domingo, 26 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7038: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (6): Tivemos bons mestres, dizem angolanos, guineenses e brasileiros, quando falam de corrupção

1. Texto de António Rosinha [, foto à direita]:


Somos mesmo assim tão corruptos?

É que na Guiné, no Brasil ou em Angola, quando se fala em corruptos, e estiver um português por perto,  dizem logo "tivemos bons mestres".... Se na nossa cara falam assim, imaginemos nas nossas costas o que dizem.

A história do engenheiro Alves dos Reis que venceu todas as burocracias necessárias para mandar fazer notas de 500 na Inglaterra, nos anos vinte do século passado, era do conhecimento de todos os adultos que sabiam ler, na cidade de Luanda, quando eu lá cheguei.

Eu, e a maioria que íamos daqui com carta de chamada e passagem do próprio bolso, nunca tinhamos ouvido falar nessa história. Como esse vigarista tinha vivido em Angola, havia gente que o tinha conhecido, ou sabia pelo menos da sua actividade. Talvez soubessem disso os que iam em comissão de serviço por quatro anos, como os governadores gerais e seus secretários, ou comandantes militares.

De facto, esse Alves dos Reis demonstra a capacidade de alguém para corromper tanta gente, desde conseguir assinaturas, carimbos, ser recebido por ministros, e depois distribuir e pôr esse dinheiro a circular em bancos e comércio...E esse génio da vigarice e corrupção era português, com fama internacional.

Agora andam por aí banqueiros que talvez já ultrapassem aquela antiga glória dos anos vinte do outro século.

Claro que se a vida não tivesse uma qualidade melhor em Angola do que cá, seria deprimente para mim e todos os que íamos daqui, ouvindo bocas como de atrasados, íamos só para viver à custa deles, mas esta de corruptos era aquela que talvez se estranhava mais, para quem nunca tinha ligado a tal coisa. Claro que eram conversas de café e o tal jeito da adaptação, dificil de explicar, resolvia tudo, em Angola, no Brasil ou na Guiné.

No Brasil era pior, onde o português era o alvo das anedotas do "menos inteligente". Hoje, os brasileiros emigrantes em Portugal também ficam marcados por outros motivos.

Na França, as marcas do português emigrante também se fariam sentir mas penso que não por corrupção. Mas por sua vez o emigrante que retornava, voltava a ser novamente marcado na sua terra.

Mas essa marca do "mestre da corrupção", penso que é invocado mais nas ex-colónias. Pessoalmente, em Bissau vi sinais de corrupção e vigarices bem (mal) disfarçadas por gente portuguesa em conluio com guineenses, em que a vítima era o Estado Português e o Guineense. Claro que não posso dizer nomes porque não sou polícia e não sou tetemunha. Mas casos descaradissimos não faltavam.

Eu próprio, não sei se me considere corrupto ou não. O que escrever um dia aqui, se tiver oportunidade, quem leia, julgará. Se era corrupto ou "ficava à porta". Mas não sei se já disse outras vezes, em Bissau não são precisos jornais. E o povo em Bissau tudo sabe, e até um dia Nino Vieira teve que fazer um comício para demonstrar que não era corrupto, no fim eu conto.

Eu acredito que na chamada África a sul do Sahara, antes de Diogo Cão ir visitar aquela gente, não havia corrupção tal qual como a praticamos hoje, europeus e africanos.

Sempre se falou e fala muitas vezes nas riquezas "fabulosas" dos países africanos, principalmente em Angola, e Congo que eu conheci um pouco, mas tambem na Guiné e é sabido que os dirigentes dos movimentos independentistas e muita gente pensava isso, que as riquezas das colónias portuguesas não eram divulgadas, para evitar a cobiça das potências estrangeiras.

Essas ideias também provocavam e provocam corrupção e tudo o que de negativo venha atrás, como no caso extremo em certos países africanos com os afamados "diamantes de sangue". No caso de Angola, parece que os diamantes continuam a ser moeda de troca. Não me admira que,  igualmente ao tempo colonial, haja muita dinheiro a ser investido em quartzo e vidro triturado.

Mas na Guiné, como não há grandes riquezas naturais à vista, talvez não haja grandes escândalos, mas é constante falar-se em corrupção e se um tuga estiver por perto pode ouvir a insinuação de mestre da dita mania da corrupção.

Houve um Natal de 1980 em que a Tecnil por hábito fazia a distribuição pelos clientes de umas lembranças, e como habitualmente era obrigatório uma lembrança para o presidente da República e outra para o Ministro das Obras Públicas. Ora naquele ano, 'Nino' Vieira era presidente havia um mês e o ambiente estava muito tenso e até algo violento devido ao golpe recente, e da Tecnil ninguém se achava com à vontade para levar essa lembrança à residência do Presidente, porque não se sabia qual seria a reação. Mas alguém teve que ir, e esse alguém lá entregou umas caixas com garrafas e mais umas embalagens com um cartão aos seguranças, mas passados uns minutos estava tudo devolvido sem explicações.

Dentro de uma perspicácia especial dos guineenses, toda a gente é baptizada com uma alcunha, e sempre com muita originalidade. Quem não podia escapar era o Presidente 'Nino' Vieira. que embora já tivesse a alcunha habitual, adaptavam-lhe uma alcunha (não muito às claras, penso eu) de uma novela brasileira, Sinhôzinho Malta. Desde o poder absoluto, aos carrões, ao relógio de ouro que exibia no pulso, e toda a gente ter um respeito absoluto àquela figura, e até a corrupção que se imaginava, tudo se adaptava à alcunha.

E passados uns anos, 'Nino' Vieira teve que explicar que não era corrupto, como se andava a falar. Usou um comício, transmitido pelo rádio e televisão e entre outros assuntos falou do "boato que anda por aí a correr". E agora digo apenas do que me lembro de ouvir e o sentido que o Presidente queria transmitir, e o pessoal comentou durante uns dias:
- Dizem que sou corrupto, mas se por exemplo, este relógio de ouro que tenho no pulso (e levanta o pulso com um relógio vistoso) que me foi oferecido pela Soares da Costa (a maior empresa a trabalhar na Guiné), como uma lembrança, eu devia recusar? Se o fizesse até era má educação.
- Isso é ser corrupto? - perguntava 'Nino' à assistência.

Claro que o povo que assistia ao comício respondeu em côro: 
- Nããão!

E agora, podemos nós aqui perguntar se, apesar de dezenas de nacionalidades representadas com seus nacionais em Bissau, e ser exactamente uma empresa portuguesa, a  Soares da Costa,  a dar um relógio ao Presidente, isso faz-nos,  aos portugueses,  mais suspeitos de corrupção do que os outros?

Claro que alguns de nós diremos: 
- Siiiim!

Mas concerteza haverá lugar para outras definições desse acto desde nããão, talvez ou niiim.

Não estou a imaginar ver os Suecos que tanto ajudaram o PAIGC, a dar particularmente um relógio a 'Nino' Vieira e este a explicar publicamnte. Mas vi os Suecos darem a cada ministro um Volvo topo de gama e renová-lo periodicamente e grandes máquinas para madeireiros trabalharem.

Também não imaginamos Russos que tanto ajudaram o PAIGC, oferecer um relógio ao Presidente. Mas vimos oferecer carros de combate e aviões de guerra.

O acto dos russos e suecos são ajudas de um povo a outro povo , no caso português são apenas negócios com uma empresa portuguesa em que uma da mãos lava a outra.

É esta a imagem que fica das diferenças de uma cooperação e outra. O que a Soares da Costa fez, é aquilo que podemos imaginar que foi a aventura,  de séculos por esse mundo fora, da diáspora portuguesa. Podemos dizer que é o tal desenrascanço, e ficam sempre suspeitas (os guineenses chamam o soco por baixo da mesa, em crioulo).

Enquanto outros cidadãos e empresas só agem com colaboração de embaixadas e consulados, em Portugal parace que se evitam mutuamente esses contactos.

Chegava-se a ver em Angola, no tempo colonial, comerciantes totalmente isolados durante anos, sem chefes de posto, nem missionários nem postos médicos que se instalassem a menos de um dia de viagem a pé (estradas nem vê-las). Claro que tinham que se desenrascar através de uma integração desde a aprendizagem das línguas, até aos remédios do povo e certamente compra de favores (corrupção?). 

Eu aprendi com colegas angolanos, logo nos meus primórdios, a deslocar-me em lugares distantes de povoações, acompanhado com um saco de sal. Era ouro com que comprava desde alimentação, informações e até protecção. Seria corrupção?

Claro que muitas vezes referem-se casos de imenso sucesso de portugueses na França, Brasil, Angola e até na China e América, mas os insucessos são varridos para baixo do tapete. Mas que a imagem que fica,  podia ser melhor se não nos auto-marginalizássemos, disso não tenho dúvida.

 Cumprimentos,

Antº Rosinha (*)
_______________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 19 de Setembro de 2010  > Guiné 63/74 - P7006: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (5): Portugal nem explorava nem desenvolvia, colonizava pouco e mal

6 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Rosinha

Bem apresentado!
Isso da corrupção... está bem de ver que em Portugal houve tempo em que o que era mais corrente era uma espécie de 'corrupçãozinha', o favorzinho, 'uma mão lava a outra e as duas lavam a cara', o pequeno delito, o 'passar bom debaixo da mesa', a cunha, etc., no fundo uma situação transversal à sociedade, quase que uma imagem de marca do modo de ser português.
A corrupção (corrupçãozona) ficava para níveis sociais e económicos mais elevedos...

Neste momento a sensação mais comum é a de que se utiliza a táctica de 'todos ao molhe' com todos a tentarem fazer tudo, sem receio duma Justiça que não funciona.

Um abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

"O poder corrompe; e todo o poder absoluto corrompe absolutamente", a frase é atribuída a Thomas More (1478-1535), Chanceler do Reino, no tempo de Henrique VII de Inglaterra... O filósofo e homem de Estado, autor de "Utopia", pagou com a vida essa frase...

Inevitabilidade, a corrupção ? Não. Nem é exclusiva dos povos A, B ou C. Nas sociedades livres, democráticas, abertas, plurais... tenderemos a ter mais mecanismos de prevenção e controlo da corrupção do que nas sociedades autoritárias e totalitárias, fechadas...

Anónimo disse...

Luís
Imagino que no teu comentário terás querido referir mecanismos de prevenção e controle da democracia.
E acredito que sim.
Tal como numa empresa, em que a máquina de gestão tem que prevenir e controlar os diferentes sectores de actividade, respondendo pelo êxito ou inêxito perante a assembleia de accionistas, também as sociedades, prevenindo a eventual desonestidade de quem exerce a soberania, devem criar dispositivos de ordem legal e funcional, que previnam qualquer tentação de desvio aos mandatos conferidos.
Mas para que isso aconteça, digo eu, os curriculos escolares devem englobar noções de civilidade e vida social, bem como princípios de organização política (não os confundir com os do antigo 3º. ciclo).
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

Caro Camarada Ant.Rosinha. Sem de modo algum procurar justificar ,ou nao, os exorbitantes auxílios económicos suecos a alguns países africanos,gostaria de salientar que,em termos legais existe uma diferenca fundamental entre o governo sueco "dar" últimos modelos de automóveis da marca Volvo a ministros da Guiné,e o facto concreto de serem abertas linhas de crédito pela entidade oficial sueca responsável pelo auxílio a países em vias de desenvolvimento,sendo estas debitáveis da soma bruta do auxílio económico anual estipulado pelo governo sueco para os diferentes países receptores. Nao serao portanto "dados carros a ministros" por parte deste governo,mas sim a possibilidade do governo de outro país soberano ADQUIRIR os carros julgados necessários,pagando-os com a reducao desses custos nas somas recebidas como auxílio económico.(aparentemente o mesmo,mas legalmente muito diferente). Quanto ás referidas máquinas para madeireiros trabalhar,estando incluídas no tal auxílio estatal para o desenvolvimento,(resalvando de novo o termo-estatal),nao se poderao,obviamente,considerar factor legal de corrupcao. O que depois acontece dentro do Estado soberano Guiné-Bissau...será...talvez...outra história! Um abraco.

Luís Graça disse...

Sem dúvida, Zé Dinis, temos que ser melhores portugueses e cidadãos a partir da família e da escola...

Precisamos de reforçar os valores da liberdade, responsabilidade e cidadania... Este ano que comemoramos os 100 anos da República, é uma boa altura para nos interrogarmos sobre a diferença entre o que é ser súbdito e o que quer dizer cidadão... Isto, independentemente da questão do regime (monarquia constitucinal ou república)... De resto, é bom lembrar que os cidadãos deixaram de ser "súbditos" e passaram a ser "cidadãos" com a revolução liberal de 1820 e a primeira constituição política da nossa história, que veio consagrar o princípio da separação de poderes - legislativo, executivo e judicial - bem como reconhecer os direitos e garantias dos cidadãos...

Julgo que um dos nossos problemas reside na historicidade e na persistência das relações clientelares que marcam um certo modo de ser português em Portugal: se eu ponho uma cunha a um amigo, fico a dever-lhe um favor... E sabes como é... "Amor com amor se paga"...

E a propósito de cunhas: quantos de nós puseram cunhas (ou moveram influências) para se livrarem, se não da tropa, pelo menos do Ultramar ?

Sei que o tema é incómodo e até fracturante: dificilmente aparecerá alguém a reconhecer aqui, em público, que o pai, o tio ou o padrinho tentou, pelo menos, meter uma cunha a alguém influente, da tropa, da política ou da igreja, para o "safar da guerra"... Independemente até da vontade do próprio...

Mas se aparecer alguém, eu tiro-lhe o chapéu pela hombridade, honradez e coragem...

Anónimo disse...

Em África de nós conhecida, temos que admirar Caboverde no que concerne a distinguir os benificios/malefícios das "ajudas" que lhe são propostas.

Lá terão os seus "relógios e os seus automóveis" por baixo da mesa, mas o aproveitamento do que lhe foi doado fizeram daquela terra um país respeitado e de que todos os caboverdeanos se sentem vaidosos.

Quem dera que nós em Portugal, tivessemos uns governantes com a credibilidade semelhante aos políticos caboverdeanos.

Como toda a minha vida profissional foi nos trópicos, Brasil, Angola e Guiné, terras em que é usual associarmos a negócios fáceis e "árvores das patacas", fiquei surpreendido com Portugal, quando regressei aos 60 anos.

Eu trabalhei nos ultimos anos da minha actividade profissional em Portugal, por exemplo na Expo 98 e até neste último arranjo que houve no Terreiro do Passo.

È horrivel o que se passou nestas obras, visto por quem já tinha trabalhado com franceses, suecos, alemães, italianos do norte e do sul, brasileiros de origem afro, europeia e até japonesa.

Somos do piorio, não temos respeito por nós próprios!

Mas aqui a guerra é outra, viva Caboverde na guerra e na paz!

Antº Rosinha