domingo, 6 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2410: Cusa di nos terra (14): Susana, Chão Felupe - Parte VIII: Onde se fala dum Tintin em apuros... (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS)








ex-Fur Mil Trms, 
CCAV 3366/BCAV 3846, 
Suzana e Varela , 1971/73


Texto, de 15 de Dezembro último, de Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73):

Caros camaradas

Depois de uma série de rascunhos sobre a vida Felupe (1), ouso fazer uma intromissão num tema que, fazendo parte da história do Chão, pode ajudar a entender algumas tomadas de posição.

Foto 1> Susana> Felupes recolhem lenha com unimogs cedidos pelas NT

Foto 2> Chão Felupe> Casa Varela

Texto e fotos: © Luiz Fonseca (2007). Direitos reservados.

A verdadeira guerra da Guiné terá sido desencadeada pelo PAIGC em 1963 (Tite).

Contudo as primeiras manifestações foram anteriores, através do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), embora ainda de pequena envergadura, revestiram-se de algum carácter de banditismo, pois visavam apenas o aterrorizar as populações próximas da fronteira com o Senegal, entre Varela e S.Domingos culminando em 21 de Julho de 1961 com um ataque ao aquartelamento desta última povoação.

Todavia existem referências a acções do mesmo tipo, a partir de Janeiro do mesmo ano. A zona turistica de Varela e a povoação de Susana, foram dois dos alvos escolhidos, embora tivessem existido ataques a outras pequenas povoações o que provocou uma animosidade por parte dos habitantes, Felupes, que nunca perdoaram aos inimigos a malvadeza cometida, o que em termos de segurança militar foi benéfica às NT, enquanto e quando o mereceram.

A partir dessa data toda a intromissão no seu território foi penalizada severamente, fosse ela efectuada por elementos inimigos (FLING, PAIGC), fossem tropas senegalesas ou ainda algum aventureiro que tentasse utilizar o Chão apenas para passagem.

Poderia sem receio afirmar que, excluída a nossa guerra, que muito pouco ou nada os afectava, muito embora houvesse elementos da região ao serviço das NT (Pelotão Caçadores Nativos 60, vulgo Pelotão 60, alguns Comandos Africanos e uma Secção de Milícias), bem como algumas tabancas em regime de auto-defesa, o dia-a-dia era perfeitamente normal nas suas actividades, fosse a colheita de vinho de palma, o tratamento das bolanhas, a pastorícia, a pesca, a recolha de lenha (com a ajuda dos nossos Unimog), a caça, desde que dentro do seu território, a realização das actividades mercantis (mercado semanal), enfim, tudo o que uma sociedade normal realiza, em tempos normais.
Devo acrescentar que, durante a minha permanência na zona, as baixas Felupes foram de 1 morto e 1 ferido, em emboscada (mal) preparada por páras senegaleses na zona de Cassolol.

Quando refiro que uma intromissão era quase uma invasã, o vem à minha memória o mês de Novembro de 1971. Isto porque um cidadão de nacionalidade belga a que chamarei de Guy Paul, provavelmente cansado da monótona e pacata vida no seu país, decidiu realizar uma volta a África, de bicicleta e percorrendo toda a costa.

Segundo a sua narrativa entrou por Argel e tudo decorreu normalmente até Cap Skirring. Havia gasto dois meses de viagem desde que a iniciou em Bruxelas. Nesta localidade turística do Senegal - já o era na altura - , foi alertado pelas autoridades locais de que, a seguir o percurso traçado, iria entrar num território em conflito armado e com população pouco amistosa (deviam estar a referir-se aos Felupes), pelo que o melhor seria contornar a Guiné-Bissau e prosseguir a sua aventura a partir da Guiné-Conacri.

Contudo o nosso viajante decidiu manter a ideia inicial e entrou na Guiné pela zona de Cassolol.

Foi de imediato detectado por elementos da população que o rodearam e falando uma linguagem para ele não perceptível, apenas teria percebido cubano, pelo menos ele referiu que foi isso que entendeu, pessoalmente não creio que o seu aspecto fosse o de um instrutor daquela nacionalidade e muito menos que se arriscasse a andar só naquela zona. Mas para os Felupes, um indivíduo branco, de cabelos compridos e aloirados, barba crescida, blue jeans e camisola estragada (estampado do tipo camuflado) , de certeza que, não sendo português, não sendo dos seus, logo, dedução lógica, só podia ser inimigo e decidiram fazer justiça pela invasão.

Valeu ao nosso belga a pronta intervenção de um dos milícias que o guardou, é o termo, até à chegada dos militares que o trouxeram para Susana.

Que o homem estava aflito, mesmo muito aflito, isso foi patente para os que com ele falaram inicialmente, acrescentarei que o caso não era para menos.

Depois de um banho, nas circunstâncias obrigatório, antes das formalidades habituais e também de uma refeição quente e enquanto aguardava transporte para Bissau, o Guy Paul foi esclarecendo os contornos da situação vivida, incluindo os largos minutos de terror puro com uns índios de arco e flechas à sua volta, com expressões nada amistosas.

Na hora da despedida agradeceu a forma como foi recebido, mas deixou transparecer que iria continuar a sua aventura que tinha como objectivo final a capital do Egipto (Cairo).

Não sei se conseguiu atingir o seu desiderato.

Bastante mais graves as arremetidas das tropas senegalesas e os ataques do PAIGC. Esses ficarão para próximas oportunidades.

Por hoje, Kassumai

Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Trms
CCAV 3366

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Nota de CV:

(1) Vd. último post da série> Guiné 63/74 - P2397: Cusa di nos terra (13): Susana, chão felupe - Parte VII: O guerreiro João Uloma (Luiz Fonseca)

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