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quarta-feira, 18 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26932: Humor de caserna (201): a vida de um "biafrense" na guerra do ar condicionado de Bissau (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74)



Guiné > Bissau > QG/CTIO > "O "Biafra" fos Sargentos > c. 1973/74 > "Eu  junto às obras da piscina de sargentos que estava a ser construída nas traseiras dos nossos quartos"... Não sabemo se chegou a estar pronta, se foi estreada e usada... Era uma alternativa à piscina do Clube Militar de Oficiais (CMO), a que os sargentos só tinham acesso muito limitado.

Foto (e legenda): © Abílio Magro (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Excerto do poste P11164 (*), adaptado para a série "Humor de caserna" (**) do nosso camarada Abílio Magro (ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG. 1973/74).  Pelo número do cartão (568) de acesso às instalações do QG/CTIG, do Abílio Magro, deduz-se que lá deviam trabalhar centenas de militares e civis.

O Abílio é o mais novo dos 6 manos Valente Magro que "foram á guerra". Três são membros da nossa Tabanca Grande. O mais velho, o Fernando, infelizmente já morreu. O Abílio está entre nós desde 2013.  Vive em Ermesinde.



Humor de caserna - A vida de um "biafrense" na guerra do ar condicionado de Bissau

por Abílio Magro


O sol começava a nascer e ao longe, tenuamente, já se vislumbrava a costa da Guiné e, muito lentamente, o cais do Pidjiguiti tornava-se-me mais nítido e desejado.

Tinha a sensação de estar a regressar finalmente de uma longa ausência em terras inóspitas.

Cacine tinha ficado para trás. Foram poucos dias, eu sei (pareceram-me uma eternidade!), mas deu para "cheirar" ao de leve a guerra e sentir a vida dura do mato.

Senti-me regressar a "casa".

Em terra, aproveitei a boleia de uma das Mercedes que transportavam o pessoal da CCAÇ 3520 e que me deixou perto do QG/CTIG que não ficava longe do "aparthotel" onde estava alojado - o "Biafra". 

Este era um alojamento provisório para quem chegava à Guiné pela primeira vez, ou que estava em trânsito. Eu já contava com 3 meses de Guiné e ainda ali continuava. Talvez as baratas tenham feito alguma pressão nesse sentido.

Embora necessitado de um valente banho, as saudades de uma "bejeca" geladinha falaram mais alto e, deixada a "bagagem" e a G3 na "suite", logo me dirigi ao Bar da Messe de Sargentos que se encontrava ainda fechado, mas que o "barman", vendo o estado lastimoso em que me encontrava e sensível ao meu convincente "choradinho", logo se disponibilizou para procurar a "bejeca" mais gelada que se encontrasse nas redondezas.

Até tinha gelo lá dentro!... "Ganda barman!"...

Bebi-a de um trago, o que fez com que não pudesse ter "cantado o fado" durante uns dias, mas que me soube bem "comó caraças"!

Havia agora que me apresentar ao serviço e recomeçar a minha outra "guerra", a que muitos chamamavam "do ar condicionado" (aproveito para informar que o ar condicionado estava reservado para os gabinetes dos oficiais pois, abaixo disso, aguentávamos com aquelas ventoinhas "gigantolas" penduradas no teto e que, quando avariavam ou faltava a electricidade, nos obrigavam a parar de trabalhar e vir para a rua, o que nos era permitido).

Lavadinho, barbinha feita, calças verdes de terylene, camisinha de manga curta e aberta no pescoço, lá vou eu todo vaidoso apresentar-me ao Chefe do Serviço de Justiça e Disciplina, major dos SGE, Mário Lobão (julgo que, naquela época, os oficiais do SGE eram oriundos da classe de sargentos e que, após frequência de um curso na Escola Central de Sargentos de Águeda, acediam ao oficialato e podiam progredir na carreira até ao posto de tenente- coronel).

Para ir do meu gabinete ao do major, tinha de passar pelo gabinete dos advogados, alferes milicianos. E, ao passar por estes, dizem-me:

 − Não se vá apresentar assim, tem de levar gravata!

Eram uns brincalhões e eu era ainda muito 'pira'..., estão a ver?!

Gravata numa camisa daquelas e naquele clima?! "Gandas tangas. estes tipos!"

Continuei a marcha em direcção ao gabinete do major, entro, "bato-lhe a devida pala" e, quando me apronto para lhe contar as minhas desventuras, o homem levanta-se e vocifera:

− Isso não é assim, vá-se ataviar convenientemente e venha-se apresentar depois!

Se fosse hoje, corria para o computador, entrava no site da CP e comprava bilhete para o primeiro comboio que rumasse a Cacine. (Estou a brincar, não fiquei com saudades daquilo!)

Voltei para trás e, ao passar novamente pelo gabinete dos advogados, ouvi:

−  Está a ver, nós avisámos!

Lá me informaram de como me deveria apresentar ao homem e concluí que tinha mesmo de pôr gravata.

−  Oh,  c'um carago, uma gravata nesta camisa é completamente ridículo! Isto anda tudo 'cacimbado' ou foi a cerveja gelada que me baralhou os neurónios?!

Bom, lá fui ao "Biafra", procurei a farda que tinha trazido da Metrópole, vesti a camisa de manga comprida,  arregaçando-lhe as mangas e coloquei a gravata.

Aquela gravata no meu pescoço fazia tanto sentido como um terço nas mãos do Luis Filipe Vieira!

Resta-me a consolação de ter obrigado o homem a levantar-se para me receber (o respeitinho é muito lindo!).

Quem por lá andou,  sabe que havia algumas personalidades estrambólicas, mas,  pelo que pude constatar nos meus cerca de 18 meses de Guiné, muito poucos oficiais dos SGE tinham semelhantes comportamentos.

E a minha "guerra" lá foi continuando sem grandes sobressaltos. Aaproveito para aqui fazer um pequeno parênteses para vos dar uma ideia geral de como era a vida do pessoal do "ar condicionado".

Na pequena sala onde prestava serviço, com uma ventoinha "matulona" no teto, estavam também 4 escriturários, dos quais dois eram africanos (um civil, ex-guerrilheiro recuperado, e outro do recrutamento local), virados para mim.  E o espaço que existia entre as secretárias deles e a minha, não permitia que circulassem duas pessoas a par. 

A seu lado, estava ainda um 1º sargento de quem já não me recordo o nome e a quem o major parecia ter um ódio de estimação,  chamando-o de "Gebo" e encarregando-o das tarefas mais achincalhantes.

Dava pena vê-lo abeirar-se de mim, cheio de medo e, em surdina, pedir-me qualquer tipo de ajuda sem que o major "topasse". Felizmente para ele faltava pouco tempo para o fim da sua comissão.

A vida dos escriturários não era "pêra doce"! Entravam às 8 ou 9h00 (já não me recordo), destapavam as máquinas de escrever e era um matraquear contínuo até ao fecho do serviço, apenas com intervalo para almoço. 

Imaginem aquelas almas dias e dias seguidos (meses, toda a comissão!), sempre a bater à máquina com um calor insuportável e sem grandes hipóteses de "baldas"! E eu a levar com aquele constante "matraquedo" em cima!

Mas aquela "guerra" lá se foi travando até que surgem indícios de que a "coisa" estava a ficar mesmo feia e que parecia vir a alastrar-se a Bissau, com início de alguma guerrilha urbana, com bombas a rebentar no café Ronda, no QG/CTIG, num autocarro da Base Aérea e uma pseudobomba na Piscina do Clube dos Oficiais. (...)

(Seleção, revisão/ fixação de texto, título: LG)

 ____________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 27 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11164: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (6): Regresso a Bissau

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Havia, pois,um outro "Biafra", o da classe de sargentos.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não confundir com os Adidos, que eram em Bra.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos Filipe Gonçalves, lembras-te desta piscina ? Chegou a ter água ( sem da chuva) ?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Beng 447 não estava a contar que a guerra acabasse mais cedo...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ou então estava já a trabalhar para os arqueólogos do séc. XXI...