Fotos (e legenda): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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O lançamento do livro, uma peça fundamental para a historiografia da guerra colonial na Guiné, foi feita feito no Palace Hotel, em Monte Real, em 21 de abril de 2012 , no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande.
I
Estas sentenças tais o velho honrado
Dizendo estava, quando abrimos
As malas e as fizemos ao sossegado
Vento, e do quartel temido nos partimos. (15)
E, como é já na guerra costume usado
A bandeira desfraldando, o céu ferimos
Dizendo: “Boa viagem”. E logo as viaturas
Fizeram as usadas roncaduras.
II
Passámos à Formosa Aldeia
Que das muitas bajudas assim se chama;
Das que nós passamos a primeira
Mais célebre por nome que por fama,
Mas nem por ser a derradeira
Se lhe avantajam quantas o Moura ama (16).
Ali tomámos todos um bom assento
Por tomarmos das terra mantimento.
Por Nhala passámos, povoada
De gente amiga, que ali vivia;
E de luz total sendo privada
Mesmo assim do turra se defendia.
Novamente nos lançámos à estrada
P’ra chegar a Buba, ainda de dia,
Onde ainda a Companhia não sabe
Se irá haver descanso ou a guerra acabe.
Contar-vos longamente as perigosas
Cousas da estrada, que os homens não entendem.
Súbitas emboscadas temerosas,
Morteiradas que o capim em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de canhões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho que grande erro
Ainda que tivesse a voz de ferro.
Casos vi em que os rudes fuzileiros
Que têm por mestra a longa experiência
Não acreditarem casos certos e verdadeiros,
Mas julgando as cousas só pela aparência.
E os Comandos, com fama de guerrilheiros,
Só por puro engenho e por ciência
Se distinguiam quando formavam,
Porque nas armas aos demais se igualavam.
Daqui fomos cortando muitos dias
Entre tormentas tristes e bonanças,
Na larga mata fazendo novas vias, (17)
Só conduzidos de árduas esperanças.
Com o turra tempo andamos em porfias
Que, como tudo nele são mudanças,
Poder nele achamos tão possante
Que passar não deixava por diante.
Era maior a força em demasia
Segundo para trás nos obrigava,
Da estrada que contra nós ali se abria
Pelo poder da máquina que trabalhava.
Ó malvado Nino da porfia,
Que sempre estás onde a gente estava!
Em vão os tiros esforças iradamente
Pois nós não tememos a tua gente.
Desta parte descanso algum tomamos
E do rio fresca água, mas contudo
Nenhum sinal aqui da paz achamos
No povo, com nós outros quase mudo.
Ora vejam em que tamanha guerra andamos
Sem sair nunca deste viver rudo,
Sem vermos nunca nova nem sinal
Da nossa tão desejada terra natal.
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(17) Transferência para Buba, em 8/2/1969 onde a CCAÇ 2317 ficou, até 14/5/1969, a fazer segurança aos trabalhos de renovação da velha estrada Buba-Aldeia Formosa.
Lembra aqui o Zé TeixeiraZé Teixeira, da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo. Mampatá e Empada, 1968/70, em comentário ao poste P25552 (*)
(... ) Quando fui a Gandembel pela primeira vez em meados de julho de 68, os abrigos já estavam construídos. Numa noite escura apontaram creio que onze canhões sem recuo em tiro direto a um ponto do muro em betão de um dos abrigos e conseguiram furar a parede. Em janeiro do ano seguinte fui com a minha Companhia Proteger a sua retirada. A CCaç 2317 saiu de Gandembel e foi fazer umas “férias” a Buba, alinhando na dura missão de proteger a construção da nova estrada para Aldeia Formosa. A minha companhia alinhava na mesma tarefa. Foi duro. Uns meses que rebentaram com muita gente. A minha Companhia chegou a estar reduzida a trinta e seis operacionais. Um Grupo de Combate." (...)
(*) Último poste da série > 23 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25552: O Cancioneiro da Nossa Guerra (23): Os Gandembéis - Canto II, Estrofes de I a XVI (CCAÇ 2317, Gandembel, Ponte Balana e Nova Lamego, 1968/69)
Postes anteriores da série :
21 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25547: O Cancioneiro da Nossa Guerra (22): Os Gandembéis - Canto I, Estrofes de XII a XXVII (CCAÇ 2317, Gandembel, Ponte Balana e Nova Lamego, 1968/69
19 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25541: O Cancioneiro da Nossa Guerra (21): Os Gandembéis - Canto I, Estrofes de I a XI (CCAÇ 2317, Gandembel, Ponte Balana e Nova Lamego, 1968/69)
6 comentários:
Gandembel
Eu li o primoroso livro do Idálio Reis. Sei , por isso, que Gandembel é uma referência obrigatória da guerra do Ultramar, e só não é comummente considerada integrante dos três sítios de mais sofrimento (os três Gs) porque Gadamael, Guilege e Guidage são os locais mais sacrificados em 1973 (ano de viragem), quando Gandembel já fazia parte da arqueologia da guerra, como, Madina do Boé e a ilha do Como. Certo é que Gandembel foi talvez o sítio de maior martírio de toda a guerra da Guiné, se considerarmos condições de vida e guerra no seu conjunto. Guidage, em 1973, teve, por certo, durante dois meses, mais mortos, mas em instalações, tanto quanto julgo saber, era muito melhor que Gandembel.
Um grande abraço
Carvalho de Mampatá
Luís Graça (by email)
28 mai 2028 15:27
para Idálio Reis:
Idálio: grande "gandembel"!... Há muito que não sei de ti...Espero que Cantanhede continue de pé e tu ao centro, firme como um poilão!...
Estava na altura de "refrescar" as nossas memórias de Gandembel... Foi o primeiro topónimo de guerra de que eu ouvi falar (juntamente com o vosso hino) quando, desembarcando do Niassa, pus os pés em Bissau, vai fazer amanhã, 55 anos!... Gandembel era um nome mítico em finais de maio de 1969 (tal como Madina do Boé e Guileje)!...E a "Gandembel das morteiradas" toda a gente sabia de cor, a letra e a música!...
Hoje ninguém mais fala de Gandembel e do vosso "suplício de Sísifo"... A CECA (a Comissão para o Estudo das Campanhas de África) infelizmente também não leu o teu livro... Passa por Gandembel como cão por vinha vindimada... (Os historiadores e os historiógrafos, se não nos lerem, não irão perceber essa "conversa da treta" do sangue, suor e lágrimas...)
Idálio, ando a recuperar, para a série "O Cancioneiro da Nossa Guerra", algum do vastíssimo e riquíssimo material (fotos e textos) que logo no início do blogue fomos (foste) publicando... Os "periquitos" (os que foram chegando nestes últimos anos) não sabem nada do que lá se passou, entre abril de 1968 e janeiro de 1969, no "carreiro do povo"...(que tinha uma espinha encravada que se chamava Gandembel)...
Preciso da tua ajuda (e dos demais camaradas, cada vez menos, infelizmente, que ainda sabem do que se fala. e que estão vivos para poderem falar), com "comentários frescos" sobre os "gandembéis"...(a tua CCAÇ 2317, mais a malta que vos ajudou a aguentar o "monstro", com grande coragem e camaradagem, a CCAÇ 1689, os "maiorais" da CCAÇ 2381, os páras do BCP 12, a FAP, a malta dos Pel Caç Nat, etc. ).
Não tenho o teu nº de telemóvel. Manda um SOS. Estamos a comemorar os 20 anos do blogue!... Mas, bolas, isto parece mais um enterro!... Toda a gente fala dos 3 G, mas Gandembel (que foi um ensaio!) foi esquecida ou branqueada... Toda gente fala da Guiné e do seu contributo para o 25 de Abril... mas e então Gandembel ?!... "Não, nunca ouvi falar!"...
Além disso, Gandembel é um caso talvez exemplar, quanto mim (e também na tua perceção) para se ver as diferenças de liderança (que é mais do que comando) dos nossos dois senhores da guerra, o Schulz e o Spínola...
Um alfabravo, Luís
Manuel Augusto Reis (by email)
28 mai 2024 18:17
Não, nunca esqueci Gandembel. Vivi nas proximidades durante o período de novembro de 72 a maio de 73, em Guileje. Os patrulhamentos a Gandembel, porta de entrada do Paigc, eram constantes e daí o controlo mais assíduo. A picada, esburacada, indicava-nos o suplício que os nossos camaradas passaram para serem reabastecidos. Ao lado desansavam as viaturas esventradas.
Em 95 regressei lá, para colaborar numa reportagem sobre Guileje e foi-nos permitido entrar na Guiné- Conacry e visitar alguns dos santuários do Paigc, colocados nas imediações de Gandembel. Impressionante, pela sua organização.
Nós, ex- combatentes, que vamos sobrevivendo, procuramos juntar-nos, ora em convívios de companhias, ora através das tabancas. Isto só foi possível pelo BLOGUE, que nos proporcionou esta amizade e esta enorme união.
A ti, Luís, a nossa dívida é enorme e deixo a pergunta: Para quando a comemoração dos 20 aniversários do nosso blogue.
Um abraço para todos.
Manuel Reis.
O livro do Idálio Reis, sobre o suplício dos infortunados a quem coube em sorte acampar aí durante nove longuíssimos meses é um documento de valor incalculável em relação à guerra da Guiné.
Sobre o blog subscrevo as palavras do Augusto Reis.
Carvalho de Mampatá
Vivi Gandembel por fora, mas com grande emoção e preocupação.
Quando lá cheguei a primeira vez, em julho de 1968, cerca de duas horas depois ver um Fiat com um grande rabo de fumo a voar na direção de Madina do Boé e cair com estrondo na mata. Depois de passar por Changue Laia e ler uma placa em madeira pregada numa árvore - Guiné Livre, depois de passar por uma ponte - Ponte Balana, onde se via um fortim escondido na mata, cansado e suado até às cuecas, cheio de sede e de fome, deparei com quatro abrigos e lá ao longe, no mais afastado, alguém me acenava e chamava pelo nome; Zé!Zé!. Apercebi-me que naquele inferno estava o meu colega de carteira na 4º classe, o Mario Pinto e desatei a correr na sua direção, atravessando a direito pelo meio da Parada. Alguém, desata correr, de um outro abrigo, me agarra e arrasta para o seu abrigo, aconselhando-me a ter cuidado e nunca atravessar a direito. Pouco tempo depois, foram só uns tiritos a picar a Parada, enviados por atiradores furtivos escondidos nas altas árvores. Lá fui ter como meu amigo e descobri outro conterrâneo. Felizmente o Mário Pinto era o cabo quarteleiro e logo ali matei a fome e a sede. Acompanhei outras colunas na montagem de segurança, ouvi continuamente, a qualquer hora do dia e da noite, quantas vezes repetidamente, o fogachal que o PAIGC, fazia sobre Gandembel. Recordo que muito mais tarde, em 2011, convivi com um dos comandantes do PAIGC, em Farim do Cantanhez, um dos que me atacou e chegou a tentar entrar em Mampatá. Pude analisar com ele o fenómeno Gandembel e o porquê do PAIGC, atacar tantas vezes Gandembel, houve ocasiões que era continuamente.
Gandembel, pretendia ser um travão à penetração pelo corredor da Morte, (para nós) ou da liberdade (para eles). Era por ali que passavam o armamento e homens para penetrarem na Guiné, pelo sul. Tinham a maior base ali perto e um hospital. Gandembel tinha de fechar. Então, os cinco grupos do PAIGC instalados no Sul, na mata do Cantanhez, foram desviados para cercarem Gamdembel, postando-se, escondidos na mata, em locais diferentes de modo a que atacava um grupo e retirava. Vinha a aviação e regressava a Bissau. Avançava outro Grupo e atacava do outro lado e retirava e assim sucessivamente. Era um bailinho tu cá, tu lá. Tive a felicidade de ir lá novamente, mas agora para os trazer de volta.
zé teixeira
Alberto Branquinho (by email)
terça, 28/05/2024, 20:24
Boa tarde, Luís
Já desisti de insistir com a gente da 2317 para que não se esqueçam que chegámos no mesmo dia (eles mais nós - CART 1689) ao espaço onde GANDEMBEL foi construído.
Aliás, o primeiro a chegar ao terreno foi o meu pelotão. Eles chegaram de sul com viaturas e não de norte. E que, depois, estivemos com eles durante os primeiros 40/45 dias, até que os abrigos enterrados e cobertos de cibes, chapa de bidon e terra, mais as fiadas de arame farpado ficaram prontos.
Claro que eles sofreram aquela situação durante mais cerca de dez meses, com os paraquedistas a patrulharem as imediações.
Certo é que nunca falam na (então) velhinha CART 1689. O Idálio, depois de um mal-entendido, reconheceu isto depois da publicação do livro.
Os 3G's (Guilege - que ficava logo ali, de onde a 2317 veio - Guidage e Gadamael) foram um inferno. O que Gandembel teve de diferente É QUE SE ESTAVA A CONSTRUIR UM QUARTEL onde não havia nenhuma construção.
Abraço
Alberto Branquinho
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