1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Março de 2023:
Queridos amigos,
O correspondente na Guiné da Revista Ilustrada "As Colónias Portuguesas" lá vai dizendo as suas verdades com punhos, fala repetidamente num quadro de decadência, a perda do Casamansa, observa ele, fez disparar o contrabando e reduzir à ninharia o comércio português; dá-nos observações certeiras das permanentes rebeliões, tanto nos Bijagós como no continente, só se vive com alguma segurança dentro das fortificações, a política fiscal, observa também ele, é ruinosa, as construções feitas em Bolama a partir de 1879 são totalmente desajustadas à realidade local, o dinheiro enviado pelo governo de Lisboa só serve para pagar o funcionalismo, não há estradas, não há quaisquer infraestruturas, este correspondente matraqueia permanentemente que era preciso mudar de política. Recorda-se ao leitor que esta preciosa publicação vai fenecer em 1891, a crise financeira iniciada no ano antes era devastadora, só será atenuada nos finais de 1892, talvez tenha sido a crise que levou ao desaparecimento desta publicação de quem se pode dizer que traz uma outra luz para esclarecer a nossa presença frágil neste ponto da costa ocidental africana.
Um abraço do
Mário
Grandes surpresas na publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada (4)
Mário Beja Santos
A publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada, publicou-se entre 1883 e 1891, era inequivocamente dirigida à classe política, não descurava a atração de investimentos, procurava dar informação aos funcionários da administração colonial e a potenciais estudiosos do Terceiro Império. Comecei, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, por percorrer o volume referente a 1883 e a 1884. Não posso esconder o entusiasmo que sinto ao folhear estas páginas, elas comportam informações que, por um lado, corroboram o que a historiografia vai lavrando, e, por outro lado, temos inesperadamente acesso a testemunhos que se afiguram genuínos, um dos redatores efetivos, António A. F. Ribeiro terá montado uma rede de contactos e o que vai aparecer sob a forma de correio parece-me de insofismável valor.
Vamos hoje falar do que se escreve sobre a Guiné em 1889, em exceção ainda é um texto de 1888 a que concedo importância, o leitor verá porquê; devo uma explicação a quem vai acompanhando esta incursão por uma revista digna da melhor atenção dos investigadores, não encontrei uma só imagem alusiva à Guiné, e como considero que a qualidade gráfica desta publicação é altíssima, decidi-me por uma seleção aleatória de imagens que têm a ver com Angola e Moçambique, compreensivelmente as duas colónias mais referenciadas.
O que se escreve na Revista Ilustrada são crónicas, há um correspondente, não se sabe se nesta altura o correspondente ainda é Augusto Barros, pois não há nenhuma assinatura. Temos agora um texto datado de setembro de 1888, em Bolama, diz o seguinte:
“É bem triste missão a de um correspondente ter sempre que dizer mal. É necessário insistir em pedir providências para que esta colónia ou se levante do abatimento em que está ou se lhe dê outra classificação própria a libertá-la dos grandes encargos que comprometem o seu orçamento e estiolam o seu desenvolvimento.
A falta de governo e de um plano de administração colonial tem prejudicado todas as províncias, porque os governadores, cada qual por seu lado a arquitetar trabalhos, não fazem coisa nenhuma, ou dormem ou alimentam a intriga e arranjam galões, desfazendo estes o que era da iniciativa daqueles, e tornando-se, portanto, prejudicialíssimos ao andamento regular do progresso das colónias.
Esta colónia, de baldão em baldão, tem hoje por seu chefe superior o senhor contra-almirante Teixeira da Silva. É um oficial de Marinha honradíssimo, mas está muito distante de poder ser bom governador, porque não tem saúde para opor ao clima malsão da terra e segue para Cabo Verde em gozo de licença da junta, deixando em seu lugar o seu secretário, que não pode resolver questões de magnitude.
A Guiné de dia para dia vai em decadência progressiva; o seu negócio diminui e decrescerá consideravelmente se a metrópole não cuidar de atenuar com vigo e força este mal-estar permanente de uma colónia, que a continuar assim ficará irremediavelmente perdida.
Sabemos todos que o concelho de Cacheu fica paredes meias com o Casamansa. Pois quando ainda tínhamos o presídio de Ziguinchor o contrabando que nos entrava pelos esteiros para o rio de S. Domingos era enorme. Agora, que o rio está em poder dos franceses, poderemos calcular a invasão do contrabando na nossa província, porque não há fiscalização no rio de S. Domingos, os esteiros que o ligam ao Casamansa estão livres e desertos de vigilância, e por consequência, quem fica prejudicado é o comércio português.
E o governo que na convenção de limites franco-luso, devia prever este estado de coisas, não lhe prestou atenção, e deixa a província mais abandonada do que no tempo que ela era simplesmente um distrito. Porque o facto de pagar mensalmente à colónia o subsídio de 4 contos e 500 mil reis, absorvidos pelo funcionalismo não é coadjuvá-la mas comprometê-la, e a província devia antes regular o seu pessoal pelos próprios recursos. A metrópole poderia satisfazer mensalmente até 4 contos ou mais, mas para obras de importante necessidade, como ponte cais, aberturas de estradas, construção de faróis e balizagem dos rios, despesa com exploradores no arquipélago dos Bijagós, estudos minuciosos das riquezas agrícolas, florestais e mineralógicas da colónia. Tem o governo feito alguma coisa neste sentido? Nada. A província conserva-se aberta ao contrabando dos negociantes estrangeiros que abandonaram as nossas povoações e recolheram a Carabane, de onde lançam sobre o nosso território uma rede de caixeiros viajantes a fazer as permutações gentílicas, de forma que apanham todas as promoções do nosso sertão. Se o governo se resolver a tomar medidas enérgicas tendendo-se ao fim de regenerar a província, pois ela ainda pode ser salva. Com portarias e ofícios de perguntas e respostas não se administram colónias. O Ministério da Marinha precisa de um movimento novo, sobretudo no que diz respeito a questões de fazenda, que não podem continuar à mercê dos que nem merecem o título de utopistas ou sonhadores, mas de tolos e maus.
As edificações que aqui se fizeram para quartéis, igreja e hospital, são cópias, mais ou menos perfeitas, de quem desconhecia completamente a vida na Guiné e lançou no papel o que nunca se realizou na prática.”
Quem assim escreve, volta a lamentar-se em janeiro de 1889: “É muito pouco o que hoje podemos dizer a respeito da situação desta província, mas, em todo o caso, não deixaremos de chamar a esclarecida atenção de Sua Excelência o Ministro para as palavras que acabámos de ler num jornal francês: ‘Não obstante os imensos recursos de toda a natureza que possui esta província portuguesa, o sistema de imposto até ali introduzido é, neste momento, a sua completa ruína. É co imenso pesar que vemos que os portugueses não procuram levantar esta província, tirando-a da desgraçada situação em que ela está, pois que acabaram recentemente de estabelecer mais um direito de 12 francos por cada kg de tabaco estrangeiro, o que em lugar de lhes aproveitar, é, ao contrário, um meio de animar o contrabando e de lhe acabar com este ramo de negócio’”.
Os meses passam e o nosso correspondente mantém as suas tiradas de fel e amargura:
“Desta província, infelizmente, não podemos ter quase nunca notícias favoráveis. A sua decadência é visível, e cada vez mais urge acudi-la com providências prontas, que melhorem ao mesmo tempo a sua situação financeira e a sua situação económica.
Não nos parece que devamos esperar que todo o comércio se transfira para as colónias vizinhas, que as relações com os povos indígenas do interior se tornem cada vez menos frequentes, que fiquemos reduzidos a defender-nos apenas em alguns pontos fortificados das correrias e dos ataques do gentio, para então cuidarmos de salvar o que já não tiver remédio.
Por agora estamos reduzidos a receber de vez em quando notícias de uma dessas guerras, em que gastamos dinheiro, despendemos forças e poucas vezes aumentamos o nosso prestígio. E é ainda às vezes para proteger os estrangeiros que temos de nos empenhar nessas lutas. Ainda o último paquete nos trouxe notícia do ataque feito pelos indígenas de Canhabaque ao navio francês Père Guignard. Tivemos de castigar o gentio, e lá foi a canhoneira Guadiana bombardear várias povoações e tabancas da ilha. Também foram bombardeadas duas povoações de balantas na margem do rio Geba e percorrido em diferentes direções o rio de Cacheu. Enfim, fizeram-se grandes proezas que decerto não contestamos, mas a isto se reduz infelizmente a nossa ação atual na Guiné. Parece-me pouco, principalmente se olharmos para o que nos custa esta província.”
Prepare-se o leitor, esta jeremiada vai ter continuidade, o correspondente na Guiné da Revista Ilustrada não dá tréguas à verdade dos factos.
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Nota do editor
Último poste da série de 4 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24724: Historiografia da presença portuguesa em África (388): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", revista ilustrada (3) (Mário Beja Santos)