Neste comunicado (vd. abaixo), o Amílcar Cabral, em desespero de causa, transforma um dos maiores desaires militares do PAIGC, no coração das "áreas libertadas" (o mitico Mores) numa heróica vitória do seu povo em armas... Mas era assim que se construíam os mitos revolucionários naquele tempo....
O então capitão Almeida Bruno, ajudante de campo do gen Spínola, fotografado no decorrrer da Op Ostra Amarga, na mata da Caboiana, em 18 de outubro de 1969. (Foto do arquivo do Virgínio Briote, reproduzida, a preto e branco, na pág. 223, do livro de memórias do Amadu Djaló).
1. Comunicado original, em francês, datilografado, a 2 folhas, datado de 4 de janeiro de 1972, e assinado pelo Secretário Geral, Amílcar Cabral (tradução, revisão e fixação de texto: LG)
PAIGC - Comunicado
O governo português, por intermédio do Estado Maior das tropas colonialistas no nosso país, tornou público, no dia 29 de dezembro último, um "comunicado especial", relativamente aos resultados de uma operação designada "Safira Solitária" ("Saphir Solitaire", em francês), lançada contra a zona libertada do Morés, no centro-norte, a cerca de 50 km de Bissau.
Este comunicado especial, ao mesmo tempo que reconhece que as tropas colonialistas tiveram 61 baixas no decurso da operação, vêm fazer elogios à ação e à "técnica avançada" dos nossos combatentes, ao mesmo tempo que pretende fazer crer que se trata de grupos infiltrados do Senegal, enquadrados por cubanos e "mercenários estrangeiros africanos".
Estamos perante uma tentativa desesperada, da parte do Estado Maior colonial e particularmente do governador militar, de esconder a amarga derrota, infligida às tropas colonialistas pelas nossas forças armadas e pelo povo em armas.
Convém esclarecer, em primeiro lugar, que o Sector do Morés, onde a luta armada foi desencadeada em julho de 1963, é uma zona libertada desde 1964, em que a organização do Partido e do nosso Estado em desenvolvimento é uma das mais sólidas.É neste sector que o escritor francês Gérard Chaliant assim como os cineastas e jornalistas Mario Marret e Isidro Romero (franceses), Piero Nelli e Eugenio Bentivoglio (italianos), Justin Vyera, Justin Mendy e Mamlesa Dia (africanos), Oleg Ignatiev (soviético), Nicolai Bozev (búlgaro) e tantos outros, rodaram os seus filmes e fizeram reportagens bem conhecidas da opinião mundial, nomeadamente europeia.
Lembremos, além disso, que o dito "Comunicado Especial" afirma que, durante os combates, as forças armadas regulares do nosso Partido estavam reforçadas por mais de 300 elementos da milícia popular, a qual, no quadro da nossa organização, é uma força armada local integrada pelos camponeses e camponesas do sector.
Com base nos relatórios recebidos do Comando da Frente Norte e do sector do Morés, assim como em informações provenientes de Bissau e Mansoa, estamos em condições, neste momento, de esclarecer a opinião pública sobre o que se passou no sector do Morés, entre 20 e 26 de dezembro último.Face à intensificação da acção dos nossos combatentes que, em dezembro, tinham atacado por por diversas vezes todos os campos fortificados do centro-norte do país, nomeadamente
as cidades de Farim e Mansoa, e as importantes guarnições de Bissorã e Olossato, o Estado Maior colonialista convenceu-se que nós estávamos a preparar uma ação mais ampla por altura do fim do ano, nomeadamente um novo ataque contra a capital.Foi tomada então a decisão de desencadear uma operação de grande envergadura contra as nossas forças na região, em particular no sector do Morés, conhecida como uma base importante,
Assim, na manhã de 20 de dezembro, vários contingentes de tropa colonialista, estimados em cerca de 800 homens, saídos dos quartéis da região, e dos comandos especiais helitransportados de Bissau, penetraram no sector do Morés, vindos de várias direcções, depois de um bombardeamento aéreo intensivo.No decurso de vários reencontros e emboscadas realizadas tanto pelos combatentes das nossas forças armadas regulares como pelas forças armadas locais e o povo armado, a tropa colonial foi posta em debandada, tendo vindo em seu socorro os aviões a jacto, e helicópteros para evacuar os mortos e os feridos.
Os nossos combatentes mataram 102 militares inimigos, tendo ferido
várias dezenas. Os hospistais de Bissau transbordaram com a chegada de feridos, de tal modo que não havia lugar para todos. O comandante português que dirigiu a operação dita "Safira Solitária", suicidou-se.Os colonialistas portugueses sabem muit0 bem (e estes resultados mostraram-no mais uma vez) que, se é fácil dar às suas operações uma designação de estilo nazi, o nosso povo não tem necessidade de recorrer a combatentes ou a quadros não nacionais, para transformar estas operações em amargas derrotas.
Noite de 4 de janeiro de 1972,
Amílcar Cabral, Secretário Geral
Comunicado PAIGC, datilografado, a duas págimas, redigido em francês, datado da noite de 4 de jneiro de 1972, e assinado pelo Secretário geral Amílcar Cabral
Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 07197.160.006 | Título: Comunicado do PAIGC analisando os resultados da operação "Safira Solitária" | Assunto: Comunicado assinado por Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, analisando os resultados da operação "Safira Solitária" lançada contra o sector de Morés, cujos dados foram divulgados pelo Estado Maior do Exército Português num comunicado especial. | Data: Terça, 4 de Janeiro de 1972 | Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Documentos. | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Documentos. Citação (1972), "Comunicado do PAIGC analisando os resultados da operação "Safira Solitária"", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42402 (2024-2-28)
2. Despacho da Agência Lusitânia, datada de Bissau, 29 Dez 1971 (não nos foi possível encontrar este comunicado das Forças Armadas na imprensa de Lisboa, e em especial no "Diário de Lisboa", neste dia e dias imediatos)
BISSAU, 29 Dez 1971 - Comunicado especial do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné:
"Numa das mais importantes operações militares realizadas no Teatro de Operações da Guiné, as forças guerrilheiras acabam de sofrer um expressivo revés.
"Desde Outubro, final da 'época da chuvas', que o Comando, através dos seus orgãos de pesquisa, vinha acompanhando os movimentos de infiltração do inimigo nas florestas da área do Morés, situada no norte da Província, tendo lançado algumas operações de diversão com vista a criar no inimigo uma falsa sensação de segurança que o levasse a continuar a concentrar meios na referida área, o que efectivanente se verificou.
"A crescente adesão das populações à causa nacional permitiu que, através de informações seguras e detalhadas, colhidas no seio do próprio dispositivo inimigo, se localizassem exactamente as posições inimigas e se completasse o conhecimento do esquema da sua denominada 'Ofensiva do Natal' e definida nos seguintes termos constantes em documentos apreendidos:
Oposição a todo o custo ao asfaltamento das estradas Mansoa - Bissorâ e Bula- Bissorâ - Olossato; desencadeamento dum conjunto de acções ofensivas na quadra do Fim de Ano sobre as povoações mais importantes da área, nomeadamente Bissorã, Mansoa, Olossato, Mansabá e sobre todos os novos aldeamentos.
" De posse de todos os elementos foi planeado, no maior sigilo, uma grande operação visando envolver, cercar e aniquilar as forças de guerrilha concentradas na referida área fulcral do Morés. Montada a operação, denominada 'Safira Solitária', foi esta levada a efeito por unidades da força africana e teve início ao alvorecer do dia 20, prolongando-se até à tarde do dia 26, tendo as nossas forças sido guiadas na floresta por elementos das populações da área pertencentes à nossa rede de informações que conhecia a localização precisa das posições inimigas.
"Apesar de colhido de surpresa, o inimigo estimado em 6 bigrupos, 2 grupos armados de armas pesadas instalados em posições fortificadas e cerca de 333 elementos armados da milícia popular, opôs durante os três primeiros dias tenaz resistência, acabando todavia por ser desarticulado e aniquilado, tendo sofrido 215 mortos confirmados, entre os quais três cubanos, e alguns mercenários estrangeiros africanos, 28 capturados, além de apreciável número de feridos.
Segundo declarações dos capturados, encontravam-se na área pelo menos mais 4 elementos cubanos.
"Verificou-se que o inimigo estava implantando no Morés um sistema de fortificação de campanha do qual se destacavam espaldões para armas pesadas e abrigos subterrâneos para pessoal.
Os grupos de guerrilha, pela resistência que ofereceram, revelaram uma sensível melhoria de enquadramento e uma técnica mais avançada de guerra de posição.
"No decurso da operação foi capturado o seguinte material: 1 canhão sem recúo B-10, 2 morteiros de 82 mm, 2 morteiros de 60mm, 3 metralhadoras pesadas Goryonov, 7 lança-granadas RPG-7, 14 espingardas automáticas Kalashnikov, 38 espingardas semi-automáticas Simonov, 8 espingardas Mosin Nagant, 14 pistolas metralhadoras PPSH, além de avultado número de armas de repetição, de cunhetes de munições, fitas e carregadores, destruídos no local por desnecessárias.
"As nossas forças sofreram 8 mortos, 12 feridos graves e 41 feridos ligeiros."
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Nota do editor: