Fotos: cortesia da página do Facebook da Associação de Festas da Atalaia
1. É uma pena, mas acaba já amanhã, sexta feira dia 6 de setembro... A Festa da Atalaia, Lourinhã, 2019, em honra de N. Sra. da Guia. A mais popular e concorrida festa anual do concelho de Lourinhã, a 70 km a norte de Lisboa.
Há muitos anos, dezenas de anos, que tem fama e proveito. Ainda me recordo, no regresso da Guiné, em 1971, lá ir comer os famosos mexilhões das Berlengas assados na brasa!... Agora, já não são das Berlengas, são cozidos à espanhola... Dizia-se que os pescadores e mariscadores da terra tinham um privilégio real, do tempo da Dona Maria II, o de poder ir apanhar mexilhões às Berlengas por ocasião da festa anual...
Nessa altura, a Lourinhã era seguramente o concelho onde mais se pescava e comercializava a lagosta. Tinha portos pesqueiros: porto das Barcas, porto Dinheiro e Paimogo, onde ainda se podem hoje observar o que resta dos numerosos viveiros de rocha...Mas a tradição dos viveiros mantem-se, a Lourinhºa continua a ser um dos grandes fornecedores das marisqueiras de Lisboa...
A festa de N. Sra. da Guia coincide sempre com o primeiro domingo de setembro: este ano começou a 30 de agosto e prolonga-se até 6 de setembro... São oito dias pantagruélicos, porque aqui o marisco é rei!... E, como diz o povo, na festa da Atalaia alarga-se o cinto e aperta-se a saia...
Não tenho estatísticas, mas em anos anteriores, ouvi falar em 10 toneladas de mexilhão... E seguramente centenas e centenas de quilos de lagosta, sapateira, camarão, gambas, polvo, amêijoas, búzios, etc. Para não falar das bebidas, da cerveja, da sangria, do vinho leve, ao litro, ao metro... Do pão com chouriço, das bifanas, etc.
Durante 8 dias, a ribeirinha vila da Atalaia (, que tem como praia e porto de pesca, o antiquíssimo Porto das Barcas), a escassos 2 ou 3 quilómetros da sede do concelho, Lourinhã, é um ventre gigante!... Milhares e milhares de pessoas, do concelho e de toda a região Oeste, passam por aqui todos os anos, sobretudo por causa da "manjedoura de mariscos"....
A relação qualidade/preço é imbatível: a travessa maia cara (38 euros) é a "mariscada" que leva diversas iguarias, incluindo uma lagosta inteira... Apanha-se uma barrigada de mexilhões por 5 ou 6 euros... A sapateira recheada é a oito e meio... Idem uma salada de polvo... Um litro de cerveja, quatro euros... Tudo por conta da santa que nos guia nos dias de mar calamo e nas noites de temporal,
Fui lá na segunda feira, às 20h00, e já não havia mesas vagas...A lotação, não faço ideia, mas é da ordem das muitas centenas de lugares, sentados incluindo dentro do recinto do Pavilhão Multiusos da Atalaia e tendas anexas, à volta... Este pavilhão acolhe outras iniciativas ao longo do ano, como, por exemplo, o Festival da Abóbora (em outubro) e o Festival do Marisco da AMA (Associação Musical da Atalaia) (em julho).
Naturalmente vai-se à festa da Atalaia, em grupo, com os amigos, que vêm de perto e de longe. Sou fã desta festividade, há mais de meio século. Mais dos que os milhares de forasteiros, o que me impressiona é o trabalho voluntário da comissão organizadora, que mobiliza cerca de duas centenas de pessoas da terra... Nada disto seria possível sem o entusiasmo e a competência desta gente trabalhadora, que tem o mar e o campo no seu ADN... e que também já tem a sua conta na história trágico-marítima de Portugal... Tenho cá bons e velhos amigos!
A vila da Atalaia está dividida em quatro setores, cada um dele organiza, à vez. a festa, que é anual. Homens, mulheres e jovens fazem todos os anos uma verdadeira maratona: importa que tudo corra bem e que o pessoal volte sempre e traga mais cinco...
Os lucros da festa, que movimenta muito dinheiro, revertem para a comunidade... É um exemplo extraordinário de dedicação e amor à terra, o que se passa todos os anos, por esta altura, na vila da Atalaia. Terminda a festa a 6m, começa logo a 7 a do Seixal da Lourinhã: eu e os meus amigos lá estaremos, no sábado... LG
PS - A festa da Atalaia já é objeto de letras de música, como a do nosso jovem amigo e conterrâneo Diogo Picão, que lançou, em 2018, o seu álbum de estreia, "Cidade de Saloia". Trocou a Lourinhã pela cidade grande e pelo mundo, mas não esquece as suas raízes telúricas e afetivas. Um grande poeta, músico, cantor, saxofonista. Com a devida vénia reproduzo aqui uma das suas bem humoradas letras, ora irónicas, ora divertidas, ora sarcásticas, justamente a do tema que dá o título ao álbum.
CIDADE SALOIA
Eu não sou mais do campo, acuso minha origem
Recuso enxada e pão, fruta madura e fisga
Recluso da cidade e da doce vertigem
Ter tudo a toda a hora, adormecer na bisga
Que horror, unhas com terra, desleixo no trato
Beijocar os parentes, comer bom e barato
Ser filho do fulano e fulana de tal
Recordarem quem me pariu no hospital
Agora sou da cidade e dos seus miradouros
Vitrines luminosas e avenidas largas
Sibilando palavras-chave citadinas
Recalcando saloias memórias amargas
Na noite glamorosa até horas decentes
Bebendo um cocktail, palrando entredentes
Ou no Cais do Sodré, mão apontada à saia
Creio que sou superior à festa da Atalaia
Mas às vezes tropeço no antigo sotaque
Sou gemada sem gema e me dá um baque
Sou couve, não alface, e penso nos avós
Na canja de galinha e na velha filhós
Se eu brinquei entre as canas, nelas fiz cabanas
Se a cabra e a carraça entraram no meu conto
Quem quero eu enganar, memória por quem chamas
Se entro ao serviço engravatado às oito em ponto
Beijocar os parentes, comer bom e barato
Ser filho do fulano e fulana de tal
Recordarem quem me pariu no hospital
Agora sou da cidade e dos seus miradouros
Vitrines luminosas e avenidas largas
Sibilando palavras-chave citadinas
Recalcando saloias memórias amargas
Na noite glamorosa até horas decentes
Bebendo um cocktail, palrando entredentes
Ou no Cais do Sodré, mão apontada à saia
Creio que sou superior à festa da Atalaia
Mas às vezes tropeço no antigo sotaque
Sou gemada sem gema e me dá um baque
Sou couve, não alface, e penso nos avós
Na canja de galinha e na velha filhós
Se eu brinquei entre as canas, nelas fiz cabanas
Se a cabra e a carraça entraram no meu conto
Quem quero eu enganar, memória por quem chamas
Se entro ao serviço engravatado às oito em ponto
(Fonte: Com a devida vénia, Diogo Picão > Letras > Cidade Saloia)
______________
Nota do editor:
Último poste da série > 31 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20111: Os nossos seres, saberes e lazeres (351): Tavira, a encruzilhada de civilizações (3) (Mário Beja Santos)