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segunda-feira, 2 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26875: Notas de leitura (1804): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Foi neste seu primeiro livro que António Duarte Silva vislumbrou o que havia de inédito na estratégia congeminada por Amílcar Cabral para sair do impasse da luta armada graças à declaração unilateral de independência, que ele analisa em detalhe, conjugando o direito e a política, foi um processo cuja anatomia envolveu o confronto estratégico de Spínola e Cabral, o progressivo isolamento diplomático de Portugal e a credibilização do PAIGC sempre em alta; o autor esmiúça o processo eleitoral da Assembleia Nacional Popular e como se prepararam as reuniões para a independência. No terceiro e último texto, iremos ver a descolonização portuguesa e o reconhecimento da Guiné-Bissau, chamando a atenção para o riquíssimo acervo documental e bibliográfico que o autor nos preparou.

Um abraço do
Mário



A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (2)

Mário Beja Santos


Como se assinalou no texto anterior, o investigador António Duarte Silva encarou esta obra como um roteiro em quatro partes: colonialismo e nacionalismo na Guiné; o que houve de inédito e revolucionário na declaração unilateral da independência, que ocorreu formalmente em 24 de setembro de 1973; que caminhos trilhou a descolonização portuguesa e como a República da Guiné-Bissau nasceu de um conjunto de normas e atos políticos singularíssimos: o direito à autodeterminação previsto na Carta das Nações Unidas, como o PAIGC se fez legitimar não só pela lutar armada mas como um lutador pela independência que tinha território ocupado pelo colonizador; e o caso inédito de que essa declaração unilateral da independência foi acompanhada com prontidão pelo reconhecimento do número maioritário dos Estados pertencentes às Nações Unidas e como pelo 25 de Abril, se chegou ao reconhecimento português e à admissão da Guiné-Bissau na ONU.

O autor enfoca o tempo e o modo da descolonização portuguesa, como se procurou a negociação com o Governo português para chegar à autodeterminação, sem qualquer êxito, e também como o pensamento de Cabral era consistente na definição do que devia ser a soberania e poder constituinte: idealizou uma assembleia que votasse a independência, gerou empatia no ONU, a Assembleia Nacional Popular começou por aprovar a independência, depois a Constituição e designou os titulares dos outros órgãos centrais do Estado. Há aqui um dos pontos capitais da análise que o autor faz à formação da Guiné-Bissau enquanto Estado africano.

Ele diz expressamente:
“O Estado, em África, resulta de um transplante e não só a evolução das sociedades e dos sistemas político-jurídicos africanos profundamente marcada pelo fenómeno colonial como a sociedade pós-colonial foi pré-definida de um modo decisivo através do princípio da territorialidade, da imposição do sistema normativo ocidental e da mundialização do sistema inter-estatal. De facto, os Estados africanos, sobretudo da África negra, corresponderam a uma repetição geral do Estado moderno. A mundialização do Estado moderno constituiu um dos traços dominantes do nosso tempo e acelerou-se no decurso dos últimos decénios. O Estado africano, cuja existência é anterior à de uma nação sobre a qual se possa fundar, tem de indo construindo a sua própria nação. Enquanto procede à construção nacional, o Estado resume-se à mera soma de aparelhos administrativos, que procuram separar-se da sociedade civil, já que a sociedade civil não permite ainda distinguir a função do órgão e o órgão do seu titular. A grande maior dos Estados africanos imitou formalmente o Estado metropolitano. Acresce que a receção do modelo estadual europeu foi essencialmente organizacional, pois nem o espírito democrático foi assimilado, nem o Estado africano, precisamente por vir de fora e ser imposto de cima, tem a contextura do Estado moderno.”

E daí a observação que o autor faz das particularidades da Guiné-Bissau, continuo a pensar que se trata de uma apreciação que nenhum investigador da problemática guineense devia ignorar. E, logo de seguida, o autor procede a uma síntese de como a Guiné fez parte do império colonial português, é uma figura política e jurídica surgida a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, a presença portuguesa na região foi sempre muito mitigada, a sua colonização assentou no trabalho forçado, no imposto de capitação e na exportação comercial – aí tiveram um papel de capital a chamada Casa Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, esta ligada ao Banco Nacional Ultramarino.

Dado o contexto, o autor muda de campo de observação para todo o histórico da declaração de independência, o que remete para uma síntese do direito colonial, do que se passou no teatro de operações, como foi evoluindo o envolvimento internacional e a ação diplomática de Amílcar Cabral, a importância que teve em termos políticos internacionais, a visita de uma missão especial da ONU no início de abril de 1972 a alguns pontos do Sul da Guiné, como Cabral pôde potenciar as conclusões da missão e o beneplácito recebido pela Assembleia Geral da ONU; temos igualmente um quadro das tentativas de negociação. Cabral congeminara uma estratégia para a declaração unilateral da independência: a convocação de eleições nas chamadas zonas libertadas, elaborou um documento intitulado Bases para a criação da 1.ª Assembleia Nacional Popular na Guiné, estava a ganhar forma o cenário para a independência a que Cabral fisicamente não assistiu, na última mensagem de Ano Novo, proferida no mês em que foi assassinado, ele refere-se expressamente à eleição e reunião da Assembleia Nacional Popular, dizendo que a Guiné-Bissau até aí é uma colónia dispondo de um movimento de libertação e cujo povo libertou durante anos de luta armada parte do seu território nacional, passaria a ser, aprovada a independência, um país dispondo do seu Estado e que tem uma parte do seu território nacional ocupada por forças armadas estrangeiras.

Entre o assassinato de Cabral e a declaração unilateral da independência, e indo um pouco atrás, houvera a ofensiva portuguesa no Sul, a reocupação do Cantanhez, a chamada Operação Grande Empresa, que inicialmente deixou o PAIGC em grande confusão; seguem-se os acontecimentos de março e abril, a chegada dos mísseis terra-ar e de duas grandes operações montadas para cercar Guidage e Guilege, com resultados devastadores. Spínola envia para Lisboa um relatório atemorizador: “Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar.”

De 18 a 22 de julho, próximo de Madina do Boé, realiza-se o segundo congresso do PAIGC; Aristides Pereira é eleito como Secretário-Geral e Luís Cabral como Secretário-Geral Adjunto; reveem-se os estatutos do PAIGC e convoca-se a Assembleia Nacional Popular com o fim de proclamar a independência. O lugar inicialmente escolhido era Balana, no Sul, por razões de segurança e por ter havido rotura de ligações diplomáticas entre o Senegal e a Guiné-Conacri, escolheu-se um ponto de Boé, e não seriam ainda 9 horas de 24 de setembro quando a dita assembleia proclamou o Estado da Guiné-Bissau.
O autor disseca o teor da Proclamação do Estado, analisa a Constituição do Boé e extrai uma breve conclusão:
“Das muitas considerações que esta Constituição pode suscitar, destaca-se que a Guiné-Bissau foi criada como Estado constitucional, cuja Lei Fundamental não foi uma mera técnica de descolonização, antes o produto de uma luta de libertação nacional ampla e duradoura, e pretendia ser o estatuto de um Estado-Nação combinando os (dominantes) modelos europeus com soluções próprias da sua história, em especial, da descolonização da Guiné-Bissau (e, também, de Cabo Verde).”


(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 26 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26849: Notas de leitura (1801): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26864: Notas de leitura (1803): "Um Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940)", por Leonor Pires Martins; Edições 70, 2012 (Mário Beja Santos)

10 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Cinquenta anos depois, é tempo de olhar a História com seriedade e rigor. O Mário Beja Santos ainda tem as paixões de um passado, às vezes anti-fascista. E tenta fazer-nos acreditar no inacreditável.
Pois, as utopias de Amilcar Cabral, a África tentando libertar-de do colonialismo, logo enredando-se na malha da idieologia e prática fracassada dos socialismos soviéticos e chineses, com os resultados que conhecemos. Sei do que falo, cinco anos, depois da Guiné, 1977/1982, foi o meu trabalho em Pequim, China, na propaganda oficial chinesa. Em África, mais opressão, assassinatos, purgas, corrupção brutal, entre os novos revolucionários matando-se uns aos outros. Tristeza.!

Antº Rosinha disse...

Tantas coisas sobre Amílcar Cabral, documentos arquivados em vários arquivos, vários historiadores bem ou mal documentados, mas há uma carta que nunca vemos publicada, que seria um documento interessante tanto para caboverdeanos e guineenses mas tambem para os que andámos a guerrear contra as independências.

Essa carta que Amilcar enviou a Salazar para negociações para autodeterminação pacífica, dois anos antes de 63, portanto talvez em 61 quando rebentou a bojarda em Angola, essa carta se assinada por ele ou mais alguém, com data e carimbo ou não do PAIGC, caía nestes achados de Beja Santos como a cereja em cima do bolo-

Será que não teria sido extraída cópia e devidamente arquivada?

É que o original, nas mãos de Salazar, imaginamos o que lhe poderia ter acontecido.

Não tenhamos dúvidas, se um dia nos aparecesse nem que fosse uma cópia em stencil, dessa carta, devidamente autenticada, tudo o resto passava para segundo ou terceiro plano.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Boa questão, Rosinha... Nunca vi cópia dessa famigerada carta... Já procurei no Arquivo Amílcar Cabral... Já pedi ajuda ao "Big Brother" da IA que é um troca-tintas, e mete os pés pelas mãos... Será que houve mesmo uma carta formal, escrita pelo punho do AC, metida no correio, etc. ? Se sim, e chegou ao seu destinatário, teria que estar no arquivo de Salazar... Ou foi "bluff" do AC, uma "bocarra", uma tirada propagandística num dos areópagos internacionais onde ele ganhou a guerra, e onde o Salazar, "bota de elástica", nunca foi, tinha "fobia social"...

Vamos aprofundar o assunto... Agora também estou curioso... A verdade é que nunca vi cópia, fotocópia ou transcrição do seu teor...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Pergunta ao ChatpGPT: Conheces a famosa carta de Amílcar Cabral dirigida a Salazar, no início dos anos 60 do séc. XX, a pedir negociações sobre a independência da Guiné ? Essa carta ou cópia existe ?

Dito pelo ChatGPT:

Sim, existe registo de uma carta aberta que Amílcar Cabral dirigiu ao Governo português, em 1961, propondo uma resolução pacífica para o conflito na Guiné. Esta iniciativa foi rejeitada por Salazar. O documento faz parte do arquivo de Amílcar Cabral, que se encontra na Fundação Mário Soares e Maria Barroso, em Lisboa .

Além disso, em 1 de dezembro de 1960, Cabral redigiu e enviou um memorando ao Governo português, datado de Conacri, apelando à independência da Guiné e Cabo Verde. Este documento foi remetido por várias entidades e acompanhado por panfletos distribuídos na região .

Estes documentos são testemunhos importantes dos esforços diplomáticos de Amílcar Cabral para alcançar a independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde de forma pacífica.

Pergunta: Diz-me as fontes, se não te importas.

Dito pelo ChatGPT:

Claro, com todo o gosto. Aqui tens as duas fontes principais que referem a carta ou os apelos feitos por Amílcar Cabral ao Governo português no início dos anos 60:

Santiago Magazine – Um artigo intitulado "Arquivo de Amílcar Cabral em Lisboa conta ao mundo a história deste simples africano", onde se refere que entre os documentos disponíveis no arquivo Cabral, depositado na Fundação Mário Soares e Maria Barroso, existe correspondência dirigida ao Governo português, nomeadamente uma carta de 1961 apelando à negociação.

https://santiagomagazine.cv/em-foco/arquivo-de-amilcar-cabral-em-lisboa-conta-ao-mundo-a-historia-deste-simples-africano

Didinho.org – Um artigo com o título "Da embriologia nacionalista" menciona um memorando datado de 1 de Dezembro de 1960, enviado por Amílcar Cabral ao Governo português, apelando à independência da Guiné e de Cabo Verde. Este documento foi distribuído com panfletos e enviado também à ONU.

https://www.didinho.org/Arquivo/daembriologianacionalista.htm

Se quiseres, posso procurar versões arquivadas destes artigos ou indicar-te como aceder ao acervo da Fundação Mário Soares, onde se encontram digitalizados muitos dos documentos de Amílcar Cabral. Queres que o faça? (...)

Rosinha, se tiveres tempo e pachora, procura aqui (que é coisa que eu agora não tenho, tenho que ir a Lisboa a uma consulta no IPO, às 11.30, a 75 km da Lourinhã, e ainda não tomei banho!):

http://casacomum.org/cc/arquivos

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Rosinha, já estou em Lisboa...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Prometo descobrir a tal carta.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Em 1961 tinha eu 14 anos.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A carta que podia ter mudado as nossas vidas.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Rosinha, tu continuarias a viver feliz em Angola...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... E eu nunca teria bebido a água do Geba