segunda-feira, 6 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19749: Jorge Araújo: as causas da morte de Fernando Teixeira Soiema, sold coz (CART 496, Cacine e Cameconde, 1963/65), natural de Valpaços, inumado no cemitério de Bissau, campa nº 1481... Respondendo ao camarada Fernando Chapouto, mais de uma década depois.



Valpaços > Cemitério da freguesia de Algeriz > Placa invocativa da memória do Soldado Cozinheiro Fernando Teixeira Soeima (1941-1965), que se pode ver no Jazigo de sua família. Reza assim: "À Memória de Fernando Teixeira Soeima, n. 20.10.1941, f.18.3.1965: teu corpo ficou longe mas a mãe traz-te sempre no coração. Lembrança dos teus irmãos Jacinta e Nelson." (*)

Foto (e legenda) : © Fernando Chapouto (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal de Bissau > Setembro de 2008 > Campa n.º 1410. "CART 496. Soldado n.º 575/63, Fernando Teixeira Soeima. Morto em 18/3/65, pela Pátria. (**)

Foto (e legenda) : © Nuno Rubim  / Tino Moisés  (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de Vasco Luís Curado«Declarações de Guerra - Histórias em carne viva da guerra colonial" (Lisboa; Editora Guerra & Paz, fevereiro de 2019, 200 pp.)



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018



EM BUSCA DE…
CAUSAS DA MORTE DE FERNANDO TEIXEIRA SOEIMA
- CART 496 (CACINE E CAMECONDE, 1963/1965) -
P3158 - DE 01SET2008


1. INTRODUÇÃO

No decorrer das últimas investigações, visando a elaboração das narrativas relacionadas com a «CCAÇ 508 (1963-1965) e a morte do seu Cmdt Cap Inf Francisco Meirelles, em 03Jun1965, na Ponta Varela (Xime)» e o «Ensaio sobre as mortes por afogamento de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974)», "cruzei-me" com o P3158, editado em 01Set2008 (*), onde o camarada Fernando Chapouto fazia um apelo ao colectivo da Tabanca do seguinte teor:

"Agradecia a todos os ex-combatentes que me ajudassem a esclarecer a morte do Soldado Cozinheiro 375/63, Fernando Teixeira Soeima".

Dava mais as seguintes pistas:

(i) – Unidade Mobilizadora - RAL 1 / CART 496, com destino à Guiné.

(ii) – Faleceu em 18 de Março de 1965, ficando sepultado em Bissau, na campa 1481.

(iii) – Como até hoje ainda ninguém esclareceu a causa da sua morte, diziam na aldeia que foi numa armadilha colocada pela Companhia, que saiu do aquartelamento para ir às laranjas, outros dizem que foi em combate.

(iv) – Este ex-combatente é primo da minha esposa. Quando fui à aldeia de Argeriz, Concelho de Valpaços, despedir-me, para ir para a Guiné, estive com a minha tia, mãe do falecido, que me disse que tinha muita pena em ter o mesmo destino do filho [Guiné].

Porque a situação descrita era-me familiar - já a tinha lido algures – fui no seu encalce e parece-me que valeu a pena, pois o conteúdo da narrativa extraída da obra consultada deve corresponder aos factos que acima se referem, e que estão na origem da morte do camarada Fernando Teixeira Soeima.

Assim, dez anos e meio após divulgada aquela mensagem, eis o que consegui apurar:

2. FONTES CONSULTADAS

Como suporte documental, reproduzem-se, abaixo, as fontes consultadas:

Fonte Oficial

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); p 116.




Uma vez que a CART 496 [chegou a Bissau a 22Jul1963 – embarcou a 24Ago1965] não tem História da Unidade [CECA - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) - 7.º Volume, Tomo II, 1.ª Edição, Lisboa (2002), p 438], a informação aqui citada foi seleccionada do livro de Vasco Luís Curado, «Declarações de Guerra» (Lisboa; Editora Guerra & Paz; Fev/2019. pp 29-33).

Ainda que o texto não refira o nome do seu autor, mas sim o posto – Soldado condutor – a análise do seu conteúdo permite-nos concluir que estamos perante um "informante privilegiado" do contingente da CART 496. Assim, daremos conta de algumas passagens desse depoimento, com particular destaque para as circunstâncias em que se verificou a morte do Fernando Teixeira Soeima, e de mais dois militares, um do BEng 447 e outro de recrutamento local.



[…]

[p 32] Construímos um aquartelamento em Cameconde [na sequência da «Operação Fecho», em 10Dez1964], onde iria estabelecer-se um destacamento da companhia, para avançarmos a nossa posição militar, protegermos o quartel e aproximarmo-nos da fronteira. Tínhamos de marcar presença, mostrar que quem mandava ali éramos nós. Muitas vezes, fui ao cais com Unimog, para carregar chapas e testos de bidões e levá-los para o destacamento. Dormi em abrigos subterrâneos, com um telhado feito de troncos de palmeira e chapas de zinco dos bidões. […]


[p 33] – Referência às circunstâncias em que ocorreram as mortes:




Os outros dois militares que morreram no acidente foram:



E Saliú Mané Jaló, Caçador Nativo, natural de Madina de Camissorã, Cacine.

Caro camarada "Ranger" Fernando Chapouto, espero ter dado as notícias que há tanto tempo aguardavas.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

25Abr2019.

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3158: Em busca de... (36): Causas da morte de Fernando Teixeira Soeima, CART 496, Cacine e Cameconde, 1963/65 (Fernando Chapouto)

(**) Vd.poste de 16 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3323: In Memoriam (7): Fernando Teixeira Soeima (1941-1965), campa n.º 1410, Cemitério Militar de Bissau (Nuno Rubim)

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O corpo do infeliz Fernando Teixeira Soiema ficou lá longe,no cemitério de Bissau... A mãe e os irmãos fizeram-lhe uma lápíde eovocativa, que lá está, no cemitério de Algeriz, Valpaços, distrito de Vila Real... NInguém consegue fazer o luto de um ente querido, como corpo desaparecido...

Fernando Chapouto, leva a notícia contigo quando lá voltares à terra da tua mulher... Sabemos agora que o Soiem,a foi morto por uma "bailarina" das nossas, quando ia apanhar laranjas... Em Cameconde. Mortes que o império teceu...

Obrigado, Jorge. Vai-nos ajudando, e de que maneira, a "desenterrar" dolorosas histórias esquecidas... ESpero poder encontrar os nossos dois "rangers", em Monte Real, no dia 25 de maio... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre o Vasco LUís Curado, há seguinte nata biobibliográfica no portal da Wook:

https://www.wook.pt/autor/vasco-luis-curado/1667361


(...) Vasco Luís Curado nasceu em 1971. Publicou um livro de contos, A Casa da Loucura (1999), a novela O Senhor Ambíguo (2001) e os romances A Vida Verdadeira (2010), Gare do Oriente (2012) e O País Fantasma (2015).

É psicólogo clínico, pelo ISPA, e publicou, na área da psicopatologia, a obra Sonho, Delírio e Linguagem (2000).

Depois de trabalhar dez anos num hospital militar, tem mantido contacto profissional, desde há outros dez, com combatentes da Guerra Colonial, recolhendo os testemunhos e histórias que deram origem ao livro Declarações de Guerra, cujo princípio motivador é contribuir para um reconhecimento impedido por divisões profundas na sociedade portuguesa, mais interessada na integração na Europa do que no seu passado colonial: o (re)conhecimento das experiências e memórias dos combatentes, ajudando-os num outro combate, o esquecimento a que são votados. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Do Luís Graça para o Fernando Chapouto:

Fernando:

Aqui tens a resposta ao teu pedido... dez anos depois. Agradeço ao "ranger" Jorge Araújo, para quem no blogue nada se perde e tudo se transforma...

Um abraço, gostava de poder dar-to ao vivo em Monte Real, no dia 25, em que vamos comemorar os nossos 15 anos de existência... Nunca é de mais lembrar que tu, Fernando, és um dos "tabanqueiros" da primeira hora... Luis

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge, segundo a fonte que citas [Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); p 116.], o nosso camarada Soiema morre devido a explosão de armadilha IN em Cameconde (escrito em observações), embora noutro lado da ficha se diga que foi "acidente com arma de fogo"...

Morre também o soldado sapador do BENG 441... Infelizmente, estas trágicas histórias repetiram-se noutros sítios...

Anónimo disse...

Caro Luís,

A questão que levantas sobre as divergências expressas na ficha do camarada Fernando Soiema, existente no livro da CECA, é bem colocada.
De facto, esta discrepância não é única nos documentos oficiais que temos vindo a consultar. Deste modo, creio que este caso pode ser atribuído à menor atenção do escriturário que a preencheu, aquando da transcrição do documento original elaborado e remetido pela sua Unidade sobre a ocorrência.
No caso em apreço, é muito provável que no original, no item "Observações", devia constar "explosão de armadilha (sem IN) em Cameconde". Só assim faz sentido o conceito de "acidente com arma de fogo", grafado nas "Causas de Morte".
Assim sendo, sou de opinião que, em função das informações disponibilizadas pelo camarada Fernando Chapouto, adicionadas com os detalhes da narrativa do camarada condutor da CART 496, e os documentos da CECA, estamos perante o quadro global do contexto que originou mais três mortes no CTIG.
Boa semana para todos.
Jorge Araújo.