terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 – P5563: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (32): O regresso (Mário G R Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 32ª mensegem, em 29 de Dezembro de 2009:

Camaradas,

Resolvi retirar do baú das minhas memórias da guerra a estória do regresso à Metrópole da minha CArt 2519.

Regressamos no paquete Uíge, numa autêntica viagem de cruzeiro com paragem na bonita ilha da Madeira.

O REGRESSO

Às primeiras horas da manhã do dia 07MAR191971, atracou em Bissau a LDG proveniente de Buba, que trazia a bordo os últimos elementos da CArt 2519, com destino a Brá, para se juntar aos restantes camaradas que já há algum tempo, na cidade, gozavam finalmente a paz e as férias merecidas.

Digo férias e digo bem, porque a maior parte dos nossos camaradas tinham passado 22 meses e meio no mato, plenos de privações de todo o tipo, sem qualquer conforto, que, de alguma forma, Bissau sempre nos punha à disposição.

Em Brá aquartelados, esperamos ansiosamente o embarque marcado para 11MAR1971, o que não veio acontecer, pois o mesmo foi adiado para 6 dias depois (17).

O pessoal da Companhia todo reunido em Bissau, originou naturais momentos de euforia e de exageros, nomeadamente os inevitáveis festejos dos meus camaradas, que vieram colocar um grave problema ao Comandante (Capitão Barrelas), já que os nossos soldados tinham-se esquecido de alguns artigos do RDM, coisa que, em Bissau, era fatal à nossa malta, confrontados com a grande quantidade de oficiais e sargentos do QP, que estavam colocados na cidade e nela circulavam, por todos os cantos.

O tempo passado no mato (Vietname) e a falta de algumas normas a que se tinham vindo a desacostumar, não se compatibilizava com o rigor e disciplina que, como é sabido, se impunham aos militares que gravitavam nos quartéis da cidade, chocando, como é óbvio, com as rotinas e condutas habituais em Bissau.

Assim, surgiram alguns problemas com a PM, que a custo fomos resolvendo (diga-se de passagem com alguma cumplicidade dos mesmos) e, após um jantar de despedida da Companhia no "Solar dos 10", lá embarcámos de madrugada no dia 17 no paquete Uíge, rumo à tão ansiada Metrópole.

A vida a bordo apesar da ansiedade da chegada correu bem, com o pessoal todo animado esperando ver Lisboa a surgir no horizonte marítimo. A certo momento fomos informados que íamos fazer escala na Madeira, onde ficaríamos cerca de 6 horas para permitir o desembarque de uma Companhia de pessoal Madeirense.

Contamos os últimos pesos, ainda em nosso poder, para trocá-los por escudos ainda a bordo do navio.

Sim, porque como vocês se lembram toda gente fazia negócio com a malta, no câmbio da moeda. Na ida trocavam-nos os escudos por pesos, davam-se mil escudos e recebiam-se, em troca, mil pesos e, no regresso, davam-se mil pesos e, em troca, recebiam-se oitocentos escudos.

Como também nunca percebi como certos civis subiam a bordo à chegada a Bissau, para cambiar o dinheiro do pessoal?

Depois de vadiar umas horas na Madeira, lá retomámos a viagem fazendo a última refeição a bordo, já que no dia seguinte chegaríamos a Lisboa.

Pela manhã, bem cedo, avistamos terra e já ninguém segurava os homens. Até entrarmos na foz do Tejo e alcançarmos o cais de Alcântara foi uma alegria geral. A euforia era contagiante apoderando-se de todos nós, gritava-se, cantava-se e alguns até choravam. Cada um manifestava, a seu modo, a sua alegria de chegar são e salvo a Lisboa.

O cais que nos viu partir acabava de nos ver chegar, cheio com os nossos familiares e amigos, que também esperavam ansiosamente para nos abraçar.

Finalmente foi dada ordem de desembarque. Uma a uma as Companhias foram abandonando o paquete, descendo a escada que nos ligava a terra. Com os olhos ansiosos lá íamos procurando avidamente os nossos familiares, no meio da multidão que nos rodeava.

Foi a confusão geral naquele cais, correrias num vaivém frenético, procurando pais, tios, primos, namoradas, esposas e filhos… parecia que todo o mundo se tinha reunido naquele local, para nos abraçar. É impossível descrever o que ia na alma de cada um, mas tenho a certeza que era uma alegria imensa, aliada ao sentido de termos cumprido o dever a que tinhamos sido chamados, e a partida para um novo retomar da vida.

Seguiram-se as honras militares e o embarque, em viaturas, para Évora - RAL 3, Unidade Mobilizadora, onde no mesmo dia fomos desmobilizados, rumando cada um para o seu destino.

Assim se dispersou a CART 2519 em termos militares.

Por louvável iniciativa de alguns camaradas, foi feito o toque a reunir e todos os anos nos encontramos, para um salutar almoço de convívio, juntamente com os nossos queridos familiares.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 comentários:

Anónimo disse...

Muit'obrigado, MárioPinto.
As suas histórias ilustram e parecem contadas com a parcimónia da verdade que lhes subjaz.

SNogueira

Anónimo disse...

Caro Mário Pinto,
Os meus parabens, por teres terminado bem e mais uma vez a tua comissão, mas continua a escrever porque sabe bem ler as tuas notas.
Um grande abraço e votos de bom 2010, principalmente com muita saúde do camarigo.
ADRIANO MOREIRA - EX-FUR.MIL.ENF.
CART. 2412 -BIGENE,BINTA,GUIDAGE E BARRO. 1968/70