quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15279: Manuscrito(s) (Luís Graça) (66): No melhor pano cai a nódoa...

Deus dá a nódoa conforme o pano


por Luís Graça


No melhor pano cai a nódoa,
diz o povo,
mais o do campo do que o outro povo,
o da cidade.
E com razão…
ou talvez não ?
Opto pela dúvida metódica,
não sei se cai mesmo, afinal,
a nódoa,
no pano,
no melhor pano,
seja velho ou novo,
como cai a maçã de Newton,
no chão,
por força da gravidade
ou por mor do pecado original.


Por um questão de memória
e de verdade,
pergunte-se:
- O que é que cai (ou caía)?
 A nódoa, o pano ou o povo,
ou todos os três,
no turbilhão da história ?


Reformulando o ditote
de que, se calhar, nem é do povo  a autoria:
é a nódoa que cai no pano
ou é o pano que cai na nódoa ?
Seria o pano fêmea
e a nódoa macho ?
Se sim, então porque dizes “o pano” ?,
ou porque escreves “a nódoa” ?


Tu, sortudo,
que és pano, limpo, alvo,
de linho, seda ou até de algodão,
tu que és pano de veludo,
brocado,
bordado a prata ou ouro,
posto à mesa do rico ou do governante,
por que é que deverias ser
estático,
passivo,
servil,
expectante,
objeto,
recetáculo ?
E tu que és nódoa,
suja,
repelente,
nauseante,
de vinho ou azeite,
de sémen ou de sangue,
de vómito ou de pecado,
por que é que deverias ser
dinâmica,
proativa,
predadora
sujeito,
ator,
vetor ?


Diz o demagogo ao povo:
- Dai-lhe asas de vento, dai-lhe,
ao pano,
que ele voa,
que ele é capaz de voar,
como o tapete mágico
da lenda das mil e uma noites!
E desintegrar-se-á em mil e um bocados,
em mil e um orgasmos,
em mil e uma nódoas,
numa espiral de entropia
que o levará a um fim trágico.


Segrega o confessor ao pecador,
com o típico mau hálito da boca dos confessores:
- Cuidado, meu filho,
que a nódoa pode ser oportunística,
como a serpente da árvore do paraíso,
e estar ali especada,
emboscada,
traiçoeira,
como a flor carnívora
à espera da sua vítima,
o pobre do incauto inseto.
Ou como a orquídea-abelha
à espera do zangão
para ser fecundada,
acrescenta o biólogo.


Sociólogo, filólogo ou teólogo,
atiça, provoca, alvoroça, desafia o povo,
sem evocares o seu nome em vão
e muito menos o de Deus:
- Se no melhor pano cai a pior nódoa,
por que é que no pior pano
não cai a melhor nódoa ?
… Afinal o sujo faz parte do continuum do limpo.


Na seda mais fina é que a nódoa pega,
há também quem o diga e ajuramente,
burguêsmente,
o que vale é que
a nódoa que põe a amora.
com outra, verde, se tira
.
Eu prefiro a bosta de abril
que tira manchas mil
.
Mas cuidado com outros meses do calendário,
que a nódoa de janeiro
não a tira o ano inteiro
.
E depois há nódoas e nódoas,
algumas indeléveis:
nem toda a água do mar
pode certas nódoas tirar.
E, abrenúncio!,
nódoa de gordura
é alma… que cai no inferno
.



Fique o poema provisoriamente inconclusivo,
arremata o poeta,
que não é limpo de geração:
- Não há pano sem nódoa,
não há nódoa sem pano,
não há ponto sem nó,
não há povo sem dichote
(nem povo que queira e ame o chicote!).
Não há aquém sem além,
nem há xis sem corações,
mesmo que se vejam as caras
e não se vejam os corações.
Mas o pior é que, às vezes,
não há mesmo ninguém
que goste de nós!
Mais:
não há sábio sem louco,
nem médico sem doente,
nem Deus dá nozes
a quem não tem dentes,
porque isso seria indecente,
da Sua parte.


Enfim, e já que Ele para aqui foi chamado,
por causa da  nódoa original, primordial,
do pecado,
é bom que se saiba
que Deus, Misericordioso,  dá a nódoa
…conforme o pano!

Lisboa, v5 22out2015

© Luís Graça

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15248: Manuscrito(s) (Luís Graça) (65): O Tempo Parece Querer Mudar... (Coleção de citações do diário de Tomás de Mello Breyner, c. 1902-1904)

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15278: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (VI e última parte): 40 anos depois, entro eu mais o Xico Allen na famosa base IN do regulado de Mansomine, onde muito provavelmente repousam os restos mortais de camaradas nossos como o Agostinho Francisco da Câmara e o Fernando da Costa Fernandes


Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Uma bomba da FAP (Força Aérea Portuguesa), das muitas que foram lançadas sobre a base do PAIGC, durante a guerra colonial, e que não chegaram a explodir (Foto nº 1). Na foto nº 2, o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes. Em finais de 1967, Sinchã Jobel passou a ser uma ZLIFA (Zona Livre de Intervenção da Força Aérea).

Fotos: © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



Foto nº 3



Foto nº 4



Foto nº 5

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Aspectos da atual tabanca, sita no local da antiga base do PAIGC. Fica a 200 metros da antiga base do PAIGC.


Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Foto nº 6

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Mule Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra colonial, e que hoje mora lá. É irmão do Darami.



Foto nº 7

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Darami Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra colonial, e que hoje mora lá. É irmão do Mulé.


Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]




Foto nº 8


Foto nº 9


Foto nº 10

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Antiga base do PAIGC. Está-se ainda em plena época seca. Ainda existem árvores de grande porte.


Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



Foto nº 11


Foto nº 12

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Vestígios ainda bem visíveis, nas árvores, dos bombardeamentos feitos pela Força Aérea Portuguesa.


Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição: LG]




Foto nº 13

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de abril de 2006 > Local onde se situava o posto de vigia ou sentinela dos guerrilheiros, segundo indicação do Dirami.



Foto nº 14

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > Local onde se situava o poço, agora tapado, para onde eram lançados os cadáveres.

Fotos: © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados

1. Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA ref, ex-alf mil (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)... Em abril de 2006, (re)visitou Guiné-Bissau, num viagem de grupo organizada pelo Xico Allen...


Última parte desta série, "Jogos de Cabra-Cega: Sincha Jobel", com a reedição de alguns postes do A. Marques Lopes, que tem por objeto central a descoberta e a tentativa de destruição, pelas NT, de Sinchã Jobel, uma base ("barraca") do PAIGC, em pleno coração da Guiné, na zona leste, no regulado de Mansomine, entre Mansambá e Bafatá.


São os postes nº 35, 36, 39, 40, 45 e 763 (*), originalmente inseridos na I Série do nosso blogue, e como tal como pouco lidos e já esquecidos... Fizemos a revisão de texto (e atualizámos o texto de acordo com a ortografia em vigor). (*)

Estes "jogos de cabra-cega" fazem parte da trama do romance que o A. Marques Lopes lançou, recentemente, em junho passado, sob a chancela da Chiado Editora (capa ao lado). O autor, João Gaspar Carrasqueira, é pseudónimo literário. Aiveca, a personagem central do romance, é o "alter ego" do A. Marques Lopes. A editora meteu o livro na sua coleção "Bios", classificando-a como "biografia" e não como "romance"... Na realidade, é uma autobiografia ficcionada, de 582 pp.

Todos nos lembramos do jogo da cabra-cega, do nosso tempo de infância e de escola? "Tapam os olhos ao que é apontado para ser cabra-cega, Dão-lhe várias voltas para perder o sentido de orientação. Dão-lhe empurrões para o desorientar ainda mais e não saber para onde se virar" (, preâmbulo do livro). A vida (e a guerra) é um jogo de cabra-cega. (LG).



Pois, camaradas e amigos, eu e o Xico Allen acabámos por entrar na base do IN em Sinchã Jobel, que nunca fora tomada pelas NT, nem quando eu, sem querer, lá fui em 24 de junho de 1967 (Op Jigajoga I), nem em 31 de agosto de 1967 (Op Jigajoga II), nem em 16 de setembro de 1967 (Op Jacaré), nem 15 e 16 de outubro de 1967(Op Imparável), nem em 27 de outubro de 1967 (Op Insistir), nem em 28 de outubro de 1967 (Op Instar), nem em 19 de dezembro de 1967 (Op Invisível) e nem em 21 de dezembro de 1967 (Op Invisível II), a última que se fez para tomar essa base, comandada durante esse período por Lúcio Soares, como ele próprio me disse.

A clareira de Jobel (a tal onde sofri uma emboscada) tem agora uma tabanca (vd. fotos acima). Como chegámos lá? Fomos, eu e o Allen, até Sare Banda [vd. carta de Banjara] [Foto nº 15] e aí encontrámos um homem que nos acompanhou, indicando-nos o caminho para Sinchã Jobel.

Durante a guerra, Sare Banda era uma grande tabanca, fruto do reordenamento da zona, e onde esteve um destacamento da CART 1690. É agora pequena, vendo nós pelo caminho já várias outras tabancas, explicando-nos o homem que nos acompanhou que muita gente saíu de Sare Banda para formar outras tabancas. Naturalmente, é claro.

E chegámos a Sinchã Jobel, com alguma dificuldade, é verdade, pois existe para lá um simples carreiro. E eu cheguei à conclusão que seria mais fácil ter chegado à base se as NT tivessem ido por ali, apesar de a mata ser muito cerrada. Lá encontrámos o Dirami e o Mulé /(Fotos nºs 5 e 6), dois ex-guerrilheiros daquela base e agora moradores na tabanca de Sinchã Jobel.




O organizador desta viagem, do Porto a Bissau, em abril de 2006, foi o Xico Allen [ex-1.º cabo at inf, CCAÇ 3566, Os Metralhas, Empada, 1972/74]. Levou o jipe, que lá ficaria para futuras viagens. O grupo regressaria depois de avião. Acompanhou, em 22 de abril de 2006, o A. Marques Lopes neste "raide" até à mítica Sinchã Jobel. (LG)


Durante a guerrqa, a FAP bombardeava com regularidade a zona... Houve bombas que não rebentaram. Disse o Dirami que conseguiram rebentar várias, mas aquela que vimos [ Fotos nº 1 e 2] não tinham conseguido... e lá está ainda. Muitas delas, eu já sabia, rebentavam nas árvores, outras batiam nelas e caíam sem rebentar, porque já não caíam da forma adequada para rebentarem as espoletas. [Fotos nº 78, 9 e 10].

Duas coisas nos indicou o Dirami:

(i) uma, está ele de cócoras, "ali em frente, no tronco daquele poilão era o posto de vigia" [Foto nº 13] (as NT disseram que eles estavam em cima das árvores, mas o que sucedia é que o vigia começava logo a disparar assim que nos via entrar na clareira);

(ii) outra, está ele a dizer-me (vd. foto do cemitério, tirada pelo Allen) [Foto nº 14], "aqui, por baixo destes arbustos está um poço, para onde lançávamos os mortos, pois não havia tempo para fazer covas individuais", e está lá o poço, coberto de arbustos e já tapado com terra;

(iii) e - eu cá para mim - que "lá estarão os corpos do soldado Agostinho Francisco da Câmara, morto em 16 de outubro de 1967, e do alferes Fernando da Costa Fernandes, morto em 19 de dezembro de 1967 de dezembro de 1967, corpos esses que não foi possível recuperar durante as operações feitas nessas datas".

E ficou-me também a pena de as cabeças pensantes que mandavam na guerra terem insistido em várias operações, a começar nas bolanhas de Sucuta e Canhagina [vd. carta de Bambadinca] e na travessia do rio Gambiel, quando teria sido mais fácil e, se calhar, eficaz terem feito o caminho que eu fiz agora, tanto mais que em duas daquelas operações entrou a tropa especializada dos comandos. Coisas.

Abraços, A. Marques Lopes



Foto nº 15

Guiné > Região de Bafatá > Sare Banda > 2001 > Altamiro Claro, ex-alf mil op especiais, da CCAÇ 3548 / BCAÇ 3884 (Geba, 1972/74), e ex-presidente da Câmara Municipal de Chaves, em Saré Banda (vd. Carta de Banjara).

Foto: © Altamiro Claro (2007). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


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Postes anteriores:

24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15150: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte IV): Op Insistir (27/10/1967): com a 5ª CCmds e dois 2 grupos de combate de cassanhos, da CART 1690

6 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14707: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte III): Op Jigajoga 2, 31/8/1967, e Op Jacaré, 16/9/1967... Fotos de Banjara

5 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14700: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte II): Depois de uma noite, perdido, na bolanha, de 24 para 25 de junho de 1967, "é tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero!... Bora, Braima, bora, rapaziada, toca a sair daqui"...

3 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14695: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte I): Op Jigajoga, 24 de junho de 1967, o meu dia de São João

Guiné 63/74 - P15277: Os nossos seres, saberes e lazeres (120): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Retido por um contratempo mais uma dia em Bruxelas, por ali andei no folguedo, nunca escondi a ninguém que temos, a cidade e eu, um enlace amoroso, ofereci-lhe, e continuo a oferecer-lhe, toda a minha curiosidade para a ver e sentir. É um festim para o coração aqui chegar, daqui parto sempre melancólico por não dar a Bruxelas a atenção que ela merece, sabendo que os eurocratas a tratam com desdém. Bati a portas familiares, percorri trajetos mais do que conhecidos, mas o essencial é partilhar toda esta satisfação, este colorido numa arquitetura onde perpassa a pedra escura, convosco.

Um abraço do
Mário


Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (3)

Beja Santos

Dei uma saltada até ao Bozar, nome porque é conhecido o Palácio das Belas Artes, a casa de maior prestígio em eventos artísticos, tanto clássicos, como os concertos da Maria João Pires, aqui se exibiram Ravi Shankar e Ray Charles, há exposições fabulosas, tudo farei para em Outubro vir ver a Europalia Istambul, representações de Constantinopla que datam do século XIX e a Europalia Anatólia, é a grande presença turca, sempre à espera que a União Europeia venha a admitir a Turquia com um melhor estatuto. O edifício está em obras, a sua sala de concertos, uma das mais lindas do mundo, está a receber beneficiações. À entrada deparou-se-me este trabalho artístico intitulado Africonda, de Pascale Marthine Tayou, seguramente uma rival da Joana Vasconcelos, aqui estão toalhas de rosto, máscaras, feno e madeira. É, no mínimo, decorativo. Não se pode entrar na sala de concertos mas não resisto a mostrar uma dessas imagens que correm mundo. Dá gosto estar aqui sentado, mesmo na geral, que me têm deixado boas memórias.

Chama-se Sala Henry Le Boeuf, inaugurada em 1929, daquele palco agradeceram as palmas Serge Prokofiev, Igor Stravinski e Louis Armstrong.

No átrio, bem perto da entrada da sala de concertos, está este monumento dedicado à memória de Henry Le Boeuf, banqueiro, mecenas e melómano que conseguiu financiamento para a sala que tem o seu nome. Não fosse este fotógrafo-amador mais que canhestro, e a escultura ficaria com os dois braços bem visíveis, paciência.

Aqui está uma porta do Bozar, há muitas como esta, enternece-me a simplicidade destas linhas da Arte Deco, cada vez me convence mais que ao nível das artes decorativas do século XX foi a corrente de vanguarda mais emocionante e que deixou mais sequelas. Não fosse caso disso, e não víamos estas manifestações artísticas permanentemente glosadas no mobiliário, na ourivesaria, no vestuário. O génio é isto.


A remexer neste acervo de imagens, aquando da visita à Igreja de Notre Dame de la Chapelle, esqueci-me de vos mostrar o que fundamentalmente aqui me trouxe, o túmulo de Bruegel, a minha admiração por este pintor não tem limites. Sempre que posso vou aos museus nacionais de Belas Artes contemplar uma obra que me encanta, A Queda de Ícaro, espero um dia ter oportunidade de vos dizer porquê. O nosso Bruegel e os seus descendentes deixaram uma obra fenomenal, se um certo quadro caía no goto do príncipe, do bispo ou do rico comerciante, tínhamos logo cópia, é por isso que a Tentação de Santo Antão, no Museu Nacional de Arte Antiga, tem vários gémeos, ainda bem, são obras-primas multiplicadas.


Quem vê fachadas não vê interiores, não há ninguém que não saiba que o que se construiu no gótico, na pedra, praticamente é irreconhecível na estatuária, em toda a imaginária, até nas soluções dos vitrais. Lá dentro, confesso, é um barroco tão pesado, tão pomposo, só apetece dar uma volta, saudar o Bruegel e fotografar o gótico. Bruxelas está cheia de falso gótico, nos tempos áureos em que o rei era dono do Congo financiou estas imitações, algumas metem dó.


O meu dia de turista caminha para o fim, nem me atrevo a dizer o número de imagens que vão para o balde do lixo, nalguns casos, não sei o que é que pensam os outros fotógrafos amadores, são imagens que perdem identidade quando as revisitamos, sabemos que andámos por ali, mas as imagens não coincidem com a emoção, são abatidas ao efetivo da memória. Passo de revés junto da Igreja de S. Nicolau por onde começou este passeio em Bruxelas, no mês de Setembro. A luz é boa para mostrar a componente da arquitetura civil a embeber-se no templo que vem da Idade Média. Confesso que gosto muito.


É fatal como o destino, não me coíbo, seja qual for a estação do ano, em atravessar pela Grand-Place, um dos ícones da cidade, já se disse que os canhões a mando de Luís XIV reduziram esta formosura a pó, mas o homem é obstinado, reconstrói estes pontos-chave da civilização e da cultura. Os alemães destruíram Cracóvia, os norte-americanos e britânicos Dresden, e depois reconstrói-se, perde-se a pátina mas o fundo do passado regressa às praias da história dos povos, é um espelho que não se pode quebrar.


Despeço-me com uma imagem da Galeria Bortier, se o leitor se der ao cuidado de ir catrapiscar no Google encontrará imagens surpreendentes de uma Bélgica que já não existe, esta galeria era um ponto alto para bibliófilos, compradores de imagens, bibelôs e antiguidades. É facto que já passa das 18 horas, ao fundo, do lado direito, está aberto um estabelecimento, onde, se eu entrar, encontrarei um devotado colecionador de obras de René Magrittte, ia mostrar-me com orgulho os cartazes deste sumo-sacerdote do surrealismo. Limito-me a fixar esta imagem, a galeria dá mostras de definhamento, já não há aquela clientela dos séculos XIX e XX, agora quer-se calcorrear as grandes catedrais do consumo… Está aqui um pouco do meu passado, ali ao lado está a Gare Central, ali se chega de trame, comboio ou metro, aproveitava os minutos disponíveis à chegada ou antes de partir para coscuvilhar papel e coisas afins. Agora vou apanhar o metro, o meu dia acabou, muito cedo parto para Antuérpia, e como temos o tempo belga agora chuvisca e o tempo esfria. Amanhã faço-vos um relato de uma cidade magnífica, por ali andaram portugueses à procura de flamengos para povoar a Madeira e os Açores, há ali afinidades históricas que não se pagam nem se apagam.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15249: Os nossos seres, saberes e lazeres (119): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15276: Recortes de imprensa (76): Ribamar da Lourinhã: inaugurado em 20/9/2015 o monumento aos combatentes da terra, que prestaram serviço em África e no Oriente (Sofia de Medeiros, jornal "Alvorada", 15/10/2015)



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Texto e foto: Sofia Medeiros. "Alvorada", Lourinhã, 15 de outubro de 2015 
(Reproduzido com a devida vénia)


Comentário de L.G.:

Nestas últimas semanas, ainda não passei por lá, por Ribamar, terra onde tenho muitos parentes, do clã Maçarico... (A minha bisavó materna, nascida por volta de 1864, era de lá). Gostaria de lá poder ter estado, e dado um braço ao meu parente Luís Maçarico (**), que esteve prisioneiro na Índia (em 1961/62), e que foi um dos elementos da comissão organizadora deste evento. 

O recorte foi-nos enviado pelo ten cor inf ref José [Costa] Pereira, do Núcleo de Torres Vedras e Lourinhã da Liga dos Combatentes, em 19 do corrente, com a seguinte nota:

"Por iniciativa de uma comissão encabeçada pelos senhores, lenente-general Jorge Silvério, Luís Maçarico e Pedro Cruz foi inaugurado um monumento aos combatentes de Ribamar, em 20 de Setembro de 2015.

Este evento que teve a presença de uma força da Escola das Armas, foi presidido pelo senhor presidente da Câmara da Lourinhã, Engº João Duarte, e teve o apoio da Liga dos Combatentes, através do seu Núcleo de Torres Vedras e Lourinhã."

Natural de Ribamar, e morto por "acidente com arma de  fogo", em 23/7/1968,  no TO Guiné era o Albino Cláudio, sold at inf da CCAÇ 2368 / BCAÇ  2845 (Fonte: Portal UTW - Ultramar TerrwaWeb)

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Notas do editor:

(**) Ultimo poste da série > 14 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15252: Recortes de imprensa (75): "Guiné-Bissau, um dia de cada vez", fotorreportagem de Adriano Miranda, Público -Multimédia, 11/10/2015... Quatro dezenas de fotos, a preto e branco, que nos emocionam e interpelam (António Duarte, ex-fur mil at, CART 3493 e CCAÇ 12, dez 1971/jan 1974)

(**) Vd. poste de 27 de janeiro de  2012 > Guiné 63/74 - P9405: Efemérides (84): Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos, dois bravos da Lourinhã, que ficaram prisioneiros das tropas indianas em 19 de dezembro de 1961

(...) Luís Filipe Maçarico, nascido em 1939, em Ribamar, chegou à India, em 1960, com 21 anos. Cumpriu 28 meses de serviço militar como cozinheiro, primeiro no Hospital Militar de Panjim, e depois – os últimos cinco meses – no campo de prisioneiros (onde continuou a cozinhar para os seus camaradas). O Luís é, além disso, uma pessoa muito estimada na sua terra, estando ligado à organização de eventos como os dois primeiros encontros dos Maçaricos de Ribamar ou à dinamização do Rancho Folclórico de Ribamar. (...)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15275: Fotos à procura de... uma legenda (65): Os nossos bravos marinheiros condecorados por Spínola, em 1971 (Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2208, Mansoa e Mansabá, 1970/71, ACAP, Bissau, 1971)


Foto nº 3 A

Foto nº 3 B


Foto nº 3


Foto nº 3-C


Fotos : © Ernestino Caniço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Foto do álbum do Ernestino Caniço (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71), hoje médico, reformado:

O Ernestino Caniço conheceu o o govrnador-geral e com-chefe quando, já no final da comissão, exerceu funções na famosa Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (RepACAP), na  Secção de OperaçõesPsicológicas, no QG/CTIG, na fortaleza da Amura, funções essas que o obrigavam, com alguma frequência, a ir ao palácio do Governador. Esta foto traz apenas, como legenda, "O general Spínola com um grupo de marinheiros" (*)...

Mas vendo bem, em pormenor, trata-se de um grupo de bravos da marinha que acabavam de ser condecorados, alguns com cruzes de guerra. Por onde andarão estes homens, nossos camaradas ? E quem serão ? Em que data se realizou esta cerimónia ?

À esquerda de Spínola, está um comodoro (se não erro). Vou pedir ao nosso grã-tabanqueiro Manuel Lema Santos para o tentar identificar. Seria o comodoro Luciano Bastos, comandante da Defesa Marítima da Guiné ? (**)

O Ernestino Caniço é membro da nossa Tabnca Grande desde 21/5/2011. Comandou o Pel Rec Daimler 2208 até fevereiro de 1971, altura em que o pelotão foi colocado em reforço do Agrupamento de Bissau, sendo os seus homens dispersos por diversas unidades. O Pel Rec Daimler foi mobilizado pelo RC 6 (Porto), embarcou no T/T Uíge em 31/1/1970, chegou a Bissau a 6/2/1970, seguindo depois para Mansoa e Mansabá.

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Guiné 63/74 - P15274: Inquérito "on line" (12): A Guerra da Guiné e os seus comandantes que, de derrota em derrota, propiciaram a vitória final ao PAIGC… (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de hoje, 20 de Outubro de 2015:

Viva, Carlos!
Correspondo ao "inquérito" com um texto algo extenso, sem ser exaustivo, referido aos nossos patrões da Guerra da Guiné.

Abraço,
Manuel Luís Lomba


A Guerra da Guiné e os seus comandantes que, de derrota em derrota, propiciaram a vitória final ao PAIGC… 


Comandante Melo e Alvim, Governador entre 1954-56:

A PIDE só se instalou na Guiné a partir de 1958 e Amílcar Cabral, director dos Serviços Agrícolas e Florestais do seu governo, escudou-se no carácter aberto e tolerante desse oficial da Armada para semear os ventos da subversão, aliciando elites, pequena burguesia dos centros urbanos e chefes de tabanca Balantas e Nalús, com a sua boa nova da libertação da suserania de Portugal, enquanto percorria os chãos daquelas tribos, por conta do Estado, na roulotte dos seus Serviços, ao abrigo do Recenseamento Agrícola desse território, elevado a Província Ultramarina Portuguesa, desde 1951.

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Comandante Peixoto Correia, Governador entre 1959-62: 

Entretanto, Amílcar Cabral aderira ao PAI, Partido Comunista da Guiné, fundado por Rafael Barbosa, alcandorara-se ao cargo de secretário-geral e reciclou-o no PAIGC. Em 1960, frequentou a União Soviética com passaporte português, em demanda de apoio e da lavagem ao cérebro, a seguir viajou para a China com Nino Vieira e mais 29 aderentes por si seleccionados, para tirocinar na Academia Militar de Pequim, na qual o próprio também se terá sujeitado a formação acelerada nas tácticas da guerra de guerrilhas (a complementar a formação militar clássica, recebida na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde terá atingido a patente de alferes miliciano) e começou a remeter as reivindicações políticas do PAIGC a Salazar.
Naquele ano, a guarnição militar da Guiné tinha o efectivo de 1850 elementos, metropolitanos e locais, na proporcionalidade de 80% e de 20%, respectivamente, que se manterá até ao seu abandono, em 1974.
Emigrou para Conacri, em 1961, contratado pelo governo de Sekou Touré como conselheiro técnico do ministério da Economia Rural e, com recurso à conta bancária da mulher Maria Helena, metropolitana e de família abastada, mandou incendiar a Guiné Portuguesa, em extensão e profundidade, com o corte dos fios da rede telefónica, sabotagem de viadutos, abatizes nas estradas, no norte e no sul, visando a paralisia económica e o isolamento de vilas e tabancas, e duas embarcações de cabotagem foram capturadas, uma à Casa Gouveia e outra à Sociedade Comercial Ultramarina.

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Comandante Vasco Rodrigues, Governador entre 1962-64, e 
Brigadeiro Louro de Sousa, Comandante Militar: 

Em Junho/Julho de 1962, o PAIGC de Conacri, em coligação operacional com o MLG de Ziguinchor, lançaram ataques terroristas a Susana e a Varela, mobilizando centenas de manjacos maioritariamente senegaleses, comandados por Pierre Mendy, de Casamança, ex-sargento do exército francês na guerra da Argélia, enquadrados por 10 instrutores ex-FNLA daquele país. O efectivo da guarnição militar havia crescido para 5070 elementos.
O PAIGC deu início oficial à sua guerra na Guiné em Janeiro de 1963, com o ataque ao aquartelamento de Tite, seguido de outros, no sul, cento e norte, conforme dispositivo táctico e de manobra belicoso, concebido e implementado pelo próprio Amílcar Cabral, em oposição ao dispositivo militar da autoria do ministro da Defesa General Santos Costa e implementado pelo Secretário de Estado do Exército, o então Ten-Coronel Francisco da Costa Gomes. O grupo atacante a Tite procedera de Koundara, na República da Guiné, a sua primeira base recuada, a 150 km de distância do objectivo, para salvar as aparências, enquanto Nino Vieira e Manuel Saturnino Costa regressados do seu tirocínio de Pequim, arvorados em comandantes, à testa de 300 guerrilheiros bem armados e melhor adestrados, apoiados pelo exército regular da República da Guiné, proclamavam as três ilhas como a República Independente do Como, para a primeira sede de governo revolucionário e da primeira assembleia popular - símbolos da Guiné libertada da suserania de Portugal, para financiadores e ONU verem.
Paulo Costa Santos, Comandante da Defesa Marítima, em Bissau, superou a hesitação do Governador e o cepticismo do Comandante Militar, referido à perícia militar portuguesa para enfrentar essa guerra, como o impulsionador da famigerada “Operação Tridente”, levada a cabo nos princípios de 1964, na qual foram investidos 1150 homens dos três ramos das FA, incluindo um grupo de Comandos vindo de Angola, contra as ilhas do Como, Caiar e Catunco. Não obstante a renhida resistência terrestre e antiaérea oposta pelo PAIGC, ao fim de 70 dias, as três ilhas regressaram à plena soberania de Portugal e uma Companhia de Caçadores ficou a nomadizar na ilha do Como. O PAIGC viu-se inibido de instalar o seu primeiro governo na tabanca do Cachile e de organizar a sua assembleia popular constituinte na tabanca de Cassacá, ali ao lado, enquanto os seus insofridos defensores sobrevivos se retiravam para a República da Guiné ou iam continuar a sua guerra para as matas continentais do Cantanhez e de Cufar.
A vigência de mais de um ano dessa República Independente do Como, pela mão militar dos nacionalistas, teve consequências, entre outras, a de Salazar demitir o Governador e o Comandante Militar, criar o posto de Comandante-Chefe, fundido com o de Governador e dilatar-lhe o mandato para 4 anos.
Em 1963, o efectivo do PAIGC seria de 800 elementos, a maioria transitada do bando do MLG que fizera terrorismo nas aludidas povoações balneares do noroeste, enquanto o efectivo da Guiné era de 9650 elementos e atingirá 15194, em 1964. A componente propagandística do PAIGC aproveitou o evento e a sua prolongada resistência para cantar a vitória da batalha do Como, sem que alguma vez os seus chefes militares que a protagonizaram, nomeadamente Nino Vieira, a houvesse reclamado.
Não obstante tantas provas de facto, documentais e ainda vivas, nomeadamente a malta da Operação Tridente agregada à nossa Tabanca Grande, não raro surgem escribas nacionais perseverantes na aculturação do nosso atávico complexo de inferioridade, dando-nos como os derrotados da Operação Tridente, às mãos dessa efémera e mitológica República Independente do Como.

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Brigadeiro Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe, entre 1964-68 e
Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante Militar da Guiné:

Na Abrilada de 1961, Arnaldo Schulz, então Ministro do Interior, fora simultaneamente fiel a Salazar e leal aos conspiradores seus pares que, em 1964, o transferiu de Comandante do Norte de Angola para o mais elevado posto na Guiné. Chegámos e ficámos um ano de reserva às suas ordens, e rebentou connosco, em plena época das chuvas, em operações de “cerco, assalto, destruição e limpeza” em objectivos no Oio, Morés, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cantanhez, Catió, Cufar, etc. Até Amílcar Cabral se queixava da guerra ofensiva e sem quartel por ele desancada. Iniciou o dispositivo do fecho das fronteiras, designadamente ao longo dos 350 km da fronteira da República da Guiné, instalando forças em Buruntuma, Beli, Madina do Boé, Gandembel, Balana, Guileje, Gadamael, Ganturé, Sangonhá, Cacoca e Cameconde. Com mais de 2 anos de atraso – demasiado tarde. O PAIGC já havia incendiado perto de dois terços da Guiné.
Revelava-se oficial da velha guarda, discreto, que nunca vi de camuflado. Lembro-me de se sentar a meu lado, informalmente, no banco de lona corrido do Dakota, naquele voo madrugador para Nova Lamego, em meados de Maio de 1965, quando fomos dar luta à abertura da frente Leste pelo PAIGC, retirados apressadamente da “Operação Razia”, à mata de Cufar Nalu. Dirigiu-se a pé para o aquartelamento e eu e a minha Secção fomos logo despachados para Cheche, com a missão de montar segurança à fatídica jangada da cambança do rio Corubal.
Proibia terminantemente a perseguição além-fronteiras, direito de que nem sempre abdicamos, inibição que, associada à sua falta de guarnições, favorecia o crescimento exponencial e a perícia guerreira do PAIGC. Era o tempo do devaneio romântico do chefe da nossa diplomacia Franco Nogueira, pela negociação de tratados de não-agressão com os vizinhos. A lógica dos nossos supremos chefes políticos e militares não objectivaria a aniquilação do PAIGC, mas um “policiamento” musculado, susceptível do seu desgaste conduzir à sua desistência. Desperdício dos esforços e sacrifícios dos seus soldados.
Os triunfos dos tácticos após as batalhas são grandes e fáceis as suas análises posteriores. Mas a eloquência dos números do crescimento da guarnição militar da Guiné constitui elemento de prova da escalada da guerra imposta pelo PAIGC e dos nossos ingloriosos sacrifícios, como soldados.

Efectivos:
Ano de 1964 - 15.194
Ano de 1965 - 17.252
Ano de 1966 - 20.801
Ano de 1967 - 21.650
Ano de 1968 - 22.835

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Gen. António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe, entre 1969-73: 

Revelou-se o actor militar mais carismático e exuberante da Guerra do Ultramar. Começou pelo trabalho de casa, com a repatriação dos oficiais profissionais, incompetentes ou acomodados, cultivou a omnipresença no terreno, junto dos combatentes, ganhou jus à adulação de “Homem Grande”, de amigo e protector das populações e criou poderosos anticorpos na corporação castrense. Na linguagem de caserna, a Guiné passou a designar-se como a “Spinolândia”.
Desmantelou a protecção fronteiriça iniciada pelo antecessor, na tentativa de a compensar, potenciando o tal “policiamento” musculado no interior, politicamente correcto, empenhando tropas especiais, recorrente na cobrança do esforço e sacrifício dos soldados e aproximou o PAIGC às cordas da desistência, recorreu não sistematicamente à perseguição além-fronteiras, sendo a mais notável a Operação Mar Verde, sobre Conacri, em finais de 1970, cujo fracasso parcial poderá ser imputa à tibieza da decisão de não ter investido a aviação nessa empresa.
O seu desempenho, a partir do ano de 1972 inclusive, merecerá a acuidade de investigadores e analistas, em ordem à verdade histórica.
Após a sua preterição por Marcelo Caetano, como candidato a Presidente da República nas eleições desse ano, que um núcleo dos seus “rapazes”, fiéis e dedicados oficiais da nova geração - os “spinolistas” -, incentivavam, terá baixado a espada, conluiado com a criação do MFA, subestimado o seu potencial de desagregação das Forças Armadas, e se retirado na expectativa íntima de se poder transformar no De Gaulle da nossa circunstância. Sairá da cena, sem honra nem glória.
A minha admiração, pela sua dimensão de chefe militar, esmoreceu a partir do momento em que este blogue me deu a conhecer a sua comparência em Gadamael em crise, na manhã de 1 de Junho de 1973, e a sua rápida retirada no seu helicóptero, ao rebentar uma violenta flagelação desencadeada pela artilharia pesada do PAIGC. Um Comandante-Chefe e a sua circunstância, a braços com o abandono de Guileje e com a guarnição de Gadamael em debandada em pânico no exterior do aquartelamento, deixaria outro retrato na História, se tivesse aguentado firme, ao comando e a animar a malta, ao lado do Cabo Raposo, do Furriel Carvalho, do Capitão Comando Ferreira da Silva e do punhado de militares de Gadamael, que nunca claudicaram.

Eloquência dos números do crescimento da guarnição militar, como prova de facto da escalada da guerra da iniciativa do PAIGC, em contraste com o sucesso do aludido “policiamento”: 

Efectivos:
Em 1969 - 26.851
Em 1970 - 26.775
Em 1971 - 29.210
Em 1972 - 29.957
Em 1973 - 32.035

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Gen. Bettencourt Rodrigues, Governador e Comandante-Chefe, entre 1973-74: 

Oficial distinto, foi para a Guiné com aura de haver resolvido a guerra de Angola, juntamente com Passos Ramos, Soares Carneiro e mais alguns oficiais. Deslocou-se e calcorreou a “capital” de Madina do Boé, decidido a reformular o dispositivo militar, colocando as posições fronteiriças fora do alcance dos morteiros de 120 do PAIGC – contra o potencial de fogo do IN, abrigar, abrigar!
Em 27 de Abril de 1974, à revelia da autoridade e da cadeia de comando reposta em Lisboa pelo MFA da Metrópole/Junta de Salvação Nacional, o MFA de Bissau desencadeou o seu próprio golpe, prendendo o Comandante-Chefe e desnatando a guarnição das suas principais chefias. Foi o “golpe de Bissau”, no contexto do PREC, de tão má memória.

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Ten-Coronel Mateus da Silva, Comandante-Chefe, entre 27 de Abril a 7 de Maio de 1974:

Oficial de Transmissões, alcandorado pelo MFA da Guiné. Sem História.

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Brigadeiro Carlos Fabião, Alto-Comissário e Comandante-Chefe, entre 6 de Maio e 11 de Outubro de 1974:

Desembarcou em Bissalanca, imbuído da missão de conduzir a Guiné a uma descolonização civilizada, encontrou a situação totalmente minada pelo esquerdismo do seu MFA, mas não teve outro remédio senão alinhar pelo seu diapasão, capitular perante o PAIGC e desempenhar-se como um presidente de comissão liquidatária.
O abandono da Guiné, a forma como as tropas locais foram desarmadas e abandonadas à sua sorte constituem medonha indignidade, uma nódoa na História, a crédito do MFA.
Em 1974, o efectivo de tropas locais era de 6425 elementos, bem preparados, superiorizando o efectivo do PAIGC. Se colocadas num tabuleiro de negociação, tender-se-ia ao compromisso, na expectativa de contribuírem para prevenir que o PAIGC pudesse transformar a Guiné-Bissau num Estado falhado.
Efectivos e a eloquência dos seus números, referidos a 1974: 32.035 referem-se a 1973; os desse serão difíceis de quantificar, dado que, por impulso da componente marxista e comodista do MFA de Bissau, os militares portugueses e os combatentes guineenses passaram a misturar-se…
O camarigo José Martins apresentou números referidos aos operacionais. Os números agora apresentados respeitam os efectivos brutos, colhidos do livro A Guerra em África, da autoria do Major-General Sérgio Bacelar, pags. 137 e 138.

À guisa de conclusão: Se é verdade que a vitória final do PAIGC foi alcançada de derrota em derrota, iniciadas em Tite e consolidadas no Como, temos de reconhecer e render homenagem à capacidade de sacrifício e à valentia da malta do PAIGC, seus comandantes e soldados.

Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15272: Inquérito "on line" (11): Sobre o tema Com-Chefes da Guiné, encontrei algumas lembranças e fotos do General Spínola (Ernestino Caniço)