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domingo, 16 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26500: As nossas geografias emocionais (44): A Fulacunda do meu tempo (José Claudino da Silva, "Dino", ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART /BART 6520 / 72, Fulacunda, 1972/74) - Parte III



Foto nº 13A e 13... Vista parcial da tabanca e do aquartelamento (ao fundo, à direita)



Foto nº 15 e 15A... De costas,  à ponta da mesa, o nosso "Dino"


Foto nº 3... Ào fundo da mesa, o "Dino"



Foto nº 6 e 6A...A cozinha e o depósito de água


Foto nº 16A ... O fotógrafo e o modelo


Foto nº 23A... O "Dino" junto à horta.



Foto nº 24A e 24B... Junto a um bagabaga


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) > s/d > Fotos do álbum do José Claudino da Silva. Legendagem do editor, sujeita a revisão.


Fotos: © José Claudino da Silva (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



1.  Continuação da publicação de fotos de Fulacunda, terceiro lote de um  conjunto de 36 fotos extraídas de "slides", tirados pelo fotógrafo da companhia. Enviadas pelo José Claudino da Silva, em 18 de janeiro passado. Sem legendas. A numeração é arbitrária.

O José Claudino da Silva ("Dino", para os amigos) tem cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue para o qual entrou em 10/10/2017. Natural de Penafiel, viveu 50 anos em Amarante, vive atualmente na Lixa, Felgueiras. 

Foi 1º cabo cond auto, 3ª C/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74. Tem trÊs livros publicados. Tem página no Facebook.


(Seleção, edição e legendagem das fotos: LG)


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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26486: As nossas geografias emocionais (43): A Fulacunda do meu tempo (José Claudino da Silva, "Dino", ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART /BART 6520 / 72, Fulacunda, 1972/74) - Parte II

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26499: Os 50 Anos do 25 de Abril (35): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte II










Exposição > “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades”


Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, Belém,
30 out 2024 / 2 nov 2025 (*)



1. Continuamos a visitar esta exposição, que pode ser vista até 2 de novembro de 2025. E que requer "tempo, vagar e distanciamento crítico"... Merece pelo menos duas visitas. 

O seu objetivo é "pedagógico e didático", reune a colaboração de 3 dezenas de especialistas mas não deixa de ter o cunho muito pessoal e profissional da sua curadora, Isabel Castro Henriques (n. 1946) (*).


Painel I
Recorde-se que a exposição é organizada pelo CEsA Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, ISEG/UL)  e pelo Museu Nacional de Etnologia,  e integra as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.

É uma pena que a exposição não possa chegar a todo o lado... E,  tal como foi concebida, não pode mesmo, por incorporar valiosos artefactos culturais, alguns deles produzidos em territórios que foram colonizados por Portugal ...e que hoje fazem parte das coleções do Museu Nacional de Etnologia (criado em 1965 pelo nosso grande antropólogo Jorge Dias). (Acrescente-se que essas peças foram legitimamente adquiridas na sequência de projetos de investigação científica.)

Feita esta introdução, prosseguimos a visita ao primeiro painel (*) que é  dedicado ao tema "Estamos em África Há 500 Anos" (tema, recorrente, da propaganda que veio da Monarquia Constitucional ao Estado Novo, passando pela República, e que chegou aos nossos dias).

Toda a exposição se propõe confrontrar-nos (e  ajudar a confrontarmo-nos) com os "mitos e realidades" da presença portuguesa em África e com o nosso próprio imaginário.





"Cronologia das campanhas de ocupação e resistências africanas"


  • 1885/87: Ocupação portuguesa do distrito do Congo (Angola), incluindo o enclave de Cabinda  e a margem esquerda do rio (atribuídas a Portugal na sequência da conferência de Berlim);
  • 1886: Definição da fronteira da Guiné;
  • 1898/1902: Ações militares portugueses contra populações revoltadas  do centro de Moçambique (costa de Maganja, Angónia, Macanga e Barué);
  • 1902: Revolta dos Ovimbundo do planalto central angolano;
  • 1904/1915: Esforço militar português no sul de Angola e resistências africanas (Nhaneca, Cuamata, Cuanhama e Herero);
  • 1907/1914: Ações de efetivação do domínio português no litoral norte, no centro e centro-leste de Angola e resistências africanas (Bacongo, Dembo, Quissama, Ganguela, Quioco);
  • 1908/1912: Operações portuguesas e resistências africanas (Ajaua, Maconde,Macua) no norte de Moçambique;
  • 1908/1915: Operações portuguesas e resistências africanas na Guiné (Bijagó, Balanta, Mandinga, Manjaco,Papel, Grumete, Felupe);
  • 1914/1918: Primeira Guerra Mundial;
  • 1914/1920: Intensificação das operações militares portuguesas e efetivação da ocupação territorial contra as resistências africanas em Angola, Guiné e Moçambique;
  • 1915: Ocupação portuguesa do planalto dos Macondes (Moçambique);
  • 1917/1918: Revolta dos Barué (Zambézia, Moçambique);
  • 1920: Secas, fomes e epidemias (Angola);
  • 1926: Última ação militar contra os Quioco, no nordeste de Angola;
  • 1936: Últimas ações militares na Guiné e dominação do território.





Aprisionamento de Gungunhana por Mousinho de Albuquerque em Chaimite, em 28 de dezembro de 1895. Pintura de Morais Carvalho, Museu Militar, foto de Salvador Amaro.


(Imagens obtidas da exposição "in situ",  sem flash, com a devida vénia, e aqui reproduzidas com propósito meramente informativo...)

(Seleção, fotos e  fixação de texto: LG)


(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26456: Os 50 Anos do 25 de Abril (35): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte I

Guiné 61/74 - P26498: Os nossos seres, saberes e lazeres (669): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192): From Southeast to the North of England; and back to London (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
A sugestão de um passeio pela City prevaleceu, bem sonhei ir ver os trastes no mercado de Portobello e passear no Mall, ou olhar embasbacado a entrada do Covent Garden, fiz propostas mirabolantes como a visita da Royal Academy of Arts e até passeio em Hyde Park, vingou a prudência de fazer tudo a direito desde Blackfriars, cirandar pela City, beber um café e morder algo antes de entrar num impressionante museu onde nunca estive, junto de Somerset House. Dele falaremos a seguir, ainda haverá um passeio junto do Tamisa, regressa-se a Richmond, e depois do almoço há o solene adeus e aquele miraculoso metro que nos larga em Heathrow, agora são uns bons quilómetros a pé dentro de um dos maiores aeroportos do mundo.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192):
From Southeast to the North of England; and back to London – 11


Mário Beja Santos

É a minha última manhã de andarilho em Londres, metro de Richmond diretamente para Blackfriars, é o início de uma manhã amena num local que dá pelo nome de City, também conhecida por “milha quadrada”, correspondente à Londinium romana. Ficou praticamente destruída no grande incêndio de 1666, foi brutalmente sacrificada pelos bombardeamentos alemães de 1940, é uma área onde o turista é convidado a visitar a Catedral de S. Paulo, Fleet Street (foi outrora a sede da maioria dos jornais britânicos), Barbican Complex, o Museu de Londres, a Torre de Londres, descendo um pouco mais é a região das docas. Na véspera, procurando acertar agulhas sobre um programa que iniciasse às 9 horas e acabasse às 14, com pesar, desisti do mercado de Portobello, a mais luxuriante feira da ladra do mundo que eu conheço, pensei igualmente no Mall, passar pelo almirantado e visitar o gabinete de trabalho de Winston Churchill, um verdadeiro bunker, venceu a tese de que devíamos andar num terreno plano, começar pela Catedral de S. Paulo e visitar as prodigiosas Courtauld Galleries, com o seu impressionante acervo de obras impressionistas e expressionistas. Foi esta a sugestão que vingou, a minha esperança é um dia aqui regressar com muito mais tempo, poder voltar à região do Westminster, Covent Garden, enfim, umas lambuzadelas também para o Norte, Sul e Sudeste, e meter-me num transporte público para rever Windsor e Hampton Court Palace. Faço figas para este regresso.

Blackfriars Bridge
De Blackfriars caminha-se para S. Paulo, uma fachada de grande ostentação com duas torres barrocas coroadas por uma cúpula de 111 metros de altura (a segunda maior a seguir à da Basílica de S. Pedro em Roma). É obra do maior arquiteto do seu tempo, Christopher Wren. Há já fila à porta, o turista quer entrar e ver lá dentro a impressionante cúpula com os frescos sobre a vida de S. Paulo. Como em Westminster, há estátuas, uma delas prende-se com a nossa história, o duque de Wellington.
Desconhecia inteiramente que a atual Catedral de S. Paulo é a quinta a situar-se neste local, um dos dois pontos mais altos da City. Não querendo aborrecer o leitor contando a história das catedrais anteriores, depois da guerra civil, tempo em que as tropas de Cromwell usaram a nave para guardar os cavalos, e que se vandalizaram a janelas em talhes e efígies, até à demolição do palácio do bispo, pediu-se a Christopher Wren em 1663 que supervisionasse a catedral em ruínas e delineasse um programa para as reparações. Depois de muita discussão, demoliu-se o existente e fez-se a reconstrução. É a obra-prima de Wren, um triunfo da arte, ciência e organização, Wren combinava talentos estéticos, de engenharia e administrativos num grau fora do vulgar. A catedral de Wren foi, e continua a ser, a única catedral inglesa construída durante o tempo de vida do seu arquiteto. Vieram depois os pormenores, o maravilhoso trabalho decorativo em ferro, os sinos. S. Paulo é também um Panteão, ali estão sepultados Nelson, Wellington e Kitchner; há homens de Letras homenageados na Catedral, como caso de Blake, pintores como John Singer Sargeant, o coronel Lawrence, conhecido como Lawrence da Arábia.
Com o tempo contado, dei por mim a homenagear a resistência britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Mais de 65 hectares em volta da Catedral foram desfeitos, a Catedral sofreu danos, as cicatrizes estão à vista.

Os bombardeamentos alemães destruíram muito, mas não deixa de emocionar esta curiosa associação entre a arquitetura antiga e a moderna
Não resisti ao espetáculo das hortênsias no jardim de S. Paulo, só há pouco é que percebi que entrara na fotografia
Agora muda-se de agulha, estamos no Strand que liga Trafalgar Square a Fleet Street, no século XIX era o centro do teatro londrino. Há por aqui relíquias do passado e património de luxo: o Adelphi Theatre, construído em 1806 e remodelado em 1930, e o Savoy Hotel, um dos mais destacados de Londres.
Imagem de um edifício que albergou um conjunto de jornais de que só resta a memória, é assim em Fleet Street
É um imponente tribunal de Londres, no costumado neogótico do século XIX
Somerset House é mais um imponente edifício com um aparatoso pátio central. Construído em 1786 no local do palácio dos condes de Somerset, foi o primeiro edifício importante projetado para escritórios. Uma das alas, originariamente construída para a Royal Academy of Arts, alberga agora as Courtauld Galleries, onde se encontra uma das melhores coleções do país de quadros do impressionismo e do pós-impressionismo. É para onde vou agora, conversar com gente como Modigliani, Renoir ou Gaugin.
Curioso anúncio do museu, mostrando o célebre quadro de Van Gogh, autorretrato com a orelha ligada

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 8 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26474: Os nossos seres, saberes e lazeres (668): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (191): From Southeast to the North of England; and back to London (10) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26497: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (5): Em Mueda, no planalto dos Macondes, num dos piores cenários da guerra em Moçambique - Parte I (enf pqdt Maria de Lourdes Gomes)

Moçambique > Cabo Delgado > Mueda > Aeródromo de Manobra nº 51 (AM51) > s/d (c.1971/73)> "Casa onde morávamos, mesmo junto ao hospital, que é no local de onde foi tirada a foto e para onde o ferido está a ser transportado"  (pág.  199).



Moçambique > Cabo Delgado > Mueda > Aeródromo de Manobra nº 51 (AM51) > s/d (c.1971/73) > "Mueda, terra de guerra...bem no centro do planalto dos Macondes: era ali o centro da guerra no Norte de Moçambique... Era para o "hospital" militar de Mueda ("Enfermaria do Sector B") que eram evacuados todos os doentes e feridos em combate daquela região" (pág. 186).


Moçambique > Cabo Delgado > Mueda > Aeródromo de Manobra n- 51 (AM51) > s/d (c.1971/73) > "Vivíamos limitadas e em permanente contacto com o arame farpado" (...) "No AM51 era constante o movimento de aviões e helicópteros descolando e aterrando, a caminho ou no regresso  de missões (...). Assistíamos  também frequentemente , porque passavam perto de nós,  à partida ou à chegada de colunas militares que transportavam reabastecimentos ou que faziam o lançamento de unidades em operações de contraguerrilha em todo o planalto dos Macondes" (pág. 187).

(...) De todos os locais em que trabalhámos durante a guerra do Ultramar, foi aqui, sem dúvida, em Mueda, que nós mais sentimos a guerra, onde estivemos mais isoladas e pior instaladas, em que tivemos as piores condições de trabalho, e onde os riscos que corríamos eram permanentes, quer em terra quer no ar" (pág. 188).

Por Mueda passaram, entre outras, as  enfermeiras paraquedistas Rosa Serra (em 1973), a Maria de Lourdes (Gomes) (c. 1971/72), a Mariana Gomes (1973),  a Ana Gertrudes Ramalho (c.1972/72 ?), a Maria Cristina Silva (c. 1972/73 ?) (ferida por uma bala do IN, que se alojou na cabeça sem gravidade, felizmente)...  (Lamentavelmente não há fichas biográficas destas nossas camaradas; mas de um modo geral, passaram por mais de um TO: a Rosa Serra  e a Maria Arminda, por exemplo, passaram pelos três).

No entanto, a maior parte das histórias que as nossas camaradas enfermeiras paraquedistas  contam, e as mais intensas, são as passadas no TO da Guiné. De Mueda, parece ser a Maria de Lourdes Gomes quem tem mais memórias:  foi lá que conheceu o seu futuro marido, alferes piloto, hoje médico, cirurgião. Para já reproduzimos aqui o  seu depoimento ""Olhando para trás..." (pp. 425/426).





Maria de Lourdes Gomes, 2ª srgt grad, enfermeira paraquedista: é do 7º curso (1970),     que formou  8 enfermeiras... A sua primeira comissão foi em Angola (c. 1971).







Fonte: Texto e fotos: Excertos de "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014) (com a devida vénia).

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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26496: Notas de leitura (1772): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,~

Philip Havik já com o estatuto de reformado, prestou e está a prestar um relevantíssimo trabalho em prol da cultura portuguesa, e em diferentes domínios. Recordo o trabalho que ele fez com o António Estácio, de saudosa memória, sobre os chineses em Catió; este nosso confrade António Estácio que escreveu sobre Nha Carlota e Nha Bijagó, duas senhoras de grande peso da sociedade guineense, crioulas muito apreciadas e com grande poder comercial. Achei por bem publicar aqui algumas intervenções que ele deixou em trabalhos e dizer que quando quiser intervir no nosso blogue é só bater à porta, não precisa de pedir licença, aqui a Guiné é soberana, pelo amor que lhe dedicamos.

Um abraço do
Mário



Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné:
Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1)


Mário Beja Santos


Vamos a partir de hoje publicar um conjunto de trabalhos assinados por um distintíssimo investigador, há muito ligado a Portugal, com ênfase na medicina tropical e em estudos orientados para a Guiné colonial. 
Um pouco do seu currículo:

Philip J. Havik (doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de Leiden, Países Baixos) foi investigador principal do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade NOVA de Lisboa. 

Trabalhou como investigador na Research School for African, Asian and Amerindian Studies (Universidade de Leiden, Países Baixos) e no Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) em Lisboa. Ensinou antropologia colonial e pós-colonial na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa.

Foi Research Fellow no African Studies Centre (ASC) da Universidade de Leiden e investigador associado do Centro de Estudos de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Autor/coautor de mais de 80 publicações, incluídas dezenas de artigos em revistas e capítulos de livros.

O trabalho a que hoje vamos fazer referências intitula-se Matronas e Manonas: Parentesco e Poder Feminino nos Rios da Guiné (Século XVII)

Começa por sumariamente historiar a condição da mulher, o seu escasso poder de decisão fora do meio doméstico e como a partir da abertura do espaço atlântico e com a presença de africanas ativas em todo o tipo de serviços em cidades como Lisboa e Sevilha, verdadeiras bestas de carga, se deu uma barafunda de géneros que foi aproveitada por mulheres que souberam criar espaços de manobra ao nível do trabalho, da religião e em rituais de toda a ordem. Seja como for, o desempenho da mulher nas sociedades africanas foi relegado para dois domínios fundamentais: a reprodução e a força de trabalho. Daí a herança e a identidade do grupo passarem geralmente pela linha feminina.

Quando a África Subsariana entrou no imaginário Ocidental, o comércio de escravos já era bem conhecido, mediado exclusivamente por berberes e árabes no espaço do Mediterrâneo. Deu-se depois a interação afro-atlântica, as notícias deste continente começaram progressivamente a ocupar um lugar na realidade em que as lendas de monstros e feras do Mar Ignoto se transformaram em ouro, marfim e outras preciosidades. 

Escravas africanas inundaram cidades europeias, no continente africano as relações afro-atlânticas produziram povoações mercantis, assistiu-se, mesmo que superficialmente, à cristianização dos quadros das redes comerciais, falava-se em cristãos e gentios. Estes cristianizados, descendentes afro-atlânticos, nascidos nas capitanias ou presídios, elevaram a importância da mulher, que nos chamados rios do Guiné do Cabo Verde, que passou a ter um papel chave nestes ambientes comerciais, assimilando diferentes papéis como curandeiras e conselheiras e mães dos “filhos espúrios”. 

A mulher passou a ser a garantia de sobrevivência em terras alheias, era um mundo com repartição de tarefas que se veio a estruturar nas redes comerciais da Costa Ocidental Africana a partir do século XVI e até fins do século XIX; e, claro está, veio a ter fortes incidências no século XX em que a Nhá ou Sinhara substituía, como Mindjer Garandi, o comerciante, por qualquer razão ausente.

 Philip Havik estuda a figura de Bibiana Vaz de França, nascida em Cacheu, membro de um clã poderoso da localidade. Ela é assumidamente uma das poucas vozes femininas que se fazem ouvir no universo limitado da palavra escrita. Cacheu era então um centro importante da rede comercial atlântica do tráfico de escravos, povoação elevada a vila em 1605; foi fundada por tangomaos, ou seja, aqueles que negociavam por conta própria, em colisão frontal com a política do monarca. Cacheu era um pequeníssimo entreposto de onde saiam aproximadamente 3 mil escravos por ano.

Um bom número de comerciantes tinha ascendência sefardita e cabo-verdiana, daí a designação pejorativa de tangomaos. Quando, por decisão régia, se criaram companhias de comércio com pretensões monopolistas, como a Companhia de Cacheu e Rios de Guiné, em 1676, o meio local recebe-o muito mal, os moradores iniciais denunciar os desvios e a prepotência de notáveis nomeados por Lisboa. 

O clã dos Vaz de França e dos Gomes eram muito influentes em Cacheu, de modo que o casamento de Bibiana com Ambrósio Gomes, este com ascendência sefardita e africana, trouxe vantagens mútuas. Ambrósio ocupara o lugar de capitão-mor durante alguns anos, e com o fim do contrato da companhia, Bibiana, um seu irmão e sobrinhos, constituíram um forte núcleo local, era uma rede de negócios que se estendia do Rio Gâmbia até à Serra Leoa. Quando o conselho Ultramarino deliberou que Bibiana devia fazer partilhas, ela já havia colocado maior parte dos bens fora do alcance do novo capitão-mor. Atenda-se agora a estas observações de Philip Havik:

“O novo comandante da praça de Cacheu, seguindo à letra o antigo contrato da companhia, proibiu a vinda de embarcações estrangeiras. A revolta do povo não tardou: em 25 de março de 1684, prenderam o dito capitão à saída do hospital enviando-o para Farim, para uma casa de Bibiana, onde permaneceu por espaço de 14 meses. Bibiana encabeçou o movimento de revolta, ela, seguida pelo povo ‘cristão’, decidiram não mais admitir capitães do reino nem das ilhas de Cabo Verde, nem portugueses negociando com o gentio, mas só com moradores da praça. Foi um duro golpe para os interesses dos portugueses; os moradores de Cacheu fizeram muitas petições contra os efeitos nefastos resultando-se da criação da comissão da companhia majestática, e passar a negociar n mato, esquivando-se a pagar direitos aos cofres reais – na realidade os bolsos dos capitães-mores e da companhia. Cacheu não era mais do que um entreposto empobrecido, desprovido de contribuintes e fontes de receita, cuja administração se encontrava no meio hostil, assolado, judeus, crioulos e gentios.”

Deu-se a reação das autoridades em Lisboa, Bibiana, o irmão e outro cúmplice no levantamento foram presos da cadeia da Ribeira Grande. O ponto curioso da historiografia anda à volta do facto de só muito tarde se ter vindo a conhecer os tramites desta sublevação. Presa em Cabo Verde, doente e iletrada, enquanto as autoridades procuravam secretariar e apreender os bens de Bibiana e família, ela e o irmão receberam um perdão real, a Corte, ciente da situação catastrófica do comércio português na costa receava perder ainda mais influencia. Daí a reabilitação de Bibiana. 

Mas havia outros pontos a favor dela. Depois de reabilitada, em sinal de agradecimento, ofereceu-se para construir um forte em Bolor, local estrategicamente situado na entrada do rio Cacheu, deu como garantia a sua pessoa e todos os seus bens.

Em jeito de conclusão, o investigador recorda o mundo de intriga que acompanhou o caso Bibiana Vaz, mulher africana, cristã, viúva, comerciante, armadora/parente de linhagens da terra dos donos di chon, ela liderou uma revolta contra uma autoridade alheia.

Enfatize-se um outro ponto que o autor chama a atenção: “Apesar das múltiplas petições feitas pelos moradores de Cacheu contra os efeitos nefastos resultantes da criação da companhia e contra e prepotência dos capitães-mores que chamaram todo o comércio para sim, não houve, por parte da Metrópole nem das ilhas, intervenção alguma. A resistência dos moradores ficou patente no facto da maioria andar a negociar e a morar no mato, esquivando-se de pagar direitos aos cofres reais.”

Voltando a comentários de Philip Havik:

“O governador de Cabo Verde e os capitães-mores saem-se mal desta história, muitas vezes agindo com base em raciocínios mesquinhos e vingativos. Cúmplices da crise em que mergulhou o tráfico português ao longo dos anos, as autoridades de Lisboa e da Ribeira Grandes, tinham perdido todo o controlo sobre a situação. A fraqueza da posição portuguesa no comércio da Costa da Guiné não permitia mais que o perdão de Bibiana".

Este artigo vem publicado em:
https://www.academia.edu/42757187/Matronas_e_Mandonas_parentesco_e_poder_feminino_nos_rios_de_Guin%C3%A9_s%C3%A9culo_XVII_

Nha Bijagó (1871-1959)
Nha Carlota (1889-1970)
Arredores de Cacheu, ida à fonte, 1900
O Forte de Cacheu e a estátua de Diogo Gomes, mutilada
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Nota do editor

Último post da série de 10 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26481: Notas de leitura (1771): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26495: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (35): "Até choras por andar de lambreta" (Cartune de Manuel Cruz, filho de Adão Cruz, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)




"Até choras por andar de lambreta"... Cartune de Manel Cruz,  músico e artista plástico, nascido em 1974,em São Jpão da Madeira, filho do  nosso camarada Adão Cruz, com a devida vénia.

Foto:  © Manuel Cruz / Adão Cruz (20256). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Há dias descobri que o nosso camarada Adão Cruz, médico cardiologista reformado, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), além de grande escritor (contista e poeta)  e pintor, e nosso grão -tabanqueiro de longa data, tem um filho  (um de 3 filhos) que também é um talentoso ilustrador e cartunista, além de músico. 

No passado 2 de fevereiro de 2025, 11:06, o Adão Cruz mandou-nos a seguinte mensagem:

Assunto: Manel

O meu Manel (Manuel Cruz), tem mais de dois mil desenhos feitos ao longo da adolescência e também alguns poemas. Já publiquei algumas centenas de desenhos, mas todos os dias encontro mais e mais cadernos e papéis cheios deles. Vou publicando, tenham paciência.

2. Por falta de tempo, não posso prestar toda a  atenção que devia, ao correio que me chega, apesar da ajuda do Carlos Vinhal. 

Mas hoje dei de caras com este "cartoon" (ou cartune, como já vem grafado nos nossos dicionários), e lembrei-me de uma expressão que se ouvia bastante na nossa adolescência: "Até choras por andar de lambreta" (sic)...  (A piada era para as meninas do nosso tempo, dos idos anos de 60,  que, de saia até meio da canela,  se começavam a aventurar nestas maquinetas, de pôr os cabelos dos rapazes em pé.)

Lembram-se da "lambreta" (origem etimológica: Lambretta®, marca registada italiana) ? Diz o dicionário: "Veículo de duas rodas, accionado por um pequeno motor, de forma análoga à motocicleta, mas provido de um assento em lugar de selim de montar, e com rodas de menor diâmetro.

Fonte: "lambreta", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/lambreta.

Quem não as viu passar nas então ainda pacatas ruas das nossas vilas e cidades,  os cabelos soltos ao vento, com as pernas muito apertadinhas para travar as saias ? Livres, como o vento... 

Foi o princípio da "revolução feminista" no sul da Europa...   Os "despeitados" chamavam-lhes "marias-rapazes"...  

Hoje são avozinhas... E são as suas netas que  fazem parte da nossa paisagem urbana: usam  minissaia ou calções, a perna ao léu. E,  felizmente,  também capacete, coisa que não era obrigatória nos anos 60/70/80 (!) (só a partir de 1 de janeiro de 1991)...

Ainda por cima hoje é dia dos namorados.. Pois ai vai um cartune do Manel Cruz, sem legenda, e com a devida vénia ao artista e ao pai...(De resto, os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são...)

Há um página da "Lambretta", na net: para  quem quiser saber mais sobre a história deste veículo que ficou no nosso imaginário dos anos 60, clicar aqui.  No Facebook há também uma página da "Lambretta - Portugal", que merece uma visita...

Enfim, coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços... (*)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 8 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26473: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (34): O amola-tesouras (Rui Felício, nado e criado no Bairro Norton de Matos, em Coimbra)

Guiné 61/74 - P26494: (De)Caras (227): A Cecílica Supico Pinto (2021-2011), que eu conheci, em Có, em visita do MNF, a 2 de maio de 1969 (Miguel Rocha, ex-alf mil inf, a exercer na altura as funções de cmdt, CCAÇ 2367, 1968/70)




Legenda: "Assinando como 'Alferes' Cilinha, o cartão dirigido pela Presidente do MNF ao alf mil Miguel Rocha,  a acompanhar a carta oficial de agradecimento pelo acolhimento que recebeu no aquartelamento em Có, em 2 de maio de 1969."





Guiné > Região do Cacheu > Có > CCAÇ 2367 (1968/70) > 2 de maio de 1969 > O alf miul Miguel Rocha e a presidente do Movimento Nacional Feminino. (*)

Fotos do álbum do Miguel Rocha, ex-alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros", Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70).


Foto (e legenda): © Miguel Rocha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Cecília Supico Pinto (1921- 2011) - "Portadora de afetos"

Por Miguel Rocha



Conheci a elegante senhora D. Cecília Supinco Pinto  a 2 de maio de 1969, aquando da sua visita, por duas ou três horas, ao aquartelamento de Có, que à época transbordava de militares oriundos das mais diversas Armas do Ramo do Exército, empenhados na construção da estrada Có-Pelundo (...).

O comando da minha Companhia, a CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, estava a meu cargo, e é nessa circunstância que o cmdt do aquartelamento me indigita para assumir a ação protocolar de receber a ilustre presidente do MNF, missão assaz facilitada pela sua natural simpatia, sublime educação, determinação, inteligência, coragem, conhecimento dos teatros de guerra, do carinho quase maternal com que a "Cilinha" se dirigia aos seus"meninos", falando-lhes, é certo, com alguma exultação patriótica, mas sobretudo do amor e da saudade de suas Mães,  que curiosamente eram da sua geração e que lá longe, na Metrópole, viviam em permanente ansiedade cientes da dureza da guerra por terras da Guiné.

Num dos momentos mais informais, e num cordial diálogo que mantivemos, enalteci-lhe, e agradeci-lhe, a criação do espectacular "Aerograma" de que eu próprio era assíduo utilizador, e a importância sentimental que ele tinha para os militares e suas famílias, sem por sombras imaginar, à época, os números astronómicos diariamente assumidos no movimento postal só pelo uso do "bate-estradas", como era conhecido na gíria militar.

E saudei na sua pessoa a intervenção bem notória do MNF na agilização das burocracias duma retaguarda inundada de emperrantes "pequenos poderes", que se quedavam numa abjeta inércia sem o mínimo respeito pelos combatentes, ou sua memória, e suas doídas e quase sempre carenciadas famílias.

(...) No I centenário do seu nascimento (30/05/1921) (...), em sua memória, e com profundo respeito e admiração pela sua pessoa e sua obra, não esquecendo todas as outras senhoras do MNF, muitas delas mães de jovens mobilizados para as frentes de combate, venho aqui deixar meu testemunho de eterna gratidão pelo apoio dado aos combatentes na sua inegável qualidade de 'portadora de afectos' " (...) (**)