1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem.
O paludismo
Neste incessante vaguear por caminhos já estreitos que a mente, por enquanto, vai sendo benévola para que possamos escalpelizar a nossa passagem pela Guiné, acontece, agora, falar sobre o paludismo. Um tema que, aliás, nos foi comum.
O paludismo é tão-somente uma doença provocada ao ser humano através de picadelas de uma determinada variedade de mosquitos que por terras guineenses eram “mato”. Julgo que numa triagem que porventura ousemos efetuar ao enormíssimo contingente militar que pisou aquele solo, raro terá sido o camarada que não conheceu a enfadada moléstia, ou porque o paludismo lhes fustigou o físico, ou porque camaradas que viviam por perto terão sido atacados com tal malazenga.
A doença, em si, é também conhecida como malária. As causas que o paludismo provoca interferem com febres altas, dores de cabeça, vómitos, fraqueza muscular, tosse, problemas renais e hepáticos, alteração do sistema nervoso central de entre outros problemas, assim como a implícita chancela de gravidade que pode levar à morte.
As estatísticas são explícitas quando referem que milhares de pessoas morrem por ano tendo como causa principal o paludismo. Aliás, acrescesse que a maioria das mortes ocorridas são de crianças que vivem no continente africano.
Mas será que existem mecanismos para abreviar a propagação da doença? Claro que os há! Basta, por exemplo, tratar a água estancada em pântanos que se constituem como os locais ideais para o seu habitat natural e onde estes insetos proliferam.
Sabe-se, por outro lado, que existem vacinas que visam prevenção no desenvolvimento do mal. Não sendo especialista na matéria, isto é, sou leigo, e humildemente confesso, diz-se que uma vacina considerada capital para o aniquilar o paludismo estará ainda por descobrir. Por conseguinte, a definitiva cura para a maleita persiste.
A cédula pessoal deste velho combatente regista dois casos de paludismo: o primeiro contraído em Gabu; o segundo em Beja em finais de 1970. Este último foi-me diagnosticado por um médico amigo que me visitou quando me encontrava acamado no leito da minha cama e logo me pôs ao corrente do meu estado de saúde.
Neste contexto, sinto-me minimamente à-vontade para debitar narrativa sobre as condicionalidades que o conhecido paludismo me provocou. Sei que vi a coisa preta. Os arrepios de frio e o mal estar geral deixaram-me o corpo quase inerte. Depois, com uma santa paciência lá me ergui e prossegui o meu caminho. Ficou, porém, a malvadez da experiência.
Na Guiné a ansiedade do “mal” deixava o combatente de rastos. Presenciei camaradas entregues a uma luta corporal que impunha apertadas restrições. O “mal” não era fácil combater e um dia, tal como atrás referi, calhou-me conhecer essa efémera e tenebrosa doença.
Asseguram os especialistas na matéria, que o paludismo, vulgo malária, é uma doença transmitida pela picada de mosquitos pertencentes ao gênero Anopheles.
Recorrendo a dados da Organização Mundial de Saúde, observa-se que cerca de 200 milhões de criaturas foram detetadas como portadores da doença e que derrapa, infelizmente, para cerca de 700.000 mortes por ano. A praga é de tal modo agressiva que os médicos travam árduas lutas para minorar as estratégias de contaminação.
Recordo a nossa espontânea deliberação para protegermos a “carcaça” da praga de mosquitos que nos nossos “poisos” não davam tréguas ao combatente que requeria o merecido descanso, isto é, dormir sob a proteção dos famosos mosquiteiros que, em princípio, salvaguardavam inesperadas picadelas destes inoportunos “terroristas”.
Uma curiosidade: quando cheguei à Guiné e me fixei nas exíguas instalações do Quartel General (QG ), “Biafra” como a malta apelidava o pomposo alojamento, vi, desde logo, que muitas das camas das camaratas eram dotadas com os pomposos mosquiteiros.
Lembremos, então, a guerrilha travada com estes inusitados inimigos, leia-se insetos, que não davam pausas a homens cujo propósito era, naturalmente, salvaguardar o corpo de outros ferrões maiores que o IN, sempre à espreitava, impunha no terreno.
E assim vamos dissecando memórias de uma guerra onde conhecemos variadíssimas situações de calamidades, e de pânicos, sendo o paludismo uma “arma de arremesso” que visava um ataque cirúrgico a camaradas que caíam numa emboscada desses proféticos “bicharocos”.
Um abraço camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
19 DE FEVEREIRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P19509: Memórias de Gabú (José Saúde) (77): Pequena biografia da Guiné-Bissau. Viagem pela história. (José Saúde)
Falemos de uma doença conhecida pelos camaradas
O paludismo
Neste incessante vaguear por caminhos já estreitos que a mente, por enquanto, vai sendo benévola para que possamos escalpelizar a nossa passagem pela Guiné, acontece, agora, falar sobre o paludismo. Um tema que, aliás, nos foi comum.
O paludismo é tão-somente uma doença provocada ao ser humano através de picadelas de uma determinada variedade de mosquitos que por terras guineenses eram “mato”. Julgo que numa triagem que porventura ousemos efetuar ao enormíssimo contingente militar que pisou aquele solo, raro terá sido o camarada que não conheceu a enfadada moléstia, ou porque o paludismo lhes fustigou o físico, ou porque camaradas que viviam por perto terão sido atacados com tal malazenga.
A doença, em si, é também conhecida como malária. As causas que o paludismo provoca interferem com febres altas, dores de cabeça, vómitos, fraqueza muscular, tosse, problemas renais e hepáticos, alteração do sistema nervoso central de entre outros problemas, assim como a implícita chancela de gravidade que pode levar à morte.
As estatísticas são explícitas quando referem que milhares de pessoas morrem por ano tendo como causa principal o paludismo. Aliás, acrescesse que a maioria das mortes ocorridas são de crianças que vivem no continente africano.
Mas será que existem mecanismos para abreviar a propagação da doença? Claro que os há! Basta, por exemplo, tratar a água estancada em pântanos que se constituem como os locais ideais para o seu habitat natural e onde estes insetos proliferam.
Sabe-se, por outro lado, que existem vacinas que visam prevenção no desenvolvimento do mal. Não sendo especialista na matéria, isto é, sou leigo, e humildemente confesso, diz-se que uma vacina considerada capital para o aniquilar o paludismo estará ainda por descobrir. Por conseguinte, a definitiva cura para a maleita persiste.
A cédula pessoal deste velho combatente regista dois casos de paludismo: o primeiro contraído em Gabu; o segundo em Beja em finais de 1970. Este último foi-me diagnosticado por um médico amigo que me visitou quando me encontrava acamado no leito da minha cama e logo me pôs ao corrente do meu estado de saúde.
Neste contexto, sinto-me minimamente à-vontade para debitar narrativa sobre as condicionalidades que o conhecido paludismo me provocou. Sei que vi a coisa preta. Os arrepios de frio e o mal estar geral deixaram-me o corpo quase inerte. Depois, com uma santa paciência lá me ergui e prossegui o meu caminho. Ficou, porém, a malvadez da experiência.
Na Guiné a ansiedade do “mal” deixava o combatente de rastos. Presenciei camaradas entregues a uma luta corporal que impunha apertadas restrições. O “mal” não era fácil combater e um dia, tal como atrás referi, calhou-me conhecer essa efémera e tenebrosa doença.
Asseguram os especialistas na matéria, que o paludismo, vulgo malária, é uma doença transmitida pela picada de mosquitos pertencentes ao gênero Anopheles.
Recorrendo a dados da Organização Mundial de Saúde, observa-se que cerca de 200 milhões de criaturas foram detetadas como portadores da doença e que derrapa, infelizmente, para cerca de 700.000 mortes por ano. A praga é de tal modo agressiva que os médicos travam árduas lutas para minorar as estratégias de contaminação.
Recordo a nossa espontânea deliberação para protegermos a “carcaça” da praga de mosquitos que nos nossos “poisos” não davam tréguas ao combatente que requeria o merecido descanso, isto é, dormir sob a proteção dos famosos mosquiteiros que, em princípio, salvaguardavam inesperadas picadelas destes inoportunos “terroristas”.
Uma curiosidade: quando cheguei à Guiné e me fixei nas exíguas instalações do Quartel General (QG ), “Biafra” como a malta apelidava o pomposo alojamento, vi, desde logo, que muitas das camas das camaratas eram dotadas com os pomposos mosquiteiros.
Lembremos, então, a guerrilha travada com estes inusitados inimigos, leia-se insetos, que não davam pausas a homens cujo propósito era, naturalmente, salvaguardar o corpo de outros ferrões maiores que o IN, sempre à espreitava, impunha no terreno.
E assim vamos dissecando memórias de uma guerra onde conhecemos variadíssimas situações de calamidades, e de pânicos, sendo o paludismo uma “arma de arremesso” que visava um ataque cirúrgico a camaradas que caíam numa emboscada desses proféticos “bicharocos”.
Um abraço camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
19 DE FEVEREIRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P19509: Memórias de Gabú (José Saúde) (77): Pequena biografia da Guiné-Bissau. Viagem pela história. (José Saúde)
3 comentários:
José Saúde, passei por tudo isso, também tive a 'felicidade' de experimentar essa maledicência, 'o paludismo'. Por duas vezes por tocou. Uma no Gabu, fins de 67, outra em São Domingos, no ano de 68. Não desejo isso a ninguém, também pensei que tinha chegado a minha hora, nunca tive tanto frio como na Guiné! Há 50 anos que não tenho nada.
Também passei pelo Biafra, quase todas as camas tinham as suas redes mosqueteiros, mas não era agradável dormir com aquele calor a abafado, sob aquela rede que não deixava respirar, e acho que pouco interessava, pois o parasita andava 24 horas por dia em toda a parte.
Também não compreendo como não está erradicado um mal tão grave para os povos africanos, e não só.
É como o cancro nas sociedades mais abastadas.
Bom artigo para se compreender o circuito do parasita e da doença, eu confesso que naquela altura não sabia nada, depois com os anos fui aprendendo, mas nunca desta forma sintética e tão explicita.
Abraço,
Virgilio Teixeira
Zé Saúde: grande herói... também da luta contra a doença, o AVC e as suas sequelas. Obrigado pelo teu artigo e o teu testemunho... Quem é não apanhou a maldita "malazenga" ?!...Apesar do prolifático que tomavas às refeições à base de quinino... e que dava cabo do fígado... Como diz o povo, o que faz bem ao braço faz mal ao baço...
Acho que muitos de nós voltaram a ter ataques de palaudismo ou malária (ou "sezonimso", como sde dizia cá...) larhos anos depois de voltar da Guiné...
A malária produzida pelo Plasmodium falciparum (P.Plasmodium) é a doença dos desgraçados dos pobres dos país tropiciais e subtropical... Mas já foi, na Europa do Sul, um problema de saúde pública... No nosso caso, nas zonas "pantanosas" em que se cultiiva o arrroz, do Mondego ao Sado...
Zé: estamos sempre a aprender contigo... DEsconhecia o vocábulo, alentejano, "malazenga" como sinónimo de doença... Fica mais rico o meu dicionário... LG
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