Guiné-Bissau > Brochura editada pela ONG guineense Tiniguena por ocasião de uma visita de estudantes de Bissau a Buba e Cufar, em Abril de 1995. Imagem gentilmenmte cedida pelo © José Teixeira (2006), um amigo da Guiné e dos guineenses, e um grande camarada nosso cujo diário do tempo da guerra colonial (1968/70) chega agora ao fim...
Devo confessar que foi, até agora, uma das grandes revelações deste blogue... Ele soube trazer para o domínio público, com bom senso e bom gosto, não apenas o quotidiano (brutal) da guerra mas também a arte e o engenho do homem português no seu trato (diário) com outros povos, outras culturas...
O Zé, para além de competentíssimo e dedicado enfermeiro, nunca deixou de ser um cristão e um homem que se interrogava (e se dilacerava) com o absurdo daquela guerra... Ele deu-nos conta, ao longo dos dias, semanas e meses que passou em Buba, Quebo, Mampatá, Chamarra e Empada, muita da sua angústia, tristeza e raiva, os sentimentos (contraditórios) que muitos de nós experimentámos, sem nunca os ter passado à escrita, a não ser talvez nos desabafos mal contidos e reprimidos nos aerogramas...
É com pena que chegamos ao fim desta pequena grande aventura humana que foi O Meu Diário... Vamos, no entanto, continuar a contar com a colaboração do Zé, como talentoso contador de estórias, que ele também é... Obrigado, Zé, pela tua generosidade, humildade e sensibilidade... A tua estória não era grande nem pequena: tinha a tua dimensão, a nossa dimensão, a dimensão de qualquer ser humano... Se me é permitido falara em nome do resto dos tertulianos, então eu quero dizer-te que a gente tem orgulho em ti: arrancaste-nos muitas das palavras (de amor, ódio, frustação, admiração, alegria, tristeza...), que gostaríamos de ter dito e não dissemos aqui, no blogue, em público, no meio da parada ou no meio da caserna dos camaradas e amigos da Guiné... (LG)
XIX (e última) parte de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
Empada, Ano Novo de 1970
A felicidade é o supremo desejo de todos os homens. A História não é mais que uma longa e louca aventura dos homens à busca da felicidade.
O homem, na ânsia de atingir a felicidade, esmaga o seu irmão. A moral diz-nos que a felicidade se constrói com a vida na medida em que nos mentalizamos da nossa missão como seres humanos, viver a vida em comunidade e agir em conformidade. No entanto esquecem-se rapidamente estes princípios morais. Os governantes, responsáveis pelo bem estar do seu povo, guerreiam, ensanguentam, matam. Destroem para atingiram os seus fins. Alegam que buscam a felicidade para o povo, que é preciso sacrificar uns para que outros vivam felizes, enquanto eles vivem nos seus palácios de egoísmo.
Ah ! esses que se arvoram em condutores do povo, que conduzem as guerras dos seus palácios de vidro, se vivessem no seu sangue, no seu corpo, no seu espírito o que se passa nas frentes de batalha !
Se sentissem o sofrimento de tantos que, num último esforço, se tentam agarrar à vida, no meio de atrozes dores. Se sentissem a dor dos que têm de abandonar tudo o que é seu e fugir, na esperança de escaparem à morte.
Se sentissem a dor daqueles que vêm os seus entes queridos, os seus amigos, ali à sua frente, mortos por uma granada traiçoeira, quando ainda há escassos segundos viviam felizes.
Se sentissem o que é ficar sem uma perna, um braço, ficar inutilizado para a vida e quantas vezes rejeitado pelos seus, como quem deita fora o que já não presta.
Se sentissem o que sente o jovem a quem lhe roubaram os melhores anos da sua vida, a quem atrasaram a sua construção como homem.
O ingrato de tudo isto, é que alegam que se trata de uma causa justa.
O Inimigo também afirma que luta por uma causa justa e que esta justifica ao vida e o esforço de todos.
De que lado estará Deus, se ambas as frentes lutam por uma causa justa ?
Dizem que estão dentro da razão e mandam os outros para a frente. Eles não vão. Lá longe traçam os planos, jogam com as vidas, indiferentes ao sofrimento. . .
A eterna busca da felicidade . . .
Pobre homem cego, que procuras a felicidade e julgas que a consegues, esmagando os outros, servindo-te do teu poder. Esqueces-te que a felicidade, não é mais que a construção de ti mesmo, procurando atingir o HOMEM perfeito.
O Grande drama do homem, é o ser limitado nos seus meios naturais e infinitos nos seus desejos. Procura então, por meios anti-humanos, conseguir os seus desejos.
Pobre bocado de terra que esqueceu a sua origem e o final que o espera . . .
Empada, 11 de Janeiro de 1970
Ainda cá estamos e eles continuam por perto. No dia 9 nove, as 22.30 h. vieram dar-nos as boas festas.
Roquetes, Bazookas e costureirinhas e um quarto de hora debaixo de fogo. Só atingiram a tabanca, queimando algumas moranças. Além do susto houve um ferido nativo que teve de ser evacuado.
[Foi a minha despedida da guerra. Poucos dias depois dei baixa ao hospital e fiquei em Bissau a aguardar o embarque que se concretizou em fins de Abril ].
Brá, 20 de Março de 1970
Continuo em Bissau a aguardar o transporte para junto dos meus. Desde Dezembro que o embarque em sido adiado sucessivamente. Agora dizem-nos, mais uma vez ,que está por dias.
Será o retorno à sociedade, o retorno a vida: dentro de mim continua a revolta pelo que vi e vivi, mas também há uma grande vontade de reagir.
Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > O Zé deixou amigos que ele reencontrou trinat e cinco anos depois... Como, por exemplo, a mulher do filho do Régulo Shambel, de Contabane.
© José Teixeira (2006),
Leça do Balio, 17 de Fevereiro de 2006
Ao reler o Meu Dário (que não era diário) onde apontei algumas das situações mais marcantes da minha guerra, apetecia-me queimar tudo e recomeçar de novo. Tudo o que escrevi, não foram historinhas para depois (agora) de velho, contar aos netinhos. São factos verdadeiros escritos a quente, para não perderem o “sal” da realidade que o tempo teima em dissolver
Hoje, com as feridas saradas, talvez romanceasse um pouco. Talvez lhe juntasse outros pormenores, que com o calor dos acontecimentos foram posto em secundário. Talvez lhe juntasse outras situações que vivi e não escrevi, umas por desleixo, falta de motivação de momento, ou até por não encontra razões de história. Outras por medos “pidescos” de poder ser apanhado.
Com o tempo e com a ajuda provocatória do Luís Graça e dos camaradas tertulianos as estórias irão surgindo.
Mas eu, na Guiné, não vivi e presenciei só e apenas cenas de guerra.
Vivi bons e felizes momentos com os camaradas. O termo camarada reflecte amizade criada em tempos de luta, em tempos difíceis, daí o seu valor e a sua aplicação que devemos usar. Geramos amizades inersquecíveis.
Vivi bons e felizes momentos, em sadio convívio com as populações locais e muito aprendi com elas. Costumo dizer que aprendi ali, na Guiné, as primeiras noções do que é viver em democracia.
Mas... As injustiças por essa Guiné que presenciei foram imensas.
Vi Chefes de Posto, a fazerem justiça pelas suas próprias mãos, julgando e condenando ao chicote homens sem direito a defesa, sem processo, sem inquirição, sem confronto.
Vi Africanos a serem empurrados pela força da baioneta, obrigados a irem viver para sítios que não queriam ( Antotinha), alegando que ali nasceram, ali queriam morrer, sobretudo os mais velhos. Quantos fugiram para o IN !?
Guiné-Bissau > 2005 > O Zé Teixeira regressa à sua segunda terra... Um homem é também as suas memórias, a memórias dos lugares e do tempo onde viveu, soferu, amou...
Leça do Balio, 17 de Fevereiro de 2006
Ao reler o Meu Dário (que não era diário) onde apontei algumas das situações mais marcantes da minha guerra, apetecia-me queimar tudo e recomeçar de novo. Tudo o que escrevi, não foram historinhas para depois (agora) de velho, contar aos netinhos. São factos verdadeiros escritos a quente, para não perderem o “sal” da realidade que o tempo teima em dissolver
Hoje, com as feridas saradas, talvez romanceasse um pouco. Talvez lhe juntasse outros pormenores, que com o calor dos acontecimentos foram posto em secundário. Talvez lhe juntasse outras situações que vivi e não escrevi, umas por desleixo, falta de motivação de momento, ou até por não encontra razões de história. Outras por medos “pidescos” de poder ser apanhado.
Com o tempo e com a ajuda provocatória do Luís Graça e dos camaradas tertulianos as estórias irão surgindo.
Mas eu, na Guiné, não vivi e presenciei só e apenas cenas de guerra.
Vivi bons e felizes momentos com os camaradas. O termo camarada reflecte amizade criada em tempos de luta, em tempos difíceis, daí o seu valor e a sua aplicação que devemos usar. Geramos amizades inersquecíveis.
Vivi bons e felizes momentos, em sadio convívio com as populações locais e muito aprendi com elas. Costumo dizer que aprendi ali, na Guiné, as primeiras noções do que é viver em democracia.
Mas... As injustiças por essa Guiné que presenciei foram imensas.
Vi Chefes de Posto, a fazerem justiça pelas suas próprias mãos, julgando e condenando ao chicote homens sem direito a defesa, sem processo, sem inquirição, sem confronto.
Vi Africanos a serem empurrados pela força da baioneta, obrigados a irem viver para sítios que não queriam ( Antotinha), alegando que ali nasceram, ali queriam morrer, sobretudo os mais velhos. Quantos fugiram para o IN !?
Guiné-Bissau > 2005 > O Zé Teixeira regressa à sua segunda terra... Um homem é também as suas memórias, a memórias dos lugares e do tempo onde viveu, soferu, amou...
© José Teixeira (2006)
Vi Africanos a serem condenados a prisão por não terem dinheiro para pagar o Imposto do Pé Descalço.
Vi Gente carregada de frutos que iam vender à loja do branco e saíam desta bêbados e sem tostão, graças à estratégia montada, para deixar lá os miseráveis pesos que lhe davam pelo sacos de coquenote.
Vi gente a vender o saco de mancarra a um peso e depois o homem branco da loja vender o mesmo saco por 15 moedas. Tendo ainda o desgraçado do produtor de o carregar até ao barco. Ele que teve de rasgar a terra, semear, tirar as ervas daninhas, proteger dos animais selvagens e dos pássaros, proteger das investidas do Inimigo.
Vi e senti quão tão grande era o desprezo que a Mãe Pátria votava aqueles que dizia serem seus filhos iguais aos que do Minho ao Algarve se orgulhavam de serem Portugueses. Onde estavam as escolas, a assistência mínima à saúde, o desenvolvimento ?
Vivi uma guerra que em consciência não queria.
Mas estou aquiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Zé Teixeira
____________
Notas de L.G:
(1) Vd posts anteiores:
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968
(...) Buba, 21 de Julho de 1968: Agora me lembro, hoje é Domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968
(...) Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968: (...) A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...
Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (3): Aldeia Formosa, Julho de 1968
Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968: (...) Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIV: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (4): Aldeia Formosa, Agosto de 1968
(...) Aldeia Formosa, 28d e Julho de 1968: (...) Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à estrada da morte, impedindo o IN de fazer os abastecimentos (...).
6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968
(...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).
11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968
(...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....
O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN.
Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...)
(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).
Guiné 63/74 - CDLIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (7): Mampatá, Outubro-Dezembro de 1968
(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:
- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (8): Chamarra, Janeiro de 1969
(...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.
A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).
A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).
(...) Chamarra, 23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.
Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).
24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'
Buba, 20 de Fevereiro de 1968: Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.
A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada (...).
30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXVI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (10): Abril/Maio de 1969, 'Senhora, nem Tu me salvaste!"
(...) Buba, 19d e Abril de 1969: (...) Um pequeno incidente de palavras entre um soldado da minha Companhia [CC 2381] e um Comando Africano, quando tomavam banho, originou uma luta entre Fuzileiros e Comandos com consequências graves. Parece estar tudo louco (...).
6 de Fevereio de 2006 > Guiné 63/74 - DII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (11): Desenfiado, em férias na Metrópole (Maio/Junho de 1969)
(...) Bissau, 19 de Junho de 1969: Regressei a Bissau depois de um mês de férias na Metrópole onde pude participar no casamento do meu irmão Joaquim.
A minha [licença] de férias foi cheia de aventura. O Comandante não assinou o Passaporte, pelo que não podia ir, apesar de ter a viagem comprada. Mandei um rádio para Bissau a anular a viagem e entretanto o Comandante foi para uma Operação.
(...) Entretanto aparecem dois bombardeiros no ar e o lugar do atirador vago. Ao pressentir que iam aterrar, fardei-me, peguei na mala e dirigi-me à pista com intenções de pedir ao Comandante da Esquadrilha para me levar, só que vejo sair do outro Bombardeiro nada menos que o meu Comandante que regressava da Operação (...).
8 de Fevereiro de 2006 >A Guiné 63/74 - DV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (12): A morte do Cantiflas (Julho de 1969)
(...) Buba, 18 de Julho de 1969: (...) Para morrer basta estar vivo, não interessa o local ou meio. De paz ou de guerra. A morte aparece em qualquer sítio e a qualquer hora. O Cantinflas estava na guerra.. Caíu debaixo de fogo várias vezes, sofreu os efeitos de uma guerra traiçoeira, sem o mais pequeno ferimento, mas a morte espreitava-o impiedosamente e há dias, através de um choque eléctrico, veio ter com ele (...).
9 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - DVIII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (13): Vi a morte à minha frente (31 de Julho de 1969)
Buba, 31 de Julho de 1969: Vi a morte à minha frente. Saí de manhã até à Bolanha de Beafada, a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os Picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Coloquei a bolsa na 1ª viatura e segui à frente da mesma.
Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim, deduzindo que eram estilhaços. Pensei:
- Desta não escapo (...).
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)
(...) Buba, 7 de Agosto de 1969: As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e, ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado (...).
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)
(...) Empada, 9 de Setembro de 1969: Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência... (...)
8 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXVII: Dia Internacional da Mulher (5): 'Fermero, ká na tem patacão pra paga, fica ku minha mudjer' (Zé Teixeira) .
XVI Parte de O Meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (16)
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (17): Este gajo estava mesmo apanhado
(...) Empada, 16 de Outubro de 1969: Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões s/r (...)
Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que se as nossas forças saíssem a envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou. Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto (...).
12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (18): Empada, Novembro/Dezembro de 1969
Empada, 20 de Novembro de 1969: O Kebá aparecia todos os dias na Enfermaria. É o nosso ajudante no tratamentos da população. Trata as pequenas feridas. Elas já sabem:
- Kebá põe mercuro ! - e ele põe.
- Kebá, parte quinino! - e ele vai buscar LM. Vão-se embora todos contentes.
Ao Almoço lá lhe trazemos uma cantina cheia de comida. É a nossa paga. Há dias deixou de aparecer. Estranho, mas como tem duas mulheres e vários filhos no mato, admiti que tivesse ido embora.
Ontem vi-o a carregar barricas de água, da fonte para o jardim do chefe de posto. Perguntei-lhe porque deixou de aparecer e fiquei horrorizado. Estava preso por não pagar o Imposto de Pé Descalço.
Vim para o Quartel e a minha revolta fez-me agir. Um quarto de hora depois estava a casa do Chefe de Posto cercada por militares armados de G3 a exigirem a libertação do Kebá (...).
Vi Africanos a serem condenados a prisão por não terem dinheiro para pagar o Imposto do Pé Descalço.
Vi Gente carregada de frutos que iam vender à loja do branco e saíam desta bêbados e sem tostão, graças à estratégia montada, para deixar lá os miseráveis pesos que lhe davam pelo sacos de coquenote.
Vi gente a vender o saco de mancarra a um peso e depois o homem branco da loja vender o mesmo saco por 15 moedas. Tendo ainda o desgraçado do produtor de o carregar até ao barco. Ele que teve de rasgar a terra, semear, tirar as ervas daninhas, proteger dos animais selvagens e dos pássaros, proteger das investidas do Inimigo.
Vi e senti quão tão grande era o desprezo que a Mãe Pátria votava aqueles que dizia serem seus filhos iguais aos que do Minho ao Algarve se orgulhavam de serem Portugueses. Onde estavam as escolas, a assistência mínima à saúde, o desenvolvimento ?
Vivi uma guerra que em consciência não queria.
Mas estou aquiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Zé Teixeira
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Notas de L.G:
(1) Vd posts anteiores:
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968
(...) Buba, 21 de Julho de 1968: Agora me lembro, hoje é Domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968
(...) Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968: (...) A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...
Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (3): Aldeia Formosa, Julho de 1968
Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968: (...) Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIV: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (4): Aldeia Formosa, Agosto de 1968
(...) Aldeia Formosa, 28d e Julho de 1968: (...) Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à estrada da morte, impedindo o IN de fazer os abastecimentos (...).
6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968
(...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).
11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968
(...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....
O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN.
Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...)
(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).
Guiné 63/74 - CDLIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (7): Mampatá, Outubro-Dezembro de 1968
(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:
- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (8): Chamarra, Janeiro de 1969
(...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.
A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).
A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).
(...) Chamarra, 23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.
Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).
24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'
Buba, 20 de Fevereiro de 1968: Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.
A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada (...).
30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXVI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (10): Abril/Maio de 1969, 'Senhora, nem Tu me salvaste!"
(...) Buba, 19d e Abril de 1969: (...) Um pequeno incidente de palavras entre um soldado da minha Companhia [CC 2381] e um Comando Africano, quando tomavam banho, originou uma luta entre Fuzileiros e Comandos com consequências graves. Parece estar tudo louco (...).
6 de Fevereio de 2006 > Guiné 63/74 - DII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (11): Desenfiado, em férias na Metrópole (Maio/Junho de 1969)
(...) Bissau, 19 de Junho de 1969: Regressei a Bissau depois de um mês de férias na Metrópole onde pude participar no casamento do meu irmão Joaquim.
A minha [licença] de férias foi cheia de aventura. O Comandante não assinou o Passaporte, pelo que não podia ir, apesar de ter a viagem comprada. Mandei um rádio para Bissau a anular a viagem e entretanto o Comandante foi para uma Operação.
(...) Entretanto aparecem dois bombardeiros no ar e o lugar do atirador vago. Ao pressentir que iam aterrar, fardei-me, peguei na mala e dirigi-me à pista com intenções de pedir ao Comandante da Esquadrilha para me levar, só que vejo sair do outro Bombardeiro nada menos que o meu Comandante que regressava da Operação (...).
8 de Fevereiro de 2006 >A Guiné 63/74 - DV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (12): A morte do Cantiflas (Julho de 1969)
(...) Buba, 18 de Julho de 1969: (...) Para morrer basta estar vivo, não interessa o local ou meio. De paz ou de guerra. A morte aparece em qualquer sítio e a qualquer hora. O Cantinflas estava na guerra.. Caíu debaixo de fogo várias vezes, sofreu os efeitos de uma guerra traiçoeira, sem o mais pequeno ferimento, mas a morte espreitava-o impiedosamente e há dias, através de um choque eléctrico, veio ter com ele (...).
9 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - DVIII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (13): Vi a morte à minha frente (31 de Julho de 1969)
Buba, 31 de Julho de 1969: Vi a morte à minha frente. Saí de manhã até à Bolanha de Beafada, a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os Picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Coloquei a bolsa na 1ª viatura e segui à frente da mesma.
Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim, deduzindo que eram estilhaços. Pensei:
- Desta não escapo (...).
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)
(...) Buba, 7 de Agosto de 1969: As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e, ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado (...).
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)
(...) Empada, 9 de Setembro de 1969: Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência... (...)
8 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXVII: Dia Internacional da Mulher (5): 'Fermero, ká na tem patacão pra paga, fica ku minha mudjer' (Zé Teixeira) .
XVI Parte de O Meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (16)
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (17): Este gajo estava mesmo apanhado
(...) Empada, 16 de Outubro de 1969: Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões s/r (...)
Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que se as nossas forças saíssem a envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou. Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto (...).
12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (18): Empada, Novembro/Dezembro de 1969
Empada, 20 de Novembro de 1969: O Kebá aparecia todos os dias na Enfermaria. É o nosso ajudante no tratamentos da população. Trata as pequenas feridas. Elas já sabem:
- Kebá põe mercuro ! - e ele põe.
- Kebá, parte quinino! - e ele vai buscar LM. Vão-se embora todos contentes.
Ao Almoço lá lhe trazemos uma cantina cheia de comida. É a nossa paga. Há dias deixou de aparecer. Estranho, mas como tem duas mulheres e vários filhos no mato, admiti que tivesse ido embora.
Ontem vi-o a carregar barricas de água, da fonte para o jardim do chefe de posto. Perguntei-lhe porque deixou de aparecer e fiquei horrorizado. Estava preso por não pagar o Imposto de Pé Descalço.
Vim para o Quartel e a minha revolta fez-me agir. Um quarto de hora depois estava a casa do Chefe de Posto cercada por militares armados de G3 a exigirem a libertação do Kebá (...).
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