1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2012:
Queridos amigos,
O Prof. Armando Castro percorreu algumas parcelas do Império para escrever este livro, apresentado como libelo anticolonial . Foi elaborado entre 1958 e 1959, publicado em 1962 na URSS e editado em português em 1980.
Marca inequivocamente o que o PCP pensa do sistema colonial, numa altura em que já eclodira a subversão em Angola. O PCP, no seu V Congresso, realizado em 1957, tinha inserido no seu programa, como objetivo primordial “o reconhecimento aos povos das colónias portuguesas do direito à completa e imediata independência”. Este objetivo será mantido no VI Congresso, realizado em 1965.
A sua edição na URSS, é uma hipótese explicativa, resultaria de um esforço informativo da corrente do comunismo internacional sobre a visão prismática que o PCP tinha acerca dos grandes eixos em que assentava o colonialismo português em África. É descabido supor que um livro editado em russo tivesse como utilizadores os portugueses.
Um abraço do
Mário
O sistema colonial português em África: a Guiné
Beja Santos
“O sistema colonial português em África (meados do século XX)”, por Armando Castro, Editorial Caminho, 1980, foi elaborado entre 1958 e 1959 e teve a sua primeira edição na União Soviética. O autor explica-se: “Não podemos para tanto perder de vista que entre 1957 e 1958, quando foi tomada a decisão de conhecer os aspetos mais salientes do sistema colonial português em África, ele era praticamente desconhecido, quer da opinião pública portuguesa quer da generalidade da opinião pública internacional”. Mais adiante, o autor refere ofensiva ideológica do regime de Salazar em torno das bondades sobre o seu domínio colonial e a necessidade que o Partido Comunista Português sentiu de se habilitar com a sua própria ofensiva de esclarecimento. Armando de Castro parte para África a 21 de Junho de 1958 e durante 95 dias percorreu Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e a Guiné. A primeira edição foi em russo, sob o pseudónimo de autor Joaquim Silva.
Armando de Castro releva, palavras suas, a exatidão do marxismo, a sua capacidade de previsão histórica de que o colonialismo estava condenado a desaparecer. Como se compreenderá, a recensão sumaria os dados referentes à Guiné, e do mesmo modo faz-se tábua-rasa dos elementos referentes à situação geográfica, território, fronteiras, demografia e quadro étnico, organização administrativa, transportes e comunicações.
O autor chama a atenção para o facto das características económicas e sociais da Guiné serem diferentes das outras colónias: “O aspeto principal resulta da falta de plantações ou de outras empresas para exploração direta das riquezas naturais pelos colonialistas. Toda a atividade económica repousa sobre a agricultura nativa. A atividade dos europeus consiste na aquisição dos excedentes da produção autóctone e na organização de um mercado interno por meio de uma rede comercial fechada”. Isto derivado ao pouco estímulo que o capital colonial sentiu para a exploração direta das riquezas.
Refere-se a importância da cultura da mancarra e atividades exercidas diretamente pelos europeus, a exploração das madeiras, havendo a criticar a ausência de um repovoamento florestal. A agricultura aparece como uma atividade económica exclusiva dos guinéus, o comércio colonial consiste no amendoim, coconote e óleo de palma. No plano industrial, são repertoriadas quatro fábricas para o descasque de arroz, pertencentes a sociedades europeias, uma pequena unidade para extração de óleo de peixe, pequenas oficinas de reparação automóvel, serralharias, pequenas fábricas para extração de óleo de mancarra e umas doze oficinas para cortar as madeiras destinadas à exportação. Não são igualmente esquecidas as destilarias de bebidas alcoólicas e o autor refere tratar-se de atividades clandestinas “visto que várias convenções internacionais interditam a destilação em África das bebidas alcoólicas”.
A Guiné aparece a viver economicamente a viver sobre o signo da mancarra e seguem-se alguns dados que vale a pena registar. “As firmas proprietárias das quatro fábricas de descasque de arroz controlam também o mercado interno e a exportação. Sofrem porém a concorrência dos produtores nativos na fase de descasque. Estes, com efeito, descascam o arroz com o pilão, manualmente, produzindo assim o que se chama arroz de pilão. Para vencer esta resistência ao monopólio total, os proprietários das fábricas fizeram baixar o preço do arroz de pilão em relação ao arroz descascado nas suas fábricas, insinuando que aquele era impuro e de difícil exportação. Apesar disso, o cultivador guinéu continuava a vender o seu produto, não somente no mercado interno mas também nos territórios vizinhos sob denominação francesa, sobretudo desde que deixaram de receber arroz do Vietname”.
Esta digressão sobre a Guiné prossegue com uma análise da mão-de-obra e salários, o comércio interno e o comércio externo. No tocante ao capital colonial na Guiné, o autor volta a referir as três grandes companhias e o seu papel monopolista no comércio interno, na aquisição das matérias-primas coloniais e na venda de produtos manufaturados, bem como o controlo quase total da exportação e o transporte marítimo, explanado sobre os interesses da CUF através da Casa Gouveia, a Sociedade Comercial Ultramarina e por outro lado a empresa Barbosa e Costa. Por fim, Armando Castro tece considerações sobre a sociedade guineense. Considera que a etnia mais evoluída é a Fula. Observa que o trabalho forçado tem formas mais atenuadas e com menos intensidade na Guiné que em Angola e Moçambique: “Para conseguir mão-de-obra, os colonialistas dirigem-se aos funcionários da administração. Mas as empresas só têm necessidade de um pequeno número de trabalhadores e, por outro lado, a resistência é grande. É isto que explica que o trabalho forçado na Guiné seja menos grave que nas outras colónias do Continente. A violência física parece também exercer-se com menos rigor. Os castigos corporais existem, mas mais raramente que em Angola ou Moçambique. O espírito de resistência aos colonialistas é visível ainda em exemplos relativos a alguns produtos alimentares. a população europeia experimenta sérias dificuldades para obter certos géneros alimentícios, tais como os legumes e os ovos, porque os produtores não fornecem os mercados”.
E Armando Castro fala da resistência guineense dando como exemplo as greves para a obtenção de melhores salários dos carregadores da Casa Gouveia, em Maio de 1956, lançando um dado surpreendente: “A resistência mede-se ainda pela extensão da influência islâmica. O islamismo barra a penetração ideológica do colonialismo, que procura impor-se por intermédio dos centros missionários, a multiplicação das escolas corânicas torna inútil este esforço colonialista, porque os africanos observam atentamente o exemplo dado pelos membros dos dois tipos de escola. De um lado estão os mestres do Corão, africanos como eles, tratando-os como irmãos e vivendo de uma maneira humana e digna. Do outro lado, nas escolas criadas pelos colonialistas, atuam mestres impregnados da mentalidade dos exploradores brancos”. Acerca do contexto mundial anticolonial, o autor observa ainda: “Face ao aumento da vaga anticolonialista, que já deu a independência à Guiné ex-francesa, a política das autoridades portuguesas não sofreu qualquer transformação. Portugal nem sequer tenta qualquer ação do tipo económico- social ou político-administrativo como fazem as demais potências coloniais. Alimenta a esperança de manter o sistema. Para isso conta com a manutenção do grande atraso das populações em relação a todos os outros povos colonizados de África. Ao mesmo tempo, procura-se intensificar a vigilância e a repressão policial. É o que explica a instalação em África, em 1956, da famosa polícia política de Salazar, em particular a sua implantação no interior da Guiné e em algumas regiões fronteiriças. Em meados de 1958 acentuava-se esta medida criando 5 postos e 11 subpostos da polícia política”.
Resta procurar entender o que levou um quadro do PCP a proceder a este levantamento e a publicá-lo em russo, na sua primeira edição. Armando Castro, no posfácio, justifica-se. A primeira razão é de carácter pessoal, por sentimento de justiça e de solidariedade humana, a outra é a necessidade de contribuir para o desaparecimento da opressão colonialista: “Os patriotas conscientes também não ignoram que, na medida em que se quebram os projetos do imperialismo que têm por base as colónias portuguesas, se reforçaram as possibilidades de paz. Desejamos que a opressão colonial que dura há séculos seja substituída por relações de verdadeira amizade. E esta amizade, a única forma futura da presença de Portugal em África, só pode nascer e florescer no seio de uma cooperação fraterna. Cooperação regida pelos princípios da igualdade nacional”.
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Nota do editor:
Último poste da série de 15 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11399: Notas de leitura (472): Vem Comigo à Guerra do Ultramar, pelo Coronel António Luís Monteiro da Graça (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
"O sistema colonial português em África (meados do século XX)”, por Armando Castro, Editorial Caminho, 1980"
Mário, precisamente em 1980 em Bissau, com Luís Cabral,circulavam centenas senão milhares de pequenos livros da Caminho, vendidos a preços mínimos, embora para os guineenses não fossem tão mínimos, deste género que acabas de ler.
Esses livros, soviéticos traduzidos e publicados pela Caminho, cobriam todos os países de África.
Alguns tive a pachorra de dar uma vista de olhos, sendo que a maioria eram sobre colónias inglesas, onde, eles soviéticos tinham mais dificuldade em entrar com o seu socialismo que estava prestes a cobrir toda a África.
Segundo alguns livros, ainda no século vinte África era toda socialista.
Pelo que deduzo este livro de Armando Castro, já era feito dentro desta política.
Cunpromentos
Caro "colon" A.Rosinha
Se nos finais do século xx era toda "socialista" ou quase..no século xxi é toda ..ou quase "amarela",digo "comunismo chinês",traduzindo na prática o mais puro e duro "capitalismo selvagem".
Como os tempos mudam..nós não passamos de "reles" colonialistas..comparados,é claro,com os actuais com olhos em formato de amêndoa.
Há uns anos li um livro cujo o título era "Quando a China despertar"...já despertou..ponham-se a pau..
C.Martins
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