Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 52 > Natal de 1970 > Comentário do BS: A fotografia chegou-me a Lisboa depois do Natal de 1970. Tem escrito Recebe um abraço do Nelson Reis, Fá, Natal de 1970. Parti do Xime para Bissau a 4 de Agosto desse ano. O Nelson Wahnon Reis chegara meia dúzia de dias antes. Creio que se cometeu um erro tremendo com a sua nomeação para um pelotão de fulas e mandingas, felizmente que tudo acabou em bem. A seu tempo falarei desse período na Operação Macaréu à Vista. Agradeci as notícias, mas logo informei que estava a preparar exames, o que não era bem verdade. Estava tomada a decisão de cortar radicalmente o contacto, tinha aqui os estropiados, e chegaram mais, nos anos seguintes. O Nelson está ao centro, de pé. Tem a sua direita, já bem gordinho, o Cabo Queirós, o 81 ( ajudava-me no morteiro, nos dias de festa...), sentado à direita, de mão no queixo o meu inesquecível guarda-costas, Tcherno Suane. Comentário do L.G.: O Alf Mil Nelson Wahnon Reis, que foi substituir o Beja Santos, no comando do Pel Caç Na52 (entretanto transferido para Fá Mandinga, por troca com o Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, que foi para Missirá) era natural de Cabo Verde.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):
Disparidade de Critérios: Cabo metropolitano ou cabo guineense?
por Beja Santos
Luís, tu questionaste-me se a minha reacção face ao comportamento repreensível do Cabo Benjamim Lopes da Costa (ver episódio "Mataste uma mulher, branco assassino!") (1) teria sido idêntica caso tivesse ocorrido com um Furriel ou Cabo metropolitano. Desculpa só hoje responder, foi só por pura falta de tempo.
Respondo sem hesitar: sim, teria sido a mesma. A minha relação com e Cabos não tinha distinção, orientei-me sempre pela dedicação, motivação e competência. Para falar só de Benjamim, meses mais tarde sobre esta triste ocorrência, ele foi louvado por "ter demonstrado excepcionais condições de trabalho, desembaraço e entusiasmo em todos os serviços de quem tem sido encarregado... Abnegado e competente, também nas actividades operacionais se revelou um elemento cumpridor e com quem se podia contar".
Em 1971, tinha já a guerra acabado para os dois, convidou-me para padrinho de casamento (assistiu e participou na boda do meu casamento, em Abril de 1970), não podia nem queria aceitar, enviei-lhe a prenda que ele me pediu, as alianças. Através do irmão, o Benicío Lopes da Costa (foi secretário-geral da Assembleia Nacional Popular e brilhante aluno de Filosofia da Cristina) fui sempre tendo notícias e estivemos juntos em 1991, por várias vezes. Veio a morrer num estúpido acidente de automóvel.
Tu, que conheces melhor que ninguém o volume publicado no blogue, não encontras discriminação nos tratamentos. Havia três Furriéis, aparece sempre o Casanova e o Pires, nunca escrevo sobre o Pina, que adoptou connosco um estranho comportamento de um desenfianço permanente (terá direito ao episódio "O dedo mindinho do Furriel Pina"). No entanto, ele será transferido para o [Pel Caç Nat] 63 e receberemos o Furriel Vitorino Ocante, um guineense, um homem afável, cumpridor e competente.
Não te esqueças igualmente que eu sempre tratei o Cabo Costa como o mais culto dos meus colaboradores. Era um papel de Bissau, frequentou o liceu e tinha uma preparação cultural muito acima da média. Na emboscada de Malandim (1), produto das circunstâncias, certamente por ser a primeira vez que via sangue, o Benjamim fraquejou. Ou eu cortava a direito ou o sentido de justiça que é crucial na comunicação com a tropa guineense estava definitivamente perdido e os meus créditos arruinados. Vi assim, sentia assim, se voltasse atrás teria procedido assim.
Beja Santos
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Nota de L.G.
20 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!
Comentário ao post:
Luís Graça disse...
Meu caro Mário e restantes camaradas da Guiné: Uma das regras de ouro do nosso blogue é: Ninguém condena ninguém!... Nenhum camarada que fez a guerra da Guiné diz para outro camarada de armas, a esta distância (de 33 a 44 anos): Foste herói, ou foste coberde, ou foste assassino, ou foste criminoso de guerra... Ninguém, nesta caserna, está em condições de dizer, olhos nos olhos, a outro camarada: Procedeste bem, procedeste mal...
Nenhum de nós quer ser ou pode ser juiz em causa própria: Mal ou bem, estivémos num lado da barricada; lutámos ou fingimos que lutámos; matámos (por muito que nos custe admiti-lo); destruímos aldeias, meios de vida, gado; envenenámos poços; regámos culturas de arroz com napalm... Como em todas as guerras, defendemos e atacámos. E, como muito bem nos lembra o Briote, fizémos escolas, abrimos centros médicos, mobilizámos milhares de jovens guineenses, criámos a ilusão da Guiné Melhor... Enfim, fomos capazes de fazer a paz, em condições dífíceis...
Há guineenses, hoje - não posso quantificar - que guardam boas recordações de nós; outros nem tanto... Na realidade, a guerra colonial foi também uma guerra civil, em que valia tudo (ou quase tudo), incluindo a demagogia...
Serve este preâmbulo para saudar o Mário Beja Santos pela sua coragem e honestidade intelectual. Toda a gente sabia, na Bambadinca do meu tempo, que ele montava emboscadas, à noite, às gentes de Madina (leia-se: às forças do PAIGC) que vinham abastecer-se nas aldeias ribeirinhas do Rio Geba, de etnia balanta, que por sua vez faziam as suas trocas comerciais com os comerciantes (brancos) de Bambadinca...
Alguns de nós, como eu, não apreciavam muito o comportamento (militar) do Tigre de Missirá que levava a sua missão até ao extremo limite das suas forças... Por isso, ele teve a sua cabeça a prémio... Mas na véspera de acabar a sua comissão, quando escapou por um triz de uma mina, os seus camaradas da CCAÇ 12 e da CCS do BCAÇ 2852, e de outras unidades, atravessaram a bolanha de Finete, de noite, para ir em seu socorro... Ele era nosso camarada. E eu também estive lá. Eu, o Humberto, o Carlão e tantos outros.
Hoje, ao ler os seus escritos, que temos vindo a publicar ao longo de um ano, eu entendo melhor os terríveis dilemas morais de um homem só, a quem foi confiada uma missão hercúlea, quase impossível...
Não vou julgá-lo, não tenho esse direito, a respeito do que se passou na emboscada de Malandin, no dia 3 de Agosto de 1969, às 19h...
Quero apenas acrescentar que também sou capaz de entender (compreender, o que não implica nenhum juízo de valor) o comportamento do 1º cabo Costa, papel, oriundo de Bissau...
Gostava de perguntar ao Mário, qual teria a sua reacção, se em vez do Costa, tivésse sido outro cabo, metropolitano, ou até um dos seus furriéis, o Pires ou o Casanova o autor das terríveis palavras "Assassino, mataste ua mulher"!... É uma mera hipótese teórica, mas a questão é interessante para suscitar uma reflexão (crítica) entre todos os camaradas que fizeram aquela guerra e que tinham, nas suas fileiras, militares guineenses, como foi o caso do Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, do Pel Caç Nat 53, do Paulo Santiago, do Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, da CCAÇ 13, do Carlos Fortunato ou da CCAÇ 12, do Luís Graça, do Humberto Reis, do Joaquim Fernandes, do Tony Levezinho, do Abel Rodrigues ...
Como é que eu ou qualquer um de nós teria reagido se houvesse, nas nossas fileiras, alguém, camarada, a gritar-nos na cara: "Assassino, mataste uma mulher!"...
Retomando as palavras de Jesus Cristo, quem de nós, hoje, está em condições de lançar a primeira pedra a um camarada que foi capaz de pôr o seu nome por baixo de um texto portentoso e ao mesmo tempo perturbante como este, que acaba de ser publicado no nosso blogue ?
Luís Graça
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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