1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2024:
Queridos amigos,
Iniciámos a leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde (e da Costa da Guiné) em 1850, deu-se conta de que os assuntos continentais tinham um peso ínfimo, referências às taxas e pautas aduaneiras, nomeações, transferências, dentro daqueles conteúdos de caráter cultural aparecia um artigo sobre a cultura do amendoim; das tentativas de usurpação quer britânicas quer francesas, nem uma só palavra; e eis que, inopinadamente, em 1853, sucedem-se as referências a Honório Pereira Barreto, a um auxílio francês a uma sublevação em Bissau de que resultou um oficial morto e o governo de Sua Augusta Majestade entendeu conceder uma pensão à viúva, o Governador Geral aceita visitar a Costa da Guiné e na praça de S. José de Bissau conversa com os reis locais e com o juiz dos Grumetes, promessas de amizade não faltam; até um 2º farmacêutico é deslocado da vila da Praia para Bissau... Algo está a mexer nas preocupações coloniais com os estabelecimentos de Cacheu e Bissau e até ficamos a saber que uma alta entidade está isenta de pagar qualquer importância por entrar em Bissau com um seu escravo que é também seu criado. A ver se daqui em diante este Boletim Oficial, tão silencioso com a Senegâmbia, passa a ser mais informativo.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (3)
Mário Beja Santos
O ano de 1853 traz surpresas, fala-se da Costa da Guiné com mais fluência, não são só as taxas aduaneiras nem as receitas alfandegárias, nem as férias nem as transferências de militares e funcionários, até Honório Pereira Barreto é mencionado com mais regularidade, os negócios guineenses, afinal de contas, chegam ao Reino. Como vamos ver.
No Boletim Official de 19 de abril desse ano, o Chefe de Estado-Maior da Praça de S. José de Bissau, Francisco Maria Barreiro de Arrobas, dirige-se ao negociante António Joaquim Ferreira, este fizera oferecimento para que na escuna Progresso de Bissau sua Excelência o Brigadeiro Governador Geral da Província viajasse da vila da Praia para Bissau, o governador agradece e aceita e dará o devido conhecimento ao governo da Augusta Soberana de mais um feito de um dos habitantes de Bissau que tem concorrido para cimentar a sua prosperidade. Neste mesmo boletim fala-se do Forte de S. Belchior, que dominada a navegação do rio Geba, era premente concluir a reparação do armamento da instalação militar, eram insuficientes os donativos oferecidos por vários habitantes de Bissau, pelo que o governador determinava haver despesa por conta da Fazenda; mas há mais informações, desta feita o conserto do Forte do Pidjiquiti, da tabanca e da estacada que limitam a povoação de S. José de Bissau, o Governador Geral ordena que o governador interino da Guiné Portuguesa faça arrematar em hasta pública a reparação das obras, adjudicando-a a quem por menor preço a fizer, e com as precisas garantias de segurança, devendo o Recebedor Particular da dita Praça satisfazer o preço da arrematação logo que as obras estejam concluídas; e também se fica informado que João Marques de Barros dera conhecimento ao Governador Geral da oferta de construir à sua custa uma casa em continuação da que serve atualmente de hospital militar, oferecendo também o seu patacho Sabino para transportar gratuitamente de Cabo Verde para Bissau a força de tropa que convier ao mesmo Governador-Geral; não se ficam por aqui as informações do Boletim Oficial de 19 de abril, como se pode ler adiante:
“Tendo o cirurgião civil António Joaquim Ferreira, encarregado do hospital militar dessa Praça de S. José de Bissau, representado em indispensável necessidade e um farmacêutico para os medicamentos para o mesmo hospital, e para os particulares, obrigando-se a empregar o dito farmacêutico na sua botica particular, com os vencimentos que lhe competem por lei, pagos à sua custa, e fazendo-lhe ainda outras vantagens: o Governador Geral, reconhecendo quanto esta proposta é vantajosa à Fazenda, à humanidade, e até mesmo ao empregado que para isso fora nomeado: ordena que o 2.º Farmacêutico da Província, atualmente sem exercício algum na vila da Praia, embarque a bordo da escuna Progresso de Bissau, e venha para esta praça exercer as funções que lhe são próprias.”
E temos agora uma nomeação de Honório Pereira Barreto, vejamos os termos:
“Sendo da mais urgente necessidade estabelecer um sistema de administração para as possessões da Guiné Portuguesa que esteja em harmonia com os costumes dos habitantes das mesmas possessões e livre as autoridades do arbítrio que muitas vezes se veem obrigadas a recorrer pela inexequibilidade do que se acha determinado no Código Administrativo em uso na província: o Governador Geral manda criar uma comissão, composta do Governador da Guiné Portuguesa, que será o presidente, do Comendador Honório Pereira Barreto, residente em Cacheu, e do negociante e proprietário de Bissau, António Joaquim Ferreira, a qual comissão, tendo em vista as necessidades dos povos, e as medidas que melhor efeito tem produzido nas possessões estrangeiras desta mesma Costa da Guiné, discuta, organize, e proponha o projeto de Regulamente para a Administração Civil da Guiné Portuguesa, que mais conveniente lhe parecer.”
Mas ainda a missa vai no adro, temos agora matéria para o Diretor da Alfândega de Bissau, veja-se a delicadeza do assunto, quem assina é o Governador Geral:
“Tendo representado o Major de Veteranos – Francisco Alberto de Azevedo – que quando fora ultimamente para Bissau na qualidade de Governador Interino da Guiné – levara em sua companhia um escravo bona fide do serviço da sua casa, tendo prestado na alfândega desta vila a competente fiança, na conformidade das obras estabelecidas, acontecera que na Alfândega de Bissau lhe exigiram o pagamento de direitos pela importação do mesmo escravo: e sendo certo que tais direitos foram indevidamente exigidos, porque a lei isenta de tal pagamento um escravo que for transportado deste arquipélago para qualquer possessão portuguesa aonde hajam escravos – em companhia de um cidadão que se ausente por tempo indeterminado; o Governador Geral determina que o Diretor Interino da Alfândega de Bissau faça restituir ao referido major os direitos que porventura tiver pago pelo escravos que levou em sua companhia quando ultimamente foi àquela Praça na qualidade de Governador Interino da Guiné.”
Estamos agora 6 de outubro do mesmo ano de 1853, fala-se de ocorrências que tiveram lugar na Praça de Bissau onde houvera atos de manifesta indisciplina e rebelião, houve que intervir o brigue de guerra francês Palinure e fazer punir os criminosos. Foi muito agradável a Sua Majestade ver as diligências do Governador Geral, a quem solicita que lhe seja participado que é mandado o vapor Mindelo à província de Cabo Verde conduzindo a força militar e pólvora constantes da relação elaborada; que o Governador Geral dará a esta força o emprego que lhe parecer mais conveniente; que foi muito sensível à mesma Augusta Senhora a morte do Primeiro Tenente La Gillarduse, da tripulação do brigue francês Palinure, comandante do primeiro pelotão da força daquele brigue que atacou os sublevados; e que tendo decidido decretar uma pensão à viúva do mesmo oficial e dar testemunho de agradecimento aos oficiais do mesmo brigue.
Por último, dá-se conta da palavra com que os reis de Bandim, de Antim e de Antula e o juiz dos Grumetes de Bandim, Simão Cabral. Houvera reunião na Praça de S. José de Bissau em 30 de setembro de 1853, tinham estado presentes o Governador Geral, os referidos reis e o referido juiz de Grumetes com os seus séquitos. O governador expressou a sua satisfação de ver reunidos estes reis amigos e que queria que ficasse estabelecido para sempre que tanto os habitantes da Praça podiam ir livremente ao chão dos reis como estes podiam vir à Praça sem que de parte a parte houvesse receio algum. Sua Excelência disse que tinha toda confiança no que os ditos reis prometeram. O rei de Bandim declarou que uma vez que esta amizade, que ele queria, fosse sincera e verdadeira, ele não se opunha à entrega dos escravos fugidos, mas era preciso que fosse da Praça buscá-los, e assim seriam entregues. O juiz dos Grumetes e o rei de Bandim declararam mais, que eles julgariam firme a amizade, se fosse permitido que os Grumetes tornassem para dentro da Praça como dantes estavam. Assentou-se que seria permitido aos Grumetes virem a edificar casa junto da povoação e ficou também acordado quanto aos escravos que as canoas que os transportassem para Serra Leoa ou outro ponto qualquer seriam apreendidas.
É fácil de concluir que o relacionamento entre a governação portuguesa e os reis de Bissau melhorava a olhos vistos, sabe-se que eram juras e entendimentos muito temporários, tudo voltava a faiscar rapidamente com as respetivas sublevações e mortandades.
Mas algo se pode reter da leitura deste Boletim Official em 1853. Há uma administração que começa a funcionar; a França, por tática diplomática, auxilia as autoridades a reprimir as rebeliões; a classe mercantil prontifica-se a ajudar a pagar reparações; em 1853, há Forte em S. Belchior, o que significa que se caminha tenuemente para uma ocupação; e, melhor ou pior, as alfândegas funcionam e ajudam a cobrir os encargos inerentes à presença portuguesa.
Vista antiga de Cacheu
Estátua de Honório Pereira Barreto na Bissau colonial
Imagem do século XIX de Vila da Praia
(continua)
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Notas do editor:
Vd. post anterior de 10 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (2) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 13 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25518: Notas de leitura (1691): BART 3873 - História da Unidade - CART 3492 / CART 3493 / CART 3494 - O Sector L1 de 1972 a 1974, e as minhas lembranças de 1968 a 1970 (Mário Beja Santos)
7 comentários:
Olá Camaradas
Estes documentos devem ser lidos/vistos com atenção.
Assim ficamos a saber porque é que tivemos de "lá" ir para não fazer nada de útil...
Um Ab. e bom FdS
António J. P. Costa
"...em 1853, há Forte em S. Belchior, o que significa que se caminha tenuemente para uma ocupação; e, melhor ou pior, as alfândegas funcionam e ajudam a cobrir os encargos inerentes à presença portuguesa."
Nuno Tristão chegou à Guiné em 1446 e passados 400 anos ainda "...se caminha tenuamente para uma ocupação..".
Valdemar Queiroz
São comentários como este que atestam a colonização...
Bom Fds
Até 1880 mais ano menos ano, o "ultramar africano" foi um passatempo de 400 anos para alguns militares e alguns aventureiros comerciantes.
O pior foi quando nos obrigaram a colonizar e pacificar aqueles pedaços que nos foi atribuido.
"Não havia nnexexidade!
Boa mensagem esta.
Nós pagámos e continuamos a pagar a factura por erros que outros fizeram. Demos o corpo ao manifesto na guerra, ficámos com fama de sermos colonizadores, não obtivemos proveitos e alguns ainda dizem que devemos indemnizar as ditas colónias.
Na Suiça, toda a atividade política é devidamente escrutinada, até a continuação ou não, do pagamento de uma simples taxa de audiovisual foi sujeita a referendo.
Aqui os políticos não fazem referendos, porque dizem que não é preciso. Os governos fazem leis por encomenda, para usar e abusar de nós, alguns governantes metem a mão na massa, recorrem das decisões do Tribunal até à prescrição e tudo em nome da Democracia.
É preciso refletir.
Um abraço,
Victor Costa, Ex-Fur.Mil.At.Inf.C.Caç.4541/72
Ó Costa a vida custa.
Uma coisa foi certa: demos o corpo ao manifesto na guerra.
Mas houve muitas mais coisas certas.
Como gostas de ler, saiu em 2016, mas ainda se pode encontrar, um livro com a parceria da Fundação Francisco Manuel dos Santos "Guiné-Bissau - Alimentar o Comércio de Escravos de Cabo Verde", de Joana Jordão e Frederico Batista.
É sobre o comércio da praça do Cacheu e Cabo Verde, e resumo:
"Um número relativamente grande de navios fazia o comércio entre a ilha de Santiago e a costa da Guiné: 14 embarcações em 1514 e 16 em 1515, levando, para troca, sobretudo cavalos e algodão, que eram produção local. No regresso, traziam milho, marfim e cera, mas sobretudo escravos: 1354 em 1514, 1424 em 1515...".
Valdemar Queiroz
Rect./explicação.
"Mas houve muitas mais coisas certas"
Para que não haja dúvidas, estas "muitas mais coisas certas" nada tem de "bem feito" mas antes "..muitas coisas verdadeiras".
Valdemar Queiroz
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