segunda-feira, 15 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11399: Notas de leitura (472): Vem Comigo à Guerra do Ultramar, pelo Coronel António Luís Monteiro da Graça (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Dezembro de 2012:

Queridos amigos,
Não, não é uma revelação literária que aqui vos trago, é um tocante quadro de memórias do então comandante da CCAV 677, que operou em Tite e arredores.
Trata-se de uma coletânea de recordações por vezes bem espirituosas, é uma prosa sincera de alguém que vem agradecer aos seus soldados o seu esforço e a elevada qualidade da camaradagem.
Temos aqui operações bem mal sucedidas, momentos de tristeza, relatos de desenrascanço e não falta a gargalhada hilariante. Acaba-se o relato e fica a saber a pouco, já se sabe que a sinceridade toca aos combatentes como fogo inextinguível.

Um abraço do
Mário


Vem comigo à guerra do Ultramar,
pelo coronel António Luís Monteiro da Graça

Beja Santos

O coronel António Luís Monteiro da Graça fez uma edição caseira das suas memórias referentes às suas quatro comissões, duas em Moçambique, uma na Guiné e outra em Angola. Dedica a edição à mulher e à CCAV 677 “por tudo o que sofremos juntos, na Guiné, evidenciando o valor de todos os seus elementos”.

O Coronel Monteiro da Graça que combateu na Guiné entre 1964 e 1966, no setor de Tite, proporciona-nos uma leitura absorvente pois escreve de modo faceto, traz recordações avulsas dos seus subordinados, tira partido das peripécias mais duras de modo positivo, é divertido e sobretudo guardou uma imagem de profunda humanidade dos seus soldados.

E explica porque é que dedica estes apontamentos à CCAV 677: foi ele que os formou, combateu a seu lado nas horas mais duras. “Logo que chegámos à Guiné, ficámos sem um pelotão, dos quatro que levávamos, por isso fomos reforçar Fulacunda. Dos três pelotões restantes, muito cedo ficámos na prática, reduzidos a dois: baixas por doença e ferimentos em combate. Tive a felicidade de comandar homens que iam suportando todas as contingências da guerra com grande espírito de sacrifício mas eivado de humor e boa disposição que se prolongaram até aos dias de hoje em que não faltam aos anuais almoços de confraternização. E o elogio é extensivo aos nativos que iam connosco e que sempre foram elementos de grande valor e lealdade, honrando os compromissos assumidos”. O batismo de fogo foi em 11 de Junho de 1964, foram flagelados enquanto atravessavam a bolanha entre Gamalã e Jabadá Beafada. Um apontador de morteiro feriu-se seriamente, o prato base saltou com a explosão, levou-lhe um pouco da rótula direita. Cheio de bonomia fala do médico da companhia, o Dr. Pereira: “Não tinha qualquer preparação física. Foi mobilizado, teve duas ou três semanas de instrução em Mafra e lá vai ele para o mato. Era bom técnico em princípio de vida e tinha uma tarefa espinhosa. Na primeira operação, um pouco puxada, o Dr. Pereira não aguentou. E dali não saía mesmo depois de algum descanso. Houve que fazer um desvio para evacuar o Dr. Daí nasceu uma guerra entre mim e o comandante. Este obrigava-me a levar o médico para as operações. Eu não o levava pois já tinha a experiência, chatices tinha eu que de sobra. E analisando bem que fazia lá o médico em caso de ferimento grave?”.

Em 20 de Junho, lá vão eles para nova operação, desembarcam em Gã-Chiquinho, não muito longe de Bissássema, era uma operação à base de Sancorlá, quando atacaram, já a base estava abandonada, destruíram cerca de 100 camas, caminharam depois em direção à tabanca de Dodoco, surpreenderam uma formação inimiga, houve troca de tiros. Depois, houve complicações na passagem de riachos, o que os salvou foi terem levado cordas de sapadores; e mal chegaram a terra firme foram flagelados. A partir daí, sentiram sempre a presença do inimigo. Penosamente, e graças ao apoio dos T6 fizeram o caminho até Jabadá.

É um comandante que reteve as picardias, os azares que acabaram em bem, as histórias hilariantes, as tais situações inacreditáveis que polvilham as guerras dentro da mata, caso da operação “Crato” realizada em 18 e 19 de Julho de 1964, envolveu várias companhias e destacamentos de fuzileiros, houve complicações com as marés e tiveram que recorrer aos botes de borracha dos fuzileiros para desembarcar na península de Buduco, descobriram um acampamento, recentemente abandonado, ainda com a comida ao lume, depois levaram com umas morteiradas, felizmente sem consequências, logo de seguida, chovia torrencialmente, deram caras com uma patrulha inimiga, reagiram e outros fugiram.

Chegou a hora das perdas, das perdas irreparáveis, o soldado José Zoio foi atingido por uma bala na cabeça, teve morte instantânea. Morreu também o Ferreira, que era corneteiro. Escreve com orgulho: “Propus-lhes as medalhas de Valor Militar, e foram-lhes concedidas”. As peripécias seguem-se umas às outras, metem abelhas, dificuldades de abastecimento, soldados a dançar o “vira do Minho”, uma miúda a chorar no meio de descampado que foi entregue aos cuidados de uma velhota, igualmente abandonada no mato pelos guerrilheiros e que disse conhecer os pais da miúda. Discreteia sobre tudo: o serviço religioso, a eterna falta de material e munições, o coronel Laranjeira que fazia o chá das 5 bebendo um Grão Vasco, explica-nos o que é o fanado e as etnias do setor de Tite (Balantas, Beafadas e Brames). E aproveita para nos falar do “Penalty”, soldado muito conhecido na Guiné, guarda-redes suplente do Sporting de Bissau. Foi uma operação e deram-no como morto. Quando ele soube da notícia foi queixar-se à 1ª Rep., temendo que a mãe tivesse um choque, exigiu que lhe dessem licença para vir a Lisboa. Apanhando-se em Lisboa, o Penalty nunca mais, corrécio como era, se lembrou que ainda pertencia à guerra da Guiné. Lá o aconselharam a ir bater à porta de um protetor, um médico que o deu como doente, um dia foi ao cais despedir-se de tropa que ia para a Guiné, meteu-se no barco e voltou à guerra.

O rol de peripécias conclui com uma história hilariante, a jiboia “empernadeira”, tal como ele escreve: “No quartel de Tite, na Guiné, havia quatro postos de sentinela, um em cada canto. Eram postos rentes ao solo, com cobertura em cibe, com bancos no interior e seteiras em toda a volta. Os quatro postos tinham um projetor com que quase permanentemente se inspecionava o arame farpado que envolvia o quartel reforçado por armadilhas. A rendição do pessoal de guarda era feita dentro do abrigo onde se alojavam seis praças e um cabo, comandante do posto. Certa noite o cabo não gostou que a praça, no banco onde dormiam, estivesse com a perna encostada à sua e lá o alertou pois não gostava de empernanços. O ambiente ficou trovado por causa da chamada de atenção e porque todos sentiam que havia qualquer coisa de estranho com as pernas a serem roçadas. Ao alvorecer, saíram todos aos gritos: era uma jiboia de cinco metros, meio adormecida, que se arrastara para dentro do abrigo e provocara toda aquela história de pernas encostadas. Aparecido o “500”, um soldado mandinga que estava sempre em tudo o que era sítio, de catana afiada cortou a cabeça à jiboia, vendendo mais tarde a pele por uma bela maquia”.

Esta edição caseira é de grande elevo e ternura. Devo esta agradável leitura do comandante da CCAV 677 à Teresa Almeida, da Biblioteca da Liga dos Combatentes, que anda sempre à cata destes tesouros que não circulam no comércio de livros, edições policopiadas, ingénuas, às vezes de um grafismo enviesado, mas em que subjaz um inquestionável dever de memória e uma incomensurável gratidão aos soldados.
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Nota do editor:

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11380: Notas de leitura (471): Honório Barreto, Português da Guiné, por Joaquim Duarte Silva e A. Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

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