Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > c. 10 de janeiro de 1970 > O Cherno Rachide em visita religosa a Bambadinca. A personagem central, vestida de branco e "gorro" preto, que parece estar a presidir a uma cerimónia religiosa islâmica, é sem dúvida o Cherno Rachide que eu conheci em Bambadinca... (A foto do leiriense António T. Roda, meu camarada da CCAÇ 12, campeão nacional de damas, dirigente federativo, que vive em Setúbal, não traz legenda: ampliando-a, parece que o imã está a contar notas e moedas que recebeu, oferta dos crentes, a par de nozes de cola.)
Recordo-me de o comando do batalhão, na altura sediado em Bambadinca, o BCAÇ 2852 (1968/70), ter mandado armar uma tenda, com tapetes e almofadões, na parada do aquartelamento (a localidade era um importante posto administrativo e porto fluvial), para receber condignamente não só as autoridades locais, civis e militares, como também os seus fiéis...
Ele virá a falecer, em Aldeia Formosa, em setembro de 1973, em dia que não podemos precisar (nem com a juda do assistente da IA...), mas seguramente antes do 24 de setembro (em que o PAIGG, diz-se, terá proclamado unilateralmente a independência do território... em "Madina do Boé"!).
O comando do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) organizou uma coluna de transporte para os seus fiéis do regulado de Badora poderem ir prestar-lhe a última homenagem em Aldeia Formosa (Quebo)... No meu tempo, em 1969, o troço Saltinho-Aldeia Formosa estava interdito... Hoje, por estrada alcatroada, são 87 km, mas na época (1969) só havia o troço alcatroado Bambadinca-Bafatá.
Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Janeiro de 1973 > Tabaski ou festa do carneiro > O Cherno Rachide, acompanhado de um dos seus filhos (possivelmente o seu sucessos, Aliu), presidiu à cerimónia, ele próprio degolou (ou ajudou a degolar) o carneiro. Por detrás de si, o cap mil (e nosso grão-tabanqueiro) Vasco da Gama, cmdt da CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", Cumbijã, 1972/74).
Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Cherno Baldé (Bissau)
1. Comentário do nosso colaborador permanente, Cherno Baldé (Bissau), ao poste P26880 (*)
A morte do Imã a que se refere o Carlos Filipe Gpnçalves, é a do bem conhecido chefe religioso de Quebo (Aldeia Formosa), Cherno Rachide, que morreu em setembro de 1973 e não no Gabu, como ele refere.
E, ao contrario do que muitos militares portugueses da época pensavam, ele nunca foi um agente duplo, era sim um prestigiado sábio muçulmano, versado em letras corânicas, entre outros conhecimentos esotéricos. Assim como não era o chefe hierárquico de nenhuma comunidade de religiosos, como acontece em outras confissões religiosas, pois nesta religião existe uma reconhecida descentralização que faz de cada comunidade e de cada mesquita uma entidade quase autónoma, sendo que é a força da sua dinâmica em movimento em permanência, assim como é a sua grande fraqueza enquanto entidade que deveria ser unida e coesa no seu todo, o que não acontece no seu caso, dai a diversidade e pluralidade nas tomadas de decisões que muitas vezes a afetam e dividem, contrariamente a muitas outras confissões monoteístas.
Dizem que o Cherno Rachide morreu em 1973 para não assistir ao advento da independência com o PAIGC como poder dominante no país. Sorte foi a sua que teve essa visão reservada só aos sábios e visionários, também eu, se tivesse dom e essa capacidade, preferiria morrer a assistir a essa "heresia" que, na Guiné-Bissau, chamaram de libertação nacional.
Dizem que o Cherno Rachide morreu em 1973 para não assistir ao advento da independência com o PAIGC como poder dominante no país. Sorte foi a sua que teve essa visão reservada só aos sábios e visionários, também eu, se tivesse dom e essa capacidade, preferiria morrer a assistir a essa "heresia" que, na Guiné-Bissau, chamaram de libertação nacional.
Liberdade teve o grande Cherno Rachide que preferiu partir desta para melhor para não ter que aturar com a brutalidade do partido "libertador". E foi um bom amigo do General Spinola, embora a sua familia fosse originária do Futa-Djalon.
Um abraço amigo,
Cherno AB (**)
Um abraço amigo,
Cherno AB (**)
(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)
_______________
Notas do editor LG:
(*) Vd. poste de 4 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26880: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte VII: Os "turras" têm agora um míssil que abate aviões e helicópteros
8 comentários:
Cherno, essa ideia (errada) que o Cherno Rachide era um agente duplo, decorre da leitura de um documento de 1962, do Arquivo Amílcar Cabral, já aqui reproduzido há muitos anos:
28 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3366: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)
Como na altura escrevi, tratava-se de um documento tosco, não assinado, escrito em francês, com o título "Rapport du voyage"" (relatório da viagem)... O documento tem erros ortográficos e de dactilografia.Às vezes o autor do relatório (alguém que vivia em Conacri...) usa o sistema francês de registo de nomes (Nom + prénom). Nalguns casos, alterámos, sendo o apelido (nom) antecido do nome próprio (prénom): por ex., Dauda Camará (no relatório, Camara Daouda)...
No que diz respeito, ao armamento identificado nos quartéis das NT, é bem possível que o autor se queira referir ao obus (só havia o 8.8). quando fala de canhão grande, e possivelmente a canhão sem recuo quando fala simplesmente de canhão... Também é possível que tenha confundido a metralhadora pesada e antiaérea...
Já na altura era surpreendente, para mim, esta confissão do autor do relatório de que "le grand marabout Thiérno Rachid" (sic) era u,ma "elemento de confiança"...
Creio que o "espião" do PAI / PAIGC (estamos em 1962) quis mostrar serviço ao Amílcar Cabral, já instalado com armas e bagagens em Conacri...
Nunca estive em Aldeia Formosa (passei por Quebo, erm março de 2008, completamente decadente, aí acabava o alcatrão da estrada que vinha de Bissau, e passava por Bambadinca, Xitole, Saltinho...).
Conheci esse imã, em Bambadinca, em 10 de janeiro de 1970: era tido como um dos poderosos aliados dos portugueses, ouvido amiudadas vezes pelo Spínola (dizia-se)... Foi recebido com mesuras e honrarias pelo comando do BCAÇ 2852, batalhão a que a malta da CCAÇ 12 estava a(r)dida...
Havia, por outro lado, o mito de que Aldeia Formosa (Quebo) nunca era atacada pelo PAIGC por deferência, respeito ou temor da figura do Cherno Rachide, ou (segundo outra versão, mais popular entre os meus soldados fulas) devido ao poder (espiritual, mágico-religioso) do Cherno Rachide, que com as orações e os seus mezinhos fazia gorar todas as tentativas de ataque dos turras... A verdade é que Aldeia Formosa será atacada diversas vezes ainda em vida do respeitável e respeitado imã...
Espantoso o que o nosso Cherno nos diz, cinquenta e dois anos depois.
"Dizem que o Cherno Rachide morreu em 1973 para não assistir ao advento da independência com o PAIGC como poder dominante no país. Sorte foi a sua que teve essa visão reservada só aos sábios e visionários, também eu, se tivesse dom e essa capacidade, preferiria morrer a assistir a essa "heresia" que, na Guiné-Bissau, chamaram de libertação nacional.
Liberdade teve o grande Cherno Rachide que preferiu partir desta para melhor para não ter que aturar com a brutalidade do partido "libertador".
Agora digo eu, António Graça de Abreu, alferes milicianos, Guiné, 72/74: Que o grande Alá nos recolha nos seus braços, quando as lágrimas de Jesus caem como chuva nas muralhas de Jerusalém,
Abraço,
António Graça de abreu
Caro amigo Luis Graça, sim concordo, o tal relatório deve ter sido feito por alguém que, na altura, esperava poder mobilizar o mestre Cherno Rachide para a causa do movimento nacionalista, todavia era tempo perdido, pois os fulas em geral tinham seus próprios objectivos e interesses que, não eram, necessariamente, convergentes com os grupos revolucionários da pequena burguesia urbana em Bissau e Bolama. E, de mais a mais, o Cherno Rachide Djaló, era um representante da esfera religiosa e não politica no Chão fula, o que ia na linha do acordo tácito entre os fulas do Gabú e futa-fulas do estado teocrático de Futa-Djalon a quando da guerra contra os reinos Soninquês de Gabu e Braço (B'rassu) e que viria a culminar na batalha de Cansalá (1864). Em consequência, o poder politico teria ficado nas mãos dos fulas (fulacundas) e o poder religioso com os Futa-fulas originários de Futa-Djalon. Essa tradição e pacto politico-religioso serão, mais tarde, postos em causa pelas potências coloniais com o advento da colonização e do acordo da partilha Franco-Português de Maio de1886.
Pelos vistos há uma confusão na identificação da pessoa do Cherno Rachide nas 2 fotos. Na primeira, tenho a certeza que não é ele, pois um imã da sua categoria nunca estaria a contar dinheiro ou oferendas de colas da comunidade, esta tarefa é reservada aos seus seguidores e, sempre, de uma categoria socialmente inferior. O mais provável é que seja o do lado direito do homem indicado na legenda.
Cherno AB
Caro amigo Luis Graça, sim concordo, o tal relatório deve ter sido feito por alguém que, na altura, esperava poder mobilizar o mestre Cherno Rachide para a causa do movimento nacionalista, todavia era tempo perdido, pois os fulas em geral tinham seus próprios objectivos e interesses que, não eram, necessariamente, convergentes com os grupos revolucionários da pequena burguesia urbana em Bissau e Bolama. E, de mais a mais, o Cherno Rachide Djaló, era um representante da esfera religiosa e não politica no Chão fula, o que ia na linha do acordo tácito entre os fulas do Gabú e futa-fulas do estado teocrático de Futa-Djalon a quando da guerra contra os reinos Soninquês de Gabu e Braço (B'rassu) e que viria a culminar na batalha de Cansalá (1864). Em consequência, o poder politico teria ficado nas mãos dos fulas (fulacundas) e o poder religioso com os Futa-fulas originários de Futa-Djalon. Essa tradição e pacto politico-religioso serão, mais tarde, postos em causa pelas potências coloniais com o advento da colonização e do acordo da partilha Franco-Português de Maio de1886.
Pelos vistos há uma confusão na identificação da pessoa do Cherno Rachide nas 2 fotos. Na primeira, tenho a certeza que não é ele, pois um imã da sua categoria nunca estaria a contar dinheiro ou oferendas de colas da comunidade, esta tarefa é reservada aos seus seguidores e, sempre, de uma categoria socialmente inferior. O mais provável é que seja o do lado direito do homem indicado na legenda.
Cherno AB
Corria o mês de julho de 1968. Chegamos a Aldeia Formosa com os Obuzes 140mm. O Major Carlos Azeredo era o comandante. Logo ouvimos falar do Tcherno Rachid, como um homem muito querido da polução, pela sua vida dedicada à religião. Uns dias depois o Major Azeredo, como fazia amiúde foi visitar o Marabu. Quando chegou ao quartel, deu instruções para toda a gente se deslocar para junto da paliçada, a partir das 17,30. Uns minutos depois começamos a ouvir as saídas e os consequentes rebentamentos, longe do quartel, da paliçada envolvente e mais ainda da zona populacional. A "brincadeira" durou até depois da meia-noite, quando já não estava quase ninguém na paliçada. Pelo menos eu, já estava a dormir. Vindos do lado de lá fronteira caíam de vez em quando umas canhoadas. No dia seguinte apareceu o Spínola e só o ouvi perguntar ao Azeredo: nunca pensaste em mandar para lá umas obuzadas? Foi o que aconteceu nessa noite. O destino era uma tabanca fula, do outro lado da fronteira, onde pernoitaram os inimigos. No outro dia de manhã, vi eu, gente com a trouxa à cabeça (refugiados) que se vieram acolher em Aldeia Formosa.
Constava que o comandante do PAIGC local, era sobrinho do Tcherno e por essa razão a tabanca nunca era atacada. Outros diziam que era em respeito pelo Tcherno pela sua forma de ser e pela sua religiosidade.
Uns tempos mais tarde, conheci-o no "batizado" de um bebé que eu ajudei a nascer e num casamento em Mampatá.
De facto, havia uma veneração profunda à sua pessoa.
Zé Teixeira
Caro Graça de Abreu,
Seguramente, são palavras amargas de um homem desiludido, a quem prometeram o céu e a terra, mas que só conheceu o inferno na Guiné-Bissau do Paigc. São palavras de um homem de 65 anos e dos quais 50 foram no pós-independência a olhar pra o céu. Se tivesse a certeza de o poder publicar, escreveria com um punho bem pesado, os meus 'textos satánicos' sobre o que foi a Guiné do Paigc, nos últimos 50 anos. E, creia-me, não seria por menos
.
Jm abraço amigo,
Cherno AB
Cherno, aceito as tuas objeções... Como eu digo, a foto original vem sem legenda... Daqueles três homens um deveria ser o Cherno Rachide. E outro talvez o filho que lhe sucedeu (e que também já morreu). Aliu, se não erro. Temos uma foto dele.
Essa figura religiosa e alguns régulos tinham um relacionamento com Spínola que se pode dizer que tinha passado meia dúzia de anos, uma ideia quase mítica.
Era esse relacionamento, e a frase ligada a esse relacionamento, "A Guiné é dos Guinéus", que durante vários anos, martelou no consciente guineense, até que Nino Vieira resolveu fazer a vontade ao povo.
Tanto os golpistas do assassinato de Amílcar, como o golpe de 14 de Novembro, os dois no interior do PAIGC, foi contra o PAICV, teria sido inspirado em Spínola?
Só que fica a ideia, que historicamente foi tudo fora de tempo e tudo desadequado, tanto esses régulos como Spínola não tinham força para lutar contra tantos "amigos" da Guiné, que como dizia Luís Cabral, não precisamos dos tugas, os nossos amigos vão-nos ajudar.
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