domingo, 8 de maio de 2022

Guiné 61/74 – P23247: (Ex)citações (407): Pedaços da vida militar. A tropa e o caminho rumo à Guiné. (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem:

Guiné: Pedaços da vida militar

Camaradas,

Sim, há pedaços da vida militar que recrudescem enquadrados com os nossos tempos idos. Tempos que se enquadram, na plenitude, com as nossas comissões numa Guiné a ferro e fogo. E é neste constante vaguear pelas fronteiras da liberdade, que ouso trazer à estampa mais um texto, embora resumido, inserido no meu livro intitulado “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné/Bissau 1973/1974 Memórias de Gabu”, Edições Colibri, Lisboa.

Trata-se, no essencial, partilhar com os camaradas experiências comuns que ditaram situações pelas quais todos nós passámos.

A tropa e o caminho rumo à Guiné


“… A tropa assumia-se, para todos nós, como um beco sem saída. A necessidade premente ao recurso de seres humanos que engrossavam as fileiras do exército, impunham colaterais apuramentos dos mancebos. Não olhassem ao aspeto físico da criatura e nem tão-pouco a pequenos defeitos congénitos que o rapaz, com 20 anos, apresentava. O apuramento da rapaziada era transversal. Os livres foram chãos que já tinham dado uvas.

Aportei em solo guineense cerca das 14 horas locais no dia 2 de agosto de 1973. Ao descer do avião deparei-me, de imediato, com um bafo deveras incomodativo. Faltava-me o ar e o suor escorria-me pelo rosto abaixo. A minha respiração parecia ávida dos ares lusitanos. O cheiro a África era-me uma realidade completamente desconhecida. O clima parecia de todo adverso. Confesso que o calor sempre me fascinou, todavia, este apresentava-se com contornos adversos e literalmente sufocante, assim sendo o meu ego de pronto interiorizou o que lhe ia na alma: “eis-me num território agreste onde a guerra se apresentava como uma irreversível realidade”.

Os primeiros contactos com os nativos transmitiam odores natos de gentes que se predispunham a contemplar aqueles tímidos jovens que chegavam. Na pista do aeroporto de Bissalanca, e com o Boeing 727 que nos transportara a preparar-se para efetuar a viagem de regresso a Lisboa, deparei-me com uma verdade diametralmente diferente daquela que dantes havia idealizado.

Lembro de sobrevoar o deserto do Saara e olhar as dunas lá do alto, os oásis e as pequenas aldeias isoladas num extenso areal. Tudo observado a uma distância que minusculamente não contemporizava uma visão autêntica com o espaço visualizado. Ficava a imaginação de um jovem que cruzava fronteiras aéreas a caminho da guerra.

Todas as histórias têm um vínculo que nos transporta a vidas dispersas ao cimo deste imenso globo universal chamado Terra. Nesta obra relato factos verídicos por mim vividos enquanto prestei serviço militar obrigatório, sendo o fim uma comissão numa fase em que a luta atormentava o mais incauto comum dos mortais. Felizmente tive, aliás, tivemos a sorte que nos instantes finais do conflito nos deparássemos com dois tempos diametralmente oposto: a guerra e a paz.

A guerrilha na Guiné tinha contornos buliçosos. As condições do terreno, o clima e a forma como o PAIGC atuava, formava um tridente que não dava tréguas ao mais astuto militar da metrópole. É verdade que o exército português jamais se apresentou como uma arma maleável para o IN (inimigo). Comprovámos, sempre, que as nossas capacidades de reação foram evidentes nos campos de batalhas.

Do conflito da Guiné há retratos que ao longo dos anos têm chegado ao nosso conhecimento, com testemunhos verídicos, que relatam de como foi dura a peleja guerrilheira. Sabendo nós, principalmente aqueles que conviveram o dia-a-dia com os problemas da escaramuça, que o contingente luso na Guiné registava cerca de 45 mil efetivos nos três ramos das Forças Armadas – Marinha, Força Aérea e Exército -, enquanto o PAIGC dispunha nos tempos finais perto de 10 mil, logo, numa análise feita à pressuposta quantidade de operacionais que cada exército dispunha, o cenário parecia favorável às forças lusitanas.

Teoricamente seria essa a intenção dos homens de Comando, indivíduos que instalados nos seus gabinetes estudavam o conflito, mas… ao longe. Examinavam os mapas de cada região ao pormenor e idealizavam ações no palanque operacional, mas no interior de quatro paredes. Era, quiçá, a guerra operacional dos galões amarelos.

Porém, a prática dizia-nos uma verdade oposta. As condições deparadas na frente de batalha, essencialmente a forma como a guerrilha atuava a que acresce a maneira como o IN conhecia o palco real e a forma como os seus movimentos no mato se desenhavam, deixavam a nossa tropa perplexa diante a imprevisibilidade de um eventual contacto direto.

Hoje, e com a distância do tempo a prevalecer, faço uma visita aos corredores da minha já apertada memória e vergo-me perante a coragem de antigos companheiros que, de uma ou de outra forma, conseguiram dissuadir as intenções do IN no momento em que o ziguezague das balas se cruzavam no infinito do horizonte. Neste contexto, é justo enaltecer o valor individual de cada combatente no instante em que o confronto se pautava pela dureza.

Sabe-se que foram muitos os que morreram no palco da peleja, outros que ficaram estropiados e outros que regressaram, felizmente, sem nenhuma beliscadura. Há, igualmente, aqueles que ainda hoje padecem de distúrbios mentais que o conflito lhes proporcionou.

O stress de guerra é há muito uma patologia aguda que tem levado muitos dos ex-combatentes a um pasmo de dificuldades que conduzem o potencial portador da doença a situações variadas. Conflitos a nível do emprego e familiares, designadamente, traduzem que os valores herdados da guerra têm transformado intelectos que evidenciam quebras memoriais, resultantes de hostis ensejos deparados perante ocasionais instantes de autêntico desespero”.…

Adiante:


… “Cresci como homem, não o escondo, e descobri que todos temos uma listagem imensa de ferramentas no nosso interior e que só a elas recorremos a partir do momento em que precisemos de uma milagrosa ajuda.

De Lamego para Nova Lamego – Gabu – foi o azimute invariavelmente atingido. Na região de Gabu conheci os meandros da guerra. Aprendi a conviver com realidades trágicas. A mata adensada escondia o imprevisto. Em incursões feitas ao mato um simples mexer do capim provocava um momentâneo alvoroço. “Não é nada” comentava-se de seguida. “Furriel, olhe que vale mais um cobarde vivo que um herói morto” comentava o nosso cabo Martins, um homem do Norte, bem formado, e que ostentava um bigode farfalhudo.

Recordo as dolorosas noites passadas no mato ao depararmo-nos com o patente breu noturno. Sair do quartel, na época do cacimbo, ainda com o sol muito brilhante e com uma temperatura que rondava os 35º, e de repente a sua vertiginosa descida a meio da noite, era francamente um martírio. Valia o aconchego do camarada ponche.

Em épocas de chuvas eram as trovoadas intensas que teimavam romper o silêncio da escuridão. O soldado, acomodado em buracos das árvores de grande porte, lançava de vez em quando pequenos desabafos que lhe aliviavam a alma e a razão do seu sofrimento: “bolas, que padecimento furriel?”. Ao lado, um soldado aparentando uma maior calma, aconselhava: “fala baixo porque isto aqui é perigoso!”. Tinha razão.

Um abraço, camaradas,
José Saúde
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

7 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 – P22079: (Ex)citações (383): Os conflitos e a dedicação do povo. Gratidão. (José Saúde)

Guiné 61/74 - P23246: Convívios (925): 50.º Convívio do pessoal da CCAÇ 414 (Cabo Verde, 1963/64 e Guiné, 1964/65), a levar a efeito no próximo dia 29 de Maio em Aveiro (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 7 de Maio de 2022 anunciando mais um convívio dos Combatentes da sua 414, que se vai realizar no próximo dia 29 de Maio:

Camarada e amigo,
No próximo dia 29 a Companhia de Caçadores 414 recomeçará os convívios anuais que o COVID 19 suspendeu.
Junto o repectivo convite para que, se assim entenderem, conste no nosso blogue.

Reconhcido, um grande abraço para todos os bloquistas
Manuel Barros Castro

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23243: Convívios (924): A Tabanca de Matosinhos, que tem um historial de convívio entre combatentes, está vivinha da costa como a sardinha. Está a comemorar 17 anos de vida (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

Guiné 61/74 - P23245: Agenda cultural (811): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, 11 de junho de 2022, sábado, 11h00: Luís Graça apresenta o livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul"


Convite do autor, Joaquim Costa, para apresentação do seu livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", no próximo dia 11 de junho de 2022, sábado, pelas 11h00, na Tabanca dos Melros, Quinta do Choupal dos Melros, ria de Cabanas, 175, 4510-506 Fânzeres. Apresentação a cargo do editor do nosso blogue, Luís Graça. (*)


O livro  "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp., pode ser pedido diretamente ao autor, através do email jscosta68@gmail.com

O valor é de 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro. Não esquecer de indicar o endereço postal.

Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã (Cumbijã, 1972/74) é natural de V. N. Famalicão. Engenheiro ténico e professor reformado, vive em Fânzeres, Gondomar.

E numa primeira "nota de leitura" deste livro, o Luís Graça já aqui repoduziu o que escreveu nas pp. 177/178.

Nota final, por Luís Graça (pp. 177/178) (**)

Em boa hora o Joaquim Costa decidiu, no princípio do ano de 2021, deixar de ser um “consumidor  passivo”, um simples leitor,  do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, para se tornar um “elemento ativo”, um “autor”…  E começou logo,  ainda em plena pandemia de Covid-19, a pré-publicar alguns excertos (cerca de  2 dezenas) do livro que agora deu à estampa. Todos ficámos a ganhar, a começar por ele, que, ao  expor-se-à crítica dos leitores, muitos deles antigos combatentes, receberia em troca  cerca de 170 comentários “a quente”.

O que seguramente ajudou a melhorar a versão final deste livro que eu saúdo e agradeço: vem enriquecer o património literário e documental da Tabanca Grande, que é uma tertúlia virtual centrada na experiência de uma guerra, a guerra colonial (1961/74),  e em particular a da Guiné, sendo porventura  a maior tertúlia do género, em português, quer pelo número de visualizações do blogue (cerca de 13,2 milhões, desde 2004) quer pelo número dos seus membros registados (N=854) e ainda pelo volume de memórias partilhadas. Memórias mas também afetos. E este livro é sobretudo  um livro de afetos.

O Joaquim Costa é mais um talento literário que o nosso blogue veio revelar,  com a particularidade de, sendo um bom minhoto, a sua  prosa ter também belos nacos do português camiliano, a começar pela ironia,  o humor e até o sarcasmo, tão bem patentes na reconstituição de algumas das suas memórias de infância e na evocação da sua família, bem como na descrição de cenas da vida castrense.

Já tive ocasião de lho dizer, e agora  passo a  partilhá-lo com os seus futuros leitores: Joaquim, quisestes escrever um livro com uma parte da tua história de vida,  que é também a de muitos de nós, e que quiseste dedicá-lo aos que te amam e estimam.  A tua narrativa  tem momentos portentosos sobre a epopeia de Cumbijã e de Nhacobá, os seus bravos e as suas vítimas.  Um dia, quando fizermos uma antologia dos nossos melhores textos, o teu testemunho, na 1ª pessoa, sobre a Op Balanço Final (17-23 maio 1973), por exemplo,  terá que lá figurar, com toda a justiça.

A historiografia militar pode, em  meia dúzia de linhas secas, telegráficas, resumir aquela “guerra de baixa intensidade”, num contexto geopolítico marcado pela guerra fria e o fim dos impérios, mas que não foi feita   para “meninos de coro”, como todas as guerras... Mas faltar-lhe-á, por certo, à escrita do historiador, o nosso "sangue, suor e lágrimas", que na Guiné, no meu e no teu tempo,  não foi uma figura de retórica. E é bom que os nossos filhos e netos saibam, por fim,  que ali não fizemos só a guerra mas também a paz.

Joaquim Costa, ex-fur mil,
CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã,
Cumbijã, 1972/74


Obrigado, Joaquim,  também por dares voz a muitos combatentes, de um  lado e do outro,  que nunca tiveram nem terão  oportunidade de escrever,  e muito menos de publicar, sob  chancela editorial,  as suas “vivências” sobre aquela guerra e aquela terra (que, estranhamente, acabou por ficar no nosso coração, contagiando até os nossos filhos). E muitas memórias vão morrer connosco...

Não quero acabar esta nota sem referir os sucessivos murros no estômago que, metaforicamente falando, recebeste, a começar pelo batismo de fogo, as primeiras minas e emboscadas, o primeiro morto...   Na realidade, aqueles de nós (e fomos muitos) que passámos por essa dura, trágica, traumática experiência, sabe dar valor às tuas palavras onde há raiva e impotência mas também coragem e dignidade, quando falas do primeiro camarada que morre ao teu lado.

O batismo de fogo era sempre uma situação-limite... O coração ficava a bater à velocidade Match 1...Depois, era como tudo: a guerra (e a morte) banalizava-se, tornava-se uma certa rotina... 

Mas os "embrulhanços" eram sempre temidos, de um lado e do outro... As balas eos estilhaços das granada ou o sopro das minas (antipessoais e anticarro) não tinham código postal... Era a roleta russa...

Mesmo sem quereres fazer juízos de valor sobre a legitimidade, a condução e o desfecho daquela guerra, acabas por nos mostrar, com fino mas cáustico humor, que às vezes acontecia sentirmo-nos como um bando de cegos, comandados por outros cegos, à beira de um precipício. Felizmente voltaste, “são e salvo”,  para escrever este livro e dares mais valor e força à liberdade, à justiça, à paz e à solidariedade.

Luís Graça, sociólogo, 

editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

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(**) Vd,. poste de 31 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22861: Notas de leitura (1404): Joaquim Costa, "Memórias de guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina. Guiné: 1972/74", Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp. - Parte I: "E tudo isto, a guerra,para quê ? Não sei"...

Guiné 61/74 - P23244: Manuscrito(s) (Luís Graça) (213): Memória dos lugares: a rua da tua infância...

 Luís Graça, Candoz, 13 de abril de 2022


Foto (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição  : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1/100. Domingo à tarde!… Um dia, algures na tua infância, começaste a detestar os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Sobretudo nada acontecia, no domingo à tarde. E até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua terra, a que chamarás doravante a tua aldeia.

Só não sabes exatamente quando começaste a detestar os domingos à tarde. De manhã havia a missa, e à tarde jogava-se à bola no campo pelado do largo do convento. Talvez tenha sido num final de verão, depois das vindimas, quando a miudagem ia ao rabisco [1]… E passou a ser desoladora, descarnada, esquálida, a vinha do Senhor, depois da vindima e depois do rabisco 

Seguramente foi algures, no fim da tua infância. No campo pelado da bola. Três paus a servirem de baliza. Uma baliza sem rede. Daí a ideia, tão nostálgica quanto tardia,  desta “viagem na tua terra”,  desta “viagem ao fundo da rua da tua infância”, a rua dos Valados

A infância é, metaforicamente falando,  uma rua. Labiríntica. E, como todas as ruas, tem um começo e tem um fim. E é atravessada por ruelas e becos. E,  como todos os labirintos , tem um fio de Ariadne. Pode ser uma rua mais ou menos comprida, ou até ter uma praça, um largo, um chafariz. Com casas de um lado e do outro. Mas toda a rua tem um princípio e um fim,  tem um cabo, tem um fundo. E a infância também. Ou se calhar não tem, porque se prolonga sob a forma de saudade. Ou nostalgia. Ou memória. Ou do exercício da memória,  como lhe queiras chamar. Ou até da recusa em sair dela, da magia e da segurança da infância. Estás mais inclinado a pensar que as ruas da infância não têm cabo nem fundo nem  fim, são circulares. O que fica na memória é uma espécie de caleidoscópio ou um “puzzle” onde faltam peças. Ou  ainda mais exasperante, no fim, há peças que não encaixam. Há umas a mais, e outras a menos. E, pior, não encontras mais a ponta do fio de Ariadne.

Não sabias quantos números de polícia tinha a tua rua. Pouco mais de meia centena, sessenta e tal, confirmarás mais tarde. Ia do Castelo às Aravessas. Era comprida naquele tempo. A  tua casa era o nº 47. E, talvez por estranha coincidência ou não,  tu tinhas nascido em 1947, no pós-guerra de todas as guerras. A que deveria ser a última, ouvirás muito mais tarde ao teu pai. Não herdaste dele o seu saudável otimismo e a genuína crença na bondade humana. Afinal, nasceste e cresceste em plena guerra fria, dois anos depois de Hiroshima. Ouvirás falar de Hiroshima. Muito mais tarde. E perceber então todo o horror de Hiroshima. E o que era o “mal absoluto”.

Sabias lá tu o que se passava pelo mundo, largo e profundo… Nem muitos menos onde ficava Hiroshima. Não vinha no mapa-múndi da tua escola. O mundo era a tua rua e pouco mais. A tua aldeia. E tinha princípio, meio e fim. Mais tarde arrancar-se-ão vinhas e pomares, na periferia da tua aldeia. E abrir-se-ão novas ruas. E construir-se-ão prédios altos como na cidade grande. De cimento armado. Com elevador. E mais tarde rotundas. Para parecer a cidade grande. Tudo em nome da ordem e do progresso, e segundo um qualquer plano de urbanização.  Mas essa já não era a tua aldeia, quando a revisitaste.


2/100. Nada acontecia no domingo à tarde… Ao domingo folgavam os corpos, era o dia do Senhor. Por isso era bom que nada acontecesse no domingo à tarde. Nada que te tirasse da pasmaceira dos dias, semanas, meses e anos.

Podias escutar a boa nova do padre vigário, no largo do Convento, ora sombrio ora soalheiro, mas a vida ia, sem alarde, no sentido inexorável dos ponteiros do relógio: “dextrorsum” (que “palavra cara”, aprendê-la-ás, mais tarde,  na escola).

Ou, por palavras,  mais simples, “do berço à cova, donde ninguém escapava”, os novos sucedendo-se aos velhos na fila da morte. “E quem acabava, sua cova tapava”.

Não podias queixar-te do destino (se é que ele já existia nesse tempo, mas já devia existir). E  muito menos dizer que “mais valia a morte que tal sorte”… Felizardo, não sabias ainda o que era a morte. A morte dos  que te eram próximos. A morte à tua volta.  A morte dos corpos, que das almas ainda sabias muito pouco ou nada. Muito menos a morte em massa. Dos alinhados contra os muros, e fuzilados de olhos vendados. Dos esmagados sob os escombros dos bombardeamentos das cidades. Dos empilhados nas carroças da morte nos campos de concentração. Eras filho do pós-guerra. E essa, a guerra, não chegara, felizmente, à tua aldeia. "Da peste, da fome e da guerra... e do bispo da nossa terra, libera nos, Domine".

Quanto à tua morte, essa,  também não a podias vivenciar. Nem sequer a imaginar. Não tinhas consciência da morte. Não te lembravas sequer de fingir de morto, nem por brincadeira,  dentro de um caixão, a tampa aberta, num velório, com toda a família e vizinhos à tua volta, uns a rir, outros a chorar, outros a contar anedotas ou a comer pevides e tremoços. Ou um pires de arroz doce com delicados desenhos feitos, a dedo, por um fio de canela em pó. Ou a abrir a boca de sono e de enfado. Ou uma velha desdentada, carpideira, a enxotar as moscas da tua cara esverdeada, picada das bexigas, da varíola. Ou o Brutamontes de sobrepeliz branca e cornos negros como os do diabo, a encomendar a tua alma.

Não, não se brincava com a morte, quando eras menino. A não ser nas brincadeiras de guerra (não se dizia brincar mas reinar), no alto do Castelo, nas escadinhas da rua do Cemitério ou no largo do Convento. Nunca querias ser índio, porque tinhas que fingir de morto, um olho aberto, outro fechado. E usar arco e flecha. Os cobóis, esses,  nunca morriam. Eram os heróis gregos dos tempos modernos. Mas nenhum se chamava Ulisses. E tinham revólveres e espingardas. E todos queriam ser o xerife. Tu querias imitar  o Cary Cooper ou o John Wayne que chegarás a ver  no cinema do Clube, um casarão que começava na tua rua e ia até à outra  rua abaixo da tua. (Infelizmente, nada resta do edifício, nem sequer uma placa, foi mais uma vítima do camartelo camarário, e do tsunami que varreu a memória coletiva da tua aldeia.)

Enfim, essa era a vantagem de seres menino e moço e de ainda não teres uma imaginação mórbida nem seres masoquista. Sê-lo-ás mais tarde, ao desejares ser órfão!... Aos onze ou doze anos, quando já fores um ser híbrido, um púbere, uma amostra de gente, mas eleito de Deus. Enfim, tudo fruto das dores do crescimento, dir-te-ão mais tarde, prosaicamente. Mas é quando se deseja ser órfão, que acaba a infância e desaparece a rua onde foste menino. A rua da tua infância. Até então os teus pais eram os teus heróis. E a tua rua era o teu palco de brincadeiras, a extensão da tua casa, o centro do teu pequeno mundo.

Se algum bebé morria na vizinhança, era logo metido num pequeno caixão branco, com pegas de latão amarelo. A morte vestia-se de branco, naquele tempo. Da cor das asas e dos fatos dos anjinhos e das colchas das procissões, das noivas e das flores da laranjeira. Não havia grandes choros. “Deus o deu, Deus o levou”. Tão simples quanto isso.

Não podes hoje jurar que te lembravas de algum  anjinho, na tua rua. Aliás, era feio jurar, dizia a tua mãe. A memória hoje prega-te partidas, é seletiva, tantos anos depois. Por certo deves ter apanhado no ar bocados de  conversas da tua mãe ou das vizinhas, a bichanar entre elas para que as crianças não ouvissem e não se perturbassem e não fizessem xixi na cama à noite.  A morte perturbava os vivos, que se vestiam de preto quando morria algum adulto. Nunca se falava da morte e dos mortos à mesa. Muito menos dos que lançavam uma corda por cima do barrote da adega e se enforcavam. Nunca se falava da morte e dos mortos à  frente das crianças. Nem da morte nem do sexo. Eram tabu, o sexo, a morte, Deus, a Pátria e a Família.

Mas, se não foi na tua rua, terá sido  na rua abaixo. Ou no largo da Bica. Anjinho não tinha nome próprio,  muito menos sexo, nem morada. Tinha direito apenas a uma cova, pouco funda. E um número em chapa de ferro. Era apenas isso, um  anjinho.  A não ser que a parteira ainda fosse a tempo de o batizar, “in extremis”, e na ausência do padre… Davam-lhe então nome, cristão, que seria o mesmo da próxima criança a nascer, no seio da mesma família, se fosse do mesmo sexo.  Mas deve ter havido algum anjinho na tua rua, que a mortalidade infantil era alta nos anos quarenta e tal do pós-guerra em que nasceste[2].   

Se algum bebé morria,  ou nascia já morto, na tua rua ou na rua abaixo, ou ruelas e travessas perpendiculares, metiam-no logo no caixão branco, de tábuas de pinho,  e levavam-no para o talhão dos anjinhos no cemitério que ficava logo ali, a 100, 200 ou 500 metros. Acompanhado de meninos de sobrepeliz branca.  Não tinha direito a padre, como os suicidas ou os infiéis ou as mulheres públicas. Nem caldeirinha de água benta.  E muito menos a uma lápide tumular com o RIP dos romanos,  o requiescat in pace. E lá ia direitinho, coitadinho, para o “limbo”. Nunca te explicaram o que era o “limbo”: uma nuvem muito grande que funcionava como depósito dos “anjinhos” que não tiveram tempo de ser batizados como cristãos. Por quanto tempo ficavam lá ? Não sabias, nunca te souberam explicar isso, direito. Mas a tua curiosidade também era limitada, naquele tempo.

A rua dos Valados era também a rua do Cemitério. Para ti era a mesma rua, com o mesmo empedrado, não fazias distinção. E era comprida. Ia do Castelo às Aravessas. Para os enterros poderem levar muita gente. Sobretudo os enterros dos ricos. Isto é, dos importantes. Na tua terra confundia-se por vezes os ricos com os que mandavam e eram importantes. Os ricos não precisavam de mandar. Tinham os criados e os feitores que mandavam por eles, em nome deles. E as demais “forças vivas”, que estavam sempre do seu lado. E tinham charretes e cavalos e galgos e podengos para correr atrás nas lebres e das perdizes no Cercal do Alentejo. E mastins para açular os amigos do alheio.  

Aliás,  mandar era uma chatice, um incómodo, uma boldreguice.  Às vezes era precisar calçar as botas de cano alto e  afogar em sangue os que não queriam ser mandados e alçavam a cabeça, como os burros, os machos e os cavalos, quando se lhe punha o cabresto. Era para isso que servia o chicote que deixava o corpo do recalcitrante em carne viva no tempo em que ainda havia escravos. Já não te lembras desses tempos, só dos criados de lavoura e das criadas de servir. 

Que a importância social do habitante da tua aldeia,  media-se,  quando morto, pelo número de acompanhantes do seu féretro e pela riqueza ou grandeza do jazigo da família. Ou pelo número de padres de fora que abrilhantavam as cerimónias fúnebres… E pelo número de vozes no coro que cantavam  o Requiem. Havia vozes lindas no coro da igreja da tua aldeia. E uma delas era a da Branca de Neve, a tua catequista.

Ao longo da ruela principal do cemitério velho, alinhavam-se os jazigos de família, em estilos revivalistas. Cobertos de  musgo e líquenes, os jazigos das famílias importantes datavam do virar do século XIX e da 1ª primeira metade do século XX. Parte da história recente da tua aldeia estava lá inscrita nas lápides dos jazigos, desde que se construíra o cemitério na segunda metade do século XIX [3]. E, depois, havia o talhão dos Anjinhos e o dos Combatentes da Grande Guerra, de quem já ninguém se lembrava nada, a não ser o nome de rua de algum coronel de bigode façanhudo, sobrevivente das "campanhas de pacificação" em África ou das trincheiras na Flandres. Anjinhos e antigos combatentes não se misturavam com o povo das catacumbas. Nunca vistes ninguém rezar por eles. Ninguém rezava aos heróis que tinham morrido pela Pátria, e muito menos aos anjinhos que iam parar ao limbo.

Se algum velho morria, os putos da tua rua não davam conta. Os putos só queriam era reinação.  Os filhos, sim, esses é que se preocupavam com os velhos que morriam. Porque passavam, os filhos, a dar um passo em frente na fila da morte. E depois dos filhos, eram os netos. 

Era tudo muito mais simples aos teus  olhos de menino e moço. Simplesmente, deixavam, os velhos,  de estar à janela, o nariz esborrachado contra o vidro embaciado, o olhar vidrado, a respiração rouca. Horas a fio, como as múmias do Egito que nunca viste. Ou então como os bonecos de palha que se punham nos campos de trigo, a servir de espanta-pardais.

Era uma terra, então, de searas de trigo e de vinhas e de moinhos, a tua aldeia, estendendo-se por montes e vales, até às arribas do mar. E todas tinham dono, até as arribas. Só mar, não, porque era livre e selvagem com um potro. Estava tudo cadastrado. Até as Berlengas tinham dono. Com nome registado nas finanças e na conservatória do registo predial.

Ou então ficavam sentados à porta da tasca, os velhos, a fumar a sua beata, entre dedos enrugados, trémulos e amarelecidos. Como o teu avô paterno, Domingos Henriques, natural do Mont’oito. Casou três vezes, teve três famílias, contava-te o teu pai. E “tinha três pinhais e sete fazendas”…

Não te lembras da sua morte. Nem da sua vida. Só das suas muletas de pau, almofadadas na extremidade superior,  e do seu barrete preto onde guardava as beatas e os tostões para o “copo de três”.  E da sua farfalheira. A última vez que o viste, coitado, foi sentado à porta da taberna do Macaco (ou ainda era a do Maneta ?).

Não te lembras de ir ao funeral do teu avô. Nem de alguma vez de ele te ter afagado o rosto. “Ficou entrevado dos resfriados do mar”, dizia o teu pai. Delapidou o património com a “filharada” e os “amigos do petisco”, contar-te-á mais tarde, quando fores mais crescido e tiveres o entendimento das coisas comezinhas da vida. O teu pai resumia muito bem, e com humor negro, a história de vida do seu pai, e teu avô, que do segundo e terceiro casamentos “tivera 11 filhos e um suplente", ou seja, "uma equipa de futebol”.

Aliás, havia poucos velhos na tua aldeia. “Na era de trinta e um, poucos moços, velhos nenhum”. O teu pai nunca esqueceria a morte da mãe, tinha ele dois anos. Morreria jovem,  aos vinte e tal anos, a tua avó. Tuberculosa. “Tísica”, como  então se dizia. Nunca lhe deu um beijo, ao teu pai. Punha-lhe a mão em cima da cabeça, num gesto derradeiro de despedida,  sabendo que iria partir em breve para  a viagem sem retorno. Depois de ter cumprido o seu curto papel na terra, que era parir.

Essa imagem ficou gravada a ferro e fogo na pele da memória do teu pai. De todo improvável, aos dois anos de idade, dirão todavia os psicólogos. Mas tu acreditavas mais no teu pai do que nos psicólogos. Nesse tempo ainda não existiam. Ou, se existiam,  tu nunca tinhas visto nenhum.

Sabias lá tu o que era a doença, a pneumónica, a tuberculose,  a tísica, a morte, a dor lancinante da perda de uma mãe ou de um pai. Ou a tragédia da perda de um filho. E muito menos sabias o que era a sorte. “Até  à morte, dura a sorte”,  assegurava-te o teu pai, sempre com uma “fezada” (o termo era dele)  na “sorte grande”, a lotaria em que ele jogava (ainda não havia o totoloto) e que lhe saía sempre “em branco”… Pelo menos, foi feliz, em vida, o teu pai, contrariando o rifão: “A felicidade é como a sorte grande: só sai aos outros”. (...)

(Excertos)

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[1] Noutras terras, diz-se rebusco, respigo…

Guiné 61/74 - P23243: Convívios (924): A Tabanca de Matosinhos, que tem um historial de convívio entre combatentes, está vivinha da costa como a sardinha. Está a comemorar 17 anos de vida (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) com data de 6 de Maio de 2022, trazendo-nos notícias da Tabanca de Matosinhos:

Meus caros amigos editores.

A Tabanca de Matosinhos está vivinha da costa como a sardinha. 
Está a comemorar 17 anos de vida.
Tem um historial de convívio entre combatentes que merece ser lembrado.

No seu seio nasceu a Associação Tabanca Pequena - Grupo de amigos da Guiné-Bissau, que tem desenvolvido um trabalho de ajuda às populações na Guiné. Num próximo poste daremos informações sobre o trabalho desenvolvido nos últimos temos.

Abraço fraterno
José Teixeira



A Tabanca de Matosinhos comemora 17 anos de vida

Como os combatentes leitores do nosso Blogue sabem, todas as Quartas-Feiras do ano, quer chova, haja ventania ou faça sol (e nem o Covid nos assustou), marcamos encontro para almoçar e conviver no Restaurante O Espigueiro em Matosinhos.

Uma fonte inesgotável para criar laços de amizade, ou estreitar os laços que já existiam; falar das nossas aventuras, desventuras, alegrias e tristezas vividas na Guiné em tempo de guerra; falar das terras por onde passamos, das pessoas que se cruzaram connosco na vida militar; falar daquela gente que tão simpaticamente nos acolhiam nas suas tabancas, nas suas casas. Contar estórias que nos marcaram para a vida toda; mazelas que em alguns de nós ficaram para sempre; viver a saudade de tempos que não voltam mais...

Outras tabancas foram aparecendo, e ainda bem, depois da Tabanca de Matosinhos ter surgido muito naturalmente, sem qualquer plano ou projeto. Simplesmente porque três carolas tinham voltado à Guiné por terra, atravessando meia África em romagem de saudade e quiseram encontrar-se com os pés debaixo da mesa da Casa Teresa em Matosinhos para saborear uma sardinhada em jeito de festejar e avaliar a sua aventura. A necessidade de se reencontrarem mais vezes falou alto e marcaram novo encontro para a semana seguinte, mas já não vierem sós… e marcaram novo encontro para a semana seguinte. Depois deixaram de marcar, simplesmente apareciam à quarta-feira e já eram tantos que até o dono do restaurante não tinha mesas para tanta gente. Mudamos de poiso e continuamos pelo tempo fora, até hoje.

Mudamos para o Milho Rei, que se transformou em Espigueiro, mas lá está à espera dos combatentes da Guiné e porque não toda a gente que goste de comunicar, conviver e apreciar um bom petisco, sobretudo se passou pelas terras da África que foi portuguesa.

Muitos dos nossos tabanqueiros já voltaram à Guiné e alguns mais que uma vez, em romagem de saudade, ao encontro dos lugares por onde passaram, onde sofreram e lutaram para sobreviverem e regressarem a casa e porque não, aos lugares onde se sentiram felizes, porque também os houve. Foram à procura de pessoas africanas com quem conviveram e em muitos casas a sorte foi-lhe madrinha. (Pessoalmente sinto-me um felizardo, pois não só reencontrei amigos como fiz mais amigos – os filhos, os netos e muitos mais.)

Através do convívio, das conversas e das vivências em grupo; através do regresso aos locais que mais nos marcaram na dura luta que travamos na flor da idade, fomos fazendo a catarse. O nosso estado de espírito mudou, tornou-se mais aberto, correram-se os fantasmas que nos atrancavam a mente

Sentimos que a velhice continua a ser um posto, mas agora está a tornar-se um empecilho que nos assusta. Alguns camaradas já partiram para o eterno aquartelamento contra a sua vontade; outros há que a doença os marcou e sofremos com eles a dua dor e o seu afastamento.

… E há sempre gente que vem pela primeira vez, trazidos por um camarada amigo ou da Companhia a que pertenceram. Outros vêm por simples curiosidade, porque ouviram falar e…voltam. Às vezes vêm em magotes e há sempre lugar para mais um.

É assim a vida na Tabanca de Matosinhos.

Ainda na última quarta-feira éramos 21 convivas. Talvez porque chegou a bela e saborosa sardinha de Matosinhos.

Esta é a história da Tabanca de Matosinhos de que muito nos orgulhamos.

Mas, se a necessidade de nos reencontrarmos foi um fator de união, outro fator nos uniu – a solidariedade.

No seio da Tabanca de Matosinhos nasceu A TABANCA PEQUENA DE MATOSINHOS – Grupo de Amigos da Guiné-Bissau.

Sobre a sua ação nos últimos tempos falaremos no próximo poste.

José Teixeira


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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23192: Convívios (923): XII Almoço/Convívio do pessoal do BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), dia 28 de Maio de 2022 em Venda da Serra-Mouronho-Tábua (Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário)

Guiné 61/74 - P23242: 18º aniversário do nosso blogue (13): Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio - Morés, em junho de 1963: a origem das primeiras bases do PAIGC (Jorge Araújo)


Foto 1 - Citação: (1963-1973), "Coluna de guerrilheiros do PAIGC e carregadores", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43179

Título: Coluna de guerrilheiros do PAIGC e carregadores | Assunto: Coluna de guerrilheiros do PAIGC e carregadores deslocando-se pelo interior da Guiné | Data: 1963 – 1973 (com a devida vénia).



Foto 2 - Citação: (1966), "Gérard Chaliand (n.1934), escritor franco-arménio, conversando com [Osvaldo Vieira (1938-1974)], no Norte.", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43498 (com a devida vénia).



Citação: (01.06.1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37047

Assunto: Camaradas preparados devem partir. Remetente: Oswaldo [Vieira]. Destinatário: Lucette [Andrade]. Data: Sábado, 1 de Junho de 1963 (com a devida vénia).




 Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); nosso coeditor, e a viver, até há algumas semanas atrás em Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos. Volta a Portugal por um período mínimo de seis meses.


MEMÓRIAS CRUZADAS NAS ‘MATAS’ DA REGIÃO DO OIO-MORÉS 
EM JUNHO DE 1963 - A ORIGEM DAS PRIMEIRAS BASES 
DO PAIGC -



Mapa da região do Óio-Morés com infografia dos aquartelamentos das NT (a vermelho) e os principais refúgios (depois bases) que foram sendo criados(as) pelo PAIGC ao longo do conflito (a azul). As setas a azul indicam os itinerários utilizados para os ataques e emboscadas.


1. - INTRODUÇÃO

Depois de ontem, 22 de Abril de 2022, ter recordado uma efeméride com cinquenta anos, como foi o caso do “baptismo de fogo” do 4.º Gr Comb da minha CART 3494, por acção da emboscada perpetrada pelo bigrupo do Cmdt Mário Mendes (1943-1972), na Estrada Xime-Bambadinca, no sítio da “Ponta Coli” (foto 3), onde estive no “fio da navalha”, e cujas consequências ditaram a morte prematura do meu/nosso camarada fur mil Manuel da Rocha Bento (1950-1972), natural da Ponte de Sor, e mais dezassete feridos, entre graves e menos graves. 

Do total de vinte e três elementos, de que era constituída esta força militar da CART 3494, apenas cinco saíram ilesos, sendo eu um deles (vd. P9698; P9802; P12232).



Foto 3 > Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Estrada Xime-Bambadinca> Ponta Coli 22 de Abril de 1972 (sábado) > Local do combate com o bigrupo do PAIGC comandado por Mário Mendes (1943-1972). A cor vermelha indica as posições dos elementos do bigrupo. A linha azul refere a distribuição das NT, após o início da emboscada dirigida às duas viaturas em que nos fazíamos transportar.

Este acontecimento, que ficará gravado e grafado para a vida, faz-me recuar, inevitavelmente, a cinco dias antes (uma segunda-feira), ou seja, a 17 de Abril de 1972, quando as mesmas forças de guerrilheiros, comandadas pelo mesmo Mário Mendes, emboscaram um grupo da CCAÇ 3490, nossos “vizinhos” do Saltinho, naquela que também ficará marcada para sempre na Historiografia da Guerra, como a «Tragédia de Quirafo», e que o camarada Mário Migueis fez questão de aqui a recordar no P23176, publicado no passado domingo, através de uma dramática e comovente narrativa escrita pela sua mão, mas também pelo seu enorme coração. Obrigado!

Hoje, dia 23 de Abril de 2022, não podia deixar de comemorar outra data importante para os antigos combatentes, particularmente os do CTIG, pela passagem do 18.º Aniversário da criação (ou do início) do Blogue da Tabanca Grande que, como é do domínio público, foi editado pelo camarada Luís Graça, “com o objectivo de ajudar os antigos combatentes a reconstruir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961-1974)”. Para ele vão também os meus PARABÉNS…

Como “prenda de anos”, aqui deixo mais algumas “peças do enorme puzzle da Guerra”, que continua a ser reconstruído graças ao contributo deste grande colectivo, desta vez com mais “memórias cruzadas das matas da região do Óio-Morés”, datadas de Junho de 1963, as quais no próximo ano completarão seis décadas.

Com a presente narrativa, procura-se dar a conhecer os processos que fundamentaram o início da luta armada e os primeiros actores que ficaram incumbidos de organizarem as primeiras bases da guerrilha na Região do Óio-Morés (mapa acima).
 

2. - AS PRIMEIRAS NOTÍCIAS

Seguem-se as primeiras notícias, enviadas a Amílcar Cabral (1924-1973), enquanto secretário-geral do PAIGC, relacionadas com a organização dos grupos de guerrilheiros e dos seus respectivos comandantes, a quem foi atribuída a missão de, por um lado, desenvolverem acções de sabotagem e de guerrilha contra os militares portugueses, europeus e do recrutamento local, e, por outro lado, criarem os seus refúgios (transformados mais tarde em bases) no interior do território da Guiné.

2.1 - O 1.º RELATÓRIO (elaborado por Lourenço Gomes)

▬ Sedhiou, 28 de Junho de 1963 (6.ª feira)

Exmo. Senhor

Secretário-Geral do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde

Saudações combativas.

Conforme combinado com o nosso Secretário-Geral em Dakar, logo após o meu regresso e directamente de Ziguinchor para Samine, contactei com o camarada Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira (1938-1974)] e outros responsáveis, tendo tanto estes como todos os militantes demonstrado grande satisfação por poderem enfim entrar em luta aberta contra os opressores do nosso Povo. O primeiro a entrar foi o Ambrósio Djassi, no dia 23 de Junho (domingo), um outro grupo entrou a 24 de Junho (2.ª feira) e o último a 25 de Junho (3.ª feira).

O camarada Fulacunda Cassamá, que conhece muito bem a área de Quínara, seguiu acompanhado do camarada Quecuta Mané, no dia 23 de Junho (domingo), a fim de, conforme fora determinado pelo Secretário-Geral, procurar entrar em contacto com o camarada Rui Djassi [Faincam (1937-1964)].

Resolvemos que o camarada Tiago Lopes siga para dentro como enfermeiro. Segundo o mesmo camarada informou, se lhe for fornecido o material necessário, poderá, em caso de urgência, efectuar algumas operações. Por esta razão julgamos conveniente que o camarada Tiago Lopes siga para Dakar, agradecendo que alguém do Secretariado Geral contacte com ele, de modo a solucionar o assunto.

● No dia 25 de Junho (3.ª feira), quando do regresso para Sedhiou, devido a ter caminhado 61 km em 24 horas, até hoje ando com dificuldades devido a sentir violentas dores abaixo da espinha. Se continuar assim, terei de seguir para Dakar, a fim de me tratar. Assim que seja recebido esta carta, agradeço comunicarem ao camarada Rui Djassi a saída dos dois camaradas que irão contactar com ele.

Agradeço esperem pelo Relatório onde poderemos dar mais pormenores sobre os trabalhos em Casamansa.

Saudações para todos os camaradas. Um abraço amigo do camarada,

Ass. Lourenço Gomes.





Carta de três paginas, expedida em envelope de correio aéreo, tendo como remente Lourenço Gomes, Chez Anta Diop, Sedhiou (Pasta: 04611.061.009)

Citação: (28.06.1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36849

Assunto: Relata o contacto com Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira] e outros responsáveis no sentido destes entrarem “em luta aberta contra os opressores do nosso Povo”, conforme o que foi combinado com o Secretário-Geral em Dakar | Remetente: Lourenço Gomes | Destinatário: [Amílcar Cabral], Secretário-Geral do PAIGC |  Data: Sexta, 28 de Junho de 1963.


2.2 - O 2.º RELATÓRIO (elaborado por Lourenço Gomes)

▬ Ziguinchor, 07 de Julho de 1963 (domingo)

Exmo. Senhor

Secretário-Geral do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde

Foi com entusiasmo que os nossos camaradas receberam as instruções do nosso Secretário-Geral para iniciarem a luta no norte do País, seguindo assim o exemplo dos bravos irmãos, que heroicamente se têm batido pela independência e liberdade da Pátria, ao sul da nossa Terra.

Todo o povo, de todas as raças, ao ter conhecimento de tal facto, se manifestou exuberantemente, crentes da nossa força, da razão que nos assiste e na fé inquebrantável depositada nos dirigentes que conduzem o nosso grande Partido, o único que representa a nossa Terra e as suas gentes, e que há-de em breve dar-nos uma Pátria nova, livre e progressiva.

Foi explicado aos camaradas que devem contar com muitas dificuldades mas que, na pessoa do nosso Secretário-Geral, o Partido espera deles todo o sacrifício, e confia que saberão corajosamente transpor todos os obstáculos que se lhes venham a deparar, até que sejam coroados os nossos esforços com a Vitória final.

Na reunião efectuada, demonstrou-se ainda a necessidade de não retardar por mais tempo a iniciativa de acção.

Por alguns camaradas, foi manifestada a necessidade urgente de mais armas e munições, em virtude das quantidades recebidas serem consideradas insuficientes.

Foram-lhes explicadas as dificuldades que se nos apresentam e que se torna absolutamente necessário fazer tudo para se poupar no máximo, todo o material e munições.

Disse-lhes ainda que, conforme fora informado pelo nosso Secretário-Geral, se estava a estudar a possibilidade da remessa de material por outra via.

◙ - Entrada dos nossos guerrilheiros no Norte do País.

Conforme comunicamos em telegrama de 28 do mês findo (Junho) e em carta da mesma data (1.º Relatório), em cumprimento das instruções recebidas do camarada Amílcar Cabral, os camaradas entraram no Norte do nosso País, entre 23 e 25 de Junho passado, pela seguinte ordem:

● Dia 23-06-63 (domingo) = três grupos comandados pelo camarada Osvaldo Vieira.

● Dia 24-06-63 (2.ª feira) = dois grupos dirigidos pelo camarada Julião Lopes.

● Dia 25-06-63 (3.ª feira) = dois grupos pelo camarada Chico Té [Francisco Mendes] e um grupo pelo Leandro Vaz, um grupo pelo camarada Hilário Rodrigues “Loló” e ainda um grupo constituído por Felupes, comandados pelo camarada João da Silva.

◙ - Primeiras acções de sabotagem e guerrilhas.

Depois de terem entrado e combinado as acções a desencadearem, os nossos camaradas iniciaram a sua actividade de sabotagem e guerrilhas a partir do dia 30 do mês findo [Junho’63].

Passamos a discriminar aquelas de que temos até então conhecimento:

● Dia 30-06-63 (domingo) = Destruição de 1 ponte entre Mansabá-Bissorã. Idem, entre Olossato-Bissorã. Idem, entre Mansoa-Bissorã. Idem, entre Nhacra-Mansoa.

Todas estas operações de sabotagem, bem como ainda o corte de fios telegráficos e telefónicos, foram realizados na noite de 30 de Junho.

● Dia 01-07-63 (2.ª feira) = Destruição com plástico [petardos] da jangada de Barro e de uma ponte entre Farim e Bigene.

● Dia 02-07-63 (3.ª feira) = Depois de aproximadamente a 7 km de Olossato, donde seguiam para Bissorã, em 3 camiões e 2 jipes, tropas colonialistas portuguesas, foram atacadas pelos nossos guerrilheiros, sob o comando do camarada Mamadu Indjai, tendo, segundo informações dos camaradas, um dos nossos militantes ferido, infligido elevadas baixas nos inimigos, não podendo precisar o número. Aguardamos relatório do interior para melhor podermos informar.


▼► INFORMAÇÃO OFICIAL DA CECA (6.º VOLUME)

Referente aos relatos indicados acima, o livro da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), refere no 6.º Volume, na Actividade Operacional, o seguinte: “Generalidades: - O Comandante-Chefe informou a Defesa Nacional do agravamento da situação: "As NT estão em constante actividade mas dispõem de reduzidos efectivos que mal chegam para a ocupação das localidades" e que "o ln, com as suas acções em Xime e margem direita do rio Corubal, pretende ligar-se com as infiltrações do norte e isolar o leste, para seguidamente actuar sobre Bissau e Bafatá". Salienta que "há necessidade de ocupar fortemente o quadrilátero Olossato-Mansabá-Mansoa-Bissorã para manter a ligação com o leste". Informa do trabalho exaustivo do QG e faz notar as faltas em Oficiais (33), Sargentos (64), praças europeias (190) e praças nativas (178), no quadro orgânico do Quartel-General.

No dia 16 de Julho de 1963, foram constituídos sete Sectores (de A a G) em vez dos quatros anteriores e as sedes dos Batalhões respectivamente em Bissau, Bula, Mansoa, Bafatá, Buba, Catió e Tite.

● No 2.º Semestre – Meses de Julho e Agosto;

Em 1 de Julho, o IN colocou abatizes e destruiu um pontão na estrada Mansoa-Bissorã e danificou a jangada de Barro, começando a intensificar as acções no Sector Oeste. Atacou o XIME novamente e emboscou um P/ERec 385, que sofreu 6 (seis) feridos ligeiros. Também se foi infiltrando por Dungal, Binta, Bissorã até Nhacra e cortou um pontão a 4 km de Mansoa. Aniquilou uma secção, causando a morte de 4 praças, sendo 3 nativos.

As quatro baixas foram a do soldado condutor, José Rocha Camacho, da CCAÇ 413, natural de Santa Catarina, Caldas da Rainha. A do soldado condutor, Pedro Mendes Lopes, natural de Bolama, e as dos soldados, Balaque Loquete e Lofane Tchango, ambos naturais de Bissorã, sendo que os três militares de recrutamento local pertenciam à 1.ª CCAÇ/CTIG. (op. cit. pp110-111)

Continua Lourenço Gomes:

◙ - Camarada ferido:

O camarada ferido no encontro acima referido chama-se Ansú Sissé, que esteve no Lar de Conacri e que apresentava ao tempo indícios de desequilíbrio mental.

Encontra-se hospitalizado em Ziguinchor, foi ferido em ambas as pernas, mas só há necessidade de ser operado duma. A operação deve ser efectuada no dia 7 do corrente. O seu estado é satisfatório.

◙ - Necessidade de formação e apetrechamento de mais grupos de guerrilhas.

Estamos crentes que se a luta continuar em bom ritmo, muito em breve as tropas colonialistas portuguesas ver-se-ão obrigadas a retirar de todas as povoações fronteiriças e ficarem ainda isoladas em certos centros, mas para tal facto, há necessidade urgente de formar mais grupos de combate devidamente apetrechados, que completassem o total de trinta ou quarenta grupos, pois há ainda a contar com os manjacos que estavam presos mas já foram libertados, pois que se por enquanto se encontrarem inactivos, dum momento para o outro podem voltar à actividade, sendo conveniente rigorosa vigilância, sobre todos as possíveis sabotagens dos “oportunistas]”.

◙ - Remessa de material via Quinara.

Conforme o combinado com o nosso Secretário-Geral, que devíamos fazer os possíveis de recebermos mais armas e munições via Quinara, para tal efeito fizemos seguir no dia 23 do mês passado os camaradas Fulacunda e Quecuta Mané e outros dois camaradas, que conhecem bem aquela região, para escolherem o melhor caminho para esse fim.

◙ - Situação financeira. Necessidade dum Fundo Permanente para acorrer a despesas imprevistas.

Agradecemos ao nosso Secretário-Geral a melhor atenção para o que já lhe fora exposto no Bureau de Dakar, quanto às dificuldades que decerto virão a seguir com as naturais consequências, referentes ao prosseguimento da luta, pois já se apresentou agora um ferido e ainda a mesma começou noutro dia.

Pedimos licença, portanto, para expor ser de necessidade urgente e absoluta, a existência dum fundo para ocorrer a despesas imprevistas, pois é preferível combater no interior ao lado dos camaradas e sujeitos aos mesmos riscos, que porventura sentirmo-nos impossibilitados de os socorrer e assistir convenientemente por carência de fundos.

Julgamos por bem lembrar que nunca tivemos aqui em Casamansa grande facilidades, antes pelo contrário.

Felizmente não há necessidade de mandar o camarada ferido para Dakar, pois se assim acontecesse, não existem fundos que a isso o permitissem, pois já foi com muito boa vontade e contraindo um pequeno empréstimo que se conseguiu a sua vinda de Samine para Ziguinchor.

Foram feitas outras dívidas com a aquisição de plásticos e calças, em Samine, para os camaradas que entraram para dentro e que estavam absolutamente necessitados.

◙ - Assistência Sanitária; medicamentos e material cirúrgico.

Conforme o exposto em nossa carta de 28 do mês findo e segundo opinião do camarada Tiago Lopes, há necessidade de termos na fronteira medicamentos e material para assistência aos camaradas que necessitam de assistência urgente.

◙ - Assuntos a solucionar.

Havendo assuntos a resolver, concernentes a medidas a tomar quanto ao prosseguimento da luta, agradeço seja avisado quando o camarada Amílcar Cabral ou Aristides Pereira se poderão avistar em Dakar com o camarada Lourenço Gomes.

◙ - Máquina de escrever.

Muito embora não sendo indispensável, mas para facilitar o nosso trabalho, agradecíamos caso fosse possível aproveitarem o camarada Tiago Lopes para nos enviarem uma máquina de escrever, muito embora velha, mas ainda utilizável.

◙ - Movimento de “riba casa”.

Esteve ontem em Ziguinchor o Benjamim Bull, que efectuou uma reunião com os seus companheiros de farsa oferecendo-lhes no regresso, no bar do campo de aviação, aperitivos à discrição e dando dinheiro a outros.

Ass. Lourenço Gomes.


▬ O portador deste relatório, será provavelmente o camarada Tiago Lopes que se deve deslocar a Dakar e provavelmente a Conacri - aproveitando um bilhete de avião de ida, que se encontrava na posse do camarada Lourenço Gomes – a fim de lhe serem fornecidos medicamentos e material cirúrgico, para os primeiros socorros a prestar.

◙ - Camarada Honório Vaz

Quanto ao camarada acima referido, logo após a minha chegada, mandei-o procurar a Koldá, onde não se encontrava. Vim depois a saber que tinha seguido para a Gâmbia, onde se fora avistar com o camarada Rafael Barbosa e o Inspector da PIDE.

No meu regresso de Samine no dia 26 de Junho, chegou no mesmo dia o camarada Bebiano d’Almada que partiu no dia seguinte para Koldá, contando-me que o Honório Vaz passou depois também para lá. Como tive de vir a Ziguinchor providenciar sobre o camarada ferido, só após o regresso do camarada Bebiano, poderei comunicar, ou comunicará aquele, o que foi resolvido a respeito do camarada Honório Vaz.




Documento de 8 folhas, de que se só reproduz a primeira, por uma questão de economia de meios e de agilizar a consulta do blogue. O conteúdo foi transcrito pelo Jorge Araújo.



Citação: (07.07.1963), "Relatório sobre o desenvolvimento da luta no Norte", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40096


► Fontes consultadas:

Ø (i) - CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 05222.000.217. Título: Coluna de guerrilheiros do PAIGC e carregadores. Assunto: Coluna de guerrilheiros do PAIGC e carregadores deslocando-se pelo interior da Guiné. Data: 1963-1973. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Fotografias.

Ø (ii) - CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 05360.000.265. Título: Gérard Chaliand, escritor franco-arménio, conversando com [Osvaldo Vieira] no Norte. Assunto: Gérard Chaliand, escritor franco-arménio, conversando com [Osvaldo Vieira, membro do Conselho de Guerra], Frente Norte. Data: c Julho de 1966. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Fotografias.

Ø (iii) - CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07071.120.068. Assunto: Camaradas preparados devem partir. Remetente: Osvaldo [Vieira]. Destinatário: Lucette [Andrade]. Data: Sábado, 1 de Junho de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Telegramas de Janeiro a Junho de 1963. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.

Ø (iv) - CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 04611.061.009. Assunto: Relata o contacto com Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira] e outros responsáveis no sentido destes entrarem “em luta aberta contra os opressores do nosso Povo”, conforme o que foi combinado com o Secretário-Geral em Dakar. Remetente: Lourenço Gomes. Destinatário: [Amílcar Cabral], Secretário-Geral do PAIGC. Data: Sexta, 28 de Junho de 1963. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência manuscrita 1961-1964. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.

Ø (v) - Casa Comum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07075.147.036. Título: Relatório sobre o desenvolvimento da luta no Norte. Assunto: Relatório assinado por Lourenço Gomes dirigido ao Secretário-Geral do PAIGC, sobre o desenvolvimento da luta no Norte do país. Entrada dos guerrilheiros no Norte da Guiné; primeiras acções de sabotagem e guerrilha; “camarada” ferido; necessidade de formação e apetrechamento de mais grupos de guerrilha; remessa de material via Quinara; necessidades de um fundo permanente para despesas; assistência sanitária; medicamentos e material cirúrgico; envio de máquina de escrever; movimento de “riba casa”. Data: Domingo, 07 de Julho de 1963. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de um óptimo fim-de-semana.
PARABÉNS A TODOS!
Jorge Araújo.
23Abr2022
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23235: 18º aniversário do nosso blogue (12): Entrevista com Leopoldo Senghor, ao "Jeune Afrique", n.º 701, de 15/6/1974, sobre os seus contactos com o gen Spínola e com o PAIGC, reproduzida, em português, no Boletim do MFA, Bissau, n.º 2, 17/6/1974 (Victor Costa, ex-fur mil at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

Guiné 61/74 - P23241: Parabéns a você (2062): Arsénio Puim, ex-Alf Graduado Capelão da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23229: Parabéns a você (2061): Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835 (Gandembel e Nova Lamego, 1968/69)