segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9109: O nosso fad...ário (1): O Fado da Emboscada (CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1969) (João Carvalho / José Martins)





Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Fado da Emboscada (*). Adaptado de O Embuçado (Música do Fado Tradição, da cantadeira Alcídia Rodrigues; letra de Gabriel de Oliveira; criação de João Ferreira Rosa) [Vd. aqui vídeo, da RTP Memória, inserido no YouTube por MikeFadoEtc em 7/8/2011]





Infogravura: © João Carvalho (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Fado da Emboscada


A história que eu vou contar,
Já há muito aconteceu,
Gatos Pretos em acção,
Na grande operação
Lacoste, em Burmeleu.


A malt' ia pela mata,
Ainda não vira nada,
Mas por mal dos meus tormentos,
Com fortes rebentamentos,
Começou a emboscada.


Logo a malta reagiu,
No meio da confusão,
Atrás deles e a correr,
A gritar e a dizer
Gato Preto, agarra à mão!.


Perante a admiração geral,
No meio da algazarra,
Enquanto os turras fugiam,
Os nossos os perseguiam,
A gritar Agarra, agarra!.


E então já à noitinha,
Quando a tropa instalou,
P'ra nosso contentamento,
Munições e armamento,
Foi o ronco que ficou.


 
 
 
  1. O João Carvalho, que foi furriel miliciano enfermeiro dos Gatos Pretos, CCaç 5  (Canjadude, 1973/74) e - e hoje farmacêutico - quando apareceu na nossa tertúlia, no princípio de 2006, começou a rebuscar o seu "baú de recordações". E nessas voltas ao passado, disse-nos que encontrara "uma pequena bandeira [, guião,] dos Gatos Pretos", tendo digitalizado e enviado uma das faces que se volta a reproduzir aqui...
 
A par dessa preciosidade, também foi desencantar letras de canções com que os Gatos Pretos (se não todos, pelo menos os metropolitanos) exorcizavam os seus fantasmas, os seus medos, as suas angústias nas noites quentes e longas de Canjadude, na região do Gabu... Entre elas, esta letra de fado - o Fado da Emboscada - com que vamos inaugurar esta nova série - O Nosso Fad...ário - destinada a recolher, de maneira mais sistemática, letras  e, se possíveis, músicas de fados... 


2. Não sabemos quem é o autor da letra. Quem quer que tenha sido, não me parece que, a avaliar pela época, tivesse conhecimento do Cancioneiro do Niassa, onde há também diversas letras com adaptações de fados conhecidos (O Turra das Minas, o Fado do Turra, o Fado do Estado Maior, etc.)...  Devia estar familiarizado, em todo o caso, com o Fado "Embuçado", tema que é uma criação de João Ferreira Rosa, que o começou a cantar por volta de 1962, e que foi no seu disco Taverna do Embuçado, 1965).

Mas a  génese deste Fado da Emboscada já aqui nos foi explicada por um outro Gato Preto, mais antigo, o ex-Fur Mil Trms José Martins (1968/70)... Tomamos a liberdade de reproduzir aqui um excerto do seu poste de 1 de Março de 2006, ainda na I Série:

(...) "FADO DA EMBOSCADA



"Este fado, com música do Embuçado, faz referência à Operação Lacoste, que foi uma patrulha [ofensiva] ocorrida em 27 e 28 de Junho de 1969, e que,  tendo partido de Canjadude, passou por Sare Andebe, Ponto Cota 70, Burmeleu, Samba Gano,  e regresso a Canjadude.

"Houve contacto com o IN no final do dia 27. Quando a patrulha se preparava para montar a emboscada, foi detectado, na zona de Burmeleu, um grupo [IN] que nos atacou e ao qual foi iniciada a perseguição. No terreno ficaram armas e munições. Após o recontro retirámos para o Ponto Cota 70, que nos garantia protecção nocturna.

"Durante a noite assistimos à passagem de guerrilheiros que,  no dia seguinte, ao voltar a passar pela zona de Burmeleu, tínhamos 'festa rija' á nossa espera". (...)


Outros dois ilustres Gatos Pretos que pertencem à nossa Tabanca Grande são o ex-Cap Cav Pacífico dos Reis e o José Corceiro a quem perguntamos se não têm conmhecimento de mais letras de fado ou outras canções do Cancioneiro de Canjadude... Sabemos, através do José Martins, que a CCAÇ 5 teve um jornal de caserna, O Gato Preto, pelo menos em 1971, ou desde 1971... e de que terão saído uns 16 números...

3. Tocava-se e cantava-se o fado na Guiné, nas noites quentes e longas da Guiné... Violas, havia sempre, pelo menos uma, ao lado da G3... Violistas, dois ou três... Guitarras eram mais raras... Não tenho ideia de visto ou ouvido alguma, ao vivo, em Bambadinca ou noutros aquartelamentos por onde passei...(Talvez houvesse em Bissau). Vozes para cantar o fado, mesmo desafinadas, havia muitas...Numa companhia como a minha (CCAÇ 2590/CCAÇ 12) que tinha apenas 50 militares metropolitanos (os restantes eram do recrutamento local), lembro-me bem de malta que tocava e/ou cantava à viola ou acompanhado à viola...

Dos violistas, lembro-me logo do GG (Gabriel Gonçalves, 1º Cabo Cripto, lisboeta); do Zé da Ila (Fur Mil At Inf José Luís Vieira de Sousa, madeirense do Funchal); do Joaquim João dos Santos Pina (também Fur Mil At Infr, algarvio de Silves)... Todos eles tinham viola... O 1º Cabo Escriturário Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares tocava acordeão (e acho que também arranhava a viola). Mas o que tinha mais cultura fadista era o nosso GG, companheiro inseparável de muitas noitadas e tainadas... Depois havia mais malta de outras subunidades: estou-me a lembrar do J. L. Vacas de Carvalho (hoje, também fadista amador), do Abílio Machado (, fundador do grupo Toque de Caixa), do David Guimarães (, agora ligado ao fado de Coimbra), etc. O Álvaro Basto e o Jorge Félix, que também tocam viola,  só os conheci através do blogue.

O Joaquim Mexia Alves  já não é do meu tempo de Bambadinca (Sector L1) mas sei que este era fadista apreciado e requisitado no TO da Guiné... Aliás, é autor de mais fados, para além do Fado da Guiné, que ele escreveu em 2007 para todos nós, seus camaradas e amigo...  É autor nomeadamente da letra do fado Montemor é praça cheia,  com música do Manuel Maria, e que foi gravado pelo Nuno Câmara Pereira, num disco de 1992, editado pela EMI- Valentim de Carvalho. (Vou ver se recupero um vídeo que fiz em Pombal, em 28 de Abril de 2007, por ocasião do nosso II Encontro Nacional, com a dupla J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves).

Vem tudo isto a propósito de quê ? Do Fado, agora Património da Humanidade... O nosso modesto, discreto mas nem por isso menos valoroso contributo para a celebração deste evento (a inscrição do fado na lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO) poderia bem ser, daqui a uns tempos, a oferta,  ao Museu do Fado,  de letras de fados cantados e tocados no nosso tempo, na Guiné n(com a identificação das respetivas músicas, em geral fados tradicionais ou então em voga na época)...  Julgo que faz falta, no Museu do Fado, um secção sobre a fado e a guerra do ultramar (ou colonial, como queiram)...

Fica então aqui o meu/nosso apelo para raparmos o fundo ao baú das nossas memórias, e desencantarmos mais letras (e eventualmente músicas) do nosso fad...ário! (LG)

_______________

Nota do editor:

 
(*) Vd. I Série, poste de 28 de Fevereiro de 2006 >  Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)

8 comentários:

Luís Graça disse...

Letra de João Ferreira Rosa, recolhida aqui por Paulo Lima, disponível em:

http://natura.di.uminho.pt/
~jj/musica/html/rosa-embocado.html



Fado do Embuçado:
(Letra e música de João Ferreira Rosa)

Noutro tempo a Fidalguia
Que deu brado nas toiradas,
Andava p'la Mouraria
Onde muito falar se ouvia
Dos Cantos e Guitarradas.

A história que eu vou contar,
Contou-me certa velhinha,
Certa vez que eu fui cantar
Ao salão de um Titular,
Lá para o Paço da Rainha.

E nesses salão doirado,
De ambiente nobre e sério,
Para ouvir cantar o Fado
Ia sempre um Embuçado.
Personagem de mistério.

Mas certa noite ouve alguém
Que lhe disse, erguendo a fala:
- Embuçado, nota bem:
Que hoje não fique ninguém
Embuçado nesta sala!

Perante a admiração geral,
Descobriu-se o Embuçado,
Era El-Rei de Portugal,
Houve beija-mão real
E depois cantou-se o Fado.

Luís Graça disse...

Fado do Embuçado:

O seu a seu dono:

"Composição singular com música do Fado Tradição, da cantadeira Alcídia Rodrigues, e letra de Gabriel de Oliveira"...

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fado_do_Embu%C3%A7ado

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Ferreira-Rosa

Anónimo disse...

Eu que sou uma fã do fado e que me sinto feliz coa a distinção atribuida à nossa canção nacional. Quero dar os parabéns ao autor do "Fado da Emboscada", que achei muito engraçado. Devo dizer que nós também tínhamos entre outras canções discos de fados, que se ouvia depois de um dia de trabalho e que nos ajudavam a matar as saudades e nos reconfortava a alma.
A ideia de se vir um dia a juntar no museu do Fado, os fados dos militares combatentes, neste caso em apreço, os da guiné, acho uma ideia genial.Prabéns por isso, ao camarada Luis Graça

Anónimo disse...

O anónimo que é fã do fado e se esqueceu da identificação é a distraída (camariga piriquita).Mª Arminda

Anónimo disse...

Com a música do "Fado do Embuçado", haveria mais que uma versão adaptada a circular na Guiné.

Lembro-me de cantarmos, creio que em Bolama, uma letra diferente da apresentada no Poste e cujo autor foi alguém que esteve na zona de Pirada.


É pena que só me lembre de dois versos e que rezavam assim:


A história que eu vou contar
Contou-ma um camarada
Certa vez que fui atacar
O Exército Popular
Lá pr´os lados de Pirada.

Perante o espanto geral
Descobriu-se o Emboscado
Era o...Amílcar Cabral
Houve tiroteio geral
E depois cantou-se o fado.


Sei que pelo meio metia uns "tiros e morteiradas" mas, como nunca anotei nada, já não consigo reconstituir tudo.
Talvez algum camarada se recorde e
o possa fazer.

Um abraço para todos

José Vermelho

Luís Graça disse...

1. Maria Arminda: Havia "boas cantadeiras" entre o corpo de enfermeiras paraquedistas ? Ainda te lembras de alguns fados em voga nessa época ? Ou o fado não era uma canção consentânea com o duro quotidiano destas camaradas ? O mais provável era não haver sequer tempo para chorar as "mazelas" alheias, quanto mais as próprias...

2. Pode ser um "preconceito" meu, mas acho que os nossos "marinheiros" tinham melhor "cultura fadista" do que os "infantes", talvez até pela sua origem geográfica (Lisboa, margem sul do Tejo, Setúbal...).

Na Guiné, não temos nada equivalente ao Cancioneiro do Niassa, nascido à volta da base de Metangula e da Rádio Metangula. Várias letras, anónimas, seriam de malta da marinha, ou melhor, da Reserva Naval... (caso do meu amigo médico, ex-Ten Mário Bernardo).

3. Acho que na Guiné temos um cancioneiro, também interessante, mas disperso por mil e um lugares... Já fizemos algumas boas recolhas de letras (de fados, baladas e outras canções)... Mas falta-nos muitas outras, letras que correm o risco de desaparecerem da memória das gentes como a do Fado do Embuçado de Pirada, aqui parcialmente reconstituído pelo José Vermelho... Pode ser que alguém se lembre dos versos que faltam...

Obrigado, Maria Arminda e José Vermelho, pelos vossos contributos...

Ainda há tempos publicámos aqui a letra do "Fado Orion", da autoria do J. Paredete Ferreira, médico... Vou republicá-la nesta série.

Anónimo disse...

Mensagem do Fernando Costa enviadaa ontem às 22:57, para a caixa de correio dos editores do blogue:

Amigo Graça,

Gostei da iniciativa que tiveram sobre o fado. No BCAÇ 4513 havia dois elementos que acompanhavam o fado. Actualmente esses mesmos, continuam tocando profissionalmente. Refiro-me ao Mestre Carvalhinho e eu próprio.

Adianto que se houver interessados, temos as condições necessárias para gravação de CD's no estúdio do Carvalhinho.

Para aqueles que gostam de fado, podia-se fazer uma noitada na casa de fados onde tocamos.
Um forte abraço,

Fernando Costa
Ex-Furriel Miliciano BCAÇ 4513

arcanjo disse...

Olá a todos: Acho a ideia do Fernando Costa formidável, e devíamos pensar nisso! Se acharem que a ideia tem pernas para andar, contem comigo.

Um abraço fadista

GG