Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26710: Boas amêndoas e melhores Páscoas de 2025 - Parte VI (Luís Graça, versos ao "compasso pascal")



O compasso pascal em Candoz, s/d (c. 1980). 
A Nita (1947-2023)  vinha à frente, do lado direito. 
Foto: LG



Madalena, Vila Nova de Gaia, 5 de abril de 2015.

A "Nita",  Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (1947-2023) 
faz as honras à casa....



... e lê os "versinhos ao compasso da Madalena"

Vídeos: L.G. (2015). Alojados em You Tube > Luís Graça


 
1. Uma seleção dos meus versos dedicados ao "compasso pascal": há 50 anos que venho ao Norte, nesta data, ao Porto, à Madalena (V. N. Gaia), a Candoz (Paredes de Viadores, Marco de Canaveses). Nesta e noutras datas festivas, como o Natal, o Carnaval, etc., ou trabalhos coletivos da quinta, como a vindima... 

De há 20 anos a esta parte, deu-me para escrever um versos ou umas prosas poéticas por ocasião do Natal e da Páscoa... São versos singelos, ao gosto popular, para serem lidos na ocasião (neste caso, aquando da visita pascal).  

Na pandemia de Covid-19, a família falhou a vinda ao Norte pela Páscoa por razões óbvias: daí não ter havido nem versos nem compasso em 2020 e 2021...

Em 2023 morreu a nossa querida "Nita" (1947-2023), e a partir daí não mais abrimos a casa de Candoz ao compasso... É um sinal de luto carregado na cultura das gentes de Entre Douro e Minho. Daí também não haver versos em 2024 e 2025... 

Em Paredes de Viadores, devido â dispersão geográfica das habitações, a visita pascal (compasso)  reparte-se por dois dias: no domingo de Páscoa, e no dia seguinte,  segunda . Em Candoz, é sempre à segunda...

Hoje o pároco já não preside, como antigamente, à visita pascal. Essa função é agora exercida por um leigo, que transporta a cruz, sendo acompanhado por outros membros da comunidade paroquial. Geralmente, um dos mais novos, vem munido de uma sineta cujo toque faz anunciar a chegada do compasso. 

O compasso é isso mesmo: a visita, ao redor da freguesia, em cortejo, a todas as casas das famílias cristãs, que sinalizam,  com urzes e pétalas de flores, o caminho que leva à casa, nas zonas rurais, ou com colchas (brancas) o andar da família que quer receber o compasso, nas vilas e cidades.

Em termos religiosos e sociais, a função principal do compasso é: (i) anunciar a ressurreição de Cristo; (ii) partilhar a alegria da Páscoa entre família, amigos e outros convidados; e (iii) benzer a casa e os presentes (que em geral representam duas ou mais gerações).

O cortejo vai andando de casa em casa. O mordomo que transporta o crucifixo, entrega-o em geral  ao "homem (ou mulher) da casa" que faz uma ronda, dando a beijar  a imagem de Cristo... (por razões de higiene pública, depois da pandemia, o beijo tende a tornar-se simulado).

Depois de uma breve oração, segue-se a oferta de alguns doces e bebidas ao compasso e aos demais presentes. No Norte, as famílias fazem também ofertas em dinheiro (que reverte para o padre; o peditório para o foguetório é feito uns tempos antes: 20 minutos de fogo pode custar 20 a 30 mil euros). 

Os do compasso têm de ser polidos, comedidos e frugais: se bebessem em todas as casas, estavam "feitos"!... (mas antigamente era assim, nalguns sítios: o compasso recolhia à igreja, já bêbado que  nem um cacho!).

À saída do compasso, a caminho da próxima casa, é frequente deitar-se um ou mais foguetes, pagos pelo dono da casa que acabou de ser visitada.  No final do dia, "juntam-se as cruzes" (no caso das freguesias grandes) e, em muitas partes, há fogo de artifício (em geral muito vistoso, aqui no Marco de Canaveses e em Baião).

 Parte do dinheiro recolhido é para gastar em fogo. Por razões de segurança, o uso de  fogo de artifício tradicional (com foguetes de cana), não estando proibido,  está sujeito a uma estrita  regulamentação.

Resta-me fazer aqui uma recolha dos versos que publiquei no blogue da família, "A Nossa Quinta de Candoz". Aqui vão, com votos, para todos os  nossos amigos e camaradas da Guiné, de uma feliz e santa Páscoa de 2025. LG

_________________


Viva o compasso pascal
Desta linda freguesia,
Fizeram-nos muito mal
Estes dois anos de pandemia.


Faltam beijos e abraços,
Mas lá iremos ao normal,
Hoje damos mais uns passos,
Viva o compasso pascal!

É uma antiga tradição
Que nos enche de alegria,
E reforça a união
Desta linda freguesia.

Andámos todos com medo
E com máscara facial,
Duas Páscoas sem folguedo
Fizeram-nos muito mal.

Sem compasso nem foguetório,
Sem convívio nem folia,
Nem sequer houve peditório
Nestes dois anos de pandemia. 

 (...) Quinta de Candoz, 18 de abril de 2022
____________________

Mais um ano, mais uma visita
Deste compasso pascal,
É uma festa bem bonita,
E que nunca é igual.

E que nunca é igual,
Logo vem outro, se falta algum,
Renova-se o pessoal,
Que aqui somos todos por um.

Que aqui somos todos por um,
Na alegria ou na tristeza,
Na fartura ou no jejum,
Cabendo todos à mesa.

Cabendo todos à mesa,
Onde não falta o anho assado,
Nesta casa portuguesa,
Onde honramos o passado.

Onde honramos o passado,
O presente e o futuro,
Se alguém está adoentado,
Tem aqui um porto seguro.

Tem aqui um porto seguro,
Damos valor à amizade,
Às vezes o rosto é duro,
Mas o resto é humildade.

Mas o resto é humildade,
Viva o compasso pascal,
E a nossa fraternidade!...
Boa Páscoa, pessoal!

Boa Páscoa, pessoal,
Boa saúde e longa vida,
À Ti Nitas, em especial,
Que nos é muito querida!

Quinta de Candoz,
segunda feira de Páscoa,

22 de abril de 2019


_________________


Já lá vem, em festa, p’la estrada fora,
O compasso pascal da freguesia,
Chega à nossa casa mesmo na hora,
E a todos saúda com alegria.

Mais do que a tradição, 
é a certeza
De que a Páscoa é também renascimento,
E há sempre mais um lugar à mesa,
Para nosso geral contentamento.

Se não for preenchido, é o dos ausentes,
E, em especial, dos nossos mortos queridos;
Aos que vieram e estão aqui presentes,

Saibam que nós ficamos muito honrados.
E, aos do compasso, diremos, reconhecidos:
Tenham um dia feliz, mesmo… estoirados!


Quinta de Candoz, 2 de abril de 2018

____________________


Aleluia, Cristo ressuscitou!,
Apregoa o compasso pascal,
Que hoje nesta casa nos visitou,
E a todos nos juntou neste local.

É uma das ruas da Madalena,
Que tem nome do nosso primeiro rei,
E eu, quando não posso vir, tenho pena,
Porque a Páscoa é aqui, isso eu sei.

Lá vai o compasso pela rua fora,
Sem freima, com prazer e devoção,
Com ordem, em festiva procissão.

À frente vai a cruz e uma senhora,
E outra porta se abre, ali na hora…
Até p’ró ano… e viva a tradição!

Madalena, V. N. Gaia,
domingo de Páscoa,

16 de abril de 2017

_____________________


Olha o compasso pascal,
Visitando a freguesia,
Nesta casa, é bom sinal,
Traz-nos a fé e a alegria.

Traz-nos a fé e a alegria,
Que todos bem precisamos,
É a Santa Páscoa o dia
Em que as forças renovamos.

Em que as forças renovamos,
Como seres humanos e cristãos,
Boas festas desejamos,
Pais, filhos, amigos, irmãos.


Pais, filhos, amigos, irmãos,
Vizinhos da Madalena,
Mais os de longe que aqui estão,
E quem não veio vai ter pena.

E quem não veio vai ter pena,
De neste ano faltar,
Mas fez esta cantilena,
Para com vós partilhar.

Para com vós partilhar
As coisas boas do Norte,
E a amizade reforçar
Com um abraço bem forte.


Lisboa e Madalena, V. N. Gaia, domingo de Páscoa,
27 de março de 2016, 10h30
__________________


Vem em abril este ano
O nosso pascal compasso,
Vem o sicrano e o beltrano,
A todos damos um abraço.

É já forte a tradição,
Desta gente aqui do Norte,
Abre a porta, pede a bênção,
A todos deseja sorte.

É um povo hospitaleiro,
Que sabe receber e dar,
Se na fé é o primeiro,
Não fica atrás no folgar.

Obrigados, nossos vizinhos,
Pela visita pascal,
E aceitem com carinhos
… As amêndoas deste casal.

(...) Madalena, 5 de abril de 2015
 
____________________

Páscoa em março, fome ou mortaço,
Diz o povo… Mas em Candoz,
Não há Páscoa sem compasso,
E não há gente como… nós!

Viva o compasso pascal
Que nos vem visitar,
Franqueando nosso portal,
Santas bênçãos nos quer dar.

Páscoa é festa com mensagem:
Triunfa a vida sobre a morte;
Segue o compasso a viagem
E a todos deseja…sorte.

Viva o compasso pascal
Que nos faz esta visita,
Vem por bem, não vem por mal,
Mas traz um saco prá… guita!

Sem guita não há foguetes,
Que é coisa que o povo adora,
Sem ovos não há omeletes,
Sem folar não me vou… embora!

Páscoa é festa da nossa vida,
É tradição cá do Norte,
Não há gente tão querida,
Alegre e de altivo… porte.

É casa de boa gente,
É povo abençoado,
Que gosta de dar ao dente
E se pela por anho… assado!

Parabéns às cozinheiras
Desta bíblica iguaria,
Elas são também obreiras
Desta nossa… alegria.

A todos, muito obrigados:
Sem uma farta e grande mesa,
Sem amigos e convidados,
Páscoa seria… tristeza!

(...) Quinta de Candoz, 1/4/2013

________________________

Nota do editor:

Último poste da série > 20 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26708: Boas amêndoas e melhores Páscoas de 2025 - Parte V ( Mário Beja Santos / Miguel Torga, 1907-1995)

domingo, 20 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26709: (In)citações (266): A falha da natureza imperfeita, por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

A FALHA DA NATUREZA IMPERFEITA

adão cruz

Ainda bem que a chuva não era tão intensa como se previa, caso contrário, entraria pela parte corroída da janela, caindo no emaranhado de fios estendidos no chão por detrás dos computadores. O Senhor David bulia desacertadamente com o rato na sua mão direita e tamborilava com os dedos da mão esquerda sobre o joelho nu. O Senhor David usava aquele pijama de calção florido, oferecido um dia pela sua última amante num hotel da Gran Via. Muitos livros do lado direito e do lado esquerdo, por cima e por baixo, inúmeras fotografias nas estantes, fotografias dos filhos, dos netos, sobrinhos e também de algumas namoradas que o tempo eclipsou.

O Senhor David tinha um cancro, não se sabia bem onde, mas que não se manifestava, ou então estaria por detrás das diversas maleitas mais ou menos indefinidas que o não deixavam dormir nem beber o copito, metabolito essencial a um certo equilíbrio necessário para que os amigos não deixassem de dizer: Estás com um aspecto porreiro. Afastou-se do computador, foi ao quarto de banho ver a face interna das pálpebras que estava vermelhinha. O suficiente para sentir os efeitos de um suavíssimo sopro de uns restos de testosterona a que o cérebro respondeu com discretos estímulos espásticos. Como lhe tinham dito que a sua esperança de vida não iria além de seis meses, no que ele procurava não acreditar, olhou para todos aqueles rolos de papel higiénico, as bisnagas de creme de barbear e de pasta de dentes, achou que eram demais e pensou em matar-se. Para desanuviar, saiu de casa, pegou no carro, subiu a rampa, desceu a colina e seguiu até à margem do rio onde parou, como era seu hábito. Manteve-se dentro do carro, com os olhos fitos nos corvos marinhos de asas abertas a secarem ao sol, ouvindo baixinho o adagietto, o quarto andamento da 5.ª Sinfonia de Mahler, e adormeceu.

E teve um sonho. Ao seu lado, sentou-se uma jovem de rubros lábios e mamas erectas segredando-lhe ao ouvido que era a sua fada. Como o Senhor David não acreditava em fadas, e a audição já não era de confiar, a palavra fada fez com que os neurónios lhe trocassem a vogal e criassem ali uma atmosfera erótica. Dizia a bela mulher que viera ali com a missão de lhe fazer crer que a velhice não era um deserto e inóspito país, nem o homem morria antes de o mundo morrer ao seu redor. Por outras palavras, ainda haveria lugar para um afecto quentinho.

Acordou com umas pancadinhas no vidro e viu uns restos de mulher perdidos num montão de sacos à cabeça e pendurados nas mãos. No centro de gravidade daquele difícil equilíbrio, mal se enxergavam dois olhos negros, sem brilho, cavados no fundo de dois ninhos de rugas. O Senhor David abriu o vidro e ouviu uma voz gasta pedindo uma moedinha. Enquanto procurava no bolso a moeda do costume, a pedinte viu um livro no banco do carro e perguntou se ele gostava de ler. Ele acenou com a cabeça a dizer que sim e ouviu um suspiro. Olhou para a mulher e viu nos olhos negros e fundos uma faísca de brilho.

- Gosta de ler?
- Em tempos, quando era viva, lia muito e sempre gostei de ler.
- Mas ainda não morreu!
- O Senhor acha que isto é vida? A gente pode morrer muito antes de fechar os olhos.

Estas palavras trouxeram à memória do Senhor David um texto de Sonia Zagehtto, em que ela pergunta quem morre primeiro, se o homem ou o mundo ao seu redor. E qual a verdadeira morte, se o último suspiro, se o instante em que ninguém percebe a nossa falta, se o dia em que ninguém pergunta por nós, ou quando a casa grande e confortável se torna um território de esquecimento.

O Senhor David achou que a pedinte tinha razão e percebeu que a morte pode começar nessa casa sem ninguém, nessa solidão em que os dias se tornam vazios e as noites demasiado silenciosas, nessa idade em que o ser humano se torna invisível.

De qualquer forma, a ideia de antecipar o encontro com o nosso destino final não era boa. O prazer de um copito à revelia e o facto de ter 50% a seu favor na vontade de tornar real a fada do sonho impediam-no de antecipar o silêncio absoluto. Além disso, o mundo em seu redor, se bem que feio e injusto, ainda não tinha morrido de todo. Ainda dava sinais de vida, mostrando aqui e ali coisas lindas e boas que, de alguma forma, ainda interagiam com ele. Coisas lindas como aquele sorriso de felicidade e espanto, aberto no rosto carcomido da mulher dos sacos, quando o Senhor David foi à mala do carro e lhe ofereceu dois dos seus livros, com dedicatória e tudo.

_____________

Nota do editor

Último post da série de 11 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26675: (In)citações (265): Obrigado ao vagomestre Vieira que das tripas fez coração... e ao Noratlas da FAP que, de vez em quando, nos largava uns frescos de paraquedas (Ramiro Figueira e Carlos Barrros, 2ª CART / BART 6520/72, Nova Sintra, 1972/74)72, Nova Sintra, 1972/74)

Guiné 61/74 - P26708: Boas amêndoas e melhores Páscoas de 2025 - Parte V ( Mário Beja Santos / Miguel Torga, 1907-1995)



Quinta de Candoz > Domingo de Páscoa, 20 de abril de 2025 > Azálea rosa (Rhododendron ponticum)



Quinta de Candoz > Domingo de Páscoa, 20 de abril de 2025 >Tremoço-amarelo (Lupinus luteus)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Mário António Beja Santos, nosso colaborador permanente, crítico literário e autor:

Data - 20abr2025 15:26  



Miguel Torga >Páscoa


Um dia de poemas na lembrança

(Também meus)

Que o passado inspirou.

A natureza inteira a florir

No mais prosaico verso.

Foguetes e folares,

Sinos a repicar,


E a carícia lasciva e paternal

Do sol progenitor

Da primavera.

Ah, quem pudera

Ser de novo

Um dos felizes

Desta aleluia!

Sentir no corpo a ressurreição.

O coração,

Milagre do milagre da energia,

A irradiar saúde e alegria

Em cada pulsação.


Miguel Torga (1907 - 1995),  "Diário XVI" (11 jan 1990 / 10 dez 1993),

in "Diário XIII-XVI"  (Lisboa, Dom Quixote, 2013)

Guiné 61/74 - P26707: Boas amêndoas e melhores Páscoas de 2025 - Parte IV (Vilma e João Crisóstomo, Brestanica, Eslovénia)

 
1. Mensagem do João e Vilma Crisóstomo:


Data - 20 abr 2025 13:20

Assunto - Boa Páscoa! e encontro?


Meus caros "Mafra" e Figueiredo

Estou na Eslovénia neste momento, onde o dia de Páscoa é dia festivo mais importante do ano, muito mais que o Natal que aqui passa quase despercebido.

Já tentei o telefone, mas ninguém apanhou .. vou tentar outra vez. Mas entretanto pode ser que leiam este ...

Primeiro: um abraço de Boas Festas de Páscoa para todos. (*)

E segundo: Gostava de os ver no encontro convívio do pessoal que esteve na Guiné , especialmente da nossa zona, que se vai encontrar no restaurante Caravelas de Ouro em Algés no dia 29 de Maio. Eu, o Luís Graça o Rui Chamusco e outros vamos lá estar. 

 Sei que o nosso querido "Mafra"! (Manuel Calhandar Leitão) (**)  gostava de um convívio especialmente para pessoal da CCaç 1439, mas não vejo grandes possibilidades. Em Portugal já somos bem poucos, e quase todos com razões suficientes para não se deslocarem com facilidade. Mas pelo menos nós três : eu, o António Figueiredo e o Leitão ("Mafra"), e que somos os três que fazendo parte da CCaç  1439 estamos na Tabanca Grande, com um pouco de esforço podemo-nos lá encontrar….

E aproveitamos para dar um abraçø ao Figueiredo que faz anos no dia 26, certo? Nós logo a seguir voltamos a Nova Iorque. ..

Oxalá vocês recebam este. Geralmente são as vossas horas queridas, (Sra Emília e Sra Felismina) que apanham o telefone. E é sempre um prazer ouvi-las! Vou continuar a tentar o telefone, na esperança de que suceda um milagre… como dizia o outro :” eu não acredito em milagres, mas que acontecem, lá nisso acredito!” . E para "teimoso casmurro" , creio que poucos como eu.

Abraço a todos.

João e Vilma

_____________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 21 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19809: Convívios (895): Pessoal que passou pelo Enxalé, em 1965/67, reuniu-se na Ericeira, Mafra: CCAÇ 1439, Pel Mort 1028, Pel Caç Nat 52 e Pel Caç Nat 54. Organizador, o "Mafra", Manuel Calhandra Leitão. Alguns vieram de longe, como o Henrique Matos (Olhão) ou o João Crisóstomo (Nova Iorque, EUA)

Guiné 61/74 - P26706: Boas amêndoas e melhores Páscoas de 2025 - Parte III (Manuel Rei Vilar, presidente da Associação Anghilau)

 


1. Cartão pascal enviado hoje,às 11:46, pelo nosso amigo Manuel Rei Vilar, líder do projeto Kasumai, presidente da direção da Associação Anghilau, membro da nossa Tabanca Grande desde 13 de julho de 2020. 

Recorde-se que ele é o  irmão, mais velho do  Luis Rei Vilar, cap cav, comandante da CCAV 2538 / BCAV 2876 (Susana, 1969/71), foi morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva.

_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26704: Boas amêndoas e melhores Páscoas de 2025 - Parte II (José Câmara, EUA / António Ramalho, V.F. Xira)

Guiné 61/74 - P26705: História de vida (60): A esloveno-americana Vilma Kracun, n. 1947, membro nº 900 da nossa Tabanca Grande (João Crisóstomo, grão-tabanqueiro nº 432)




Foto nº 1 > Vilma Kracun Crisóstomo e João Crisóstomo,   na Parada alusiva ao Dia de Portugal em Mineola, NY, 10 de junho de 2018: Fonte: www.lusoamericano.com~

 


Foto nº 2 > A Vilma, nascida em 1947: aqui com a irmã mais nova


Foto nº 3 > A primitiva casa de família


Foto nº 4 > O Castelo de Brestanica



Foto nº 5 > Em Paris, aprendendo piano


Foto nº 6 > Vilma  (á direita) com a Jacinta, irmã do João e, no meio  a cunhada dele  (primeiro casamento).


Foto nº 7 > Enfermeira em Paris


Fotos (e legendas): ©  João Crisóstomo (2025) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. Mensagem de João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, casado com a Vilma Kracun Crisóstomo, nossa grã-tabanqueira nº 900 (*):


Data - terça, 4/03/2025, 18:40
Assunto -  Vilma
 
Caro Luís Graça

Aqui estão algumas fotos que poderão ser aproveitadas ( ou não, que a qualidade deixa muito a desejar). E um texto que poderás aproveitar ou não. Segue, que pelo menos tu e a Alice gostarão o de ler.

Fotos têm sempre mais valor se a elas pudermos associar alguma coisa de interesse. E isto aplica-se bem ao caso da Vilma. A única razão para eu enviar a foto nº 2 é que esta é a única que tenho de quando ela era ainda menina e moça. 

Bandeira da Eslovénia
(com três cores: branco, azul e vermelho)

A Vilma, nascida em 1947,  na Eslovénia (ainda então Federação da Jugoslávia, 1945-1991), é a mais velha das duas, sendo a outra criança a sua irmã mais nova, nascida em 1955.

Estas fotos referem-se sobretudo à Vilma, antes de eu a conhecer. A última foi tirada no dia em que nos reencontramos, já depois de eu a ter convencido a vir comigo para os Estados Unidos (foto nº 1).

Nem sei como hei-de começar, pelo que vou escrever conforme as lembranças do que ela me contou me vierem.

O castelo nesta foto nº  4 é o Grad Rajhenburg, ou "Brestanica Castel", que tem muito a ver com a Vilma e sua família. Está situado num monte nas margens do Rio Sava, como se pode ver na foto, onde se vê ao fundo, mesmo junto ao rio, ao longo do rio, o caminho de ferro que serve e atravessa a Eslovénia e alguns outros dos países que formavam a Jugoslávia antes do seu desmembramento.

Um dia, logo na primeira vez que fui à Eslovénia, ao olhar de longe para aquele imponente castelo, que como todos os outros na Eslovénia é muito diferente dos nossos, pois mais parece uma mansão fortificada, eu mesmo de longe, notei que o castelo tinha sido recentemente restaurado, o que ela confirmou acrescentando que as janelas do castelo ainda tinham as mesmas cores com que o pai dela tinha reparado e pintado. Fiquei curioso e pedi-lhe que me contasse essa história de ter sido o pai dela que tinha reparado e pintado aquelas janelas.

Depois dos alemães terem invadido a Eslovénia, contou-me ela, eles fizeram deste castelo um ponto de receção e redistribuição de prisioneiros de todas as espécies: uns prisioneiros eram “aproveitados’ como trabalhadores forçados em projectos relacionados com a guerra e outros eram levados para os campos de concentração dos quais geralmente não chegavam mais a sair.

O pai da Vilma foi prisioneiro neste castelo. Não o foi porque fosse político ou judeu, mas simplesmente porque,  para um indivíduo desonesto e sem consciência que devia dinheiro ao seu pai, acusar o pai dela de ser antinazi foi o meio mais fácil de não ter de pagar o que lhe devia.

Valeu ao pai dela o facto de ser muito trabalhador e artista exímio de muitas profissões. Os seus muitos e variados talentos foram logo descobertos pelos alemães nazis que o começaram a aproveitar para tudo, desde trabalhos de alvenaria, carpintaria, pintura, limpezas, ajudante de cozinha e tudo o que fosse preciso fazer. 

O pai da Vilma logo compreendeu que o seu destino e o continuar naquele castelo/prisão dependiam de ele ser considerado preciso ou não. E porque era de natureza bonacheirão pouco a pouco cativou a boa vontade de toda a gente. Quando ia haver uma chamada para fazerem a escolha de quem saia ou ficava, havia sempre alguém que o avisava com antecedência e por vezes eram os próprios alemães que o escondiam, e nesse dia era dado como “desaparecido”. Para reaparecer no dia seguinte, explicando a sua ausência a um trabalho pessoal que um militar mais alto em hierarquia lhe mandou fazer. E de que ninguém se arriscava a duvidar. E assim, dadas as suas habilidades de que todos abusavam, mas que ninguém queria perder, ele conseguiu nunca chegar a ser escolhido para "outros destinos’.

Foi durante uma visita ao castelo que deparei com uma foto que já me era familiar, mas que eu não esperava encontrar em lugar proeminente dentro do castelo. É uma foto da antiga casa da Vilma (foto nº 3), antes de lhes terem dado, nos tempos do Presidente Tito, a casa que ainda agora é a sua casa.

Os seus pais quando vieram para Brestanica encontraram esta casa vazia que logo arrendaram e mais tarde compraram. Anos mais tarde a cidade resolveu limpar e alargar o Rio Sava, o maior rio da Eslovénia,  um dos afluentes do rio Danúbio. Isto exigiu a demolição de várias casas entre elas a sua casa, nas margens deste rio,  que teve de ser expropriada e demolida. E foi nesta altura que lhes deram então a casa onde ainda agora habitam.

A razão que leva esta foto a estar no museu é a sua história e usos que teve, antes do pai dela aí se instalar: devido à sua situação esta casa tinha servido de uma espécie de grande azenha: as águas do rio foram desviadas para passar nesta casa, onde estavam turbinas que forneciam a energia eléctrica para o castelo e para os monges trapistas, situados atras do castelo, e que possuíam grandes extensões de cultivo agrícola, especialmente de uvas e frutas.

A Vilma ficou traumatizada com as histórias que lhe contaram sobre os tempos em que os nazis ocuparam a sua terra natal. E quando na "high-school” (liceu) lhe foi dado a escolher entre Françês e Alemão como uma segunda língua ela, ao contrário da maioria, recusou-se a aprender alemão.

Quando houve uma oportunidade resolveu ir para Paris,  onde trabalhava como “nanny” ao mesmo tempo que frequentava a Sorbonne. Houve uma senhora amiga que descobriu que a Vilma tinha dotes para piano e começou a ajudá-la e a encorajar a Vilma nesse sentido. O piano na foto  (nº 5), que ela de entusiasmada comprou, foi tirada nesta altura. Problemas de saúde obrigaram-na a desistir, embora ainda hoje ela goste de assistir a concertos de piano e sinta pena de não ser ela a dedilhar o teclado em vez de ser simples espectadora.

Foi em Paris, frequentando a "Alliance Française”, que a Vilma encontrou e se fez amiga duma portuguesa, que também frequentava a Alliance. Pelas datas eu devia estar a frequentar também a Alliance, onde vim a conhecer esta portuguesa com quem eu viria a casar em Londres, mas nunca ouvi falar da Vilma. Foi em Londres que a vim a conhecer pois foi esta portuguesa, minha futura esposa, que a ajudou a encontrar um trabalho de "Au Pair Girl"  (ou "nanny") em Londres onde podia, repetindo o que fez em Paris, trabalhar e aprender a falar inglês. E foi em Londres que eu vim a conhecer a Vilma.

Graça à amizade que nutriam encontravam-se frequentemente e eu, fazendo companhia à minha namorada, encontrava-a de vez em quando. A sua companhia era agradável, mas nada mais do que isso, exceto que a minha esposa a convidou a ser a sua madrinha de casamento. 

Passados alguns meses de casados, nós decidimos ir para o Brasil. O apartamento onde vivíamos passou a ser o apartamento para a minha irmã mais nova, que eu tinha convencido a vir também para Londres para aperfeiçoar o  inglês, para a irmã de minha esposa que tinha feito o mesmo e para a Vilma. A foto (com as três jovens) (nº 6) foi tirada nessa altura, -- já eu e a minha esposa estávamos a viver no Rio de Janeiro.

Passados dois anos decidiram ir cada uma para sua terra e foi nesta altura que a minha esposa perdeu contacto com a Vilma. Começamos a procurá-la e, mesmo depois de eu e minha esposa nos termos separado, eu continuei a procurá-la. Para mim era até uma razão de me manter em contacto com outros amigos que a conheciam de Londres. 

Ela tinha voltado para Paris, onde tirou curso e trabalhou como enfermeira (foto nº 7),  primeiro num hospital e depois em regime particular, com o seu próprio escritório, juntamente com outra enfermeira. Teve pena de ter perdido a sua agenda com os endereços dos seus amigos, mas a vida de muito trabalho e a companhia da sua irmã mais velha que depois da morte do marido tinha vindo para Paris viver com ela,  não lhe permitiam muito tempo para pensar neles.

Entretanto eu continuava procurando velhos amigos/as cujo contacto tinha perdido. Lembro três que reencontrei ao fim de 17 anos, 23 anos e 11 anos sem saber nada deles.

O caso da Vilma foi mais difícil: demorou quarenta anos. Quando me disseram do seu paradeiro aproveitei a minha ida a Paris para visitar um amigo também reencontrado ao fim de 23 anos e que estava muito doente e de quem eu tinha receio que não recuperasse mais, para lhe telefonar. Marcamos um encontro na casa desse meu amigo. E o inesperado aconteceu: amor à segunda vista. O resto já foi contado, creio, que esta abençoada Tabanca não nos deixou mais (**). E agora acaba de dar as boas-vindas à minha Vilma como Tabanqueira de pleno direito.

Bem hajam todos. É um prazer e grande honra para nós.(***)

Vamos estar em Portugal no mês de maio. Oxalá nesse mês se proporcionem ocasiões de ver e dar abraços aos nossos camaradas:
 
(i) em 25 de maio (Convento do Varatojo, Torres Vedras);

(ii) e em 29  de maio (Tabanca da Linha, Algés).

 Até lá, um apertado abraço do “sénior” camarada João; e da "periquita" Vilma Crisóstomo.

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26544: Tabanca Grande (569): Vilma Crisóstomo, esposa do nosso camarada João Crisóstomo, que se senta no lugar n.º 900 sob o nosso "poilão sagrado"

sábado, 19 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26704: Boas amêndoas e melhores Páscoas de 2025 - Parte II (José Câmara, EUA / António Ramalho, V.F. Xira)


Cartão pascal que nos foi gentilmente enviado pelo António Ramalho



1. Mensagem de José Câmara, da Tabanca da Diáspora Lusófona:

Data - 19 abr 2025 03:47
Assunto - Boas e santas Páscoas

Caros amigos e familiares,
Independengtemente dos sentimentos religiosos de cada um, que o Cordeiro Pascal vos cubra com o Manto da Sua Graça. Tenham um Feliz e uma Santa Páscoa.
Haja saúde na companhia de todos aqueles que vos são queridos.
JC

2. Mensagem de António Ramalho, natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira:

Data - quarta, 16/04/2025, 12:36

Asunto - Uma santa e feliz Páscoa

São os meus votos para todos.
These are my wishes for everyone.

António Ramalho
_____________
Nota do editor LG:

Guiné 61/74 - P26703: Os nossos seres, saberes e lazeres (677): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (201): O que fica na bagagem do viajante e se retira do fundo da gaveta (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
Uma das maravilhas do digital é andarmos com uma câmera no bolso do casaco e quando sentimos que lampeja um feliz acaso temos o tempo e a circunstância do nosso lado. O que aqui se oferece ao leitor é uma sucessão de imagens desacertadas tanto no conteúdo como na espécie, até mesmo na sucessão do tempo, é quando somos surpreendidos e não resistimos ao acicate do registo, tudo fora do propósito de que se está a cumprir uma missão de trabalho, não há reportagem à vista, é a plena alegria do que se revela aos nossos olhos e, como se diz em certas legendas, quando se pega nas imagens eclodem os revérberos da memória, coisas que aconteceram no inesperado e que, pelas mais infundadas razões, retivemos no cofre forte das lembranças. Espero que este desfile de imagens não vos provoque um grande desapontamento.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (201):
O que fica na bagagem do viajante e se retira do fundo da gaveta

Mário Beja Santos


Há ocasiões em que não se vai à busca de uma missão específica, viaja-se ao acaso com o telemóvel no bolso e, inopinadamente, aquele lugar ganha uma desmesura, prende o encanto, há mesmo um panorama que muda de cor ou porque nasce o dia ou porque fenece, enfim, algo suscita um interesse incomum, tudo fruto do acaso. A câmara capta, mas como não se descobre qualquer forma de enquadramento para aqueles momentos de encanto, fascínio, não se guarda propriamente no fundo de uma gaveta, mas não se lhe confere préstimo. Até que um dia, como se descobrisse o segredo de uma manta de retalhos, juntam-se aquelas imagens, o conjunto ganha uma personalidade porque quem viajou se torna loquaz enquanto junta as peças daqueles mais do que desencontrados momentos do dito encanto ou do acicate da curiosidade. É o que agora se põe à disposição do leitor.
Era um daqueles dias entre feriados de fim e novo ano. Houve vontade de apanhar o cacilheiro, calcorrear o Ginjal e subir até à Casa da Cerca, é o local fora de Lisboa onde se pode ter uma imagem belíssima de uma Lisboa ao nível da linha de água, quase de Santa Apolónia até Algés. Nem tudo correu bem, o elevador não funcionava, o que suscitou uma boa subida até ao Almada Velho, onde se descobriu que também a Casa da Cerca estava fechada. Numa paragem antes de chegar ao Almada Velho mudou a luz do dia e, título de um filme de Alain Tanner, Lisboa apareceu branca, com alguns castanhos escuros, o que não fica na imagem é aquele milagre de urbanismo lisboeta em que mesmo a uma boa distância as formas e os volumes possuem espaço próprio, ganham identidade, até nasce a ilusão de que há uma conversa permanente entre Lisboa e a outra banda.
Quem quer comprar pechinchas em livros e bricabraque deve chegar cedo à Feira da Ladra. O que aqui se regista é um nascer da luz do dia, no exato momento em que tudo sai da escuridão, se até agora se andou a percorrer os espaços da feira com a luz do telemóvel, como num golpe de magia, tudo fica a descoberto, ao alcance dos nossos olhos. Vamos, pois, percorrer a feira.
Minutos depois, lá vou em direção às bancadas do sr. João, hoje trouxe montanhas de livros, muita cerâmica e porcelana. Daqui a bocado vou pagar-lhe uns cartapácios e um relógio Tissot, para senhora, em belíssimo estado, alguém em breve terá a sua hora de felicidade à custa desta pechincha.
Ia eu a caminho do Instituto Goethe, possui na sua biblioteca muitas obras alemãs traduzidas e tem uns escaparates com livros em saldo. Cada vez que passo por este edifício onde funcionou o Patriarcado lembro o meu encontro com o então cardeal D. António Ribeiro, ali à porta, eu ia a caminho do Hospital dos Capuchos para ser operado a uma hérnia discal, era o dia 16 de março de 1995, o cardeal saiu do carro e conversámos um pouco, estranhei tanta pergunta, o que vai fazer ao hospital, quando e como, apareceu-me na enfermaria dois dias depois de ter sido operado, quando entrou, um vizinho que me contou ir lá regularmente retirar líquido da sua hidrocefalia, fugiu aos gritos, dizendo que não queria morrer, não queria que o cardeal lhe desse a extrema-unção, eu para ali estava enevoado, a sofrer do rescaldo operatório, só tempos depois é que me diverti com o lado mirabolante desta visita, totalmente inesperada.
Fui ao Teatro Taborda ver a adaptação de um clássico, está hoje na moda adaptar obras-primas, mais uma vez caí na asneira de ir assistir a uma dessas falsidades de adaptações postiças. No intervalo vim até à varanda e apanhei a colina da Graça toda iluminada e o céu cinzento de chumbo, com o negrume em primeiro plano, uma parcela de Lisboa a encantar.
Pediram-me para ir ver o acervo documental do BNU oferecido à biblioteca da Faculdade de Letras de Lisboa, o pretexto era de que convivera meses a fio com a biblioteca e algum arquivo, podia ajudar a preparar a nota de síntese sobre estes conteúdos. Cheguei mais cedo, percorri o espaço da Faculdade onde tirei habilitações, encaminhei-me para o Anfiteatro 1 e fiquei muito contente de rever as cerâmicas de Jorge Barradas à entrada. Este modernista não só foi um grande desenhador, ilustrador como figura de proa das novas auras cerâmicas. Aqui fica um detalhe do grande painel que acolhe o visitante ou o aluno que entra ou sai do anfiteatro.
D. Catarina de Áustria e Santa Catarina de Alexandria, Oficinal de Cristóvão Lopes, depois de 1564
Martírio de São Sebastião, Gregório Lopes, 1536-1539

Andava eu a preparar um conjunto de artigos dedicados a uma possível capela privada da rainha Catarina de Áustria, a viúva de D. João III, no chamado Paço da Rainha, dentro do Castelo e Convento de Tomar, entendi que devia ir fotografar uma das poucas imagens que temos da rainha, e que é este quadro que está junto de o do seu marido, acontece que pelo caminho passei por este quadro de Gregório Lopes que provém do Convento de Cristo, de Tomar, o que se mostra na Charola é uma cópia, bem rigorosa por sinal, tenho para mim que é um dos quadros mais belos do renascimento português, pela sua perspetiva inusitada, marcado pelas duas influências mais expressivas da pintura portuguesa do seu tempo, a flamenga e a italiana.
Fernando Lopes Graça, fotografado por Eduardo Gageiro

Durante uma visita ao Arquivo Fotográfico de Lisboa quando, na visita à livraria, pude folhear uma bela obra de Eduardo Gageiro, e nisto pareceu-me Fernando Lopes Graça, a imagem é cativante, acho que Gageiro captou inteiramente as linhas do rosto e a vivacidade do olhar do grande compositor, tudo dentro do claro-escuro, um olhar fulminante sobre a pauta, nada mais interessa.
Visita ao Museu da Santa Casa da Misericórdia da Lourinhã, impossível ficar indiferente à qualidade do restauro deste espaço, à elegância e harmonia desta porta do período manuelino, é a primeira vez que entro neste espaço museológico e venho cheio de vontade para conversar com o Mestre da Lourinhã.
São João Evangelista no Deserto, Mestre da Lourinhã

Duas telas dominam este espaço dedicado ao Mestre da Lourinhã, São João em Patmos e São João Evangelista no Deserto. Este Mestre da Lourinhã é um verdadeiro mistério, mas o que nós podemos aqui ver é uma obra de pintura fabulosa, esteja-se atento aos fundos da perspetiva e não sobra dúvida que o dito mestre ou era mesmo flamengo ou por lá aprendera a técnica, são dois quadros que qualquer grande museu levaria de bom grado para o seu acervo.

E por hoje ficamos aqui, lembranças de felizes acasos ainda tenho para vos mostrar.

_____________

Nota do editor

Último post da série de 12 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26680: Os nossos seres, saberes e lazeres (676): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (200): O Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha, este meu ilustre desconhecido – 2 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26702: Boas amêndoas e melhores Páscoas de 2025 - Parte I (José Belo, Key West, Florida, EUA / Luís Graça, Tabanca de Candoz)





Fotos: Joseph Belo (2025)




1. Mensagem de Joseph Belo (Key West, Florida, EUA)


Data - 18 abr 2025 16:30

Assunto - Páscoas Felizes  

Para ti e restantes Camaradas da Guiné os Votos de Páscoa Feliz com uma receita de folar do "deep south" dos States, o Sul profundo dos EUA.

Um abraço de despedida do J. Belo.

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, José. Já estávamos com saudades tuas. Ainda bem que temos a Páscoa e o Natal para trocarmos  uns brindes. Estou em Candoz, Marco de Canaveses (a terra onde nasceu a Carmen Miranda,em 1909, tendo morrido em 1955, em Beverly Hiils, Califórnia). 

Além do famoso anho assado com arroz de foro, come-se o "pão-de-ló", húmido, feito só com ovos caseiros... É uma das especialidades dos Doces do Freixo - Casa dos Lenteirões, cuja origem remonta a 1819... 

Troco galhardetes contigo. É um "cheirinho" da tua terra, natal, Pátria, Mátria, Fátria... E da nossa Tabanca Grande. Espero que não hibernes agora mais seis meses...Com os ursos de pé de guerra na Gronelândia, até os da Lapónia já sairam do buraco. Nós, por cá, não temos desses, mas temos outros. Cuida-te...Que eu já mandei o meu velho camuflado da Guiné para a lavandaria...


Típico pão-de-ló da Páscoa, Doces do Freixo - Casa dos Lenteirões, Marco de Canaveses...

Foto: Luís Graça (2025)

Guiné 61/74 - P26701: Convívios (1020): Rescaldo do Encontro Anual do pessoal da CCAV 8351/72 - "Tigres de Cumbijã", levado a efeito no passado dia 5 de Abril de 2025, em Castelo Branco (Joaquim Costa, ex-Fur Mil AP Inf)


1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Costa, ex-Fur Mil Armas Pesadas de Inf da CCAV 8351/72 - "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74), com data de 15 de Abril de 2025:

Olá Luís,
Aqui estou eu a fazer prova de vida.

A leitura diária do nosso Blogue evidencia a inexorável lei da natureza. Cada vez somos menos.
Mas, enquanto houver dois ex combatentes, os encontros anuais vão continuar.
Aqui dou conta do encontro dos Tigres de Cumbijã, na linda cidade de Castelo Branco.

Como de poeta e de louco todos temos um pouco aqui vai a minha homenagem aos Tigres e a todos os ex combatentes.

BOA PÁSCOA
Joaquim Costa



O TIGRE

Em Estremoz, mourisca terra
Tigres ouvem sentença
Seus padrinhos de guerra
Dragões de Olivença

De Portalegre a Marvão
Madrinhas se procuraram
Discursos fora de mão
Deste Alentejo zarparam

A sorte Guiné ditou
Estúpida guerra enfrentaram
Três gritos por quem lá ficou
Com o povo se emocionaram

No regresso ao seu ninho
De todos um pouco levaram
Ficaram amizades, carinho
Tigre nos corações tatuaram


(JC)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 14 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26687: Convívios (1019): 33.º Almoço Comemorativo da CCAÇ 1684, "Panteras", a realizar-se no próximo dia 17 de Maio de 2025 em Alcoutim

Guiné 61/74 - P26700: Notas de leitura (1790): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: As turbulentas duas primeiras décadas na Guiné, ainda é difícil falar dela como colónia (6) – 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Não surpreendo ninguém quando escrevo, na esteira dos comentários aqui expostos por Philip Havik, que naquelas duas primeiras décadas do século XX a Guiné não era ainda propriamente uma colónia, as tensões eram profundas, havia grupos constituídos, interesses instalados poderosíssimos. Haverá, no entanto, quem se mostrará estupefacto com a leitura que Havik faz do peso cabo-verdiano na Guiné, e certamente determinante no comércio e na administração, merecendo das populações nativas uma desconfiança e uma crescente hostilidade. Não será por acaso que o investigador aludirá à referência de que estas tensões irão pesar no período da luta pela libertação, procurava-se por parte dos guerrilheiros alterar completamente uma história de longa duração de hostilidade, viu-se que o quadro ideológico vitorioso, onde pesavam os cabo-verdianos, foi de curta duração. Toda esta leitura que o investigador faz, rigorosamente documentada, é suscetível de introduzir um elemento novo no estudo da Guiné colonial e pós-independência.

Um abraço do
Mário



Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné:
As turbulentas duas primeiras décadas na Guiné, ainda é difícil falar dela como colónia (6) – 1


Mário Beja Santos

Na publicação Caminhos Cruzados em História e Antropologia, Imprensa de Ciências Sociais, 2010, Philip Havik publicou o ensaio Esta ‘Libéria Portuguesa’: mudanças políticas e conflitos sociais na Guiné (1910-1920), lança um olhar esclarecedor sobre uma colónia que ainda não o era, num tempo em que na própria sociedade portuguesa havia quem opinasse que se devia despachar território tão incómodo, ou entregá-lo a empresas comerciais, com direitos de exclusividade, de modo a não trazer mais inquietações ao erário público. Havik dá-nos um contexto de uma sociedade em permanente tensão, uma conflitualidade que era aproveitada não só por potências estrangeiras, mas pelos interesses económicos instalados.

A cultura do amendoim merecera rasgados elogios, parecia Sol de pouca dura devido às guerras entre sociedades africanas, particularmente no Forreá. As casas de comércio criticavam a intervenção militar, ainda por cima não se traduziam em ganhos territoriais. Quem administrava ou recebia a incumbência de estudar a Guiné punha sempre no papel que era preciso reorganizar tudo antes que as nações poderosas tomassem conta do território. A França chegou mesmo a admitir que a compra da Guiné Portuguesa, ou a sua anexação era a melhor das soluções. As críticas internacionais também se prendiam com a fuga de populações rebeldes do Senegal para a colónia portuguesa, além do tráfico de armas e continuação da escravatura. Era nas missões luso-francesas da delimitação das fronteiras que se tornava bem visível a continuada falta de controlo e de conhecimento das zonas limítrofes por parte das autoridades portuguesas. Ninguém desconhecia que continuava a escravatura doméstica. Na opinião das autoridades inglesas, a Guiné era a colónia com a pior administração em África, a seguir à Libéria. Os militares portugueses também não poupavam críticas ao abandono e inoperância. Qualquer governador recém-chegado denunciava o estado de abandono do território, a falta de ocupação militar e os movimentos de rebelião sempre latentes.

Chegada a I República, não faltaram petições e diatribes contra os governadores nomeados por Lisboa; tudo se agudizou com as campanhas para eleger deputados, o que deu origem a fações. Vem depois o impacto da guerra, o encerramento das casas alemãs, a diminuição da exportação da borracha, amendoim e coconote, cuja produção estagnou, aumentando ainda mais o défice. Os grandes comerciantes locais queriam manter o privilégio de serem eles os intermediários, queriam manter as suas relações preferenciais com os indígenas, vê-los afastados o mais possível das autoridades. Os comerciantes nacionais apelavam para que o Governo proibisse casas estrangeiras com as populações do interior, insinuava-se que a Guiné era mais uma colónia estrangeira do que uma colónia portuguesa, à frente desta contestação também estavam os cabo-verdianos; e os comerciantes franceses queixavam-se que estes intermediários locais colaboravam com os alemães.

Falhou a tentativa do Governo de atribuir grandes concessões a empresas portuguesas. E quando aumentou de intensidade a campanha de pacificação as várias fações envolvidas deram sinais de conflito. Havia dois grupos, os cabo-verdianos que ocupavam lugares de destaque na administração e no comércio, e os grumetes que habitavam os principais portos e serviam como principais intermediários no comércio fluvial. Todo este conflito se manifestou bem vivo até à década de 1930, e virá a ser repescado no contexto da guerra colonial. Como observa Havik, enquanto os cabo-verdianos são tratados como “civilizados”, os segundos eram alvo de uma tremenda desconfiança das autoridades por causa da sua proximidade com as populações nativas. A crítica ao peso cabo-verdiano manifestou-se, por exemplo, quando se deu a substituição de um juiz europeu por outro de origem cabo-verdiana, o governador de então protestou; um outro governador informava os seus superior na metrópole que a Guiné estava contaminada de cabo-verdianos e de muitos pretos que se dedicavam unicamente ao roubo e à vadiagem, mas por outro lado também criticava os Grumetes, que dificultavam a missão civilizadora do europeu. Acusados de jogar com um pau de dois bicos, era questionada a eficácia e a lealdade dos Grumetes, foi notório até à década de 1910. Quando foi nomeado o novo chefe militar para comandar as operações na Guiné em 1912, abandonou-se a aliança com os Grumetes a favor de mercenários vindos das colónias francesas, será esta a estratégia que o capitão Teixeira Pinto adotará até à campanha na ilha de Bissau, em 1915. Houve quem entendesse que se estava a montar uma guerra surda dos Grumetes contra os mercenários, com o apoio dos cabo-verdianos.

Será esta luz que se deve procurar compreender o papel da Liga Guineense, “uma assembleia dos nativos da Guiné”. Campeava o favoritismo, os favorecimentos ilícitos; o chefe da alfândega de Bissau era ao mesmo tempo tesoureiro da mesma e diretor dos correios. Veio a inspeção, só encontrou dificuldades, como anota o investigador. As muitas rasuras nos registos mostraram a facilidade com que se substituía a fórmula do despacho por outro, sendo os valores dos despachos sempre inferiores aos verdadeiros, de vez em quando menos de 50 por cento. Não havia arquivos, favoreciam-se certas casas de comércio que recebiam as suas encomendas sem qualquer fiscalização, só pagando aquilo que declaravam. Até os capitães dos navios que sabiam destas práticas entregavam os documentos incompletos ou em mau estado, sem serem incomodados.
No relatório de inspeção escreve-se:
“A Guiné foi durante muitos anos um feudo de alguns influentes, que dispunham a seu bel-prazer de tudo e todos, e aqueles que não acediam aos manejos eram lançados à margem, sendo inúteis todas as suas reclamações. [...] Nenhum critério, nenhuma justiça havia nas colocações de pessoal, e assim para os piores lugares eram atirados aqueles que não tinham o valimento de algum poderoso.”

Havia, é certo, denúncias feitas por comerciantes lesados sobre negócios ilícitos conduzidos por funcionários de alfândega. Tendo ainda em conta o relatório deste inspetor, o único europeu que trabalhava nas alfândegas fora discriminado injustamente com base no ódio de cor. O chefe do círculo aduaneiro da Guiné, que é descrito pelo inspetor como um cabo-verdiano, comprazia-se em aviltar o funcionário que não é da sua cor ou da sua raça.

E Philip Havik termina assim esta leitura sobre as tensões sociais:
“No interior que ainda estava em grande parte sob o domínio das sociedades africanas, os comerciantes também dependeram em larga medida das relações de proximidade e de parentesco que os funcionários com estes mantinham. Porém, para a maioria das pessoas era ‘muito arriscado sair fora da praça, não podendo os negociantes entreter com o gentio outras relações comerciais que não sejam as realizadas em Bissau’.”

Ponte-cais de Bissau, construída pelo governador Carlos Pereira na década de 1910
Um aspeto do porto de Bissau com o Ilhéu do Rei ao fundo, 1908
Imagem da Imprensa Nacional em Bolama, fotografia de Francisco Nogueira, na obra Bijagós: Património Arquitetónico, Tinta da China, com a devida vénia
Quando a capital da Guiné ainda possuía alguns sinais de esplendor
Mapa holandês de 1727 chamando Negrolândia na faixa acima do que seria a Guiné

(continua)
_____________

Notas do editor:

Post anterior de 4 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26651: Notas de leitura (1786): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Na Terra do Novo Deus: O general Henrique Dias de Carvalho na Guiné (1898-1899) (5) – 2 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 14 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26686: Notas de leitura (1789): "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2014 (2) (Mário Beja Santos)