terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19532: (D)o outro lado do combate (44): A morte de Rui Djassi - Parte I (Jorge Araújo)


 Imagem nº 2 > Ilha do Como (Jan1964) - «Operação Tridente». Desembarque das forças do BCAV 490.


Imagem nº 3 > Ilha do Como (1964) – Embarque de vário material de regresso a Bissau.

Fotos do camarada Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 498 (1963/1965) - P12386, com a devida vénia.


Imagem nº 1 > Infogravura da «Operação Tridente», com a indicação do desenrolar das acções iniciadas em 15 de Janeiro de 1964, 4.ª feira. In. Guerra Colonial: Angola - Guiné - Moçambique, edição do Diário de Notícias, p.73, com a devida vénia. 


Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > OS RETIROS RESERVADOS DE RUI DJASSI (FAINCAM), NAS MATAS DE GAMPARÁ, DESCOBERTOS PELA CART 643, NA «OPERAÇÃO ALVOR», EM 24ABR64, DATA DA SUA MORTE... "HERÓI DA PÁTRIA", TEM HOJE NOME DE RUA EM BISSAU 



1. INTRODUÇÃO

Mantendo o interesse em encontrar respostas fiáveis às dúvidas suscitadas nas narrativas anteriores, partilhadas no fórum nos P19433, P19437 e P19471, onde se colocava a questão relacionada com o desconhecimento do paradeiro do cmdt da Zona 8 (região de Quinara), Rui Djassi (Faincam), de quem Amílcar Cabral recebera as últimas notícias em finais de 1963, identificamos novas pistas que indiciam termos chegado ao fim desta incógnita e, por conseguinte, deste tema.

Para situar o contexto historiográfico e cronológico das ocorrências, recorda-se que os últimos contactos de Rui Djassi (Faincam) tinham sido duas cartas enviadas ao secretário-geral, datadas de 26 e 30 de Dezembro de 1963. Este, como resposta, manifesta-lhe um duplo desagrado, para o qual utilizei a metáfora "puxão de orelhas", o primeiro por insuficiente comunicação, o segundo por um comportamento pouco cuidado, rigoroso e muito permissivo na "zona 8", enquanto principal responsável operacional na região de Quinara, que facilitou um bloqueio da fronteira Sul por parte das NT, inviabilizando o cumprimento da estratégia logística no «Corredor de Guileje» [P19433].

Certamente, consequência desse laxismo, o seu nome/pessoa deixou de contar para a nova estrutura político-militar do PAIGC decidida no I Congresso, realizado em Cassacá, entre 13 e 17Fev1964, onde foram nomeados os líderes do 1.º Corpo de Exército Popular. Já nessa ocasião Amílcar Cabral (1924-1973) dava conta do agravamento da situação naquela região (Zona 8 - Quinara) por via do desaparecimento do seu responsável – Rui Demba Djassi (1937-1964) – cujo paradeiro ninguém conhecia embora, para ele, existisse a convicção de que estaria vivo [P19433].


2. OPERAÇÃO "TRIDENTE" – DE 15JAN64 A 24MAR64

Tendo por objectivo recuperar o controlo das ilhas de Caiar, Como e Catunco, antes ocupadas pelos guerrilheiros do PAIGC sob a liderança de 'Nino' Vieira (1939-2009) [Marga, nome de guerra], no sentido a garantir a segurança dos abastecimentos marítimos na costa sul da Guiné, foi realizada a «Operação Tridente», a qual teve uma duração de dois meses e meio, entre 15 de Janeiro e 24 de Março de 1964 [Vd. imagem nº 1, acima].

De referir que durante a realização do 1.º Congresso do PAIGC já a componente terrestre dessa operação contabilizava um mês de intensa actividade operacional, sob o comando do Tenente-Coronel Fernando José Marques Cavaleiro (1917-2012), que, para além do envolvimento do seu Batalhão de Cavalaria 490 [BCAV 490], de Estremoz, contava, também, com a participação conjunta de outras unidades militares dos três ramos das Forças Armadas, num contingente superior a um milhar de elementos. [Vd. imagenns nºs 2 e 3, acima].

Entretanto, após concluída a reunião de quadros do PAIGC, em Cassacá [, na pensínsula de Quitafine], onde 'Nino' Vieira viu reforçada a sua liderança, enquanto principal responsável operacional da guerrilha naquela região sul, este seguiu, naturalmente, para essa frente de luta tendente a assumir o controlo da situação e, concomitantemente, dos diferentes combates.

Em função das dificuldades observadas no terreno, tomou a iniciativa de escrever uma carta aos seus camaradas «Faincam» e «Kant», nomes de guerra de 'Rui Djassi' e 'Domingos Ramos', respectivamente, implorando ajuda em recursos humanos (guerrilheiros) para fazer face à situação militar difícil que estava a viver [, na Ilha do Como].

Este pedido de apoio, expresso na referida carta, não teria nada de anormal, digo eu, para a construção desta narrativa, se não tivesse encontrado duas versões divergentes quanto à génese dos factos narrados. Ainda assim, as divergências encontradas não nos impediram de perseguir com o aprofundamento da investigação, cujos resultados aproveito para partilhar convosco.

2.1. CARTA DE 'NINO' VEIRA ENVIADA A RUI DJASSI [FAINCAM] E DOMINGOS RAMOS [KANT] NO INÍCIO DE MARÇO DE 1964

De acordo com o acima exposto, é de relevar que as duas versões, ainda que o conteúdo da carta [texto] seja igual, entre elas existem diferenças quanto ao contexto como foram obtidas.

No primeiro caso, o acesso à carta está plasmada no livro «Os Anos da Guerra Colonial (1961-1974)», no sítio: [http://batalhaocacadores2885.blogspot.com/2009/08/as-grandes-operacoes.html].

Diz a carta: […]

"Ao fim de 48 dias de combates na região do Como (ou seja, em 3 de Março de 1964, 3.ª feira), as
tropas portuguesas interceptaram um estafeta com uma carta de Nino Vieira, escrita à máquina, para outros chefes da guerrilha. Os destinatários eram os comandantes Faincam e Kant".

O exemplar da carta dactilografada, que se apresenta na figura ao lado, pela sua qualidade, não nos permite decifrar, com nitidez, o que nela consta. Apenas tivemos acesso ao seu conteúdo no texto que a enquadra, publicado na obra acima citada. [Imagem nº 4].

No segundo caso, a referência à carta em apreço consta do livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974) – Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014). 

Dele se retira, para o presente propósito e com a devida vénia, a seguinte passagem: 

"Sobre a operação "Tridente" junta-se uma carta atribuída a João Bernardo Vieira "Nino", capturada em Maio [Abril] de 1964, na operação "Alvor". […] Na realidade, a carta de João Bernardo Vieira "Nino", esclarece a situação aflitiva dos guerrilheiros nas referidas ilhas perante a acção das NT. O original da carta figurava entre os documentos capturados por forças da CArt 643 na "Operação Alvor", realizada na península de Gampará, de 22 a 26Abr64, quando atingiram o "Quartel-General" do chefe da região Sul, Rui Demba Djassi (op.cit., pp 218/219).

Eis a transcrição do seu conteúdo:

"Camaradas Faincam e Kant

Para que esta vos encontre continuando uma boa saúde, junto dos vossos camaradas. Eu e os meus vamos indo razoavelmente bons.

Camaradas, achei obrigado a dirigir-vos estas linhas, porque sei que já não tenho nenhuma safa a não ser que dirigir-me a vós. Como sabem estou muito afrontado, porque as tropas ainda continuam a praticar bárbaros massacres no I. Como. Hoje [3 de Março de 1964] já se faz 48 dias que os n/ [nossos] camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Queria que os camaradas retirassem juntamente com a população conforme era a solução tomada pelo n/ [nosso] Secretário Geral. Mas o que certo é impossível, porque não temos caminho de fazê-los sair. Por isso agradecia-vos que me mandassem reforço vindo de todas as partes. Mesmo se por acaso será possível podem enviar no mínimo 150 a 200 camaradas, porque senão os portugueses vão-me dar cabo da população.

Camaradas, tenham paciência porque não tenho uma outra safa a não ser o vosso auxílio.

Tenho encontrado numa situação muito grave. As tropas estão aumentando cada vez mais as suas forças, tanto como terrestres, aviação e também por meios marítimos.
Camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos. Somente posso dizer-vos que dum dia para outro vamos ficar sem a população e sem n/ [nossos] guerrilheiros aí. Já estamos a contar com a baixa de 23 camaradas n/ [nossos] durante todos estes dias dos ataques. Portanto termino desejando-vos maiores sucessos, junto dos vossos camaradas e do povo em geral.

Do vosso camarada Marga – Nino"

2.2. Segue-se a reprodução da carta manuscrita por 'Nino' Vieira [Imagem nº 5].



Imagem nº 5


Imagem nº 6 > Bilhete-Postal (s/d) da Rua Dr. Oliveira Salazar, em Bissau [hoje, Rua Rui Djassi], da Colecção "Guiné Portuguesa, 135". (edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, Sarl.) - P6625, com a devida vénia.



Imagem nº 5 > Localização da Rua Rui Djassi, em Bissau. 


3. RUI DEMBA DJASSI [FAINCAM] – HERÓI DA PÁTRIA

Depois da independência o corpo de Rui Djassi ('Faincam') foi transladado [teria sido o seu corpo?] para Bissau, encontrando-se sepultado no Memorial dos Heróis da Pátria da Guiné-Bissau, na Fortaleza de São José de Amura, no centro da cidade.

Hoje, o seu nome faz parte da toponímia de "Bissau-Antigo", substituindo a designação anterior que era a do Dr. Oliveira Salazar (1889-1970).

Continua…
Nota:

Em função da extensão da presente narrativa, considerámos ser de interesse colectivo dar conta, em novo poste, ao modo como se desenrolou a «Operação Alvor», de que resultou a morte de Rui Djassi (Faincam), na medida em que sobre ela nada consta no puzzle historiográfico da «Tabanca».

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

18Fev2019.
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Nota do editor:

6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

JOrge, quem pode refrescar a nossa memória é o camarada, grã-tabanqueiro Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã)... Não o tenho visto na Tabanca da Linha. Mas há mais de 4 dezenas de referências à CART 643... Vamos desafiá-lo, até porque ele tinha/tem uma série chamada "Notas soltas da CART 643"...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/CART%20643

Anónimo disse...

Grande relato de referencias passadas, operação Tridente e outras.
Muitos parabens por este tratado de conhecimentos.
VT/.

José Botelho Colaço disse...

A operação tridente foi o meu baptismo de fogo e creio que pelo que se tem dito e escrito continua a ser um marco de referência de toda a guerra do Ultramar, da qual na Guiné não podemos esquecer Guidage, Gadamaiel, Gandembel, e tantos outros. Quanto a informações sobre os «Faicam» «Kante» `Rui Djassi` `Domingos Ramos` essas informações eram altamente confidenciais, "estavam blindadas" não chegavam à Plebe.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Parece-me que, a pouco e pouco, a figura do Amílcar vai perdendo brilho e vai aparecendo um leader frio e calculista que não tem nada a ver com a imagem que se tem vindo a crer passar.
Mesmo no início da revolta... ou da "luta armada" já dava indícios do que viria a ser...
Um Ab.
António J. P. Costa

Manuel Luís Lomba disse...

O Rui Djassi, comandante do PAIGC, derrotado por Salazar e derrotando-o na toponímia de Bissau, foi um dos desertores do Exército Português, com o posto de furriel miliciano; quando foi incorporado, era cobrador da Farmácia Lisboa, empregado da drª. Sofia Guerra, membro do Partido Comunista Português, que devemos reconhecer como a "grande educadora" de Rafael Barbosa e de Fernando Fortes, na fundação do PAI, em 1956, e na sua reciclagem em PAIGC, em 1960, por Amílcar Cabral, e da emancipação da Guiné Portuguesa. Em 1960, fez parte do grupo de 30 que Amílcar Cabral levou para a China e foi o primeiro no tirocínio na Academia Militar de Pequim.
Amílcar Cabral formou a base militar/operacional do PAIGC com 60 militares ou ex-militares do Exército Português, soldados, Cabos e furriéis; criou o Exército Popular em Fevereiro de 1964, no I Congresso em Cassacá, após a adesão de vários oficiais milicianos, todos cabo-verdianos.
Regressado do seu tirocínio (na Rússia ou na Checoeslováquia?), em finais de 1961, Nino Vieira fez das ilhas do Como, Caiar e Catunco a "República Independente do Como", derrubada em princípios de 1964 pela Operação Tridente, comandada pelo tenente-coronel Cavaleiro e pelo major Romeiras - que serão importantes protagonistas do "25 de Abril" -, e ocupada pela CCaç 554, comandada pelo capitão João Ares.
Esse Congresso de Cassacá fora previsto para Cassacá-Como, sob os auspícios de Nino, mas a duração(e o resultado) da Operação Tridente levou Cabral a transferi-lo para Cassacá-Quitafine, tabanca abandonada e destruída pela aviação, a sua logística organizada por um cabo desertor do EP e a segurança do comandante Manuel Saturnino Costa.
Uma dúvida, ao Jorge Ferreira: penso que o Rui Djassi se sujeitou ao julgamento nesse I Congresso e Cabral comutou-lhe a pena de morte, ante a sua autocrítica, os outros foram executados, ele não terá sido despromovido, e terá afrontado os "Águias Negras" com esse posto..
Outra dúvida, ao Cherno Baldé: tenho ideia de que o Guerra Mendes (pai, filho ou ambos) terão morrido em combate com o BCav 705 em intervenção com a CArt 643.
Abr.
Manuel Luís Lomba

Valdemar Silva disse...

Luis Lomba
Essa da 'grande educadora' cheira à lembrança dum popularucho finado muito recentemente.
A Ordem dos Farmacêuticos fez um comunicado dando a notícia da homenagem à Dra. Sofia Pombo Guerra, em Outubro/2018, que se realizou na Casa do Alentejo-Lisboa.
A Dra. Sofia Guerra, farmacêutica e professora, foi a proprietária da Farmácia Lisboa, em Bissau, depois de ter sido deportada de Moçambique para Lisboa e ser presa por ser contra o regime, mais tarde libertada e resolver ir viver para a Guiné.

Ab.
Valdemar Queiroz