Guiné > Região do Cacheu > Susana > Junho de 1972 > Cabeça do Comandante de Bigrupo do PAIGC, Malan Djata, cortada por elementos da população, felupe, após a sua captura na sequência de um ataque falhado ao aquartelamento de Susana. Segundo esclarecimento, acabado de dar pelo Luís Fonseca (estamos no concelho de Vila Nova de Gaia, eu neste momento na Madalena e ele presumivelmente em Gulpilhares, aqui ao lado, sem nos conhecermos pessoalmente), "naqueles momentos foi de todo impossível determinar o 'autor' da decapitação. Creio que nessa data, fins de Junho de 1972, o João Uloma nem sequer estaria em Susana"...
Guiné <> Susana > c. 1972 > Visita ao Alferes Comando João Uloma, por parte de jornalistas nacionais e estrangeiros, entre os quais uam equipa do New York Times. O então Cap Otelo Saraiva de Carvalho, da REP/ACAP (Assuntos Civis e Acção Psicológica), fez as honras da casa e o elogio do guerreiro felupe.
Texto e fotos: © Luiz Fonseca (2007). Direitos reservados.
1. Texto, de 19 de Dezembro último, do Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73), que tem aqui publicado uma série de apontamentos sobre o chão felupe (1):
Assunto - João Uloma...
Provavelmente mais uma vítima que um réu em todo o cenário da guerra. Provavelmente mais que usado e abusado, utilizando palavras tuas.
Conheci pessoalmente João Uloma haviam já decorrido largos meses de comissão. Mas o seu nome, dentro da etnia e tradição felupe, sempre nos chegou como símbolo de respeito e tido como exemplo. Daí a minha curiosidade pela pessoa.
Era de facto um guerreiro felupe, em estatura. Dos seus predicados operacionais não posso nem devo emitir qualquer comentário pois não tive oportunidade de os constatar.
A imagem que junto é prova de mais uma das demonstrações da utilidade do João Uloma. Durante uma das muitas visitas de jornalistas, nacionais e estrangeiros, esta creio que do New York Times (Alice Barstow e John Burton), ao chão Felupe, ele é apresentado como um herói na defesa do território.
O enquadramento é oficial, com direito a DO privada, e com pessoal da REP/ACAP presente (Cap Otelo Saraiva Carvalho), que faz as honras da casa, com o respectivo e longo elogio. Ao lado esquerdo do João Uloma, seu pai, homem grande da tabanca.
Foi uma das suas poucas visitas a Susana durante a minha comissão, que me recorde apenas mais duas vezes, sempre por períodos de tempo relativamente curtos.
Nessas ocasiões não era demasiado visível, diria que era até recatado. Dedicava-se à caça, quando tal era possível e a algum convivio com camaradas dos seus tempos de Pelotão 60, quase todos.
Não era uma visita constante no aquartelamento, aparecia de quando em vez, e, quando picado, relatava algumas das suas histórias, sendo no entanto parco em detalhes, o que me pareceu estranho face ao que dele se propalava.
Na sua morança não existiam, pelo menos nas casas que vi, crâneos de inimigos, o que já não sucedia em muitas outras moranças de outros guerreiros menos notáveis. Tal trofeú era, para um felupe, apanágio de valentia e quantas mais cabeças tivesse cortado mais respeitado era.
Diga-se que esse foi o encontro com o destino do Cmdt Bigrupo Malan Djata quando, em Junho de 1972, foi capturado, após ataque falhado a Susana. Mesmo com a oposição do graduado da CCAV 3366 ("tu ou ele") cumpriu-se o ritual...
Essa tradição ancestral marcava ainda a vida daqueles que sentiram o primeiro impacto de uma guerra que jamais foi sua, pelo menos no sentido de libertação, porque isso os Felupes foram-no sempre, desde o tempo da luta contra a dominação mandinga: Livres!
Acrecente-se que a imagem que envio, deixando a sua edição ao vosso critério, foi já aproveitada por João Melo (Os anos da guerra - II volume, Cap. III - Operação Nó Górdio -Moçambique - pg. 51 - Circulo de Leitores e Publicações D. Quixote) tendo eu alertado o autor da imprecisão. Nunca soube se recebeu a missiva.
Do Alf Comando João Uloma guardo uma placa dos Comandos Africanos, oferecida, não sei porque razão especial, já no final da minha estada no seu Chão. Recordo ter havido alguém que lhe pediu o crachat de Comando o que ele recusou afirmando que "aquele era dele até à morte"... Premonição...
Sobre a sua morte poderei afirmar que não foi fuzilado, mas sim morto por espancamento, à paulada, creio que em Brá, para onde teria sido convocado para ser integrado no novo exército (2).
De felupes ao serviço das NT, em número relativamente reduzido, tanto quanto me foi referido posteriormente por um militar guinéu do Pel [Caç Nat] 60, não teria havido mais desaparecidos, já que a grande maioria e após lhe terem sido retiradas as armas optou por se refugiar na região do Casamance (Senegal) ou voltar à vida civil embora com uma ameaça velada ("tropa tira arma mas fica com arco e flecha, para lutar contra bandido"). Tal terá sido a sorte que coube ao primeiro comissário político dos novos senhores que apareceu na zona, ser morto e corpo sem cabeça (degolado ritualmente com a curta faca felupe?) para não voltar a nascer noutra qualquer tabanca.
Se os meus editores me permitem, nesta faca de dois gumes, ficaria por aqui e não virava o gume para a outra face pois poderia ferir susceptilidades de alguns, de ambos os lados, que, com as suas tomadas de posição e demonstrações de poder, em nada honraram os militares que nasceram, passaram, lutaram e ficaram naquele território.
Penso voltar ao assunto.
Por hoje
Kassumai
Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Trms CCAV 3366
2. Comentário de L.G., em resposta ao Luiz Fonseca:
Luiz Fonseca:
É um notável texto teu, assertivo, objectivo, que ajuda a compreender melhor o comportamento do João Uloma ao serviço das NT... (Conheci-o, superficialmente, nos comandos, em Fá) (3).... Não o vou publicar já, sobretudo por causa da foto do comandante do PAIGC, degolado... Por estarmos na altura do Natal, e isso poder ferir algumas pessoas mais sensíveis... Fá-lo-emos a seguir, ao Natal...
A ti, peço-te que entretanto completes o texto... Sei que não queres ferir susceptibilidades, de um lado e de outro... Mas, bolas, tu podes falar de cátedra, como ninguém, porque conheceste o João e os felupes, os seus costumes, o seu chão... Se deixas o dossiê inacabado, é pior...
Passados estes anos todos, temos o direito à verdade... No meu tempo, o João cortava cabeças, com o beneplácito (?) dos seus superiores hierárquicos... Ele estava nos comandos africanos e havia a cultura do ronco... Temos de perceber tudo isto: havia homens, muito perturbados, nos comandos, com comportamentos patogénicos... Não estou sugerir nomes...E evito julgá-os. Hoje quero compreendê-los...
Luiz: Connosco estás à vontade, não há tabus... Peço-.te, portanto, que não deixes o assunto "para melhor oportunidade", o que na nossa terra equivale a dizer "para as calendas gregas" ou para o Dia de São Nunca... Aqui não conhecemos amigos e protegidos... Mas, claro, tens sempre o direito de omitir nomes... Boas Festas. Kassumai.
Luís Graça
PS - Luiz, não chegaste a receber o livro do pai do Pepito sobre os costumes jurídicos do felupes, pois não?! Creio que o Pepito enganou-se no nome, e em vez de mandar para ti, mandou para um outro gajo que ainda não descobri quem é... e que se antecipou a ti.
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. poste de 6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2244: Cusa di nos terra (12): Ainda vi burros em Bafatá (Beja Santos)
(2) Vd. post de 23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
ERA UM GUERREIRO FELUPE...
ERA UM GUERREIRO FELUPE...
TM
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