domingo, 17 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2547: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (2): O aerograma em que o Casimiro Carvalho prêve o ataque ... (Manuel Rebocho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Rebocho, ex-sargento paraquedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975")

Camaradas Luís Graça e Casimiro, e demais camaradas

Acabo de ler no nosso Blogue, que o Luís tem os aerogramas do Casimiro (1).

Li também, e concordo, que estes aerogramas (2) podem constituir peças do Museu de Guileje.

Não sendo o assunto meu, mas também não deixando de o ser, gostaria de alertar para um aerograma, que eu considero histórico, que hoje não tem valor, porque os donos de Abril o não permitem, mas virá a tê-lo, muito seguramente, um dia.

Neste aerograma, que eu já li, e tenho uma fotocópia, o HERÓI DE GADAMAEL prevê o ataque a Guileje. Não me enganei, Camaradas, o camarada Casimiro, num aerograma que dirigiu aos pais, prevê o ataque a Guileje. Previsão que extrai a partir de determinadas atitudes do Estado-Maior, que considera erros tácticos (3).

Na minha tese de doutoramento, em que conclui ser muito fraca a formação ministrada na Academia Militar, transcrevo, deste aerograma, a parte em que o Casimiro prevê o ataque a Guileje.

Na sequência da transcrição, eu questiono: como é possível que um aparentemente simples [militar], um Furriel Miliciano, tenha previsto o que nenhum dos Oficiais do Estado-Maior previu???

É certo que alguns Oficiais odeiam a minha tese, por esta e por outras. Mas factos são factos. Factos estes que levaram o ilustre Professor Doutor Adriano Moreira, durante a arguição da minha tese de doutoramento, a comparar-me, quanto ao que afirmo relativamente à formação ministrada na Academia Militar, a Lutero, quanto ao que afirmava relativamente à Igreja, para concluir: Podem descordar mas ele é que sabe. Foi-me atribuída a classificação máxima.

Vemos, assim, que este aerograma é histórico e revelador da estratégia de uma Nação, que é a nossa e à qual muito me prezo pertencer, mas, se é tempo de se elevarem as virtudes, também o é para se referirem os defeitos.

Penso, camaradas, que embora apoie, e muito, o Museu de Guileje, este aerograma merece mais. Se fosse eu a decidir, enviava uma fotocópia.

Mas os camaradas, e meus ilustres amigos, são soberanos. Nunca vos criticarei, seja qual for a atitude que tomarem.

Um grande abraço

Manuel Rebocho

2. Comentário de L.G.:

Como investigadores que somos, temos a consciência da importância que tem (ou pode ter) os testemunhos pessoais, escritos ou orais, dos actores sociais, e nomeadamente dos intervenientes nos acontecimentos históricos. Obrigado, Manuel, pelo teu contributo, o teu alerta... Manda-me, se possível, cópia do excerto desse aerograma a que te referes... Não sei como está o arquivo pessoal do J. Casimiro Carvalho, mas deve estar como o de muitos outros camaradas: por inventariar, organizar, classificar... Não tenho ideia de ter visto esse tal aerograma (ou carta). Vou ver melhor. E, naturalmente, vou decidir, de acordo com a vontade do Carvalho em doar alguma da sua documentação ao futuro Museu de Guiledje, e a própria margem de liberdade que ele me concedeu ("Ofereço os aerogramas que escolheres, [e que] estão na tua posse")...

______

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 16 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2544: Campanha 1 Peça para o Museu de Guiledje (1): Gesto de ternura e simbolismo do herói de Gadamael, J.C.Carvalho


(2) Há uma série, já publicada, com excertos da correspondência do J. Casimiro Carvalho, do período que vai de Fevereiro a Junho de 1973, em que ele esteve em Guileje:

Vd. postes de:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)


(3) Não sei exactamente a que aerograma ou carta se refere o Manuel Rebocho. Não tenho aqui, em casa, a colecção de aerogramas e cartas de Guileje, Cacine, Gadamael e Paunca que o J. Casimiro Carvalho me confiou (além de dois álbuns de fotografias), mas numas das cartas, já parcialmente transcritas, ele dava conta do agravamento da situação militar na fonteira sul... Três dias antes do ataque a Guileje, ele escrevia o seguinte ao seu pai (ou paizinho, como ele afectuosamente o tratava):

Carros de combate russos na fronteira

Cacine, 15/5/73

Paizinho: (…) A guerra aqui está cada vez pior. O Hospital de Bissau está repleto (infelizmente). Só em Guidaje ,[ no norte], 40 feridos, alguns dos quais com membros amputados (já a cheirar mal devido a terem esperado 2 ou 3 dias por coluna para serem evacuados). Aviões já não vão lá.

No Cantanhez (todos estes locais que menciono são no sul, onde estou), 13 feridos numa emboscada. Guileje foi atacada outra vez e passados dois dias os melhores homens que tínhamos lá (dois furriéis milicianos) morreram, em consequência de uma mina anticarro que iam levantar. Andamos todos transtornados.

A 18 km de Guileje fica Gadamael e foram para lá 4 canhões sem recuo e 35 homens para os guarnecer. Levaram também granadas antitanque, pois foram vistos carros de combate na fronteira da República [da Guiné-Conacri].

O meu serviço aqui [ em Cacine,] é receber os géneros e artigos de cantina que vão para Guileje, para o isolamento, pois com as chuvas ficamos como que numa ilha e não podemos sair de lá, só de avião ou barcos de borracha. Aviões não há. Portanto só de barco (o que é muito perigoso)…

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