quarta-feira, 17 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19985: Historiografia da presença portuguesa em África (167): “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Nenhum investigador do período colonial pode descurar o acervo informativo das publicações da Agência, repertoriavam tudo o que tinha a ver com legislação, colónia a colónia, e a respetiva imprensa.
Havia também publicações na Europa, é o caso da Gazeta das Colónias, que apareceu no final da I República, há igualmente que a estudar, foi através da sua consulta que encontrei a Companhia Estrela-Farim, quando pesquisava no Arquivo Histórico do BNU.
Na última fase do Estado Novo verifica-se ter existido uma diversificação das publicações, tome-se em consideração a revista Ultramar que era propriedade do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, era uma aposta na formação da juventude, em simultâneo com a divulgação das coisas do Império, por vezes com artigos de estudo de grande importância. Começa-se finalmente a ter um grande ecrã de todas estas publicações, que irão facilitar a vida dos investigadores e estudiosos, não se pode estudar o que quer que seja sem consultar esta rosa dos ventos, onde se inclui a propaganda colonial.

Um abraço do
Mário


Laudes para o Império Português: 
A Agência Geral das Colónias/Ultramar (1932-1974)

Beja Santos

No conjunto dos trabalhos publicados na obra “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, destaca-se um trabalho de José Luís Lima Garcia sobre a Agência Geral das Colónias/Ultramar, permite conheceu o itinerário das preocupações ainda na I República quanto à informação/formação que se pretendia dar aos portugueses sobre as colónias, de Cabo Verde a Timor. A Agência Geral das Colónias foi de facto criada na I República, em 30 de setembro de 1924, Armando Zuzarte Cortesão foi o seu primeiro responsável. Com a Ditadura Nacional, tomou posse Júlio Garcez de Lencastre, a grande missão era fazer compreender a ideia da unidade do império colonial, à Agência eram atribuídos novos acometimentos como a informação na recolha e divulgação de dados estatísticos. O serviço de informação da Agência era o de abastecer de notícias os jornais diários, liam-se os boletins oficiais e periódicos das colónias, tinha-se acesso a informações na área administrativa colonial e até a publicações, conheciam-se os negócios, a investigação científica, as inaugurações, a abertura de estradas, tudo era canalizado para os meios de comunicação social da época. Uma secção de propaganda preparava mostruários e expositores com produtos, cartazes e gráficos que pudessem circular pelos municípios. O primeiro evento a que se meteu mãos foi na Exposição Industrial de Lisboa, apresentou-se um mostruário das atividades coloniais. Passaram a organizar-se as “Semanas das Colónias”, em parceria com as instituições científico-pedagógicas, neste caso a Sociedade de Geografia de Lisboa e a Escola Superior Colonial.

Multiplicaram-se as sessões de divulgação, o Ministro das Colónias, Armindo Monteiro, não fugia à participação, o Tenente Henrique Galvão era outra presença obrigatória, como o jornalista António Eça de Queirós. Produziram-se filmes e houve sessões promocionais logo em Lisboa e arredores (Voz do Operário, Cinema Condes e Casino do Estoril). A primeira grande prova de fogo foi a grande Exposição Colonial do Porto, jamais se investira tanto, trouxeram-se comunidades nativas, simularam-se aldeias e modos de vida, era um corrupio constante de mirones, chegou mesmo a haver um concurso de beleza para premiar as grandes beldades. Em 1937, a Agência participou na organização da Exposição da Ocupação e no Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo. Desde a sua fundação até 1937 a Agência divulgara 450 obras que representavam cerca de um milhão de exemplares. Em 29 de abril de 1938, a Agência prestou homenagem ao Marquês de Sá da Bandeira, junto do monumento que lhe foi erigido na Praça D. Luís em Lisboa, por ocasião do 80.º aniversário do decreto que abolia a escravatura. E assim se chegou à Exposição Colonial do Mundo Português, 1940, a Agência participou ativamente com publicações e a realização de eventos, no ano seguinte a Agência foi em missão oficial ao Brasil, apresentou uma mostra da sua obra cultural. Em 1942, aproveitava-se a Emissora Nacional para fazer palestras sobre o Império Colonial Português, ano em que a Agência passou a ter um delegado junto do Secretariado da Propaganda Nacional, o nomeado foi Augusto Cunha, um advogado que dirigia a revista “O Mundo Português” e estivera empenhado na organização dos cruzeiros de “Férias às Colónias” e dos “Estudantes das Colónias à Metrópole”.

Marcello Caetano sobraçou a pasta das colónias a partir de setembro de 1944, adotaram-se novas estratégias para a divulgação do império. É nesse contexto que a Agência aparece em 1945 na Feira Popular com um pavilhão artístico decorado por Jorge Segurado. Qualquer data era um ensejo para comemorações, foi assim em 1946, com as comemorações nacionais do V Centenário da Descoberta da Guiné que trouxeram a visita das autoridades tradicionais da Guiné a Lisboa, a inauguração de um monumento a Nuno Tristão e houve mesmo guineenses no “Desfile dos Municípios”, a propósito do VIII Centenário da Conquista de Lisboa. Em maio de 1950, inaugurava-se no Palácio da Independência o primeiro Centro de Estudos de Formação Imperial da Mocidade Portuguesa, a Agência estava implicada.

Com recurso aos meios audiovisuais, a Agência dispunha de uma viatura para o cinema, para missões de propaganda, abordavam-se os mais variados assuntos desde a coroação de Nossa Senhora de Fátima passando pelos desfiles da Legião Portuguesa até à viagem de Marcelo Carmona ao Porto. 1951 é o ano da Reforma Constitucional, a Agência passou a ser de Ultramar. Foram criados os Centros de Informação e Turismo em Angola, Moçambique e Índia. E assim chegamos a 1961, o ano das mudanças radicais.

Lembra o autor que em outubro de 1964 se realizou na Agência a primeira reunião que chamava a atenção para o início da guerra colonial. A Agência está muito próxima do Ministério do Ultramar. A partir de 1967 a Agência passa a ser um organismo destinado a difundir informações relativas ao património tropical, a superintender e impulsionar o turismo. Passa a ter assento na RTP, apresentava um programa de 15 minutos, primeiro quinzenal, depois semanal, produzido pela Agência Geral do Ultramar e intitulado “Portugal Além Europa”. A publicação mais evidente era o Boletim Geral, primeiro “Boletim Geral das Colónias”, depois “Boletim Geral do Ultramar”, a revista “O Mundo Português” e também desde 1970, a revista “Permanência”. Lembra o autor que com o intuito de estimular o interesse dos intelectuais pelos interesses tropicais, instituiu a Agência Geral o “Concurso de Literatura Colonial”, anualmente promovido, desde 1926 até 1951. Em 1954, o certame foi melhorado com a criação de quatro prémios que viriam a subsistir até 1974, contemplando géneros literários tão diversos como o conto, a poesia, o romance e o teatro. Foram muitos os contemplados com os prémios “Camilo Pessanha”, “Frei João dos Santos”, “Fernão Mendes Pinto”, “João de Barros” e “Pêro Vaz de Caminha”, cada um no valor de 20 contos; para além destes, havia ainda o prémio “D. João II”, no valor de 50 contos, que distinguia o melhor estudo sobre o tema que a propaganda do Estado Novo, já no período final, procurava consagrar, a Unidade Nacional.




____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19966: Historiografia da presença portuguesa em África (166): Alfa Moló Baldé e o mito fundador do reino de Fuladu, em 1867 (Cherno Baldé) - II (e última) Parte

4 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

A grandiosa Exposição Colonial do Porto, ocorrida no Palácio de Cristal em 1934, deverá ter sido um ensaio geral para a (ainda mais grandiosa) Exposição do Mundo Português de 1940, em Lisboa. Ainda Salazar não tinha vergonha de chamar colónias às colónias. Feita à imagem e semelhança de outras exposições coloniais realizadas em França, Inglaterra, Alemanha, etc., a Exposição Colonial do Porto de 1934 foi organizada por Henrique Galvão, esse mesmo, o do assalto ao paquete Santa Maria, que antes de ser um feroz opositor de Salazar tinha sido um seu fervoroso admirador.

A Exposição Colonial do Porto teve como finalidade, como facilmente se compreende, exaltar o orgulho imperial dos portugueses, supostamente portadores de um mandato divino de civilizar os povos primitivos sob seu domínio, e ao mesmo tempo consolidar o regime do Estado Novo, comandado pelo pulso de ferro de António de Oliveira Salazar. A exposição teve características idênticas às das exposições coloniais estrangeiras, a começar pela redução dos povos colonizados à condição de indígenas atrasados, cujo exotismo se procurava sublinhar. Para tanto, mostraram-se seres humanos trazidos das colónias ao público visitante, como se de animais do jardim zoológico se tratasse.

No caso da Exposição Colonial do Porto de 1934, a Guiné teve um papel de particular relevo, não necessariamente pelas melhores razões. Foi instalada uma "tabanca" de bijagós numa ilha de um pequeno lago existente nas imediações do Palácio de Cristal, onde pessoas seminuas eram exibidas ao público como se estivessem no seu ambiente natural. Ora o clima do Porto é consideravelmente mais frio do que o da Guiné. Nem quero pensar no frio que essas pessoas terão passado.

O grande êxito da exposição foi, sem sombra de dúvida, uma moça balanta de seios descobertos, a Rosinha, que deve ter povoado os sonhos eróticos de muitos homens do Porto. Além da Rosinha, teve também bastante sucesso entre o público um menino guineense que andava completamente nu, o Augusto. Mas a balanta Rosinha é que foi a grande sensação da exposição. Multidões acorreram ao Palácio de Cristal para verem ao vivo as mamas da Rosinha, além da pilinha do Augusto. Até capa de revista a Rosinha foi, com os seus seios ao léu. É claro que, naquele tempo, nenhum jornal nem nenhuma revista se atrevia a mostrar uma mulher branca de mamas à mostra, mas como a Rosinha era negra, já podiam mostrar...

Há poucos anos, encontrei na internet um blog com uma vastíssima coleção de imagens da Exposição Colonial do Porto. Dezenas e dezenas de imagens, para não dizer centenas. Não consigo voltar a encontrar esse blog. O que encontrei foi uma página de um outro blog, que faz uma referência mais resumida à exposição, mas que mesmo assim já consegue ser muito elucidativa. É a seguinte: http://portoarc.blogspot.com/2013/09/divertimentos-dos-portuenses-ix.html. Também encontrei o seguinte trabalho: https://run.unl.pt/bitstream/10362/45308/1/4516_15692_1_PB.pdf.

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano, C.Caç. 3535, B.Caç. 3880, Angola 1972-74

Valdemar Silva disse...

Fernando Ribeiro, excelente apontamento.
Muito provavelmente e no meio da confusão, os moderníssimos parolos que foram ver o pretinho 'Augusto', nuzinho e a fazer xixi, teriam pisado muitos Maneis que andavam descalços.
Quem se der ao trabalho vá consultar as estatísticas (possíveis) das condições de vida da população portuguesa em 1934.
(...pois, tábem, as moças não andavam de mamas ao léu)

Valdemar Queiroz

Carlos Vinhal disse...

Amigo Valdemar, quase somos levados a concluir que naqueles tempos o país era "rico" mas as pessoas eram pobres; hoje, o país é "pobre" mas as pessoas são ricas.
Carlos Vinhal

Valdemar Silva disse...

Carlos Vinhal
Foi quase isso, com ranho no nariz, remendos nas calças, descalço e boina na cabeça e, bem educadinho, na mão.

Abraço e saúde da boa.
Valdemar Queiroz