Pelotão de Milícias 177 da CM24.


16 – Armamento existente no sector

Não é referido na História da Unidade o armamento e meios de combate das NT, nem no sector nem nos vários aquartelamentos.

Posso notar por conhecimento pessoal aproximado dos seguintes meios existentes em SD:

- Arma automática G3 para toda a tropa, incluindo africana e milícias;

- Pistolas pessoais para oficiais superiores e para o oficial de dia;

- Metralhadoras pesadas em abrigos próprios, talvez umas 10 unidades;

- Morteiros 81 instalados em poços próprios [, "espaldões"], talvez 6 unidades;

- Morteiros 60, localizados em poços ou para operações no exterior, talvez uns 20;

- Metralhadoras ligeiras, tipo MG42 de fita {iu HK 21 ?], uma para cada pelotão, talvez 30;

- Bazookas, uma para cada pelotão, talvez umas 30 também, ou mais

- Lança Roquetes [, 3,7 mm], também umas 30 unidades

Não existem carros blindados, Fox, Chaimite, nada. Mas havia uma ou duas Daimler, porque tenho uma foto junto duma com o nome de Luísa

Não existe canhão, com ou sem Recuo. Não existe nenhuma peça de artilharia pesada tipo Obus

Existem meios de transporte escassos, alguns Jipes, Unimogues, GMC, Mercedes, para transporte de mercadorias e pessoal do cais ou das aeronaves, tudo em estado de grande degradação, e falta de manutenção.

A NT raramente sai para operações em viaturas, devido à inexistência de estradas utilizáveis.


C - Fotos do tema T037 – Imagens de São Domingos – «Forte Álamo da Guiné».


Legendas e numeradas de f1 a f8 (de um total de 59)

F1 – Mais uma vez apresenta-se aqui a vergonha das nossas vidas. ‘O rancho dos pobres’. Eram miúdos indígenas, que vinham nos fins das refeições, com as suas latas, à procura dos restos do rancho ou das messes para comerem, eles e famílias. Depois de levarem para as suas palhotas, voltavam novamente para levar o máximo possível. Isto chocava-me muito, mas nada poderia fazer, a não ser facilitar estas operações, a sopa dos pobres. São Domingos 1968.

F2 – Companhia perfilada para a entrada no refeitório geral das praças. Era uma norma usual para que houvesse disciplina e a contagem dos números de comensais. SD1969.

F3 – Trata-se do dia do Batalhão, que foi celebrado em 27 de Setembro de 1968, um ano depois da partida do paquete Timor com as tropas. Foi a única celebração. A cerimónia constou de várias iniciativas que estão contadas e fotos captadas noutro tema que vai ser inserido na sua devida altura. SD27Set68.

F4 – Grupo especial numa ronda de rotina ao aquartelamento, composto por uma secção com 12 homens, e agora comandada por um Alferes ‘especial’. Todos os elementos eram da CCS do Batalhão, sem qualquer formação para este tipo de operações de rotina. SD1968.

F5 – Trincheiras a céu aberto, com várias saídas, abertas na terra vermelha protegidas com algumas palmeiras e em direcção ao Posto de Vigia das sentinelas. SD1968.

F6 – Trincheiras e abrigos feitos de bidões vazios e troncos de palmeiras, protegendo edifício militar, talvez uma caserna de telhado de zinco. SD em meados de 1968.

F7 – Caserna fortemente protegida por uma carreira de troncos de palmeira e bidões vazios, cheios de terra, ostras e cimento. SD em meados de 1968.

F8 – Posto de vigia dentro do arame farpado, composto por um esqueleto de troncos de madeira, acabando em cima com um pequeno cubículo, com bidões e troncos de palmeira como protecção, coberto com uma pequena estrutura de zinco, contra o sol e contra a chuva, algures num fim de tarde com o Sol a pôr-se a oeste. SD 1968.

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18734: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXV: Como se faz um alferes milicinao do Serviço de Administração Militar (III)

Guiné 61/74 - P18757: Bombolom XXI (Paulo Salgado): As guerras - a primeira e a colonial

© Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor do livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor", com data de 10 de Junho de 2018:


O Bombolom III – As guerras - a primeira e a colonial

O Beja Santos tem feito um trabalho extraordinário – o zeloso pesquisador utiliza uma linguagem escorreita na construção da sua prosa historiográfica. Obrigado pelos saborosos textos, pois que, assim e ao menos, fica registado o passado que pode servir (ou não) de lição para o futuro das nossas relações com África (andam tão por baixo…!), para o bem e para o mal, ou para compreendermos melhor essas mesmas relações.

As minhas passagens pela Guiné, por Angola e uma visita breve a Moçambique têm-me “provocado” o interesse em aprofundar um pouco do que vivemos – os portugueses – nas colónias, em especial na primeira grande guerra e na guerra colonial (alguns pretendem que se diga guerra do (ou no ?) Ultramar).

Sobre a primeira grande guerra e a evolução da nossa presença em África, acho fundamental ler os trabalhos de Aniceto Afonso e de Matos Gomes, por exemplo, em Portugal e a Grande Guerra 1914-1918, publicado em 2013; de um grande seareiro (da Seara Nova), Augusto Casimiro, sendo uma das obras meritórias deste pensador o livro Angola e o Futuro – Alguns Problemas Fundamentais, publicado em 1956 (?); António de Cértima que escreveu, romanceando sobre a realidade junto do Rovuma, uma obra que se chama Epopeia Maldita – o Drama da Guerra de África, de 1924; sobre a evolução da nossa presença em África, leiam-se igualmente os Ensaios, de Adriano Moreira, de 1960, uma tentativa de explicar o luso-tropicalismo; também os trabalhos do Prof. Santos Júnior, médico e antropologista, que participou em diversas missões em Moçambique, (legou o seu vasto fundo bibliográfico à Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo – a minha Terra), de que realço, agora, A Alma do Indígena através da Etnografia de Moçambique, de 1950; do acérrimo defensor da presença lusa, Couto Rosado, que escreveu Nota Ligeiras – Angola, saído em 1938; de Sá Viana Rebelo ficamos a saber o seu pensamento (e de outros dirigentes de então) na obra Angola na África – 1961; Contra o Vento – Portugal, o Império e a Maré Anticolonial -1945-1960 de Valentim Alexandre, de 2017 – obra essencial para quem se interesse profundamente pelas ideias, entre outros vários temas, que se foram desenvolvendo na emancipação das colónias (províncias) portuguesas.

Poderia elencar mais de cinquenta de obras que fui adquirindo, apenas por curiosidade, já que me falta a metodologia e a profundidade de historiador. E a razão é simples: pretendo tocar de novo o meu bombolom – em silêncio há meses – para registar alguns episódios que fazem semelhar a presença das lutas acesas de militares portugueses no norte de Moçambique e no sul de Angola, durante a primeira grande guerra, com a guerra movida nas colónias desde 1961 a 1974. Sim, há similitudes e há diferenças significativas. Registo uma semelhança: o número de mortos e de estropiados lá no norte de Moçambique e lá no sul de Angola, e depois na guerra entre 1961 e 1974, nas três frentes. Milhares, muitos milhares…

10.6.2108. Ah, hoje é o dia de Portugal – o que deve ser invocado?

Até breve.
Paulo Salgado
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18737: Bombolom III (Paulo Salgado) (1): Guerra - Guiné e Moçambique - Aqui na Primeira Grande Guerra

Guiné 61/74 - P18756: O segredo de... (30): Victor Garcia, ex-1º cabo at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga)... Uma aventura parva de um "kimba", quando se meteu a caminho de Capunga, a 3/4 km de Bula, sozinho, apenas "armado" de um pequeno canivete que ainda hoje guarda religiosamente...


Guiné > Região do Cacheu > Bula > Capunga > CCAV 2639 (1969/71) > c. 1970 > O pequeno canivete com que o Victor Gracia, ex-1º acbo t cav,  do 3º Gr Comb, "Os Kimbas", ia munido, no seu percurso pedestre, sozinho, entre Bula e Capunga...



Guiné > Região do Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bula, e Capunga, na estrada de Bula-Binar. Distância de cerca de 3/4 km.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

Fotos (e legendas): © Victor Garcia (2009) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. Mensagem do nosso grã-tabanquerio Victor Garcia [ ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71]


Data: 19 de junho de 2018 às 16:56
Assunto: Uma aventura parva na Guiné

Caro amigo e camarada Luis Graça:

Como da minha parte só tenho fotos colocadas no site da Tabanca, resolvi finalmente,  ao fim de bastante tempo,  vos contar uma peripécia que aconteceu comigo, não posso precisar a data mas asseguro que foi durante uma das nossas estadias em Capunga.

Por essa altura estava eu com um pequeno problema dentário que,  apesar de não ser grave,  me incomodava imenso.

Falei com o alferes do meu grupo (3º), "Os Kimbas", e ficou combinado que, no dia seguinte quando o Unimog viesse a Bula,  para se abastecer de água na célebre fonte de Bula, água essa para consumo do pelotão, tal como para cozinhar e para os nosso banhos e também para beber, eu viria com esses camaradas e ficaria em Bula a tratar do meu assunto com o médico de serviço, com a promessa que regressariam perto da hora do almoço para me virem buscar.

O certo é que,  chegada a hora do almoço, não apareceu ninguém, talvez por esquecimento e eu a ver o tempo a passar e com uma fome desgraçada.

Eram cerca de 14h30 / 15h00,  resolvo beber uma cerveja no café do Silva e meto pés a caminho pela estrada de Bula / Binar,  até Capunga, sozinho e completamente desarmado numa distância de talvez três a quatro quilómetros, não posso precisar a distância exacta. Notem:  totalmente desarmado não,  porque tinha comigo esse pequeno canivete, ver  imagem acima, com lâmina de cerca 4 cm, e que ainda hoje  guardo religiosamente com mais algumas lembranças desse tempo.

Claro que os habitantes da população que ficava perto da estrada, habitantes esses a quem estávamos a fazer o reseptivo reordenamento,  devem ter pensado quando me viram sozinho na estrada: "O  que será que esta ave rara anda aqui a fazer?"

Felizmente cheguei são e salvo ao acampamento de Capunga, mas não me livrei de um autêntico raspanete do Alferes do meu grupo,  chamando-me  todos os nomes que se possa imaginar.

Nota final desta história: o meu comportamento neste dia, longe de ter sido um acto de heroísmo ou valentia, foi sim uma atitude impensada,  sem razão para a ter praticado, de um jovem de sangue quente,  próprio da nossa juventud,  e que não mediu as consequências que esse acto poderia trazer.
E é tudo deste relato que vos conto.

Um abraço a todos os amigos e camaradas tabanqueiros.

Victor Garcia
Ex 1º cabo da CCAV.2639

Anexo duas fotos ao relato.
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de  2017 > Guiné 61/74 - P17686: O segredo de... (29): João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67): Porto-Gole 1966: uma aventura no Rio Geba, para nunca mais esquecer... uma daquelas que nos poderia ter custado a vida!

Guiné 61/74 - P18755: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVII: Dubai, Emiratos Árabes Unidos, os luxos que os petrodólares permitem...



Itália > Veneza >  Terminal de Cruzeiros > 9 de junho de 2018 > O Costa Luminosa (construído em 2007-2009 em Itália, nos estaleiros de Fincantieri - Cantieri Navali Italiani, nas instalações de Marghera, 92, 6 mil toneladas brutas , 294 m de comprimento, 32,25 m de largura, 21,6 nós de
velocidade de cruzeiro, 2826 passageiros, 1050 tripulantes, 14 andares, pavilhão italiano) visto do MSC Poesia (construído em 2006-2008, em França,  nos estaleiros de Saint Nazaire, 92,6 toneladas brutas,  c. 294 m de comprimento, 32,2 m de largura, c. 60 m de altura, 21,6 nós de velocidade de cruzeiro, 3223 passageiros, 1039 tripulantes, 16 andares, 13 para hóspedes, pavilhão do Panamá) no momento da partida do nosso editor, Luís Graça, para um cruzeiro pelo mar Adriático e pelo mar Egeu, de 8 a 17 de junho de 2018, que o levou de Veneza a Bari (Itália), Katakolon (Grécia),   Mykonos (Grécia), Pireu / Atenas (Grécia), Sarande / Butrint (Albânia), Dubrovnik (Croácia) e Veneza (Itália)...

Estes gigantes do mar são 10 vezes maiores do que os nossos T/T Niassa e Uíge onde fizemos os... "cruzeiros da nossa vida" (Lisboa-Bissau e Bissau-Lisboa, entre 1961 e 1974). São navios para custaram c. 450/500 milhões de euros... E a sua "peugada ecológica" é enorme... Estão a matar Veneza e todo o Mediterrâneo, o "mare nostrum" que foi o berço da nossa civilização... Eu já posso dizer que sobrevivi a um destes "cruzeiros", com cinismo e falta de pudor... Ao meu lado, a tragédia que não pára dos refugiados de África e do Médio Oriente... Atenas tem 150 mil negros, diz a guia que me levou à Acrópole e que não esconde o seu ressabiamento em relação aos europeus de carteira grossa e aos tecnocratas sem alma de Bruxelas...

Veneza "afunda-se", física e simbolicamnente, com 30 milhões de turistas /ano... A "gentrificação" da cidade (18 mil euros o metro quadrado uma casinha com 3 ou 4 séculos, em ruínas)... e a massificação do turismo estão a gerar protestos dos 40 mil habitantes que ainda resistem, nesta antiga "república dos castores", como lhe chamou Goethe em 1786... Mas o turismo é o "pão para a boca" de muita gente: 14% do PIB da Itália, o nosso "petróleo branco", diz.me a guia veneziana, num português impecável...

Mas o que farão estes "gigantes do  mar" sem Veneza ou sem a "pérola do Adriático" que é o Dubrovnik que sofre os mesmos problemas ? Por enquanto há milhões de asiáticos, africanos e sul-americanos (, muito brasileiros!) a trabalhar 12/14 horas por dia em troca de um punhado de dólares... nestes "luna-parques" marítimos que são os cruzeiros... agora democratizados!... Há cruzeiros, a prestações e para quase todas as bolsas!... (LG)


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 1



Foto nº 4



Foto nº 6


Dubai, Emiratos Árabes Unidos > Novembro de 2016 

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Dubai,  s/d [novembro de 2016] (pp. 12-17], da terceira e última Parte)



Oceano Índico

Levamos dois meses e vinte dias de viagem. Tanto mar, a singularidade de tanta terra, a habituação e o cansaço de vivermos durante meses e meses num navio, rasgando as águas dos mares do mundo. Não faço muitos amigos dentro do Costa, há a Rosa e o Paulo, um excelente casal de Curitiba, Brasil, os jantares sempre entusiasmantes na mesma mesa com a Isabel e o Jorge, meus quase vizinhos na Parede, Cascais. E pouco mais, com o avançar dos anos sou cada vez menos sociável, converso mais com o sol poente [Foto nº 1] e com os livros do que com as pessoas. Valem sobretudo os lugares visitados, as estadas sempre céleres nos cem recantos de quatro continentes, a imersão possível/impossível nestas terras, tentar compreender onde estou, fincar os pés em estranhos solos, e caminhar.

No Costa, depois daquela tremenda epidemia de gripe, ainda há gente a tossir e a pôr uma velinha no altar a Nossa Senhora de Fátima, na capela do navio, pedindo um feliz regresso a casa. Temos um padre católico italiano que acompanha a viagem e todos os dias diz missa. Lá vai ajudando, levando mais umas tantas almas ao Céu.

O Oceano Índico é outro mar imenso que nos limitamos a bordejar, desde o sudoeste da Austrália. Tem estado pacífico. Gostaria muito de o cruzar num grande veleiro, com bom mar, das costas de Moçambique às Seychelles, de Zanzibar às Maldivas, de Java a Madagáscar. Tudo ideias para próximas reencarnações.


Dubai, Emiratos Árabes Unidos
Foto nº 2


Já conhecia o Dubai mas esta segunda estadia não teve muito a ver com o déjà vue. Resolvi avançar para o que havia ficado por concretizar em Setembro de 2014 quando, chegado da China no voo dos Emirates, fiz escala durante 24 horas e dormi uma noite nos anexos desta megalómana cidade. [Foto nº 2]

Desta vez, com tempo, meti-me em cavalarias mais ou menos elevadas, indo a reboque de um grupo de gente endinheirada e fui gastar quase 200 dólares US, oferecendo à minha companheira e a mim próprio, um sumptuoso almoço no hotel de sete estrelas Burq Al-Arab, mais a subida ao Burq Al-Kalifa, o edifício mais alto do mundo, ambos ex-libris da cidade do Dubai-

O hotel, Bur Al-Arab, concluído em 1999, tem todas as semelhanças com a torre – também hoje hotel --, que temos em Lisboa na zona da Expo 98, lembrando a grande vela de uma nau ao vento. Assente numa ilhota conquistada ao mar, o Burq Al-Arab, com 321 metros de altura é um exemplo refinado de bom gosto, à mistura com lampejos faiscantes do inevitável novo-riquismo que abunda no Dubai. À entrada, temos escadas rolantes ladeadas por dois enormes aquários com inúmeros peixes, peixinhos e peixões, para todos os gostos, cores e formatos. Até tubarões têm. Entre as escadas, dança um conjunto de repuxos saltitantes. Este átrio interior do hotel alcança, numa espiral, os 180 metros de altura. Nas paredes do cone do edifício estão encastrados os quartos de hóspedes, todos, do outro lado, voltados para as praias e para o mar. Custam apenas a pequenez monetária de 1.900 euros por noite, mas explicam-me que estou no mais luxuoso hotel do mundo. Tive pena de não ter ficado numa dessas suites de conforto e prazer, e de, após a dança do ventre, adormecer como um abastado sultão num leito de penas e perfumes. Ficará para próxima ocasião.

Voltas e mais voltas por shoppings e malls, mais a Dubai Marina com arranha-céus sempre a crescer, uma mesquita, e eis-me finalmente no Burq Al-Khalifa, cá em baixo com um lago onde as águas dançam ao sabor da música. Com 828 metros de altura e 163 andares é o edifício mais alto alguma vez construído ao de cima da terra. Um elevador pressurizado, que sobe a dez metros por segundo, leva-me num ápice até ao 124º. andar, a quase 600 metros do solo. São seis da tarde, a noite cai e a luz natural começa a ser substituída pela incandescência crescente da progressiva iluminação da cidade. Cintilam os arranha-céus em volta, faíscam as ruas e avenidas, os milhares de habitações espalhadas por um vasto horizonte circular. Fantástico o horizonte, a contemplar do cimo da mais elevada torre do globo. A noite está límpida, de um lado, a orla sombreada do mar, do outro, a escuridão dos desertos, no meio, para norte e para sul, uma imensa cidade na mescla das cores e luzes do anoitecer. []Foto nº 4]

No alto do Burq-Al-Khaifa quase podemos tocar a cidade com a mão, mas nem tudo serão rosas de jardim ou flores do deserto nos lares de cada um, em edifícios gigantescos que entram por dentro do céu junto a mares embevecidos de cristal. Mais de 80% da população do território é estrangeira, com imensos contingentes de indianos, paquistaneses, filipinos, etc., que por aqui têm trabalhado até à exaustão, como operários e empregados, auferindo muitos deles magros salários, na construção destes arranha-céus, contribuindo para o crescimento do Dubai. Gente que não se lamenta dos suores derramados, porque está tentando fugir aos ciclos de pobreza e fome existente nos seus países.


Foto nº 3
O almoço foi um excelso buffet na grande sala do 58º. andar. Meteu paredes decoradas a ouro, mais talheres de prata, iguarias de estranhos sabores e sobremesas de surpreendentes texturas. A cerveja, ou o vinho, eram extras não incluídos no pacote da refeição, uma imperial ou fino custava apenas 22 dólares US. Bebi uma Coca-Cola zero a preço zero. Do alto envidraçado do Burq Al-Arab pude contemplar, pela primeira vez, de cima para baixo, o conjunto da gigantesca Palmeira artificial de Jumeirah construída em aterros sobre o mar, onde, abertas nos ramos da árvore, para um lado e para outro, pululam centenas e centenas de vivendas super luxuosas, todas com praia privativa. A coroar a Palmeira, lá longe, o hotel Atlantis, com 1.700 quartos, a transbordar de originalidade e novo-riquismo. [Foto nº 3]

Foto nº 5
Estamos em terras de imigração, mas quantos problemas de inserção e relacionamento humano entre tão diversas pessoas numa grande cidade que escalda e ferve, não apenas nas temperaturas elevadíssimas durante grande parte do ano? Como são os quotidianos destes trabalhadores, portugueses incluídos, que emigram para o Dubai? O dinheiro do petróleo, e outros dinheiros, não compram tudo. Haverá valores, a luta honesta pela vida, a paz de espírito, o estarmos de bem connosco e com os que nos são próximos. É possível? Nesta cidade contam-se milhares e milhares de apartamentos vazios, centenas de milhares de imigrantes a viver amontoados em espaços reduzidos, duas dúzias de metros quadrados para oito ou nove pessoas, muitas histórias que o turista de passagem não conhece.

Recordo o meu almoço no Burq-Al-Arab, a subida a este mais do que monumental Burq-Al-Khalifae, já agora, o Mercado do Ouro, no quarteirão antigo do bairro de Deira onde o precioso metal amarelo se vende às toneladas a uma clientela, quase toda constituída por mulheres muçulmanas, que compra cordões grossos como bananas, pulseiras mais gordas do que os braços, anéis que até escondem os dedos ou ouro em barras do tamanho de tijolos. Recordo o vil metal amarelo nas lojas dependurado em ganchos como carne nos talhos. O petróleo, um sujo ouro negro, por vias estranhas e surpreendentes, transforma-se no melhor ouro do mundo, cravejado de ostentação e pedras preciosas. E logo ao lado, muita pobreza escondida na outra margem das vidas. [Foto nº 5]

Para o último dia tivemos a visita ao deserto, que ficara distante na estada de 2014. Vir a estas terras e não ir ao deserto, não beber um chazinho com os beduínos e não andar de camelo, é muito mais grave do que visitar Roma e esquecermo-nos de ir ver o Papa. Ao lado do Dubai, a areia é omnipresente e basta darmos uns passos para estarmos solitariamente semi-perdidos entre dunas ondulantes que parecem conduzir a lugar nenhum. [Foto nº 6]

Entro num poderoso jipe Toyota, de seis lugares, e fazemos 60 quilómetros desde o Dubai. Saímos do asfalto da estrada, paramos para o condutor esvaziar parcialmente os pneus, o que facilita a condução na areia e aí vamos, a alguma velocidade, subindo, descendo montes e dunas com a adrenalina e a emoção a crescer. É só areia, por todo o lado. Chegamos a um acampamento que me dizem pertencer a beduínos mas que terá sido montado sobretudo para entreter turistas. Há grandes tapetes, almofadas e esteiras espalhadas pelo chão em espaços abertos limitados por vedações em vime. No meio existe uma espécie de palco onde todas as noites, à luz de archotes, ousadas e gentis bailarinas executam, a primor, a dança do ventre, carregada de erotismo.

Curiosos estes muçulmanos, tapam os corpos das suas mulheres com trajes escuros que, pudicamente, tudo escondem, da cabeça aos pés, e depois cobrem as bailarinas de lantejoulas e despem-nas gloriosamente. Nas mesas baixas do acampamento temos taças com caju, amêndoas, tâmaras, e, num barzinho ao lado, café, chá e uns refrigerantes esquisitos. Quem quiser, pode subir para um dromedário e dar uma voltinha no camelo de uma bossa só, e imaginar que parte numa magnífica cavalgada, ou camelada, à solta, pelos desertos da Arábia.

1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu. 

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
Hai Yuan e António Graça de Abreu


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016);

(xiv) com 2 meses e 20 dias, depois da Índia, os nossos viajantes estão Dubai, Emiratsos Árabes Unidos.
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Nota do eidtor:

Último poste da série > 14 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18741: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Bombaim ou Mumbai, Índia: De Catarina de Braganca a Mahatma Gandhi


Guiné 61/74 - P18754: Parabéns a você (1456): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Dr. Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro, Historiador, natural da Guiné-Bissau


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18747: Parabéns a você (1455): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BART 3872 (Guiné, 1071/73)

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18753: Agenda cultural (643): Convite: 19 de junho, 3ª feira, às 18h30, no Museu Bordalo Pinheiro, Campo Grande, 382, Lisboa: conversa de João B. Serra sobre a cerâmica artística do pai do "Zé Povinho"... Convite



Local: Museu Bordalo Pinheiro | Campo Grande, 382. 1700-097 Lisboa | T. +351 215 818 540


1. Mensagem de João B. Serra, nosso amigo, programador cultural, das Caldas da Rainha:

Data: 15/06/2018

A genial figura do Zé Povinho, símbolo do
 Povo Português, criação de
Rafael Bordalo  Pinheiro (1846-1905). Imagem
do dominío público,
cortesia da Wikimedia Commons
Assunto: Convite


 No dia 19 de Junho, às 18.30, vou participar no Ciclo de conversas sobre a exposição Formas do Desejo, a cerâmica de Rafael na colecção do museu Bordalo Pinheiro.


Falarei do tema: DA FÁBRICA DE FAIANÇAS DAS CALDAS DA RAINHA À "OFICINA ARTÍSTICA" DE RAFAEL BORDALO PINHEIRO.

Nesta comunicação retoma-se a discussão sobre as razões da inviabilidade do projecto, apresentado em 1883, da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. A análise desse fracasso permitirá compreender a natureza e limites do projecto que lhe sucedeu, centrado numa produção de dimensão autoral, conduzida por Rafael Bordalo Pinheiro, à frente de um lote reduzido de jovens aprendizes por ele escolhidos e formados.

Terei muito gosto se puder acompanhar-me.
Saudações cordiais

Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Impõe-se uma explicação para o número inusitado de recensões que tenho dedicado à obra incontornável do padre Henrique Pinto Rema referente à história das missões católicas na Guiné. Nunca se poderá entender a menorização do catolicismo na Guiné, quando é fenómeno de grande importância em Cabo Verde, sem conhecer as vicissitudes dos obstáculos à missionação, nomeadamente entre os seculos XVI e XIX. O autor, padre franciscano, nunca descura o abandono a que estes missionários estavam votados, a falta de apoio dos próprios comerciantes brancos, a sua incapacidade para um trabalho de evangelização no interior, e confrontados com populações islamizadas e totalmente reticentes à mudança de fé. Do século XIX para o século XX abriu-se uma nesga de esperança, quando foi criado o Colégio das Missões de Cernache de Bonjardim veio uma caterva de alunos guineenses e de boas famílias, o marquês de Sá da Bandeira queria missionário de boas famílias...

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (5)

Beja Santos

Dando continuidade às recensões que se têm vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, apresenta-se uma nótula de alguns dos aspetos mais relevantes anteriormente focados, centrando a nossa atenção no período compreendido entre o liberalismo e a I República. Recorde-se que os primeiros sacerdotes que pisaram a terra firme da Costa da Guiné pertenciam ao Clero Secular. Vieram depois padres franciscanos, seguiram-se dominicanos e freires da Ordem de Cristo. A Guiné dependia da Diocese de Cabo Verde, os bispos enviavam visitadores aos cristãos de S. Domingos e no rio Grande. André Álvares de Almada sintetizou numa frase lapidar o trabalho missionário dos visitadores: “Nenhum fruto resultou de tal visitação”.

Vieram depois Missionários Carmelitas e teve alguma projeção uma missão dos Jesuítas na Guiné e na Serra Leoa, entre 1605 a 1617. E como foi referido anteriormente, impôs-se pela duração e devoção a missão dos Franciscanos que abarcou quase dois séculos, entre 1635 a 1834.

Henrique Pinto Rema destaca as denúncias de mau comportamento de muitos clérigos, nomeadamente na fase que precede a extinção dos conventos: por mancebia, bebedeiras, tráfico de escravos. Os sacerdotes missionários, sobretudo na última vintena do século XVIII e primeira vintena do século XIX, foram rareando sucessivamente, até à sua completa extinção.

As novas correntes filosóficas do positivismo, do iluminismo e do racionalismo contribuíram para dissolver o primitivo fervor missionário das ordens religiosas. Na fase final do século XVIII havia sacerdotes em Ziguinchor, Bissau, Geba e Farim. Estavam ali párocos que pertenciam ao Clero Secular. Contudo, estes não seriam da melhor qualidade, o autor observa que o bispo de Cabo Verde reservava para as igrejas da Guiné o que possuía de menos qualificado, não se trata de uma intuição sua, consta, preto no branco no que escreveu Cristiano Sena Barcelos e Honório Pereira Barreto, entre outros. Se o liberalismo detestava os frades, não deixava porém de compreender a força do sentimento religioso, ao serviço da civilização, o mesmo é dizer ao serviço da política. É neste sentido que apoia e promove a evangelização. Houve alterações dignas de nota com a separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879, ir-se-á assistir a uma centralização administrativa em Bolama numa época em que estão repertoriados vários centros cristãos: Bolama, Buba, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Ziguinchor e Bolor. É um período em que trabalham na Guiné simultaneamente padres de cor oriundos de Cabo Verde e da Guiné, padres metropolitanos educados no Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim e padres da Arquidiocese de Goa.

As leis republicanas, adotadas logo em 1910, desferem um rude golpe nas instituições missionárias. Atenda-se que já com o liberalismo as ordens religiosas tinham sido perfeitamente afetadas. Sem os frades capuchos metropolitanos, a Diocese de Cabo Verde teve de contentar-se com o seu clero nativo, pouco e mal preparado para obviar de alguma maneira às necessidades espirituais.

Na Guiné, há desordem política, juntavam-se os mal representantes da igreja, e assim a ação missionária ficou reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. A Praça de S. José de Bissau, com a sua velha freguesia de Nossa Senhora da Candelária, não deixou nunca de possuir lugar de culto desde a segunda metade do século XVII. A capela ruiu em 1840, construiu-se uma igrejinha dentro da fortaleza da Amura, aqui se executaram os serviços religiosos até Dezembro de 1950, quando foi inaugurada a Catedral de Bissau. Possuem-se inúmeros relatos de derrocada de tempos religiosos, eram engolidos por incêndios, degradados pela inclemência do clima, construídos com materiais de péssima qualidade. Sobre a Igreja de Cacheu escreveu Honório Pereira Barreto no seu documento fundamental, a memória da Senegâmbia: “No fim da povoação, próxima da outra porta que fica fronteira à fortaleza, existe uma coisa a que dão o nome de igreja. Imagine-se uma casa muito ordinária, cujas paredes ameaçam ruína, coberta de palha, com dois pequenos campanários, cujo provável destino era para sinos, porém que não os tem. Pegada a esta igreja, existe uma casinhola do mesmo tipo, servindo de sacristia, em frente da qual está o único sino, aguentado por uma estaca, atravessada por dois galhos de árvore…”. Em 1848, é o próprio Honório Barreto que se arma em mestre-de-obras.

Em 1849, a Igreja de Ziguinchor tinha caído, a Igreja de Farim fora reduzida a cinzas por um incêndio. Henrique Pinto Rema elenca os diferentes trabalhos que foram desenvolvidos nas paróquias para dignificar os templos religiosos (Buba, Ziguinchor, Geba, Farim, Cacheu, Bissau e Bolama).

Em torno de Bolama, o autor destaca o desempenho extraordinário de uma figura proeminente da cultura guineense e Vigário Geral da Guiné, o Cónego Marcelino Marques de Barros. Mas toda a atividade missionária se revela em permanência um terreno espinhoso em que tudo é precário e contingente. O Vigário Geral, Padre Tertuliano Ramo, figura de destaque da vida missionária de Cabo Verde e Guiné até ao período do Estado Novo escreveu ao Secretário-Geral da província da Guiné: “Ninguém deixa de reconhecer que os párocos na Guiné vivem em situação económica aflitiva; desprestigiados, reduzidos em número, sem incentivo de espécie alguma, a parcimónia com que lhes são remunerados os seus serviços desola e não dá ânimo e perseguir na árdua e penosa tarefa da evangelização".

No entanto, a vida religiosa parecia dar sinais de crescimento, um dos exemplos foi a chegada das irmãs franciscanas que passaram a trabalhar no hospital de Bolama.

Assim chegámos aos primeiros 20 anos da República. Os republicanos prosseguiram a animosidade dos liberais, assistiu-se à expulsão das ordens religiosas, ao encerramento do Colégio das Missões e à perseguição ao clero. A já de si triste situação religiosa da Guiné agravou-se. Mas o acalento e a devoção missionárias pareciam não arrefecer. Continuou-se a pensar criar missões católicas junto dos Balantas, Manjacos e Brames. O Estado Novo procurará dinamizar o trabalho missionário. É o que veremos no próximo texto, a propósito da segunda Missão franciscana da Guiné Portuguesa (1932-1973).

(Continua)

Fotografia adquirida na Feira da Ladra em 27 de Agosto de 2016, tem a seguinte legenda: “Teixeira Pinto, 2 de Fevereiro de 1961. Construiu-se esta ponte para depois fazer por ela passar o rio e a estrada. Porém, o plano foi alterado depois dela construída ou por falta de verba ou porque o rio não se deixou vencer. E a ponte lá está”. Conhecia já esta história quando estava a preparar o meu livro “Mulher Grande”, em 2008, a mulher de um funcionário colonial que viveu anos antes em Teixeira Pinto referiu-me que era um dos passeios bizarros de que dispunham, ir ver a ponte inacabada, segundo ela passeava-se despreocupadamente um lagarto naquele charco permanente. Nunca ninguém decifrou o mistério desta ponte inacabada.
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Notas do editor

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