Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 12 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P747: Metade da CCAÇ 6 (Bedanda, 1967/74) foi fuzilada (Hugo Moura Ferreira, ex-alf mil, CCAÇ 1621, Cufar, e CCAÇ 6, Bedanda, 1966/68)
Caros amigos:
Tudo o que ambos [António Duarte e Luís Graça] afirmam é a verdade, pura e crua!
Eu também tenho conhecimento através de quem por lá esteve, como cooperante militar, já depois do 25 Abril, com instruções para que usasse da postura dos três macacos (não ver, não ouvir e não falar), que o mesmo aconteceu a metade dos nossos homens guineenses, não só graduados, da CCAÇ 6, de Bedanda. Alguns deles eram meus Amigos. Poderia aqui mencionar uma data deles, mas talvez um dia se faça justiça e os seus nomes venham a integrar a triste lista que se encontra gravada no Monumento do Forte do Bom Sucesso.
E, se querem confirmação, é só ouvirem os relatos do Seni Candé, que pertencia ao pelotão de Milícias destacado naquela Companhia, inseridos nos posts do Jorge Neto no seu Africanidades e nomeadamente em 8.2.06 e 25.1.06, sob os títulos Seni Candé - Iludido pelo Destino e O Canto dos Daris do Sul, respectivamente, em parte reproduzidos no nosso blogue (1).
Este, e se calhar outros, não foi ele visitar e ouvir, pois que ele vive tão longe, no Cantanhez, a seis horas de caminho de Bissau. Desculpem esta ironia, mas não me resta outro sentimento depois de ter andado ansioso por ver o que a RTP tinha para nos mostrar e depois... depois... depois... Sim, depois NADA ou quase nada.
É a tal coisa, ninguém tem a coragem. Será que só no tempo da guerra é que ela existia? É o mesmo que se está a passar com a célebre Lei 9. Não há coragem!!!
Desculpem o estado de espírito.
Um abraço para todos.
Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf (1966/1968)
CCAÇ 1621 e CCAÇ 6
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Nota de L.G.
(1)Vd post de 8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DVI: As (des)venturas de Seni Candé (Jorge Neto)
Guiné 63/74 - P746: Procissão em Canjadude ou devoção mariana em tempo de guerra (José Martins)
Texto e fotos do
© José Martins (2006)
Caros camaradas
Com o aproximar das celebrações Marianas, envio um texto, de REFREGA (livro meu de memórias, não publicado) que relembra uma procissão em Canjadude (1) em 1969, ou seja, há 37 anos.
Um Abraço
José Martins
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PROCISSÃO EM CANJADUDE
Todas as unidades a nível de batalhão ou escalão superior incluíam no seu quadro de pessoal um sacerdote católico romano que, depois de uma breve instrução militar na Academia Militar e graduado no posto de Alferes, acompanhava as unidades combatentes para África, para as apoiar moral e religiosamente durante a sua comissão de serviço (2).
Na zona onde se encontrava a minha companhia, Nova Lamego, o capelão do batalhão ali estacionado e que dirigia a actividade daquele sector, era o padre Libório, natural dos Açores, que, na sua missão de visitas de rotina a todos os destacamentos da área do Batalhão, se encontrava a passar uns tempos em Canjadude.
Na manhã de 12 de Maio de 1969, logo ao pequeno almoço, confidenciou que gostaria de fazer uma cerimónia especial nesse dia, já que se celebrava o 51º aniversário da primeira aparição, em Fátima, de Nossa Senhora aos pastorinhos.
Não seria necessário repetir. Com a amizade e respeito que todos nutriam por ele e, ainda na sua qualidade de hóspede, os seus desejos eram ordens para qualquer um dos militares, independentemente do posto e mesmo posicionamento perante a religião. O que se iria realizar, e cujos planos e preparativos ali mesmo começaram a ser traçados, iria exceder a expectativa, não só do capelão, mas de todos os que assistiram.
Um pequeno barril de vinho foi serrado ao meio para, com a ajuda de duas varas, servir de base ao andor. Esta base foi revestida de verduras, já que não havia flores para ornamentar o andor. Para servir de base à imagem, e para a fazer sobressair sobre o rebordo da meia pipa, foi colocada uma pilha de um emissor/receptor AN-PRC/10 que com as medidas de 25x25x6 centímetros, mais ou menos, e que também serviu para alimentar um pequeno projector com que a imagem foi iluminada.
Este projector eram restos de um bombardeiro T-6 que se tinha despenhado numa zona próxima do destacamento e que a companhia tinha ajudado os mecânicos da Força Aérea a retirar do local e que por ali ficou, com outros destroços irrecuperáveis.
Se nos outros dias se notava uma necessidade louca que o tempo voasse para riscar mais um dia do calendário, aquele dia parecia que nunca mais passava. Notava-se alguma agitação em todos os rostos.
Ao jantar, e ainda que o dia ainda fosse bastante claro, já os militares se apresentavam com fardas lavadas, antecipando o momento de se incorporarem na procissão.
Quando a noite caiu, o padre Libório paramentou-se e deu início à cerimónia. Depois de uma breve alocução que serviu não só como preparação para os católicos, mas fundamentalmente como explicação para os muçulmanos que estivessem presentes, deu início à procissão.
Na frente, a abrir, seguiam as flâmulas dos pelotões da companhia. Seguiam-se os fiéis, com as suas velas acesas, o andor iluminado de Nossa Senhora, logo seguido do sacerdote que ia dirigindo as orações e cânticos.
A procissão saiu do edifício onde estava instalado o Comando e outros serviços, e iria percorrer uma área interna do destacamento, onde não houvesse o perigo de queda na rede de valas que ligavam os vários abrigos.
Calmamente e sem que tal estivesse previsto, os elementos que abriam o cortejo digiram-se para o cavalo de frisa que separava a parte militar da parte civil, entrando na tabanca pelo caminho que a atravessava.
Rezando e cantando, a procissão percorreu o caminho que levava à porta sul, tantas vezes percorrido pelas patrulhas quando se dirigiam para efectuarem operações para aqueles lados. Chegando ao fim do caminho, circundou uma árvore enorme, à sombra da qual se davam reuniam os homens grandes, regressando pelo mesmo caminho até ao aquartelamento.
Se no percurso de ida o caminho estava ladeado pela população que tinha acorrido, não só atraído pelas ladainhas e cânticos, mas também pelo cortejo de luz que as velas proporcionavam, no regresso pouca gente se via. Poucas pessoas estavam a ladear o caminho.
Feitas as orações finais e quando o padre Libório se voltou para os militares para proferir a despedida, ficou surpreso, direi mesmo espantado. Na sua frente estavam quase todos os habitantes civis que, tendo à frente os seus sacerdotes, com os seus terços, rezando a Alá, se foram integrando no cortejo, fazendo daquela procissão, um acto ecuménico espontâneo.
Terminada a cerimónia, os homens grandes dirigiram-se ao padre e ao comandante para partir mantanha (cumprimentar), dizendo que tinha sido um grande ronco (festa).
Quando todos começaram a dispersar, a foco de luz que iluminava a imagem da Santa apagou-se subitamente, como que a lembrar-nos que naquele local, em pleno mato africano, a par da devoção, que tínhamos acabado de demonstrar, havia a obrigação, ou seja, teríamos que voltar a vestir a pele de soldados e regressar às nossas tarefas.
José Martins
Ex-Furriel Miliciano de Transmissões
CCAÇ 5, Canjadude (1968/70)
26 de Agosto de 2002
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Notas de L.G.
(1) Canjadude: ficava entre Nova Lamego (Gabu Sara) e Cheche, no Rio Corubal.
(2) A experiência de capelania nem sempre correu bem, do ponto de vista do Exéricto e da Igreja Católica...
Já aqui citámos dois casos de capelões, expulsos do exército:
(i) O Padre Poím (Bambadinca, BART 2917, 1970/72)
(ii) e o Padre Mário (mais tarde conhecido como Padre Mário da Xira) (Mansoa, BCAÇ 1912, 1967/1968): vd post de 27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa)
quinta-feira, 11 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P745: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)
1. Caro Luís Graça,
Sou o António Duarte, ex-furriel atirador da CART 3493 e da CCAÇ 12 (1). Quero dizer-te que tenho uma nova religião, que passa por todos os dias ver o nosso blogue (peço desculpa pelo nosso, mas já o sinto como tal).
Tenho escrito muito pouco, porque o tema ainda me incomoda, mas gostava de dar duas notas [a segunda, a ser publicada noutro post, tendo a ver com a contagem do tempo para a reforma].
A primeira prende-se com o programa [da RTP 1, Órfãos de Pátria, que passou na 3ª feira]. Partilho das opiniões já expressas, traduzidas pela expressão muita parra e pouca uva. Foi pobre na forma e no conteúdo. Foi superficial e não quis ser politicamente incorrecto.
Sem querer alongar-me, gostava de apresentar um exemplo. O programa foca-se exclusivamente nos comandos africanos e, tanto quanto sei, os graduados das CCAÇ africanas, de origem local, foram também fuzilados.
Esta informação foi-me prestada por um estudante guineense, meu contemporâneo no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão (ex-ISE). Referia esse jovem, que era natural de Bafatá, que grande parte dos graduados da CCAÇ 21 foram fuzilados.
Ora, para nós, ex-militares da CCAÇ 12, esta situação toca-nos profundamente, pois em 1973 esta companhia [a CCAÇ 21], que ficou em Bambadinca comandada pelo Ten Jamanca [ex-comando africano], foi constituída, tendo por base furriéis que eram ex-cabos da CCAÇ 12 (na época colocada no Xime).
Com a ausência de referências aos outros fuzilamentos, fica a ideia de que se tratou de uma mera perseguição aos homens dos Comandos Africanos, o que realmente não foi. Foi muito mais do que isso.
Este assunto, para ser tratado num órgão de informação como a TV, merecia mais. Deveria ter uma forte componente política, onde provavelmente os governos de Portugal iriam ser responsabilizados sobretudo pelas omissões.
O comandante da nossa Marinha ainda aflorou o assunto, mas o jornalista não pegou. Acho que mais para a frente poderemos voltar ao tema.
(...) E por hoje deixo-vos com um abraço de camaradagem,
António Duarte
2. Comentário de L.G.:
O António Duarte (que foi furriel miliciano na CCAÇ 12 na fase final, depois de transitar da CART 3493, que esteve em Mansambo) vem lembrar que em Bambadinca (e um pouco por todo o lado), os que foram encostados ao trágico poilão por onde passávamos muitas vezes, não foram apenas os comandos africanos mas também os nossos nharros da CCAÇ 12 (que foram constituir novas unidades, como a CCAÇ 21), e se calhar dos Pel Caç Nat 52, 53, 54, 63...
Sou o António Duarte, ex-furriel atirador da CART 3493 e da CCAÇ 12 (1). Quero dizer-te que tenho uma nova religião, que passa por todos os dias ver o nosso blogue (peço desculpa pelo nosso, mas já o sinto como tal).
Tenho escrito muito pouco, porque o tema ainda me incomoda, mas gostava de dar duas notas [a segunda, a ser publicada noutro post, tendo a ver com a contagem do tempo para a reforma].
A primeira prende-se com o programa [da RTP 1, Órfãos de Pátria, que passou na 3ª feira]. Partilho das opiniões já expressas, traduzidas pela expressão muita parra e pouca uva. Foi pobre na forma e no conteúdo. Foi superficial e não quis ser politicamente incorrecto.
Sem querer alongar-me, gostava de apresentar um exemplo. O programa foca-se exclusivamente nos comandos africanos e, tanto quanto sei, os graduados das CCAÇ africanas, de origem local, foram também fuzilados.
Esta informação foi-me prestada por um estudante guineense, meu contemporâneo no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão (ex-ISE). Referia esse jovem, que era natural de Bafatá, que grande parte dos graduados da CCAÇ 21 foram fuzilados.
Ora, para nós, ex-militares da CCAÇ 12, esta situação toca-nos profundamente, pois em 1973 esta companhia [a CCAÇ 21], que ficou em Bambadinca comandada pelo Ten Jamanca [ex-comando africano], foi constituída, tendo por base furriéis que eram ex-cabos da CCAÇ 12 (na época colocada no Xime).
Com a ausência de referências aos outros fuzilamentos, fica a ideia de que se tratou de uma mera perseguição aos homens dos Comandos Africanos, o que realmente não foi. Foi muito mais do que isso.
Este assunto, para ser tratado num órgão de informação como a TV, merecia mais. Deveria ter uma forte componente política, onde provavelmente os governos de Portugal iriam ser responsabilizados sobretudo pelas omissões.
O comandante da nossa Marinha ainda aflorou o assunto, mas o jornalista não pegou. Acho que mais para a frente poderemos voltar ao tema.
(...) E por hoje deixo-vos com um abraço de camaradagem,
António Duarte
2. Comentário de L.G.:
O António Duarte (que foi furriel miliciano na CCAÇ 12 na fase final, depois de transitar da CART 3493, que esteve em Mansambo) vem lembrar que em Bambadinca (e um pouco por todo o lado), os que foram encostados ao trágico poilão por onde passávamos muitas vezes, não foram apenas os comandos africanos mas também os nossos nharros da CCAÇ 12 (que foram constituir novas unidades, como a CCAÇ 21), e se calhar dos Pel Caç Nat 52, 53, 54, 63...
No nosso tempo já havia ou dois três soldados arvorados por cada grupo de combate da CCAÇ 12... Mais tarde passaram a cabos e, em segunda comissão, foram promovidos a furriéis, ao que parece na CCAÇ 21, comandada pelo comando Jamanca...
Dos soldados arvorados da CAÇ 12 estou-me a lembrar do Abibo Jau, do Vitor Santos Sampaio (um dos raros que não era fula, era mancanhe, um reguila de Bissau...), o Mamadu Baló, o Alfa Baldé, o Mamadu Baldé, o Braima Bá, o Totala Baldé, o Mamadu Jau, o Saljo Baldé, o Samba Só, o Quecuta Colubali...
O único cabo era o bom do Zé Carlos Suleimane Baldé, que estudava português que se fartava para chegar a graduado... É provável que muitos destes homens e nossos camaradas (alguns, ainda putos, quando eu os conheci em Contuboel) tenham sido fuzilados no poidão de Bambadinca...
Esta é a parte feia, macabra e trágica da história da nossa guerra... Ainda hoje os guineenses têm dificuldade em falar disto... As testemunhas, os figurantes, os actores, os executantes, os mandantes... Se calhar todos têm medo de falar, por vergonha, culpa, cobardia ...
Nós, amigos e camaradas da Guiné, temos a obrigação de falar - com emoção, mas também com dignidade moral e elevação intelectual, com serenidade... Até para os ajudar a fazer o luto (individual, familiar, colectivo)...
___________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 18 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DLXI: Um periquito da CCAÇ 12 (António Duarte / Sousa de Castro)
Dos soldados arvorados da CAÇ 12 estou-me a lembrar do Abibo Jau, do Vitor Santos Sampaio (um dos raros que não era fula, era mancanhe, um reguila de Bissau...), o Mamadu Baló, o Alfa Baldé, o Mamadu Baldé, o Braima Bá, o Totala Baldé, o Mamadu Jau, o Saljo Baldé, o Samba Só, o Quecuta Colubali...
O único cabo era o bom do Zé Carlos Suleimane Baldé, que estudava português que se fartava para chegar a graduado... É provável que muitos destes homens e nossos camaradas (alguns, ainda putos, quando eu os conheci em Contuboel) tenham sido fuzilados no poidão de Bambadinca...
Esta é a parte feia, macabra e trágica da história da nossa guerra... Ainda hoje os guineenses têm dificuldade em falar disto... As testemunhas, os figurantes, os actores, os executantes, os mandantes... Se calhar todos têm medo de falar, por vergonha, culpa, cobardia ...
Nós, amigos e camaradas da Guiné, temos a obrigação de falar - com emoção, mas também com dignidade moral e elevação intelectual, com serenidade... Até para os ajudar a fazer o luto (individual, familiar, colectivo)...
___________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 18 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DLXI: Um periquito da CCAÇ 12 (António Duarte / Sousa de Castro)
Guiné 63/74 - P744: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (7): A ida ao Morés: atenção, heli, aqui tropa à rasca
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Alouette III, a descolar do heliporto local. O piloto era o Coelho, diz a legenda do fotógrafo. No mato, em operações, o helicóptero era o nosso anjo da guarda, como muito bem diz o Paulo Raposo. A sua presença era sempre securizante e protectora. Até ao dia em que começaram a ser abatidos, nos primeiros meses de 1973, pelos foguetões terra-ar e nós perdemos a nossa supremacia aérea... (LG).
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
VII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 22-25 (1).
5. A nossa ida ao Santuário do inimigo, no Morés:
Durante uma semana, a Força Aérea tinha estado a bombardear os objectivos. Após este bombardeamento, organizou-se uma grande operação, formada por várias companhias. Umas iam pelo Norte e outras pelo Sul.
Nós saímos de madrugada, de Mansabá, conjuntamente com outra companhia, depois de uma noite dormida no chão, em quartel alheio. Logo depois de sairmos dei por falta de um soldado. Até ao fim da operação fiquei sem saber o que se tinha passado com ele. Tinha ficado para trás no bem bom. O susto e a responsabilidade foram grandes.
Para esta operação, a Força Aérea tinha deslocado muitos meios, DO e helis. A meio do dia tivemos contacto com o inimigo. Depois do tiroteio, perdemos o contacto com os nossos da frente, e eu fico para trás, com apenas uma secção e alguns africanos. Para nossa salvação, tínhamos ficado com o banana, nome que dávamos ao rádio que fazia a ligação à Força Aérea.
A curta distância vimos passar o inimigo, com as armas às costas, a fugirem. Nem eles nem nós fizemos fogo.
Passados estes momentos, seguimos um trilho que julgávamos ser o da companhia. Um africano disse logo:
- Por aí não, Alfero, que é caminho de turra.
Vejo-me perdido. Agarro no banana e, sem saber os códigos, chamo a Força Aérea:
- Atenção heli, aqui tropa à rasca.
Instantes depois, Nossa Senhora mandou-nos o nosso Anjo da Guarda, na forma de um heli. Acenámos e pedimos via rádio para voar em círculo por cima do local onde estava a companhia. E foi assim que nos juntámos a eles.
Logo de seguida vá de sair dali, uma vez que estávamos localizados. Durante toda a noite andámos pelo mato denso com os mosquitos agarrados aos ouvidos e com os ramos que os da frente afastavam, a baterem-nos continuamente na cara. Foi um suplício de noite. Só parámos na estrada que ligava Mansabá a Mansoa. Deve ter sido a noite mais penosa que passei na minha vida.
6. Havia na estrada entre Mansoa e Mansabá, um aquartelamento a nível do grupo de combate, perto de um trilho inimigo que passava perpendicular à estrada, chamado Cutia. Era uma zona perigosa.
Um belo dia, mandaram-nos, a nível da companhia, fazer uma emboscada durante toda a noite nesse trilho, para criar insegurança ao inimigo. Foi um pesadelo de noite.
Choveu toda a noite, ficámos molhados até aos ossos e com os mosquitos a morderem-nos os ouvidos o tempo todo. Se o inimigo por lá tivesse passado, teria sido um desastre. Hoje vejo os rapazes a perderem noites em discotecas, com toda a ligeireza.
7. Uma operação:
As operações ou patrulhamentos tinham como objectivo manter o inimigo em respeito e longe das nossas posições. Em Mansoa nunca perdemos a nossa capacidade ofensiva. Saíamos normalmente do quartel para as operações pela meia noite.
Quando estávamos no melhor do sono vá de levantar. Passávamos a noite toda a andar, dormíamos mais uma noite no mato, e regressávamos cheios de fome e de sede no dia seguinte. Aquelas noites no mato eram o pior que podíamos ter, ora os mosquitos ora as formigas não nos davam descanso. Se tivéssemos a azar de pisar um formigueiro, estas subiam-nos pelas pernas acima e mordiam-nos todos. Tínhamos de nos despir e retirar as formigas o melhor que podíamos. Isto, é claro, sempre sem fazer barulho e às escuras.
Há histórias de soldados que se queixaram de sentir cobras a passearem-lhe por cima enquanto estavam deitados à noite.
Como calçado, tínhamos umas botas de lona com piso de borracha, que se desgastava rapidamente. O pé andava sempre à vontade. Calçar novamente sapatos de couro era uma tortura para os pés.
_________
Nota de L.G.
(1) Vd último post, de 8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (6); Mansoa, baptismo de fogo
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
VII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 22-25 (1).
5. A nossa ida ao Santuário do inimigo, no Morés:
Durante uma semana, a Força Aérea tinha estado a bombardear os objectivos. Após este bombardeamento, organizou-se uma grande operação, formada por várias companhias. Umas iam pelo Norte e outras pelo Sul.
Nós saímos de madrugada, de Mansabá, conjuntamente com outra companhia, depois de uma noite dormida no chão, em quartel alheio. Logo depois de sairmos dei por falta de um soldado. Até ao fim da operação fiquei sem saber o que se tinha passado com ele. Tinha ficado para trás no bem bom. O susto e a responsabilidade foram grandes.
Para esta operação, a Força Aérea tinha deslocado muitos meios, DO e helis. A meio do dia tivemos contacto com o inimigo. Depois do tiroteio, perdemos o contacto com os nossos da frente, e eu fico para trás, com apenas uma secção e alguns africanos. Para nossa salvação, tínhamos ficado com o banana, nome que dávamos ao rádio que fazia a ligação à Força Aérea.
A curta distância vimos passar o inimigo, com as armas às costas, a fugirem. Nem eles nem nós fizemos fogo.
Passados estes momentos, seguimos um trilho que julgávamos ser o da companhia. Um africano disse logo:
- Por aí não, Alfero, que é caminho de turra.
Vejo-me perdido. Agarro no banana e, sem saber os códigos, chamo a Força Aérea:
- Atenção heli, aqui tropa à rasca.
Instantes depois, Nossa Senhora mandou-nos o nosso Anjo da Guarda, na forma de um heli. Acenámos e pedimos via rádio para voar em círculo por cima do local onde estava a companhia. E foi assim que nos juntámos a eles.
Logo de seguida vá de sair dali, uma vez que estávamos localizados. Durante toda a noite andámos pelo mato denso com os mosquitos agarrados aos ouvidos e com os ramos que os da frente afastavam, a baterem-nos continuamente na cara. Foi um suplício de noite. Só parámos na estrada que ligava Mansabá a Mansoa. Deve ter sido a noite mais penosa que passei na minha vida.
6. Havia na estrada entre Mansoa e Mansabá, um aquartelamento a nível do grupo de combate, perto de um trilho inimigo que passava perpendicular à estrada, chamado Cutia. Era uma zona perigosa.
Um belo dia, mandaram-nos, a nível da companhia, fazer uma emboscada durante toda a noite nesse trilho, para criar insegurança ao inimigo. Foi um pesadelo de noite.
Choveu toda a noite, ficámos molhados até aos ossos e com os mosquitos a morderem-nos os ouvidos o tempo todo. Se o inimigo por lá tivesse passado, teria sido um desastre. Hoje vejo os rapazes a perderem noites em discotecas, com toda a ligeireza.
7. Uma operação:
As operações ou patrulhamentos tinham como objectivo manter o inimigo em respeito e longe das nossas posições. Em Mansoa nunca perdemos a nossa capacidade ofensiva. Saíamos normalmente do quartel para as operações pela meia noite.
Quando estávamos no melhor do sono vá de levantar. Passávamos a noite toda a andar, dormíamos mais uma noite no mato, e regressávamos cheios de fome e de sede no dia seguinte. Aquelas noites no mato eram o pior que podíamos ter, ora os mosquitos ora as formigas não nos davam descanso. Se tivéssemos a azar de pisar um formigueiro, estas subiam-nos pelas pernas acima e mordiam-nos todos. Tínhamos de nos despir e retirar as formigas o melhor que podíamos. Isto, é claro, sempre sem fazer barulho e às escuras.
Há histórias de soldados que se queixaram de sentir cobras a passearem-lhe por cima enquanto estavam deitados à noite.
Como calçado, tínhamos umas botas de lona com piso de borracha, que se desgastava rapidamente. O pé andava sempre à vontade. Calçar novamente sapatos de couro era uma tortura para os pés.
_________
Nota de L.G.
(1) Vd último post, de 8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (6); Mansoa, baptismo de fogo
Guiné 63/74 - P743: Aos nossos queridos nharros (Zé Teixeira)
Guiné > Zona Leste >Sector L1 > Estrada Xime-Bambadinca > 1970 > Coluna auto da CCAÇ 12 nas proximidades da tabanca fula, em autodefesa, de Amedalai.
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
1. Em pleno chão fula, foram os balantas, os beafadas e os mandingas que aderiram mais facilmente (ou foram condenados a aderir) à guerrilha. Os fulas, pelo contrário, reforçaram a sua velha aliança secular com os tugas. Fulas e balantas cultivavam um ódio de estimação. Eu, pessoalmente, nunca consegui falar, olhos nos olhos, a um balanta de Nhabijões (1)...
Os demónios étnicos e velhas contas por liquidar vieram, infelizmente, ao de cima, a seguir à nossa saída da Guiné. Bambadinca, tal como no início da guerra, em 1963, foi depois da independência palco de crimes contra a humanidade, nomeadamanente de execuções sumárias de dirigentes fulas, de ex-comandos e outros ex-militares que estiveram integrados nas NT. Ou seja, desta vez, de sinal contrário. A extensão destes crimes está por investigar.
Provavelmente nunca chegaremos a conhecer toda a verdade dos crimes praticados nas décadas de 1960 e 1970 na Guiné, por nós e pelo PAIGC, em nosso nome e em nome do PAIGC. Os fuzilamentos do Cumeré, de Bambadinca e de outros sítios, praticados por ou em nome dos guerrilheiros no poder, não podem todavia fazer esquecer, ignorar ou branquear a repressão exercida pelas autoridades coloniais no início da guerra: Samba Silate e Poidon, por exemplo, não honram a memória dos tugas. Foram lugares de massacres no início da guerra (1).
Eu não estava lá, mas os meus meus nharros, os mais velhos, os homens grandes, contavam-me estórias desse tempo, do terror branco de Bambadinca. Terror branco ou crioulo, já que a administração colonial da Guiné era basicamente preenchida por funcionários oriundos de Cabo Verde, ou de origem caboverdiana... Na Missão do Sono de Bambadincazinha, a G-3 a tiracolo, enquanto fazíamos horas para o sol esplendoroso de África aparecer e fazer espantar os nossos medos e os nossos fantasmas nocturnos. E com aquela espécie de inocência de criança com que os fulas falavam destas coisas trágicas e macabras da guerra e da morte aos senhores da Guiné, que eram os tugas...
Tive as relações mais afáveis, afectuosas e cordiais que me foi possível manter com os fulas, com os meus queridos nharros, mas eu sabia que as relações entre iguais, logo as relações de amizade, eram impossíveis entre nós: eu, fardado, representava uma potência estrangeira, colonial; eles, fardados, soldados de 2ª classe, pertenciam a um tempo e a mundo que já não existia... Os fulas estavam condenados pela história: infelizmente, eles não tinham alternativa... Corrompidos pelo poder colonial, cinduzidos pelos seus altos dignatários a um beco sem saída, os fulas acabaram por escolher o lado errado da barricada. Nem mesmo neutrais eles poderiam ter sido...
Enfim, especulo: que sei eu, ao fim e ao cabo, das complexas relações das principais etnias da Guiné, entre si, e com o poder colonial, durante os anos de guerra ?!... No entanto, subscrevo, de coração aberto, o belíssimo e texto que o Zé Teixeira me enviou e que passo a inserir no blogue... O Zé foi talvez dos poucos que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal e pelas suas qualidades humanas), consegui saltar a barreira da espécie: ele, tuga, foi aceite e amado pela população fula, e ainda hoje tem verdadeiros amigos fulas...
Devo acrescentar que o termo nharro, que nós usávamos no nosso calão militar da Guiné, e nomeadamente na zona leste, não tinha propriamente uma conotação racista... Não era sinónimo de preto ou de barrote queimado... Enfim, tudo dependia da entoação... Não sei qual é a origem do termo, provavelmente é crioulo da Guiné. Ele ainda não consta do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, mas continua a fazer parte da língua portuguesa viva... Já o vi traduzido por gandarro, massaro, pessoa ignorante, sem conhecimentos, num sítio brasileiro ... Continua a fazer parte do calão dos nossos jovens urbanos e suburbanos... Já vi inclusive a utilização do termo como adjectivo: um tuga nharro (ou português ignorante)... (LG)
2. Texto do José Teixeira
Luís: Saúde, paz e felicidade.
Após algum silêncio... É bom dar espaço a outros, ler e apreciar e reviver a Guiné de outrora nos seus testemunhos e as suas histórias.
Volto de novo para entrar na onda que passa sobre os antigos combatentes nativos, que recordo com saudade, que admiro e e a quem presto a minha homenagem.
Recordo os que tive o prazer de rever, abraçar e com, eles recordar bons momentos (hoje, são todos bons, esses momentos), porque guera na passa manga di tempu e ainda estamos vivos, com há um ano [em 2005] me dizia um turra, embora muitos deles e de nós, tenham no corpo o ferrete desse tempo e que teima em não desaparecer Se vires que tem interesse para entrar no Blogue.. .
Um abraço fraterno,
Zé Teixeira
___________
Aos nossos queridos nharros... Tropa africana que connosco deram o seu sangue suor e lágrimas, por Portugal, com toda a carga emotiva, de carinho e afecto que a palavra nharro possa conter.
O programa aparecido na TV (2) teve pelo menos o condão de nos pôr a reflectir, a nós que durante cerca de dois anos convivemos diariamente com a tropa africana, fiel a Portugal e não ao regime, como alguns tentam deixar passar.
O conceito de mãe-pátria, Metrópole, Lisboa, estava arreigada naquela gente, não pelos políticos, mas pelos portugueses brancos que por lá foram passando, muitos dos quais para cumprir penas de índole criminal e quantas vezes por estarem em desacordo com os políticos e as políticas exercidas em Portugal.
Era um conceito forte, de esperança e de orgulho. Foi com eles que eu aprendi quanto se deve respeitar a bandeira do meu País. Com que orgulho eles a saudavam (e toda a população) no hastear e arrear diário. Gesto que ainda hoje se repete. Há um ano em Bissau pude testemunhar o toque de hastear no quartel da Amura e a reacção de toda a população na rua exterior, até onde era possível ouvir o toque.
Era este conceito de filhos de Portugal, aliado naturalmente à propaganda da época e aos benefícios financeiros que os faziam alinhar ao nosso lado com a sua experiência e conhecimento de logística local, dos carreiros das tabancas inimigas, dos perigos desconhecidos para um europeu ingénuo, para quem tudo era estranho, desde o clima ao modo de estar em sociedade, à floresta com os seus segredos e perigos, às técnicas de guerrilha usadas pelo adversário.
Pergunto:
- Quem de nós, periquitos, não sentiu ao chegar, uma mão amiga, um sorriso e um alerta para um eventual perigo ?
- Quem nos orientava na Tabanca, na busca de uma lavandera bonita e jeitosa ?
- Quem nos avisava dos perigos da floresta, abelhas, formigas, cobras ? (Aos bloguistas que se deram ao trabalho de lerem o meu diário (3), recordo a cena do ataque de abelhas e a forma como um milícia cujo rosto não fixei que me agarrou por um braço, me escondeu atrás de uma árvore e me aconselhou a ficar rigidamente quieto até elas, as abelhas, se irem embora. Foi assim que aprendi a não ter medo de abelhas e tanto jeito me fez no segundo ataque que sofri mais tarde.)
- Quem nos indicava à chegada o melhor sítio para tomar banho, no rio para tomar banho sem correr perigo ?
- Quem nos arranjava os frangos e os cabritos para as tainas, para esquecer as mágoas ?
- Quem se prontificava a ajudar o colega do morteiro, o enfermeiro ( Bons amigos que tive e recordo com saudade), no transporte do equipamento, etc ?
- Quem ainda hoje apesar de tão desprezados pela mãe-pátria, como costumavam dizer, nos recebem com um carinho e afecto, que só quem lá foi consegue entender e apreciar ? (Vi e senti lágrimas, recebi abraços longos e quentes, passados 35 anos de separação).
- Quem servia o meu País e desprezava o seu país, deixando mulheres e filhos da outra banda (Kebá de Empada, meu querido amigo, recordo as conversas que tive contigo, sobre as tuas duas mulheres e os teus filhos que optaram pelo outro lado, quanto tu sofrias quando eras atacado! Porque te recusavas a ir comigo para o mato!).
- Quem, debaixo de fogo, avançava de peito aberto para o Inimigo (eu
testemunhei), protegendo-nos (quantos de nós tão acagaçados, que não cabia um feijão no buraquinho) convencidos que era esse o caminho certo para o seu País ?
- Quem vergonhosamente os abandonou, deixando que tantos fossem assassinados pelos seus conterrâneos, só porque estavam do lado errado, quando politicamente correcto Portugal admitiu que não tinha saída, a não ser dar a oportunidade a um povo de construir e seguir o seu próprio destino ?
- Quem a partir desse momento os deixou órfãos de Pátria, obrigando-os a irem procurar a sua pátria que até então lhe garantiam não existir, sem qualquer preocupação de lhe dar o prémio merecido por tudo quanto fizeram em nome e para Portugal ?
- Quem lhe traiu todas as promessas de uma Guiné melhor, com Portugal ?
Sinto vergonha. Estão-me na memória, os Sambá, os Adbulai, os Ussumane, os Amadu, os Aliu, os Braima, os Mamadu, tantos outros, que conheci e com quem convivi sadiamente, que me acompanharam em tantos encontros com o adversário e que merecem ser considerados filhos de Portugal, pelo que fizeram, pelo que sentiam e ainda sentem, pela alegria que expressam quando nos vem chegar.
Quantos deles assassinados por incúria de Portugal, quantos andaram anos fugidos no mato, deixando a família nas mãos dos adversários, quantos ainda não reconstruíram as suas vidas, quantos sofrem o stress de guerra, quantos morreram à fome, quantos passam fome, por falta de trabalho. Não sabiam fazer mais nada a não ser guerra.
Telefonou-me há dias o Quintino Procel, de Empada. Esse conseguiu fazer no meu tempo a 4ª classe e seguiu a carreira de enfermeiro, sendo hoje o enfermeiro-chefe em Canjadude. Quando em 2005 passei por Empada, procurei-o.
Alguém o informou da minha presença e o seu telefonema chegou um ano depois:
- Tissera, tu vai na Guiné e não fala comigo ? Eu na tem casa em Canjadude. Bó na vem e firma lá. Eu fico triste, manga dele, por não ver Tissera. - Foram estas palavras que guardei no coração passados 35 anos.
Creio que ainda há algum tempo para Portugal olhar para esta gente. Não pode desperdiçar esta oportunidade.
Creio que nós, antigos combatentes, ainda podemos fazer algo por eles. No mínimo ir visitá-los(os que puderem), testemunhar-lhes a nossa amizade, tanto quanto eles nos deram a deles. Permitir que sintam e vivam essa alegria de não sentirem que foram esquecidos, por aqueles que, como eles, deram sangue, suor e lágrimas, por uma Pátria que, não sendo actualmente a deles, se deve sentir orgulhosa de os ter tido como filhos, embora de 2ª...
Zé Teixeira
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos
(...) "Há uns anos atrás, nos anos do terror, ser encontrado fora da sua tabanca ou do seu perímetro, de catana na mão ou faca de mato à cintura - que é ronco ou adorno para um balanta que se preze - , eis um belo pretexto para um balanta ser preso, levado para o posto administrativo de Bambadinca, sumarianente interrogado e às vezes, hélàs!, mais sumariamente ainda liquidado.
"A justificação era simples, segundo os meus nharros: "um balanta a menos, era um turra era menos" (sic)… Admito que haja aqui alguma dose de fanfarronice e de exagero, por parte dos fulas, históricos inimigos e vizinhos dos balantas… Mas não há fumo sem fogo: estas histórias parecem-me ter consistência…
"Donde esta hostilidade passiva que julgo poder ler nos olhos e nas atitudes da população de Nhabijões que alimenta a guerrilha, em homens e mantimentos, provavelmente mais por razões de parentesco do que por simpatia para com o PAIGC: ao avistarem-me, fardado, na sua tabanca – a mim, tuga, representante da tropa ocupante - os mais velhos baixam a cabeça ou viram-me as costas como se sentissem acabrunhados com a minha presença… Quem se sente mal, sou eu, que venho invadir-lhes a sua privacidade e perturbar os seus irãs…
"Devia ser esta, aliás, a atitude com que caminhavam para a morte: sem medo mas também sem revolta, com uma estranha dignidade ancestral, a pá e a pica em cada uma das mãos. Sim, por que o método era tão requintado como o dos nazis, a crer na descrição que me fazem alguns dos meus informadores, os mais velhos, como o Abibo, por exemplo – o Abibo, o bom gigante do Abibo, que sofre de epilepsia e tem elefantíase no escroto…
"Ou até senão mais: a própria vítima abria a estreita vala onde devia caber o seu próprio corpo, três palmos abaixo da superfície, e onde ficava deitado… à espera que o carrasco da polícia administrativa (sempre os africanos para as tarefas sujas…) se dignasse dar-lhe o passaporte para a eternidade: um tiro de pistola, uma lata de gasolina, um fósforo…
"Ter-se-á passado assim ? Um frémito de horror passa-me pela espinha acima. Recuso-me a aceitar que isto se tenha passado debaixo da bandeira verde-rubra da minha pátria, com a cumplicidade ou até o envolvimento (activo ou passivo) das tropas portuguesas ou dos representantes das autoridades portuguesas… Faço, ao menos, votos para que estes crimes sejam apenas imputados à odiosa PIDE… Enfim, nunca o saberei… Ou melhor, poderei perguntar-lhes onde era o sítio... O Adibo e outros falam-me do antigo cemitério de Bambadinca, um sinistro local de outrora onde hoje as alfaces crescem, viçosas" (...)…
(2) Vd. post de 6 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXX: Ex-comandos africanos, 'órfãos de Pátria', reportagem na RTP 1 (José Martins)
(3) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
1. Em pleno chão fula, foram os balantas, os beafadas e os mandingas que aderiram mais facilmente (ou foram condenados a aderir) à guerrilha. Os fulas, pelo contrário, reforçaram a sua velha aliança secular com os tugas. Fulas e balantas cultivavam um ódio de estimação. Eu, pessoalmente, nunca consegui falar, olhos nos olhos, a um balanta de Nhabijões (1)...
Os demónios étnicos e velhas contas por liquidar vieram, infelizmente, ao de cima, a seguir à nossa saída da Guiné. Bambadinca, tal como no início da guerra, em 1963, foi depois da independência palco de crimes contra a humanidade, nomeadamanente de execuções sumárias de dirigentes fulas, de ex-comandos e outros ex-militares que estiveram integrados nas NT. Ou seja, desta vez, de sinal contrário. A extensão destes crimes está por investigar.
Provavelmente nunca chegaremos a conhecer toda a verdade dos crimes praticados nas décadas de 1960 e 1970 na Guiné, por nós e pelo PAIGC, em nosso nome e em nome do PAIGC. Os fuzilamentos do Cumeré, de Bambadinca e de outros sítios, praticados por ou em nome dos guerrilheiros no poder, não podem todavia fazer esquecer, ignorar ou branquear a repressão exercida pelas autoridades coloniais no início da guerra: Samba Silate e Poidon, por exemplo, não honram a memória dos tugas. Foram lugares de massacres no início da guerra (1).
Eu não estava lá, mas os meus meus nharros, os mais velhos, os homens grandes, contavam-me estórias desse tempo, do terror branco de Bambadinca. Terror branco ou crioulo, já que a administração colonial da Guiné era basicamente preenchida por funcionários oriundos de Cabo Verde, ou de origem caboverdiana... Na Missão do Sono de Bambadincazinha, a G-3 a tiracolo, enquanto fazíamos horas para o sol esplendoroso de África aparecer e fazer espantar os nossos medos e os nossos fantasmas nocturnos. E com aquela espécie de inocência de criança com que os fulas falavam destas coisas trágicas e macabras da guerra e da morte aos senhores da Guiné, que eram os tugas...
Tive as relações mais afáveis, afectuosas e cordiais que me foi possível manter com os fulas, com os meus queridos nharros, mas eu sabia que as relações entre iguais, logo as relações de amizade, eram impossíveis entre nós: eu, fardado, representava uma potência estrangeira, colonial; eles, fardados, soldados de 2ª classe, pertenciam a um tempo e a mundo que já não existia... Os fulas estavam condenados pela história: infelizmente, eles não tinham alternativa... Corrompidos pelo poder colonial, cinduzidos pelos seus altos dignatários a um beco sem saída, os fulas acabaram por escolher o lado errado da barricada. Nem mesmo neutrais eles poderiam ter sido...
Enfim, especulo: que sei eu, ao fim e ao cabo, das complexas relações das principais etnias da Guiné, entre si, e com o poder colonial, durante os anos de guerra ?!... No entanto, subscrevo, de coração aberto, o belíssimo e texto que o Zé Teixeira me enviou e que passo a inserir no blogue... O Zé foi talvez dos poucos que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal e pelas suas qualidades humanas), consegui saltar a barreira da espécie: ele, tuga, foi aceite e amado pela população fula, e ainda hoje tem verdadeiros amigos fulas...
Devo acrescentar que o termo nharro, que nós usávamos no nosso calão militar da Guiné, e nomeadamente na zona leste, não tinha propriamente uma conotação racista... Não era sinónimo de preto ou de barrote queimado... Enfim, tudo dependia da entoação... Não sei qual é a origem do termo, provavelmente é crioulo da Guiné. Ele ainda não consta do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, mas continua a fazer parte da língua portuguesa viva... Já o vi traduzido por gandarro, massaro, pessoa ignorante, sem conhecimentos, num sítio brasileiro ... Continua a fazer parte do calão dos nossos jovens urbanos e suburbanos... Já vi inclusive a utilização do termo como adjectivo: um tuga nharro (ou português ignorante)... (LG)
2. Texto do José Teixeira
Luís: Saúde, paz e felicidade.
Após algum silêncio... É bom dar espaço a outros, ler e apreciar e reviver a Guiné de outrora nos seus testemunhos e as suas histórias.
Volto de novo para entrar na onda que passa sobre os antigos combatentes nativos, que recordo com saudade, que admiro e e a quem presto a minha homenagem.
Recordo os que tive o prazer de rever, abraçar e com, eles recordar bons momentos (hoje, são todos bons, esses momentos), porque guera na passa manga di tempu e ainda estamos vivos, com há um ano [em 2005] me dizia um turra, embora muitos deles e de nós, tenham no corpo o ferrete desse tempo e que teima em não desaparecer Se vires que tem interesse para entrar no Blogue.. .
Um abraço fraterno,
Zé Teixeira
___________
Aos nossos queridos nharros... Tropa africana que connosco deram o seu sangue suor e lágrimas, por Portugal, com toda a carga emotiva, de carinho e afecto que a palavra nharro possa conter.
O programa aparecido na TV (2) teve pelo menos o condão de nos pôr a reflectir, a nós que durante cerca de dois anos convivemos diariamente com a tropa africana, fiel a Portugal e não ao regime, como alguns tentam deixar passar.
O conceito de mãe-pátria, Metrópole, Lisboa, estava arreigada naquela gente, não pelos políticos, mas pelos portugueses brancos que por lá foram passando, muitos dos quais para cumprir penas de índole criminal e quantas vezes por estarem em desacordo com os políticos e as políticas exercidas em Portugal.
Era um conceito forte, de esperança e de orgulho. Foi com eles que eu aprendi quanto se deve respeitar a bandeira do meu País. Com que orgulho eles a saudavam (e toda a população) no hastear e arrear diário. Gesto que ainda hoje se repete. Há um ano em Bissau pude testemunhar o toque de hastear no quartel da Amura e a reacção de toda a população na rua exterior, até onde era possível ouvir o toque.
Era este conceito de filhos de Portugal, aliado naturalmente à propaganda da época e aos benefícios financeiros que os faziam alinhar ao nosso lado com a sua experiência e conhecimento de logística local, dos carreiros das tabancas inimigas, dos perigos desconhecidos para um europeu ingénuo, para quem tudo era estranho, desde o clima ao modo de estar em sociedade, à floresta com os seus segredos e perigos, às técnicas de guerrilha usadas pelo adversário.
Pergunto:
- Quem de nós, periquitos, não sentiu ao chegar, uma mão amiga, um sorriso e um alerta para um eventual perigo ?
- Quem nos orientava na Tabanca, na busca de uma lavandera bonita e jeitosa ?
- Quem nos avisava dos perigos da floresta, abelhas, formigas, cobras ? (Aos bloguistas que se deram ao trabalho de lerem o meu diário (3), recordo a cena do ataque de abelhas e a forma como um milícia cujo rosto não fixei que me agarrou por um braço, me escondeu atrás de uma árvore e me aconselhou a ficar rigidamente quieto até elas, as abelhas, se irem embora. Foi assim que aprendi a não ter medo de abelhas e tanto jeito me fez no segundo ataque que sofri mais tarde.)
- Quem nos indicava à chegada o melhor sítio para tomar banho, no rio para tomar banho sem correr perigo ?
- Quem nos arranjava os frangos e os cabritos para as tainas, para esquecer as mágoas ?
- Quem se prontificava a ajudar o colega do morteiro, o enfermeiro ( Bons amigos que tive e recordo com saudade), no transporte do equipamento, etc ?
- Quem ainda hoje apesar de tão desprezados pela mãe-pátria, como costumavam dizer, nos recebem com um carinho e afecto, que só quem lá foi consegue entender e apreciar ? (Vi e senti lágrimas, recebi abraços longos e quentes, passados 35 anos de separação).
- Quem servia o meu País e desprezava o seu país, deixando mulheres e filhos da outra banda (Kebá de Empada, meu querido amigo, recordo as conversas que tive contigo, sobre as tuas duas mulheres e os teus filhos que optaram pelo outro lado, quanto tu sofrias quando eras atacado! Porque te recusavas a ir comigo para o mato!).
- Quem, debaixo de fogo, avançava de peito aberto para o Inimigo (eu
testemunhei), protegendo-nos (quantos de nós tão acagaçados, que não cabia um feijão no buraquinho) convencidos que era esse o caminho certo para o seu País ?
- Quem vergonhosamente os abandonou, deixando que tantos fossem assassinados pelos seus conterrâneos, só porque estavam do lado errado, quando politicamente correcto Portugal admitiu que não tinha saída, a não ser dar a oportunidade a um povo de construir e seguir o seu próprio destino ?
- Quem a partir desse momento os deixou órfãos de Pátria, obrigando-os a irem procurar a sua pátria que até então lhe garantiam não existir, sem qualquer preocupação de lhe dar o prémio merecido por tudo quanto fizeram em nome e para Portugal ?
- Quem lhe traiu todas as promessas de uma Guiné melhor, com Portugal ?
Sinto vergonha. Estão-me na memória, os Sambá, os Adbulai, os Ussumane, os Amadu, os Aliu, os Braima, os Mamadu, tantos outros, que conheci e com quem convivi sadiamente, que me acompanharam em tantos encontros com o adversário e que merecem ser considerados filhos de Portugal, pelo que fizeram, pelo que sentiam e ainda sentem, pela alegria que expressam quando nos vem chegar.
Quantos deles assassinados por incúria de Portugal, quantos andaram anos fugidos no mato, deixando a família nas mãos dos adversários, quantos ainda não reconstruíram as suas vidas, quantos sofrem o stress de guerra, quantos morreram à fome, quantos passam fome, por falta de trabalho. Não sabiam fazer mais nada a não ser guerra.
Telefonou-me há dias o Quintino Procel, de Empada. Esse conseguiu fazer no meu tempo a 4ª classe e seguiu a carreira de enfermeiro, sendo hoje o enfermeiro-chefe em Canjadude. Quando em 2005 passei por Empada, procurei-o.
Alguém o informou da minha presença e o seu telefonema chegou um ano depois:
- Tissera, tu vai na Guiné e não fala comigo ? Eu na tem casa em Canjadude. Bó na vem e firma lá. Eu fico triste, manga dele, por não ver Tissera. - Foram estas palavras que guardei no coração passados 35 anos.
Creio que ainda há algum tempo para Portugal olhar para esta gente. Não pode desperdiçar esta oportunidade.
Creio que nós, antigos combatentes, ainda podemos fazer algo por eles. No mínimo ir visitá-los(os que puderem), testemunhar-lhes a nossa amizade, tanto quanto eles nos deram a deles. Permitir que sintam e vivam essa alegria de não sentirem que foram esquecidos, por aqueles que, como eles, deram sangue, suor e lágrimas, por uma Pátria que, não sendo actualmente a deles, se deve sentir orgulhosa de os ter tido como filhos, embora de 2ª...
Zé Teixeira
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos
(...) "Há uns anos atrás, nos anos do terror, ser encontrado fora da sua tabanca ou do seu perímetro, de catana na mão ou faca de mato à cintura - que é ronco ou adorno para um balanta que se preze - , eis um belo pretexto para um balanta ser preso, levado para o posto administrativo de Bambadinca, sumarianente interrogado e às vezes, hélàs!, mais sumariamente ainda liquidado.
"A justificação era simples, segundo os meus nharros: "um balanta a menos, era um turra era menos" (sic)… Admito que haja aqui alguma dose de fanfarronice e de exagero, por parte dos fulas, históricos inimigos e vizinhos dos balantas… Mas não há fumo sem fogo: estas histórias parecem-me ter consistência…
"Donde esta hostilidade passiva que julgo poder ler nos olhos e nas atitudes da população de Nhabijões que alimenta a guerrilha, em homens e mantimentos, provavelmente mais por razões de parentesco do que por simpatia para com o PAIGC: ao avistarem-me, fardado, na sua tabanca – a mim, tuga, representante da tropa ocupante - os mais velhos baixam a cabeça ou viram-me as costas como se sentissem acabrunhados com a minha presença… Quem se sente mal, sou eu, que venho invadir-lhes a sua privacidade e perturbar os seus irãs…
"Devia ser esta, aliás, a atitude com que caminhavam para a morte: sem medo mas também sem revolta, com uma estranha dignidade ancestral, a pá e a pica em cada uma das mãos. Sim, por que o método era tão requintado como o dos nazis, a crer na descrição que me fazem alguns dos meus informadores, os mais velhos, como o Abibo, por exemplo – o Abibo, o bom gigante do Abibo, que sofre de epilepsia e tem elefantíase no escroto…
"Ou até senão mais: a própria vítima abria a estreita vala onde devia caber o seu próprio corpo, três palmos abaixo da superfície, e onde ficava deitado… à espera que o carrasco da polícia administrativa (sempre os africanos para as tarefas sujas…) se dignasse dar-lhe o passaporte para a eternidade: um tiro de pistola, uma lata de gasolina, um fósforo…
"Ter-se-á passado assim ? Um frémito de horror passa-me pela espinha acima. Recuso-me a aceitar que isto se tenha passado debaixo da bandeira verde-rubra da minha pátria, com a cumplicidade ou até o envolvimento (activo ou passivo) das tropas portuguesas ou dos representantes das autoridades portuguesas… Faço, ao menos, votos para que estes crimes sejam apenas imputados à odiosa PIDE… Enfim, nunca o saberei… Ou melhor, poderei perguntar-lhes onde era o sítio... O Adibo e outros falam-me do antigo cemitério de Bambadinca, um sinistro local de outrora onde hoje as alfaces crescem, viçosas" (...)…
(2) Vd. post de 6 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXX: Ex-comandos africanos, 'órfãos de Pátria', reportagem na RTP 1 (José Martins)
(3) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
quarta-feira, 10 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P742: O poilão dos fuzilamentos em Bambadinca (David Guimarães)
1. Ontem, na RTP 1, a seguir ao Telejornal, foi exibida uma curta reportagem sobre os ex-comandos africanos que foram fuzilados a seguir à independência, uns (os mais graduados), ou pura e simplesmente abandonados à sua sorte, a generalidade das praças, perseguidos, discriminados, esquecidos...
Órfãos de Pátria intitulava-se a primeira peça do programa Em Reportagem, da autoria do jornalista António Mateus.
Eu tinha mandado um lembrete a todo o pessoal da tertúlia e pedi inclusive um voluntário para tirar umas notas, visionar o programa e escrever um pequeno texto para o blogue. Recebi de imediato uma nota, crítica e de frustação, assinada pelo José Martins (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70).:
- A montanha pariu uma rato! - disse ele.
Para o nosso camarada, o porgrama não trouxe nada de novo. E sobretudo perdeu-se uma oportunidade, a de fazer a justa homenagem aos guineenses que combaterem ao nosso lado e que se sentiam tão portugueses como nós:
"É pena que, mais uma vez, se tenha perdido a oportunidade de, pelo menos, prestar uma homenagem aqueles que, generosamente, defenderam uma terra que era sua e agora se sentem estrangeiros na própria terra".
O tema não é fácil, para nenhum de nós. Ainda há um bocado me telefonou o Jorge Cabral a perguntar se tinha visto o programa (perdi a primeira parte) e se tinha reconhecido o trsitemente famoso poilão dos fuzilamentos em Bambadinca, à beira da estrada:
- Passei por ele montes de vezes!
Para o Jorge Cabral que tem uma visão crítica da guerra e da nossa presença na Guiné ("só conhecemos a guerra, nunca conhecemos a Guiné, a sua cultura, a sua história, a história da sua violenta pacificação pelos portugueses"...) (1), é doloroso relembrar o destino trágico de antigos combatentes que ele conheceu e com quem privou, em Fá Mandinga e em Bissau, e alguns dos quais eram seus amigos: o Saegue, O Jamanca, o Camará...
2. Outro comentário que me chegou, cauteloso, foi o do David Guimarães (ex-Furriel Miliciano, CART 2716, Xitole, 1970-1972):
Luís: Eu vi o programa e direi porque não o quererei comentar no blogue... Como sabes, existe muita gente que tem amigos lá na Guiné - é assim e decerto eu também tenho...
Quanto ao que aconteceu, ainda um dia destes alguém queria incriminar o Nino Vieira. Ora bem, tudo isso se passou no tempo de Luís Cabral. Mas a sentença estava escrita desde 1973: isso sabe-se desde a declaração da Independência no Boé. Sabes que eu entendo que aquele povo tinha razão! Acho mesmo que os Comandos foram traidores à sua Pátria: não desmobilizaram e continuaram a lutar contra a sua pátria...
Se tivessem desmobilizado e entregue aos seus pátrios guerreiros e irmãos de raça, decerto não seriam mortos. Bem, mas isso é uma questão deles...
Outra, contudo, é a acusação que Luís Cabral faz a Nino Vieira, dizendo que este como Chefe das Forças Armadas teria sido o executante e responsável por tais actos sendo que ele não saberia de nada... Isso deve ser uma grande mentira, mas enfim quem tem razão ?!...
Existem as dores do crescimento da democracia: a Guiné padeceu mais ainda... e continua a padecer, pois não se entendem...
Sei da posição de alguns bloguistas que estão mortinhos por começar a falar de política... Ai, Luís, que os maiores culpados decerto até fomos nós, que abandonámos aquela gente... Ora eles tinham a nacionalidade portuguesa, tinham as mais altas condecorações portuguesas e os nossos governantes da altura (e de agora) nem se mexeram...
O Nino hoje [na reportagem] disse e teve razão, apontando a principal culpa aos Portugueses. Naturalmente, se trouxemos os brancos, os negros também viriam, se quisessem... Então, sim, não tínhamos que nos penitenciar...
Vi o programa todo e vi Bambadinca - a nossa Bambadinca... Decerto ou sou romântico demais ou sou parvo, mas naquela altura todo o combatente anti-pátria da Guiné, já independente em Madina de Boé, passou à qualidade de traidor à Pátria...
O que tu farias??
Pronto, aqui tens a minha opinião...
Um abraço David Guimarães
3. Comentário de L.G.
Meu querido David:
Não vou permitir que o pessoal entre em demagogias, no discurso fácil, emocional, acusatório... É abrir a Caixa de Pandora... O tema é doloroso e emotivo...
De qualquer modo, peço-te autorização para publicar o teu texto... É corajoso... Mas a verdade tem sempre um verso e um reverso...
De qualquer modo, nenhum de nós defende a pena capital - no primeiro país do mundo a abolir a pena de morte (em 1852, para crimes políticos; em 1867, para todos os crimes, excepto os militares; em 1911, para todos, incluindo os militares; e definitivamente, em 1976)...
Nenhum de nós, é a favor da pena de morte, revolucionária ou não... Por isso, a execução (praticamente sumária) dos nossos antigos camaradas dos comandos africanos não tem nem pode ter justificação alguma... Pode explicar-se, mas não justificar-se. Que fique clara a nossa posição!
4. O David respondeu a seguir:
Autorizado ... Nós só abolimos a pena de morte em Portugal em 1976... Luís, em crimes de guerra eram permitidas as penas capitais... Claro que eu não sou a favor de penas capitais, mas entendo naquele processo... É só isso...
Um abraço. És livre de publicar o meu texto, corrige algum Português que eu, emocionado, escrevo-te como falo...
___________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXVI: Carta (aberta) ao Luís (Jorge Cabral)
Órfãos de Pátria intitulava-se a primeira peça do programa Em Reportagem, da autoria do jornalista António Mateus.
Eu tinha mandado um lembrete a todo o pessoal da tertúlia e pedi inclusive um voluntário para tirar umas notas, visionar o programa e escrever um pequeno texto para o blogue. Recebi de imediato uma nota, crítica e de frustação, assinada pelo José Martins (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70).:
- A montanha pariu uma rato! - disse ele.
Para o nosso camarada, o porgrama não trouxe nada de novo. E sobretudo perdeu-se uma oportunidade, a de fazer a justa homenagem aos guineenses que combaterem ao nosso lado e que se sentiam tão portugueses como nós:
"É pena que, mais uma vez, se tenha perdido a oportunidade de, pelo menos, prestar uma homenagem aqueles que, generosamente, defenderam uma terra que era sua e agora se sentem estrangeiros na própria terra".
O tema não é fácil, para nenhum de nós. Ainda há um bocado me telefonou o Jorge Cabral a perguntar se tinha visto o programa (perdi a primeira parte) e se tinha reconhecido o trsitemente famoso poilão dos fuzilamentos em Bambadinca, à beira da estrada:
- Passei por ele montes de vezes!
Para o Jorge Cabral que tem uma visão crítica da guerra e da nossa presença na Guiné ("só conhecemos a guerra, nunca conhecemos a Guiné, a sua cultura, a sua história, a história da sua violenta pacificação pelos portugueses"...) (1), é doloroso relembrar o destino trágico de antigos combatentes que ele conheceu e com quem privou, em Fá Mandinga e em Bissau, e alguns dos quais eram seus amigos: o Saegue, O Jamanca, o Camará...
2. Outro comentário que me chegou, cauteloso, foi o do David Guimarães (ex-Furriel Miliciano, CART 2716, Xitole, 1970-1972):
Luís: Eu vi o programa e direi porque não o quererei comentar no blogue... Como sabes, existe muita gente que tem amigos lá na Guiné - é assim e decerto eu também tenho...
Quanto ao que aconteceu, ainda um dia destes alguém queria incriminar o Nino Vieira. Ora bem, tudo isso se passou no tempo de Luís Cabral. Mas a sentença estava escrita desde 1973: isso sabe-se desde a declaração da Independência no Boé. Sabes que eu entendo que aquele povo tinha razão! Acho mesmo que os Comandos foram traidores à sua Pátria: não desmobilizaram e continuaram a lutar contra a sua pátria...
Se tivessem desmobilizado e entregue aos seus pátrios guerreiros e irmãos de raça, decerto não seriam mortos. Bem, mas isso é uma questão deles...
Outra, contudo, é a acusação que Luís Cabral faz a Nino Vieira, dizendo que este como Chefe das Forças Armadas teria sido o executante e responsável por tais actos sendo que ele não saberia de nada... Isso deve ser uma grande mentira, mas enfim quem tem razão ?!...
Existem as dores do crescimento da democracia: a Guiné padeceu mais ainda... e continua a padecer, pois não se entendem...
Sei da posição de alguns bloguistas que estão mortinhos por começar a falar de política... Ai, Luís, que os maiores culpados decerto até fomos nós, que abandonámos aquela gente... Ora eles tinham a nacionalidade portuguesa, tinham as mais altas condecorações portuguesas e os nossos governantes da altura (e de agora) nem se mexeram...
O Nino hoje [na reportagem] disse e teve razão, apontando a principal culpa aos Portugueses. Naturalmente, se trouxemos os brancos, os negros também viriam, se quisessem... Então, sim, não tínhamos que nos penitenciar...
Vi o programa todo e vi Bambadinca - a nossa Bambadinca... Decerto ou sou romântico demais ou sou parvo, mas naquela altura todo o combatente anti-pátria da Guiné, já independente em Madina de Boé, passou à qualidade de traidor à Pátria...
O que tu farias??
Pronto, aqui tens a minha opinião...
Um abraço David Guimarães
3. Comentário de L.G.
Meu querido David:
Não vou permitir que o pessoal entre em demagogias, no discurso fácil, emocional, acusatório... É abrir a Caixa de Pandora... O tema é doloroso e emotivo...
De qualquer modo, peço-te autorização para publicar o teu texto... É corajoso... Mas a verdade tem sempre um verso e um reverso...
De qualquer modo, nenhum de nós defende a pena capital - no primeiro país do mundo a abolir a pena de morte (em 1852, para crimes políticos; em 1867, para todos os crimes, excepto os militares; em 1911, para todos, incluindo os militares; e definitivamente, em 1976)...
Nenhum de nós, é a favor da pena de morte, revolucionária ou não... Por isso, a execução (praticamente sumária) dos nossos antigos camaradas dos comandos africanos não tem nem pode ter justificação alguma... Pode explicar-se, mas não justificar-se. Que fique clara a nossa posição!
4. O David respondeu a seguir:
Autorizado ... Nós só abolimos a pena de morte em Portugal em 1976... Luís, em crimes de guerra eram permitidas as penas capitais... Claro que eu não sou a favor de penas capitais, mas entendo naquele processo... É só isso...
Um abraço. És livre de publicar o meu texto, corrige algum Português que eu, emocionado, escrevo-te como falo...
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Nota de L.G.
(1) Vd post de 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXVI: Carta (aberta) ao Luís (Jorge Cabral)
Guiné 63/74 - P741: Em busca de: Ajudem-me a encontrar o tenente evacuado em 1973 do Corredor da Morte (Victor Barata)
Texto do Victor Barata, o mais recente membro da nossa tertúlia:
Pois bem, Luís Graça, tomei o gosto, não vos largo.
Chamo-me Victor Barata, fui Especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC (1) de Aviões e Instrumentos de Bordo.
Cumpri o meu serviço militar de 1969 a 1974, sendo o período de 1971/1973 cumprido na Província da Guiné, mais concretamente na linha da frente das DO27, fazendo todo o tipo de serviço desde a tão desejada entrega de correio, géneros alimentícios, etc., às tristes evacuações, algumas sabe Deus em que circunstâncias.
Percorri todos os locais onde este tipo de aeronave tinha poucas condições para se entregar a uns metros de terra avermelhada. Tive um acidente dentro de uma desta aeronaves, já em terra. Mas...existiu uma situação, há 35 anos, que me faz perder a fala de cada vez que a recordo... Vou tentar!
Julgo, se a memória não me atraiçoa, que em Fevereiro/Março de 1973, fui destacado para uma operação no Corredor da Morte (ainda não li nada com este nome no site!...). A carta cartográfica da Guiné designa por Guileje, onde participaram também os Fiats, os T6, os Helis.
Aterrá mos e, obviamente, que a expectativa era grande,não só por ser a primeira vez que ali estava como também pela alcunha com que o local foi baptizado [Corredor da Morte].
Estacionou-se o avião, abriu-se a porta e vejo a uma certa distância uma pessoa que de repente desapareceu. Não manifestando a minha desconfiança pelo facto, eis que nos aparece um Capitão do Exército, que se apresenta como o comandante da unidade, para nos dar as boas vindas e nos fazer uma visita guiada ao local.
Não perdendo o rumo ao local onde a tal figura desapareceu, lá fomos olhando para isto e para aquilo e eis que me é identificada a minha referência que não era mais nem menos que os abrigos subterrâneos onde dormia o pessoal!
Beliche, chão de terra batida e o tecto uma placa que, dizia o Capitão, era à prova de 120! Acredito solenemente nos traumas da Guerra, 24 meses, às vezes lerpava-se com mais uns meses, naquelas condições, debaixo de guerra constante?!...
Bom, chegou a hora de me ser destinado o aposento. Nada mais, nada menos, o quarto do Capitão Caldas, paraquedista, que estava no mato, não era subterrâneo mas sim em superfície, talvez 1,50 x 1,50, MUITO BOM!
O dia correu normalmente, até que fui jantar à messe de oficiais e depois jogar umas cartas até se fazer noite, pois a transição do dia para a noite, segundo diziam, era a hora do IN bater à porta.
Encontrei um Tenente do Exército cujo nome, infelizmente para mim, já não recordo, e que me aturou jogando comigo o que eu sabia e ensinando o que eu não sabia, somente para passar aquele mau período do dia.
Chegado às 23h00, como a noite já ia longa,resolvi pedir-lhe a sua anuência para me ausentar e fui-me deitar. Ainda não me tinha descalçado e já a festa estava a começar, pois os foguetes já estalavam no ar... Forte morteirada!
Nesta minha estada conheci figuras hoje públicas, recordo o actual Presidente da Guiné, Nino Vieira, desertor do nosso Exército, como prisioneiro (2).
Terminada a minha missão, regressei a Bissalanca.
Passados uns 2 meses, 6 horas da manhã, a sala de operações chama o alerta e sai o Dakota, avião bimotor, com trem de cauda, que traria sempre umas 20 macas, enquanto a DO 27 só podia trazer uma. A coisa era muito má, viemos a saber antes do regresso do Dakota... A expectativa para mim era total, porque tinha lá estado, até que se começa a ouvir o barulho dos motores, cada vez mais perto, a instabilidade, embora o tempo já nos tivesse reservado péssimas situações, não sabíamos o que ali vinha.
Eis o avião na placa (estacionamento), a porta é aberta, subo os poucos degraus da escada de acesso ao seu interior e coloco-me ao fundo, a meio,vendo cerca de 10 macas de cada lado com corpos envoltos em lençóis brancos! Clima de verdadeiro massacre,o silêncio era a voz que perdurava, os corpos começaram a ser retirados e eu arrisquei subir o corredor até à cabine.
Eis que num preciso momento ouço uma voz de grande sofrimento emitir o meu nome, não conseguia localizar a sua origem, volto a ouvir e ai, sim, era o tal Tenente que tanto me ajudou na minha estada no Corredor da Morte... E eu incapaz de lhe poder valer!
Acreditem, companheiros, que estou a redigir estas letras com muita emoção,e porque não dizê-lo, com algumas lágrimas à mistura! Hoje, a minha grande esperança reside no facto de que eu não o pude ajudar, mas Deus encarregou-se disso por mim...
Não consigo escrever mais, desculpem!
AJUDEM-ME A ENCONTRÁ-LO!!!
Victor Barata
_________
Notas de L.G.
(1) Melec: termo usado pelo pessoal da Força Aérea para designar a especialidade de manutenção electrónica...Vd. post de hoje > Guiné 63/74 - DCCXXXIX: Victor Barata, MELEC da FAP (1971/73)
(2) Deve haver aqui um mal-entendido por parte do nosso camarada: o 'Nino' Vieira, comandamte da frente sul, nunca foi nosso prisioneiro, pese embora as muitas operações de busca e caça e emboscadas que lhe foram montadas pela nossa tropa de elite, a começar pelo temível e mítico Marcelino da Mata.
Pois bem, Luís Graça, tomei o gosto, não vos largo.
Chamo-me Victor Barata, fui Especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC (1) de Aviões e Instrumentos de Bordo.
Cumpri o meu serviço militar de 1969 a 1974, sendo o período de 1971/1973 cumprido na Província da Guiné, mais concretamente na linha da frente das DO27, fazendo todo o tipo de serviço desde a tão desejada entrega de correio, géneros alimentícios, etc., às tristes evacuações, algumas sabe Deus em que circunstâncias.
Percorri todos os locais onde este tipo de aeronave tinha poucas condições para se entregar a uns metros de terra avermelhada. Tive um acidente dentro de uma desta aeronaves, já em terra. Mas...existiu uma situação, há 35 anos, que me faz perder a fala de cada vez que a recordo... Vou tentar!
Julgo, se a memória não me atraiçoa, que em Fevereiro/Março de 1973, fui destacado para uma operação no Corredor da Morte (ainda não li nada com este nome no site!...). A carta cartográfica da Guiné designa por Guileje, onde participaram também os Fiats, os T6, os Helis.
Aterrá mos e, obviamente, que a expectativa era grande,não só por ser a primeira vez que ali estava como também pela alcunha com que o local foi baptizado [Corredor da Morte].
Estacionou-se o avião, abriu-se a porta e vejo a uma certa distância uma pessoa que de repente desapareceu. Não manifestando a minha desconfiança pelo facto, eis que nos aparece um Capitão do Exército, que se apresenta como o comandante da unidade, para nos dar as boas vindas e nos fazer uma visita guiada ao local.
Não perdendo o rumo ao local onde a tal figura desapareceu, lá fomos olhando para isto e para aquilo e eis que me é identificada a minha referência que não era mais nem menos que os abrigos subterrâneos onde dormia o pessoal!
Beliche, chão de terra batida e o tecto uma placa que, dizia o Capitão, era à prova de 120! Acredito solenemente nos traumas da Guerra, 24 meses, às vezes lerpava-se com mais uns meses, naquelas condições, debaixo de guerra constante?!...
Bom, chegou a hora de me ser destinado o aposento. Nada mais, nada menos, o quarto do Capitão Caldas, paraquedista, que estava no mato, não era subterrâneo mas sim em superfície, talvez 1,50 x 1,50, MUITO BOM!
O dia correu normalmente, até que fui jantar à messe de oficiais e depois jogar umas cartas até se fazer noite, pois a transição do dia para a noite, segundo diziam, era a hora do IN bater à porta.
Encontrei um Tenente do Exército cujo nome, infelizmente para mim, já não recordo, e que me aturou jogando comigo o que eu sabia e ensinando o que eu não sabia, somente para passar aquele mau período do dia.
Chegado às 23h00, como a noite já ia longa,resolvi pedir-lhe a sua anuência para me ausentar e fui-me deitar. Ainda não me tinha descalçado e já a festa estava a começar, pois os foguetes já estalavam no ar... Forte morteirada!
Nesta minha estada conheci figuras hoje públicas, recordo o actual Presidente da Guiné, Nino Vieira, desertor do nosso Exército, como prisioneiro (2).
Terminada a minha missão, regressei a Bissalanca.
Passados uns 2 meses, 6 horas da manhã, a sala de operações chama o alerta e sai o Dakota, avião bimotor, com trem de cauda, que traria sempre umas 20 macas, enquanto a DO 27 só podia trazer uma. A coisa era muito má, viemos a saber antes do regresso do Dakota... A expectativa para mim era total, porque tinha lá estado, até que se começa a ouvir o barulho dos motores, cada vez mais perto, a instabilidade, embora o tempo já nos tivesse reservado péssimas situações, não sabíamos o que ali vinha.
Eis o avião na placa (estacionamento), a porta é aberta, subo os poucos degraus da escada de acesso ao seu interior e coloco-me ao fundo, a meio,vendo cerca de 10 macas de cada lado com corpos envoltos em lençóis brancos! Clima de verdadeiro massacre,o silêncio era a voz que perdurava, os corpos começaram a ser retirados e eu arrisquei subir o corredor até à cabine.
Eis que num preciso momento ouço uma voz de grande sofrimento emitir o meu nome, não conseguia localizar a sua origem, volto a ouvir e ai, sim, era o tal Tenente que tanto me ajudou na minha estada no Corredor da Morte... E eu incapaz de lhe poder valer!
Acreditem, companheiros, que estou a redigir estas letras com muita emoção,e porque não dizê-lo, com algumas lágrimas à mistura! Hoje, a minha grande esperança reside no facto de que eu não o pude ajudar, mas Deus encarregou-se disso por mim...
Não consigo escrever mais, desculpem!
AJUDEM-ME A ENCONTRÁ-LO!!!
Victor Barata
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Notas de L.G.
(1) Melec: termo usado pelo pessoal da Força Aérea para designar a especialidade de manutenção electrónica...Vd. post de hoje > Guiné 63/74 - DCCXXXIX: Victor Barata, MELEC da FAP (1971/73)
(2) Deve haver aqui um mal-entendido por parte do nosso camarada: o 'Nino' Vieira, comandamte da frente sul, nunca foi nosso prisioneiro, pese embora as muitas operações de busca e caça e emboscadas que lhe foram montadas pela nossa tropa de elite, a começar pelo temível e mítico Marcelino da Mata.
Guiné 63/74 - P740: Regressei bem e sem traumas (Manuel Cruz, ex-cap mil, CART 3493 / BART 3873, Bolama, Mansambo, Cobumba, Fá Mandinga e Bissau) 1972/74))
Artigo de opinião do Manuel Cruz, que foi enviado com data de 19 de Abril de 2004.
Este nosso camarada foi Capitão Miliciano da CART 3493 / BART 3873, tendo passado por Bolama, Mansambo, Cobumba, Fá Mandinga e Bissau (1972/74) (1).
Meus caros:
1. Tenho lido, apreciado e pouco tenho comentado. Perdoem-me, mas não sou muito dado à história, mesmo que esta nos toque de perto, ou antes, tenhamos vivido.
Regressei bem e sem traumas, apesar de ter vivido horrores. Participo em alguns encontros anuais da CART 3493, e saboreio esses momentos. ... e pouco mais.
2. Agora, um tema que suponho nos interessa a todos, pois se todos nós fomos forçados a fazer o que não queríamos, devemos colher todos os benefícios do que "temos direito".
- CONTAGEM DE SERVIÇO MILITAR para efeitos de reforma (dos que ainda estamos no activo)?
- CONTAGEM DE SERVIÇO MILITAR para efeitos de complemento de pensão (dos que já não estão no activo)?
- CONTAGEM DE SERVIÇO MILITAR para efeitos de ...
ETC, ETC.
Creio que nesta matéria haverá muitas dúvidas em alguns de nós. Como estamos? No meu, no teu caso e noutros?
Por exemplo, eu não consigo respostas do Ministério, a várias questões mesmo utilizando os meios que o Ministério da Defesa Nacional coloca ao dispor via-mail.
Também existe um balcão oficial na Rua Braancamp, 90, em Lisboa, que presta esclarecimentos, mas ainda não visitei.
Afinal, do tempo do Ultramar sempre temos os 100% de bónus em tempo ou em euros ? Algum de vós tem respostas a estas matérias?
Manuel Cruz
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 13 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CVIII: Welcome aboard, captain ! (CCAÇ 3493, Mansambo, 1972)
Meus caros:
1. Tenho lido, apreciado e pouco tenho comentado. Perdoem-me, mas não sou muito dado à história, mesmo que esta nos toque de perto, ou antes, tenhamos vivido.
Regressei bem e sem traumas, apesar de ter vivido horrores. Participo em alguns encontros anuais da CART 3493, e saboreio esses momentos. ... e pouco mais.
2. Agora, um tema que suponho nos interessa a todos, pois se todos nós fomos forçados a fazer o que não queríamos, devemos colher todos os benefícios do que "temos direito".
- CONTAGEM DE SERVIÇO MILITAR para efeitos de reforma (dos que ainda estamos no activo)?
- CONTAGEM DE SERVIÇO MILITAR para efeitos de complemento de pensão (dos que já não estão no activo)?
- CONTAGEM DE SERVIÇO MILITAR para efeitos de ...
ETC, ETC.
Creio que nesta matéria haverá muitas dúvidas em alguns de nós. Como estamos? No meu, no teu caso e noutros?
Por exemplo, eu não consigo respostas do Ministério, a várias questões mesmo utilizando os meios que o Ministério da Defesa Nacional coloca ao dispor via-mail.
Também existe um balcão oficial na Rua Braancamp, 90, em Lisboa, que presta esclarecimentos, mas ainda não visitei.
Afinal, do tempo do Ultramar sempre temos os 100% de bónus em tempo ou em euros ? Algum de vós tem respostas a estas matérias?
Manuel Cruz
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 13 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CVIII: Welcome aboard, captain ! (CCAÇ 3493, Mansambo, 1972)
Guiné 63/74 - P739: Tabanca Grande: Victor Barata, MELEC da FAP (1971/73)
Força Aérea Portuguesa (FAP) > Museu do Ar > Alverca > Imagem de um DO 27
© Museu do Ar - Alverca (2006) (com a devida vénia...) (1)
1. Texto de Victor Barata, ex-especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC (1) de Aviões e Instrumentos de Bordo, Guiné, 1971/73.
Luis Graça,
Não tenho a honra de te conhecer mas tenho o privilégio de ser, há uns dois meses a esta parte, um assíduo [visitante] e admirador do teu site Blogue-Fora Nada. Parabéns!
Por diversas vezes redigi um artigo com um assunto que me traz no peito há 35 anos, relativo a uma episódio passado na Guiné, mas sempre achei que era inoportuno da minha parte estar a meter a foice em seara alheia e como tal nunca tive a coragem de o enviar.
Isto tudo, porquê? Porque servi, com muito orgulho, a Força Aérea Portuguesa (FAP)!
Para meu espanto e alegria em paralelo, aparece um companheiro da Armada (2) e de imediato tu a salientares a falta de um da FAP!
Pois, do que é que eu estou à espera para entrar nesta maravilhosa colectânea de recordações de toda a espécie e saudar todos os que me vão receber, e a ti agradecer esta minha primeira intervenção ?!
Fui Especialista da FAP, na área dos Instrumentos de Bordo, de 1969 a 1974. Fiz a Guiné de 1971 a 73, na linha da frente das DO 27. Conheço tudo o que era sítio onde havia a pista de aterragem para este tipo de aeronave.
Oportunamente, se me for permitido, contarei o tal episódio que tenho preso há 35 anos!
Bem hajas! Victor Barata.
2. Comentário de L.G.:
Victor: A pista pode ser curta mas é toda tua... Na nossa caserna cabem todos os camaradas, sejam eles terrestres, voadores ou anfíbios. A FAP, tão dignamente representada por ti, é bem especialmente bem vinda à nossa tertúlia e ao nosso blogue...
© Museu do Ar - Alverca (2006) (com a devida vénia...) (1)
1. Texto de Victor Barata, ex-especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC (1) de Aviões e Instrumentos de Bordo, Guiné, 1971/73.
Luis Graça,
Não tenho a honra de te conhecer mas tenho o privilégio de ser, há uns dois meses a esta parte, um assíduo [visitante] e admirador do teu site Blogue-Fora Nada. Parabéns!
Por diversas vezes redigi um artigo com um assunto que me traz no peito há 35 anos, relativo a uma episódio passado na Guiné, mas sempre achei que era inoportuno da minha parte estar a meter a foice em seara alheia e como tal nunca tive a coragem de o enviar.
Isto tudo, porquê? Porque servi, com muito orgulho, a Força Aérea Portuguesa (FAP)!
Para meu espanto e alegria em paralelo, aparece um companheiro da Armada (2) e de imediato tu a salientares a falta de um da FAP!
Pois, do que é que eu estou à espera para entrar nesta maravilhosa colectânea de recordações de toda a espécie e saudar todos os que me vão receber, e a ti agradecer esta minha primeira intervenção ?!
Fui Especialista da FAP, na área dos Instrumentos de Bordo, de 1969 a 1974. Fiz a Guiné de 1971 a 73, na linha da frente das DO 27. Conheço tudo o que era sítio onde havia a pista de aterragem para este tipo de aeronave.
Oportunamente, se me for permitido, contarei o tal episódio que tenho preso há 35 anos!
Bem hajas! Victor Barata.
2. Comentário de L.G.:
Victor: A pista pode ser curta mas é toda tua... Na nossa caserna cabem todos os camaradas, sejam eles terrestres, voadores ou anfíbios. A FAP, tão dignamente representada por ti, é bem especialmente bem vinda à nossa tertúlia e ao nosso blogue...
Por mim, sempre tive uma especial admiração pelos malucos das dessas máquinas voadoras que eram as DO 27 e que nos traziam notícias do mundo, do outro do mundo... Já não gostava tanto quando elas, em vez do carteiro, transportavam o senhor major de operações ou do senhor comandante de qualquer coisa... Ou sejam, quando de frágil caranguejola eram promovidas a um coisa que pomposamente se chamava o PCV.
Um reparo: o blogue chama-se Luís Graça & Camaradas da Guiné > Blogue-fora-nada. Eu sou apenas o editor. A partir de hoje o blogue também é teu, de pleno direito. Vou publicar o texto adicional que me mandaste, e que é um bonito testemunho de solidariedade em tempo de guerra, ou seja, de camaradgem. Se tiveres fotos desses tempos que já lá vão, manda, que os tertulianos têm ainda a ilusão de que recordar é viver duas vezes...
__________
Notas de L.G.
(1) No sítido do Museu do Ar, em Alverca (e que está aberto das 10 às 17 - Jul, Ago e Set, das 10 às 18 -, encerrando à segunda-feira, 1 de Jan, Domingo de Páscoa e 24 e 25 de Dez), pode ler-se o seguinte sobre a história do DO 27 em Portugal:
"Os aviões Do 27, de que a Força Aérea teve 133 exemplares nas versões A3 e A4, começaram a ser recebidos em 1961. Estes aviões foram adquiridos para operação no Ultramar, em missões de transporte ligeiro, evacuação sanitária e reconhecimento armado - para o que era equipado com lança foguetes - e operaram, praticamente, de todas as unidades do Ultramar. No fim das hostilidades alguns aviões foram cedidos aos novos países independentes e os restantes voltaram para a Metrópole onde serviram até 1979. O Museu do Ar tem 3 Do 27 estando todos a voar".
(2) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
Um reparo: o blogue chama-se Luís Graça & Camaradas da Guiné > Blogue-fora-nada. Eu sou apenas o editor. A partir de hoje o blogue também é teu, de pleno direito. Vou publicar o texto adicional que me mandaste, e que é um bonito testemunho de solidariedade em tempo de guerra, ou seja, de camaradgem. Se tiveres fotos desses tempos que já lá vão, manda, que os tertulianos têm ainda a ilusão de que recordar é viver duas vezes...
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Notas de L.G.
(1) No sítido do Museu do Ar, em Alverca (e que está aberto das 10 às 17 - Jul, Ago e Set, das 10 às 18 -, encerrando à segunda-feira, 1 de Jan, Domingo de Páscoa e 24 e 25 de Dez), pode ler-se o seguinte sobre a história do DO 27 em Portugal:
"Os aviões Do 27, de que a Força Aérea teve 133 exemplares nas versões A3 e A4, começaram a ser recebidos em 1961. Estes aviões foram adquiridos para operação no Ultramar, em missões de transporte ligeiro, evacuação sanitária e reconhecimento armado - para o que era equipado com lança foguetes - e operaram, praticamente, de todas as unidades do Ultramar. No fim das hostilidades alguns aviões foram cedidos aos novos países independentes e os restantes voltaram para a Metrópole onde serviram até 1979. O Museu do Ar tem 3 Do 27 estando todos a voar".
(2) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
Guiné 63/74 - P738: Festa Na Lona, um bravo combatente do PAIGC (CCAÇ 12, Fevereiro de 1970) (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > 1970 > Força da CCAÇ 12 na estrada Mansambo-Xitole, a caminho de mais uma operação, em plena época seca, na zona de acção das unidades de quadrícula de Mansambo e Xitole.
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
Extractos de: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 28-29.
(81) Fevereiro de 1970 Op Bodião Decidido: uma operação com sucesso na área de Satecuta
Foi realizada em 14 e 15 de Fevereiro de 1970 para uma batida à área de Satecuta até ao Rio Corubal (1), por forças da CART 2413, CCAÇ 2404 e CCAÇ 12 (1º, 2º e 4º Gr Comb), constituindo respectivamente os Destacamentos A, B e C (2).
De acordo com o plano estabelecido para a acção, os 3 Dest saíram de Mansambo e Xitole às 5h00 do dia D (14), percorrendo a estrada [Xitole-Mansambo] até ao ponto de encontro (área de Gulobó) [onde fizeram paragem para descanso e almoço, entre as 12h00 e as 16h00](3).
Após uma rápida reunião dos Comandantes dos Dest, iniciou-se a progressão a corta-mato, tendo-se atingido pelas 17h00 o local escolhido para pernoita e montagem de emboscadas nocturnas (4).
Verificou-se, através de vestígios, que o IN tinha reconhecido o trilho utilizado pelas NT durante a Op Navalha Polida (5), embora não tivessem sido detectadas quaisquer minas ou armadilhas.
Às 4h00 da manhã (dia D + 1), os Dest continuaram a progressão até atingirem um trilho muito batido na região Xime 4 F2 – 29. Aí ficou emboscado o Dest B (CCAÇ 2404), reforçado por 1 Gr Comb do Dest C (CCAÇ 12), enquanto os outros Dest seguiram em direcção a Satecuta.
Pelas 7h00, o Dest B avistou 1 grupo IN de 15/20 elementos, tendo os homens da frente aberto fogo no momento oportuno, causando 1 morto deixado no terreno e feridos prováveis, com um gasto mínimo de munições (1 dilagrama e 1 carregador de G-3). Foi apreendido ao IN um RPG-2 [ LGFog ] e várias granadas.
O IN dispersou imediatamente e flagelou o Dest B quando alguns elementos deste foram à zona de morte a fim de verificar os resultados colhidos.
Os Dest A e C foram também flagelados com fogo de morteiro e armas automáticas, não reagindo para não revelar a sua localização exacta e movimentando-se apenas para conseguir estabelecer ligação com o Dest B.
Uma vez que toda a população e elementos IN da área tinham ficado alertados, devido à troca de tiros, as NT após uma batida muito rápida retiraram de forma a evitar quaisquer emboscada de outros grupos IN vindos de Seco Braima ou Galo Corubal.
O ponto de reunião inicial foi atingido cerca das 10h00, regressando depois as NT aos seus aquartelamentos.
Constatou-se que o IN, depois da Op Navalha Polida (5), tinha redobrado de vigilância, patrulhando constantemente a região entre Seco Braima e Galo Corubal a avaliar pelos trilhos feitos.
Verificou-se também que por vezes executa tiros à distância na tentativa de localizar as NT e posteriormente montar-lhes embocadas, especialmente no regresso. No presente caso, as NT não tiveram qualquer reacção pelo fogo, o que malogrou as intenções do IN.
Transcrição da Mensagem 676/C COM-CHEFE (REP/OPE): “COM-CHEFE manifesta seu agrado realização Op Bodião Decidido e resultados obtidos” (6).
A 24 de Fevereiro, efectua-se outra operação a nível de Batalhão (7) a fim de executar um golpe de mão conjugado com emboscadas em linha e batida na área compreendida entre o Rio Samba Uriel, o limite da ZA das CART 2413 e CCAÇ 2404 e estrada Xitole-Mansambo.
Das declarações prestadas pelo prisioneiro Festa (8), ficou a saber-se que o IN tinha um acampamento na região de Biro, junto à margem direita do Rio Bissari depois da confluência com o Rio Samba Uriel. Os efectivos eram estimados em 30 elementos, divididos em 2 grupos de 15 e dispondo de Mort 60, LGFog e armas automáticas.
A operação foi realizada por forças das CCAÇ 2404, CART 2413 e CCAÇ 12 (2º e 4º Gr Comb).O prisioneiro serviu de guia (8). No decorrer da acção, quando as NT progrediam na região de Galoiel/Biro, ouviram tiros de reconhecimento e aviso feitos pelo IN.
Encontraram-se trilhos batidos (especialmente o trilho assinalado na carta que conduz à foz do Rio Bissari e daí à região de Galo Corubal, apresentando indícios de ser utilizado por pequenos grupos IN em acções de patrulhamento) e grandes extensões de capim queimado, mas as NT não conseguiram localizar o acampamento IN (Op Leão Nómada) (9).
__________
Notas de L.G.
(1) Patrulhamento ofensivo com emboscadas nas regiões de (Vd. mapa do Xime):
(i) Mansambo, Culobó, (Xime 4H6-46), Seco Braima, Culobó, (Xime 4H6-46),
(ii) Xitole, Ponte dos Fulas, Satecuta, Bissau Novo, Benate, Ponte dos Fulas, Xitole…
(2) Unidades aquarteladas, respectivamente, em Mansambo, Xitole e Bambadinca. As duas primeiras eram unidades de quadrícula. A CCAÇ 12, constituída por soldados africanos e quadros metropolitanos, era uma unidade de interevenção, às ordens do BCAÇ 2852, até meados de 1970 (e depois do BART 2917, até ao final da sua 1ª comissão, em Fevereiro de 1971).
(3) Para saírem àquela hora de Mansambo, os 3 Gr de Comb da CCAÇ já se tinham deslocado umas largas horas antes, de Bambadinca para Mansambo.
Tal significou que alguém teve de picar a estrada e montar segurança na ZA da CART 2413. Nessa noite, obviamente ninguém dormiu. Tal como não dormiu na noite seguinte… Soldados e quadros da CCAÇ 12 eram um bando de noctívagos e sonâmbulos… Estávamos então em plena estação seca…
(4) Repare-se como escassos quilómetros em linha recta, nas matas da Guiné, levavam um dia a percorrer em corta-mato…Quando o sol estava a pique, não havia outro remédio senão procurar a sombra protectora e a fresquidão da orla da mata, circundante de uma bolanha ou lala, até às 4h00 da tarde… Homens e bichos reduziam ao mínimo a sua penosa actividade fisiológica…
(5) Vd post de 7 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXII: Assalto ao destacamento IN de Seco Braima, na margem direita do Rio Corubal (Janeiro de 1970, CCAÇ 12, CAÇ 2404, CART 2413)
(6) Em geral, o Com-Chefe só mandava mensagens destas quando havia ronco: no mínimo, apreensão de material de guerra, prisioneiros ou mortos IN, confirmados no terreno. Os burocratas da guerra do ar condicionado, em Bissau, sabiam que, por sistema, os operacionais, os do mato, tinham tendência para amplificar e hiperbolizar os seus feitos heróicos e contabilizar baixas no papel que não tinham qualquer correspondência no terreno… Em suma, todos, do alferes ao tenente coronel, queriam ficar bem na fotografia... Por causa das dúvidas, os paraquedistas fotografavam os cadáveres, quando havia tempo e vagar para isso…
(7) É de notar que neste sector (L1) qualquer operação implicava a afectação de importantes meios humanos: no mínimo, dois destacamentos, 6 grupos de combate, duas ou mais companhias... A desproporção de meios era flagrante: levávamos 150 a 250 homens, no mínimo, para andar à caça de 15 a 30 guerrilheiros... Esta região tinha sido palco de uma megaoperação, que mobilizou 1200 homens, entre miliatres e carregadores, onze meses antes: Op Lança Afiada, de 8 a 18 de Março de 1969: vd post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
(8) Vd. post de 19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado
(...) "Um dos homens capturados disse chamar-se Festa Na Lona, de etnia Balanta, estar alí a passar férias e pertencer a uma unidade combatente do Gabu. Foi-lhe apreendido uma pistola Tokarev (7,62, m/ 1933) e vários documentos" (...).
(9) Presto aqui a minha homenagem aos combatentes do PAIGC que, mesmo sob as duras condições (físicas e psicológicas) de cativeiro, eram capazes de nos ludibriar, a nós e aos nossos guias, e salvar os seus camaradas e a população afecta à guerrilha... Nunca cheguei a saber qual foi o destino dado ao Festa Na Lona, provavelmente recambiado para a região do Gabu, para ser de novo interrogado e forçado a servir de guia às NT...
Já vimos como, em operação anterior, a Op Boga Destemida, outro prisioneiro, Jomel Nanquitande, conseguiu fugir, debaixo de fogo, algemado e provavelmente ferido: vd post de 10 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970)
(...) "O Dest A progrediu com o prisioneiro Festa em direcção ao objectivo, tendo passado por um acampamento com vestígios de abandono recente. Depois de progredir mais de 2 horas na direcção sul, e como o prisioneiro continuasse a dizer que era longe, contradizendo-se, o Dest A que só dispunha de 2 Gr Comb, entrou em ligação com o Dest B a fim de tomar uma decisão face à situação (...).
(...) "Cerca das 11.30h, o PCV sobrevoou a zona, quando o Dest B, já feita a cambança, armadilhava o local onde havia vestígios recentes do IN.
"Em marcha lenta, devido ao transporte do ferido em maca, os 2 Dest seguiram o trilho de Darsalame Baio-Gundagué Beafada, através do capim alto. Próximo da antiga tabanca beafada, cerca das 13h, as NT sofreriam uma violenta emboscada montada em L e com grande poder de fogo, especialmente de lança-rockets. A secção que ia na vanguarda do Dest B ficou praticamente fora de combate, tendo sido gravemente feridos, entre outros, o respectivo comandante e a praça encarregada da segurança do prisioneiro Jomel Nanquitande que, aproveitando a confusão, conseguiu fugir, embora algemado e muito provavelmente ferido" (...).
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
Extractos de: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 28-29.
(81) Fevereiro de 1970 Op Bodião Decidido: uma operação com sucesso na área de Satecuta
Foi realizada em 14 e 15 de Fevereiro de 1970 para uma batida à área de Satecuta até ao Rio Corubal (1), por forças da CART 2413, CCAÇ 2404 e CCAÇ 12 (1º, 2º e 4º Gr Comb), constituindo respectivamente os Destacamentos A, B e C (2).
De acordo com o plano estabelecido para a acção, os 3 Dest saíram de Mansambo e Xitole às 5h00 do dia D (14), percorrendo a estrada [Xitole-Mansambo] até ao ponto de encontro (área de Gulobó) [onde fizeram paragem para descanso e almoço, entre as 12h00 e as 16h00](3).
Após uma rápida reunião dos Comandantes dos Dest, iniciou-se a progressão a corta-mato, tendo-se atingido pelas 17h00 o local escolhido para pernoita e montagem de emboscadas nocturnas (4).
Verificou-se, através de vestígios, que o IN tinha reconhecido o trilho utilizado pelas NT durante a Op Navalha Polida (5), embora não tivessem sido detectadas quaisquer minas ou armadilhas.
Às 4h00 da manhã (dia D + 1), os Dest continuaram a progressão até atingirem um trilho muito batido na região Xime 4 F2 – 29. Aí ficou emboscado o Dest B (CCAÇ 2404), reforçado por 1 Gr Comb do Dest C (CCAÇ 12), enquanto os outros Dest seguiram em direcção a Satecuta.
Pelas 7h00, o Dest B avistou 1 grupo IN de 15/20 elementos, tendo os homens da frente aberto fogo no momento oportuno, causando 1 morto deixado no terreno e feridos prováveis, com um gasto mínimo de munições (1 dilagrama e 1 carregador de G-3). Foi apreendido ao IN um RPG-2 [ LGFog ] e várias granadas.
O IN dispersou imediatamente e flagelou o Dest B quando alguns elementos deste foram à zona de morte a fim de verificar os resultados colhidos.
Os Dest A e C foram também flagelados com fogo de morteiro e armas automáticas, não reagindo para não revelar a sua localização exacta e movimentando-se apenas para conseguir estabelecer ligação com o Dest B.
Uma vez que toda a população e elementos IN da área tinham ficado alertados, devido à troca de tiros, as NT após uma batida muito rápida retiraram de forma a evitar quaisquer emboscada de outros grupos IN vindos de Seco Braima ou Galo Corubal.
O ponto de reunião inicial foi atingido cerca das 10h00, regressando depois as NT aos seus aquartelamentos.
Constatou-se que o IN, depois da Op Navalha Polida (5), tinha redobrado de vigilância, patrulhando constantemente a região entre Seco Braima e Galo Corubal a avaliar pelos trilhos feitos.
Verificou-se também que por vezes executa tiros à distância na tentativa de localizar as NT e posteriormente montar-lhes embocadas, especialmente no regresso. No presente caso, as NT não tiveram qualquer reacção pelo fogo, o que malogrou as intenções do IN.
Transcrição da Mensagem 676/C COM-CHEFE (REP/OPE): “COM-CHEFE manifesta seu agrado realização Op Bodião Decidido e resultados obtidos” (6).
A 24 de Fevereiro, efectua-se outra operação a nível de Batalhão (7) a fim de executar um golpe de mão conjugado com emboscadas em linha e batida na área compreendida entre o Rio Samba Uriel, o limite da ZA das CART 2413 e CCAÇ 2404 e estrada Xitole-Mansambo.
Das declarações prestadas pelo prisioneiro Festa (8), ficou a saber-se que o IN tinha um acampamento na região de Biro, junto à margem direita do Rio Bissari depois da confluência com o Rio Samba Uriel. Os efectivos eram estimados em 30 elementos, divididos em 2 grupos de 15 e dispondo de Mort 60, LGFog e armas automáticas.
A operação foi realizada por forças das CCAÇ 2404, CART 2413 e CCAÇ 12 (2º e 4º Gr Comb).O prisioneiro serviu de guia (8). No decorrer da acção, quando as NT progrediam na região de Galoiel/Biro, ouviram tiros de reconhecimento e aviso feitos pelo IN.
Encontraram-se trilhos batidos (especialmente o trilho assinalado na carta que conduz à foz do Rio Bissari e daí à região de Galo Corubal, apresentando indícios de ser utilizado por pequenos grupos IN em acções de patrulhamento) e grandes extensões de capim queimado, mas as NT não conseguiram localizar o acampamento IN (Op Leão Nómada) (9).
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Notas de L.G.
(1) Patrulhamento ofensivo com emboscadas nas regiões de (Vd. mapa do Xime):
(i) Mansambo, Culobó, (Xime 4H6-46), Seco Braima, Culobó, (Xime 4H6-46),
(ii) Xitole, Ponte dos Fulas, Satecuta, Bissau Novo, Benate, Ponte dos Fulas, Xitole…
(2) Unidades aquarteladas, respectivamente, em Mansambo, Xitole e Bambadinca. As duas primeiras eram unidades de quadrícula. A CCAÇ 12, constituída por soldados africanos e quadros metropolitanos, era uma unidade de interevenção, às ordens do BCAÇ 2852, até meados de 1970 (e depois do BART 2917, até ao final da sua 1ª comissão, em Fevereiro de 1971).
(3) Para saírem àquela hora de Mansambo, os 3 Gr de Comb da CCAÇ já se tinham deslocado umas largas horas antes, de Bambadinca para Mansambo.
Tal significou que alguém teve de picar a estrada e montar segurança na ZA da CART 2413. Nessa noite, obviamente ninguém dormiu. Tal como não dormiu na noite seguinte… Soldados e quadros da CCAÇ 12 eram um bando de noctívagos e sonâmbulos… Estávamos então em plena estação seca…
(4) Repare-se como escassos quilómetros em linha recta, nas matas da Guiné, levavam um dia a percorrer em corta-mato…Quando o sol estava a pique, não havia outro remédio senão procurar a sombra protectora e a fresquidão da orla da mata, circundante de uma bolanha ou lala, até às 4h00 da tarde… Homens e bichos reduziam ao mínimo a sua penosa actividade fisiológica…
(5) Vd post de 7 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXII: Assalto ao destacamento IN de Seco Braima, na margem direita do Rio Corubal (Janeiro de 1970, CCAÇ 12, CAÇ 2404, CART 2413)
(6) Em geral, o Com-Chefe só mandava mensagens destas quando havia ronco: no mínimo, apreensão de material de guerra, prisioneiros ou mortos IN, confirmados no terreno. Os burocratas da guerra do ar condicionado, em Bissau, sabiam que, por sistema, os operacionais, os do mato, tinham tendência para amplificar e hiperbolizar os seus feitos heróicos e contabilizar baixas no papel que não tinham qualquer correspondência no terreno… Em suma, todos, do alferes ao tenente coronel, queriam ficar bem na fotografia... Por causa das dúvidas, os paraquedistas fotografavam os cadáveres, quando havia tempo e vagar para isso…
(7) É de notar que neste sector (L1) qualquer operação implicava a afectação de importantes meios humanos: no mínimo, dois destacamentos, 6 grupos de combate, duas ou mais companhias... A desproporção de meios era flagrante: levávamos 150 a 250 homens, no mínimo, para andar à caça de 15 a 30 guerrilheiros... Esta região tinha sido palco de uma megaoperação, que mobilizou 1200 homens, entre miliatres e carregadores, onze meses antes: Op Lança Afiada, de 8 a 18 de Março de 1969: vd post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
(8) Vd. post de 19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado
(...) "Um dos homens capturados disse chamar-se Festa Na Lona, de etnia Balanta, estar alí a passar férias e pertencer a uma unidade combatente do Gabu. Foi-lhe apreendido uma pistola Tokarev (7,62, m/ 1933) e vários documentos" (...).
(9) Presto aqui a minha homenagem aos combatentes do PAIGC que, mesmo sob as duras condições (físicas e psicológicas) de cativeiro, eram capazes de nos ludibriar, a nós e aos nossos guias, e salvar os seus camaradas e a população afecta à guerrilha... Nunca cheguei a saber qual foi o destino dado ao Festa Na Lona, provavelmente recambiado para a região do Gabu, para ser de novo interrogado e forçado a servir de guia às NT...
Já vimos como, em operação anterior, a Op Boga Destemida, outro prisioneiro, Jomel Nanquitande, conseguiu fugir, debaixo de fogo, algemado e provavelmente ferido: vd post de 10 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970)
(...) "O Dest A progrediu com o prisioneiro Festa em direcção ao objectivo, tendo passado por um acampamento com vestígios de abandono recente. Depois de progredir mais de 2 horas na direcção sul, e como o prisioneiro continuasse a dizer que era longe, contradizendo-se, o Dest A que só dispunha de 2 Gr Comb, entrou em ligação com o Dest B a fim de tomar uma decisão face à situação (...).
(...) "Cerca das 11.30h, o PCV sobrevoou a zona, quando o Dest B, já feita a cambança, armadilhava o local onde havia vestígios recentes do IN.
"Em marcha lenta, devido ao transporte do ferido em maca, os 2 Dest seguiram o trilho de Darsalame Baio-Gundagué Beafada, através do capim alto. Próximo da antiga tabanca beafada, cerca das 13h, as NT sofreriam uma violenta emboscada montada em L e com grande poder de fogo, especialmente de lança-rockets. A secção que ia na vanguarda do Dest B ficou praticamente fora de combate, tendo sido gravemente feridos, entre outros, o respectivo comandante e a praça encarregada da segurança do prisioneiro Jomel Nanquitande que, aproveitando a confusão, conseguiu fugir, embora algemado e muito provavelmente ferido" (...).
terça-feira, 9 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P737: Blogoterapia: A guerra que ainda não acabou (José Martins)
Texto de opinião do José Martins (enviado já há alguns dias):
Caros camaradas!
Durante anos quisemos esquecer que fomos combatentes. Pura ingenuidade. Agora recordamos, cada vez mais, e cada vez mais dolorosa é a recordação.
Quando quizemos falar, não nos deixaram. Não era politicamente correcto. Não era uma atitude revolucionária.
Os governos passaram a ser constituidos por aqueles que nunca vestiram uma farda, mas usavam-na para as fotografias dos jornais ou em visitas a forças militares em manobras ou no estrangeiro. Pareciam soldadinhos de chumbo.
Depois vieram aqueles que: OU ERAM MUITO NOVOS, PARA TEREM IDO À GUERRA DO ULTRAMAR, OU MUITO VELHOS, PARA QUE OS PAIS LÁ TENHAM ESTADO.
Resta-nos esperar que o actual COMANDANTE SUPREMO DAS FORÇAS ARMADAS, o primeiro Presidente da Républica de Portugal que, como nós, tambem foi combatente à força, envide esforços no sentido de mudar as coisas.
Como mudar as coisas, entendo, atender às dificuldades daqueles que, com marcas visíveis no corpo e/ou invisíveis na alma, sejam devidamente ajudados.
Veja-se a situação em que se encontram camaradas nossos que têm a vida completamente destroçada, e o futuro sem FUTURO.
Para nós, infelizmente, a guerra ainda não acabou.
José Martins
Ex-Furriel Miliciano
CCAÇ 5
Guiné, 1968/70
Caros camaradas!
Durante anos quisemos esquecer que fomos combatentes. Pura ingenuidade. Agora recordamos, cada vez mais, e cada vez mais dolorosa é a recordação.
Quando quizemos falar, não nos deixaram. Não era politicamente correcto. Não era uma atitude revolucionária.
Os governos passaram a ser constituidos por aqueles que nunca vestiram uma farda, mas usavam-na para as fotografias dos jornais ou em visitas a forças militares em manobras ou no estrangeiro. Pareciam soldadinhos de chumbo.
Depois vieram aqueles que: OU ERAM MUITO NOVOS, PARA TEREM IDO À GUERRA DO ULTRAMAR, OU MUITO VELHOS, PARA QUE OS PAIS LÁ TENHAM ESTADO.
Resta-nos esperar que o actual COMANDANTE SUPREMO DAS FORÇAS ARMADAS, o primeiro Presidente da Républica de Portugal que, como nós, tambem foi combatente à força, envide esforços no sentido de mudar as coisas.
Como mudar as coisas, entendo, atender às dificuldades daqueles que, com marcas visíveis no corpo e/ou invisíveis na alma, sejam devidamente ajudados.
Veja-se a situação em que se encontram camaradas nossos que têm a vida completamente destroçada, e o futuro sem FUTURO.
Para nós, infelizmente, a guerra ainda não acabou.
José Martins
Ex-Furriel Miliciano
CCAÇ 5
Guiné, 1968/70
Guiné 63/74 - P736: A RTP1 e os 'Órfãos de Pátria': a montanha pariu um rato (José Martins)
Texto do José Martins (ex-furriel miliciano de transmissões, CCA 5, Canjadude, 1968/70), a propósito da reportagem Orfãos de Pátria, que acabou de passar na RTP 1, a seguir ao telejornal (1)
Caro Luis
Acabo de ver o programa, da RTP, tão apregoado e que.... nada disse.
Nós que passamos pela guerra e que convivemos/vivemos com os nossos QUERIDOS NHARROS; nós que fomos AFRICANOS E GUINEENSES POR INTEIRO; nós que ajudámos AQUELES BRAVOS a defender uma bandeira e uma pátria...
A nós, os combatentes, nada disseram de novo. Aos outros, os que estão por fora, deve ter sido uma chatice.
Para mim, a montanha pariu .... nada, ou pior, a frustração!
É pena que, mais uma vez, se tenha perdido a oportunidade de, pelo menos, prestar uma homenagem aqueles que, generosamente, defenderam uma terra que era sua e agora se sentem ESTRANGEIROS NA PRÓPRIA TERRA.
Será que não há quem saiba fazer MELHOR? Será que não há quem saiba fazer (ou pedir) JUSTIÇA?
Há que ter FÈ e ESPERANÇA que um dia isso chegue, não só aos AFRICANOS mas também aos EUROPEUS.
Um abraço
Martins
__________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 6 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXX: Ex-comandos africanos, 'órfãos de Pátria', reportagem na RTP 1 (José Martins)
Caro Luis
Acabo de ver o programa, da RTP, tão apregoado e que.... nada disse.
Nós que passamos pela guerra e que convivemos/vivemos com os nossos QUERIDOS NHARROS; nós que fomos AFRICANOS E GUINEENSES POR INTEIRO; nós que ajudámos AQUELES BRAVOS a defender uma bandeira e uma pátria...
A nós, os combatentes, nada disseram de novo. Aos outros, os que estão por fora, deve ter sido uma chatice.
Para mim, a montanha pariu .... nada, ou pior, a frustração!
É pena que, mais uma vez, se tenha perdido a oportunidade de, pelo menos, prestar uma homenagem aqueles que, generosamente, defenderam uma terra que era sua e agora se sentem ESTRANGEIROS NA PRÓPRIA TERRA.
Será que não há quem saiba fazer MELHOR? Será que não há quem saiba fazer (ou pedir) JUSTIÇA?
Há que ter FÈ e ESPERANÇA que um dia isso chegue, não só aos AFRICANOS mas também aos EUROPEUS.
Um abraço
Martins
__________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 6 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXX: Ex-comandos africanos, 'órfãos de Pátria', reportagem na RTP 1 (José Martins)
Guiné 63/74 - P735: Tabanca Grande: António Eugénio da Silva Levezinho (Tony Levezinho) da CCAÇ 12
António Eugénio da Silva Levezinho, Tony para os amigos, o melhor de todos nós...
Em 1969, ei-lo furriel miliciano da CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12...
E hoje, no seu retiro algarvio, Martinhal, Sagres, Vila do Bispo ... onde ao lado da sua querida Isabel continua, sempre de porta aberta, afável e disponível para os amigos.
É um gentleman, tal como o pai, que eu ainda tive o privilégio de conhecer pessoalmente na sua casa da Amadora, nos primeiros anos da década de 1970... Antigo quadro da Petrogal onde chegou a chefe de divisão (o que não era fácil a um self-made man como ele, numa empresa de engenheiros), o Tony era (ainda é) um perito na arte do impor-export do petróleo e seus derivados...
Graças às suas ligações à Sacor, nunca nos faltava o fiel amigo à mesa, em Bambadinca. O bacalhau e outras iguarias chegavam-nos à Guiné, regularmente, através do navio-tanque da Sacor...Ficava `guarda da Casa Fialho, um comerciante com raízes no Cadaval tal como os Levezinho...
Não gosta de falar dele, cultiva o low profile, mas ao fim de muitas insistências lá foi ao baú das suas recordações desencantar estes mimos que nos enviou.... Uma nota modesta com um
"Olá, Luís" e a seguinte justificação:
"Como prometido aqui seguem as seguintes digitalizações:
As quatro páginas da ementa da última refeição, na viagem de regresso, a bordo do Uíge, e outras tantas fotos mais de interesse pessoal do que documental mas, mesmo assim... aí vão.
Um grande abraço.
Tony"...
N/M Uíge > 17 Março de 1971 : Dia da partida de Bissau para Lisboa. Regressávamos da guerra, com a morte na alma e mazelas no corpo, num navio da marinha mercante da Companhia Colonial de Navegação (uma empresa, fundada em Angola em 1922, para assegurar os transportes marítimos das colónias portuguesas com a Metrópole, sendo o paqueteVera Cruz o seu navio mais emblemático, e que não teve tempo de fazer o branqueamento do seu nome, já que o termo colonial não era politicamente correcto no início dos anos 70...).
Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, "contra os ventos da história" (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... Obrigado ao Humberto Reis e à sua já famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas...
(LG)
Foto: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados
Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, "contra os ventos da história" (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... Obrigado ao Humberto Reis e à sua já famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas...
(LG)
Foto: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados
A caminho da Guiné > A bordo do Niassa > Maio de 1969: Quadros metropolitanos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), na viagem de Lisboa-Bissau (24 a 29 de Maio de 1969). Da esquerda para a direita: 2º sargento Videira, furriéis milicianos Branquinho, Levezinho, Reis, Fernandes, Henriques e Almeida (este último já falecido).
Foto: © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados
Foto: © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados
N/M Uíge > Março de 1971 > Nomes e moradas que ficaram escritos numa folha de papel (nas costas da ementa de um jantar a bordo) no alvoroço do regresso... Alguns de nós nunca mais se voltaram a encontrar: foi o caso do Luciano, desaparecido em condições trágicas (ao que me contaram) ... O Branquinho voltou para a Évora, o Fernandes para o Barreiro e para a CUF.... Voltei a encontrá-lo apenas uma vez, há uns anos atrás... tal como o José Manuel Rosado Piça, o grande Piça, para os amigos!.... Mesmo assim, ficámos amigos... para sempre ! (LG)
Foto: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Contuboel> CCAÇ 12 > Junho de 1969 > Furriéis Levezinho e Henriques, no bem-bom da instrução de especialidade dada aos nharros da futura CCAÇ 12 (na altura CCAÇ 2590)... Havia tempo para tudo, até para brincadeiras estúpidas ou tão inocentes como esta simulação de um catana a exercer o seu mister no delicado pescoço de um tuga... (LG)
Foto: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1970 > Furriéis Levezinho e Henriques, à beira da estrada, descando por uns momentos, já com ar de velhinhos, próximos do final da comissão... O quico (balanta ?) do furriel Henriques era manifestamente um sinal de que o RDM já não se aplicava no teatro de operações da Guiné... Acho que foi aqui que começámos a perder a guerra... com a nossa progressiva cafrealização... Mas o pior de todos, o exemplo mais subversivo, era o do Jorge Cabral, régulo tuga de Fá Mandinga...(LG)
Foto: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1970 > Furriéis Levezinho e Henriques, à civil, com ar domingueiro... Por detrás, as excelentes instalações do hotel de Bambadinca que faziam inveja a muitos dos nossos camaradas de passagem pela sede do Sector L1... O Henriques sempre o conheci de livro debaixo do braço, razão porque tinha um ombro mais alto do que outro...(LG)
Foto: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > Novembro de 1969 > Furriéis Henriques, Reis e Levezinho, no bar de sargentos, comemorando mais um feliz aniversário do Tony: creio que o 22º, a 24 de Novembro de 1969... Se não foi nesse dia (já que os dois últimos passaram a noite a fazer segurança a uma máquina da engenharia atolada na estrada Xime-Bambadicna), terá sido no dia seguinte... No teatro da morte, todos os pretextos eram bons para saudar à vida... E tamb´+em saudámos ao casamemto do Tony, a meio da comissão, aproveitando o merecido mês de férias na Metrópole... Creio que a Isabel nessa altura tinha 17 anos... Nunca a deixámos ser viúva, tomando bem conta do seu Tony...
O furriel Henriques garante que esta foto é de 1969, já que está de óculos; no aniversário seguinte, a 24 de Novembro de 1970, dois dias depois da invasão de Conacri por Alpoim Galvão e os seus rapazes, ele já não usava óculos: tinha-os perdidado definitivamente, por efeito do cone de fogo de uma bazuka, da sequência de uma emboscada, sofrida durante a Op Boga Destemida, em 9 de Fevereiro de 1970... (2)(LG).
Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1971 > Furriéis Levezinho e Fernandes, em convalescença... Ao Tony já não sei o que é que aconteceu... Ao Fernandes, o braço ao peito tem uma explicação: a explosão de uma mina anticarro à saída de Nhabijões, no dia 13 de Janeiro de 1970 (um dia fatídico o nosso soldado condutor auto, Soares, que teve morte imediata; mas também para o Fernandes, que ficou ferido; para o Alf Mil Moreira, que foi gravemente ferido; e para outros camaradas, incluindo o furriéis Marques e Henriques e, que cairam, com o seu grupo de combate, numa segunda mina; por caso o dia, embora 13, não foi sexta-feira, mas sim quarta-feira) (2) (3) (LG)
Foto: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados
_____
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 9 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970)
(2) Vd. post de 23 Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)
(3) Vd post de 24 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCIX: Luís Moreira, de alferes sapador a professor de matemática
segunda-feira, 8 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P734: Tabanca Grande: António Santos, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego
Mensagem do nosso camarada António Santos
Caro amigo, Luis Graça.
Em anexo envio um documento que pretende ser a minha primeira participação no Blogue-fora-nada.
Aguardo notícias para continuar.
Obrigado,
António Santos
Caneças, 15 de Maio de 2006
Caro camarada Luis Graça.
Peço desculpa de, no primeiro contacto, estar tão íntimo mas tomo a liberdade após entender que no blogue-fora-nada é mesmo assim.
Ando há cerca de um mês a espreitar o teu blogue cujo tema é a Guiné, e a vontade de entrar na conversa vai aumentando todos os dias e, como alguma vez tem que ser a primeira, cá vai.
Essa terra que, apesar de independente, com todo o direito, sinto que é hoje mais nossa do que o foi há 34 anos, (para o meu turno), quando fui (fomos) brindados com uma viagem de ida e talvez volta, felizmente que a volta o foi para a grandissíma maioria dos camaradas.
Tenho reparado que o pessoal da zona onde fui parar [Nova Lamego], não aparece para desabafar o muito que tem para contar
Data: 1 de Agosto de 1974, 12 horas; local: aeroporto de Bissalanca, Guiné-Bissau... Saímos aproximadamente 4 horas depois do previsto, porque o avião estava a ser reparado na ilha do Sal em Cabo Verde de uma pequena avaria, mas a pressa era tanta em regressar que ninguém se importou em embarcar.
O Boeing 707 dos TAM começa a sua corrida para levantar voo com destino a Lisboa e, no preciso momento em que as rodas deixaram de tocar na pista, alguém disse alto e bom som:
- Nunca mais volto a esta terra!
... Pois passados 32 anos sobre esse dia, esse alguém está com uma vontade louca de voltar (vontade que não é de agora, já dura há alguns anitos). Voltar à Guiné só tem acontecido em sonhos e muitos, pois já fui mobilizado umas quantas vezes.
Voltar não só para visitar Nova Lamego (Gabu Sara), terra de mim, mas também outros locais de que tanto ouvi falar por variadíssimas razões, e que o blogue-fora-nada veio recordar.
Esse alguém é quem está a escrever, como já percebeste. Chamo-me António Santos, ex-Soldado de Transmissões, em Nova Lamego, Sector L3, de 1972 a 1974, incorporado no Pel Mort 4574/72, para render o Pel Mort 2267/70.
Mas voltando ao início, como tudo começou:
- 19 de Outubro de 1971: Recruta no RI 3, Beja;
- 2 de Janeiro de 1972, especialidade no BCAÇ 5, Campolide, Lisboa;
- 13 de Março de 1972, pronto, Amadora: nesse dia, guia de marcha para uma diligência no HMP na Estrela Lisboa;
- finalmente, 31 de Maio de 19 72, a (não desejada)mobilização pelo RI 15 em Tomar, com destino à Guiné.
Por agora fico por aqui, para não se tornar uma grande seca. Estou a digitalizar uma série de fotos que, se estiveres de acordo, vou enviando, conforme for escrevendo.
Cumprimentos
Depois disto tudo, se me é permitido envio um abração para toda a tropa.
Comentário de L.G.:
Nunca digas... jamais, seca, dá-me licença, meu comandante... Nem peças para entrar: a caserna é grande e é nossa... O blogue é teu, camarada.
Caro amigo, Luis Graça.
Em anexo envio um documento que pretende ser a minha primeira participação no Blogue-fora-nada.
Aguardo notícias para continuar.
Obrigado,
António Santos
Caneças, 15 de Maio de 2006
Caro camarada Luis Graça.
Peço desculpa de, no primeiro contacto, estar tão íntimo mas tomo a liberdade após entender que no blogue-fora-nada é mesmo assim.
Ando há cerca de um mês a espreitar o teu blogue cujo tema é a Guiné, e a vontade de entrar na conversa vai aumentando todos os dias e, como alguma vez tem que ser a primeira, cá vai.
Essa terra que, apesar de independente, com todo o direito, sinto que é hoje mais nossa do que o foi há 34 anos, (para o meu turno), quando fui (fomos) brindados com uma viagem de ida e talvez volta, felizmente que a volta o foi para a grandissíma maioria dos camaradas.
Tenho reparado que o pessoal da zona onde fui parar [Nova Lamego], não aparece para desabafar o muito que tem para contar
Data: 1 de Agosto de 1974, 12 horas; local: aeroporto de Bissalanca, Guiné-Bissau... Saímos aproximadamente 4 horas depois do previsto, porque o avião estava a ser reparado na ilha do Sal em Cabo Verde de uma pequena avaria, mas a pressa era tanta em regressar que ninguém se importou em embarcar.
O Boeing 707 dos TAM começa a sua corrida para levantar voo com destino a Lisboa e, no preciso momento em que as rodas deixaram de tocar na pista, alguém disse alto e bom som:
- Nunca mais volto a esta terra!
... Pois passados 32 anos sobre esse dia, esse alguém está com uma vontade louca de voltar (vontade que não é de agora, já dura há alguns anitos). Voltar à Guiné só tem acontecido em sonhos e muitos, pois já fui mobilizado umas quantas vezes.
Voltar não só para visitar Nova Lamego (Gabu Sara), terra de mim, mas também outros locais de que tanto ouvi falar por variadíssimas razões, e que o blogue-fora-nada veio recordar.
Esse alguém é quem está a escrever, como já percebeste. Chamo-me António Santos, ex-Soldado de Transmissões, em Nova Lamego, Sector L3, de 1972 a 1974, incorporado no Pel Mort 4574/72, para render o Pel Mort 2267/70.
Mas voltando ao início, como tudo começou:
- 19 de Outubro de 1971: Recruta no RI 3, Beja;
- 2 de Janeiro de 1972, especialidade no BCAÇ 5, Campolide, Lisboa;
- 13 de Março de 1972, pronto, Amadora: nesse dia, guia de marcha para uma diligência no HMP na Estrela Lisboa;
- finalmente, 31 de Maio de 19 72, a (não desejada)mobilização pelo RI 15 em Tomar, com destino à Guiné.
Por agora fico por aqui, para não se tornar uma grande seca. Estou a digitalizar uma série de fotos que, se estiveres de acordo, vou enviando, conforme for escrevendo.
Cumprimentos
Depois disto tudo, se me é permitido envio um abração para toda a tropa.
Comentário de L.G.:
Nunca digas... jamais, seca, dá-me licença, meu comandante... Nem peças para entrar: a caserna é grande e é nossa... O blogue é teu, camarada.
Guiné 63/74 - P733: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (6); Mansoa, baptismo de fogo
VI parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 18-22 (1).
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > O Alf Mil Raposo, de óculos escuros, com o Furriel Ribas, à sua esquerda, e alguns soldados, observando uma giboia morta perlas NT © Paulo Raposo (2006)
Mansoa: Baptismo de fogo
O sacrifício era muito. Vou contar uns episódios dos muitos que por lá passàmos:
1. Após a nossa chegada a Mansoa, foi-nos distribuído o material de guerra. Já armados, fomos para uma bolanha, nome que se dava a um grande charco de água, que enchia com a chuva.
Esta bolanha ficava para além de uma companhia de balantas, que fazia a protecção do nosso quartel. Naquela zona de Mansoa, sair fora do arame farpado tinha riscos.
Este exercício tinha como objectivo habituarmo-nos a estar debaixo de fogo. Deita-se um grupo de combate, e por cima deste, faz-se fogo.
Aconteceu que logo no primeiro exercício, quando estava o primeiro grupo de combate deitado, há um disparo que sai mais baixo e vai ferir em ambas as pernas um soldado. Depressa foi chamada uma viatura, para o levar rapidamente para o Hospital. Para aquele rapaz, a comissão terminou ali.
Este acidente foi muito desmoralizante para os restantes e mais nenhum outro exercício foi feito. Perguntei-me nessa altura como iria sair dali.
2. Um belo dia o meu grupo de combate estava encarregue de levar e proteger os homens que iam limpar do capim uma faixa grande de ambos os lados da estrada. Assim evitávamos que tivessemos emboscadas coladas à picada.
Dirigimo-nos para o local de trabalho em duas viaturas. Parámos precisamente no sítio aonde tínhamos terminado o trabalho no dia anterior, ou seja ainda na zona já descapinada.
Quando parámos, saltaram do capim alguns elementos IN para a estrada. Fizemos fogo, eles fugiram e não responderam. Se tivéssemos parado 50 metros mais à frente, tínhamos caído na emboscada.
Recuperados da emoção, os homens começaram o seu trabalho e eu dirijo-me para um tronco de árvore, que estava caído, para me sentar. Ao aproximar-me do tronco, este mexe-se. Era uma gibóia, com sete metros de comprido. Enfiei-lhe um carregador em cima e ela continuava bem viva. O Cabo enfermeiro Luís, agarra num tronco de um ramo verde, e, pondo-se à frente dela, bate-lhe continuamente na cabeça, até a cobra se ver perdida.
Uma vez perdida, morde-se a ela própria, para não se humilhar à mão do enfermeiro Luís.
3. Durante as muitas operações de patrulhamento que fazíamos, tivemos numa delas o nosso baptismo de fogo.
Depois de termos passado o dia a andar, paramos para passar a noite. Íamos a nível de companhia. Ao levantarmo-nos, de madrugada, iniciámos o regresso. Estava muito húmido.
Por cima de nós estava o PC em DO para controlar a nossa progressão.
O PC era o nome que dávamos ao Posto de Comando e o DO era um monomotor da Força Aérea, mais precisamente DO-27. Em determinadas operações um posto de comando era enviado para controlar a progressão da força no terreno, e para ter a certeza que esta atingia o objectivo da operação.
Era a maneira evoluída e mais humana do que se fazia nas guerras convencionais de trincheira.
Quando se pretendia fazer um avanço em linha nas forças inimigas a estratégia era a seguinte:
A artilharia bombardeava durante três dias as trincheiras inimigas, para as aniquilar fisicamente, criar um clima de terror e de ansiedade no inimigo, destruindo-o psicologicamente também, dado que não tinham descanso naqueles dias. De seguida dava-se ordem às nossas tropas para avançarem. Imediatamente a artilharia passava a bombardear as nossas trincheiras, para ter a certeza que ninguém ficava para trás.
Hoje, do ponto de vista comercial, os técnicos das mais avançadas empresas de Sillicon Valley dizem:
- Obtem-se o que se inspecciona, não o que se espera.
Este assunto já vem descrito na Sagrada Bíblia. Só depois do dono da seara mandar aparelhar o cavalo, é que as cotovias dizem umas para as outras:
- Agora sim, irmãs, é hora de irmos embora. - Mandar os criados : não basta, é preciso acompanhá-los.
De repente ficámos debaixo de um grande tiroteio, com a irritante costureirinha, assim lhe chamavamos, à PPSH do inimigo, a bater por cima de nós. Era uma arma automática, que tinha uma maneira muito característica de fazer fogo (2).
Instala-se a surpresa e o medo. Quando a nossa resposta se inicia, o medo desaparece, passamos a dominar a situação, e vá de levantar e sair rapidamente da zona de morte. Depois de tanto barulho, tiros e granadas, pensamos que haverá alguns mortos e feridos. Nada disso. Nada aconteceu. Nossa Senhora vai-nos protegendo.
Quando isto acontece na segunda vez notamos que é quase impossível haver vítimas e é então que se instala a confiança.
Havia pois três períodos distintos durante a Comissão: O primeiro, o da chegada, era o do medo do desconhecido, o medo de não sabermos controlar as situações que nos apareciam. O segundo era o da auto confiança, em que nos considerávamos os maiores. Nada nos intimidava. O terceiro era a fase final. Era o pior pois a pouco tempo do embarque e já com a comissão prestes a acabar, tínhamos medo que algo nos acontecesse. Era a fase do tirem-me daqui.
4. Todos os dias havia uma coluna que ia a Bissau e que era acompanhada por um grupo de combate para protecção dos carros. Na volta a coluna formava-se junto ao Hospital Militar.
Sempre que eu ia a Bissau costumava subir à enfermaria dos oficiais para saber se lá estava alguém conhecido. Numa dessas vezes entro e vejo um rapaz amigo, o Alvarez. Tinha entrado comigo para Mafra. Naquela altura, ele tinha um DKW que se via aflito para subir a ladeira de Cheleiros [, estrada de acesso a Mafra].
Era Alferes dos Comandos e, numa operação no Sul, contou-me ele, ia em terceiro lugar e deu de caras com o inimigo, num trilho. Depois da troca de tiros, há uma granada de bazuca do inimigo que explode nas árvores e os estilhaços choveram sobre ele.
Coitado, estava todo esburacado. Depois de várias operações, ficou bom e é hoje um dos melhores comandantes da TAP. Já tive a sorte de voar com ele uma vez.
____________
Nota de L.G.
(1) Vd último post, de 7 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (5): Periquito em Mansoa
(2) Vd. a página de Bill Berg, em inglês, sobre a PPSH bem como fotos desta famosa arma russa que nos punha os cabelos em pé, na Guiné (fotos da autoria de Oleg Volk) . Sobre as armas utilizadas na guerra colonial, consultar também o Centro de Documentação 25 de Abril , da Universidade de Coimbra. Infelizmente há poucos sítios, em portugugês, com as imagens e com as especificações técnicas das armas mais usadas durante a guerra colonial em África. É um campo a explorar eventualmente por um dos nossos tertulianos...
domingo, 7 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P732: Convívios: Encontro do Curso de Oficiais Milicianos da EPI, 2ª Incorporação de 1967
Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra.
© Paulo Raposo (2006)
Mensagem do Paulo Raposo, pedindo a divulgação do seguinte:
Grande Encontro da 2ª Incorporação, de 10 de Abril de 1967, do Curso de Oficiais Milicianos da Escola Prática de Infantaria (EPI), Mafra
1 de Julho de 2006 > Mafra
10.00 - Concentração junto à Porta de Armas da EPI
10.45 - Homenagem aos mortos
11.00 - Colocação de uma placa assinalando o encontro
12.00 - Missa campal na parada
12.45 - Fotografia dos presentes
13.00 - Almoço no refeitório do Quartel
Preço do pessoa > 15 a 20 € (Estando dependente do nº de participantes)
Traz a tua família e passa palavra a outros ex-cadestes desta incorporação.
Traz também a tua boina coma s armas da Infantaria e o emblema da
Placa a ser afixada;
HOMENAGEM À EPI
CURSO DE OFICIAIS MILICINOS 2ª INC. 1967
10 de Abril de 1967
1 DE JULHO DE 2006
Os organizadores > Rui Felício e Paulo Raposo
Envia a tua inscrição para: abril67epi@gmail.com
Contacto na EPI: 2º Comandante, ten-cor João Mendes
Tel 261 815 055
© Paulo Raposo (2006)
Mensagem do Paulo Raposo, pedindo a divulgação do seguinte:
Grande Encontro da 2ª Incorporação, de 10 de Abril de 1967, do Curso de Oficiais Milicianos da Escola Prática de Infantaria (EPI), Mafra
1 de Julho de 2006 > Mafra
10.00 - Concentração junto à Porta de Armas da EPI
10.45 - Homenagem aos mortos
11.00 - Colocação de uma placa assinalando o encontro
12.00 - Missa campal na parada
12.45 - Fotografia dos presentes
13.00 - Almoço no refeitório do Quartel
Preço do pessoa > 15 a 20 € (Estando dependente do nº de participantes)
Traz a tua família e passa palavra a outros ex-cadestes desta incorporação.
Traz também a tua boina coma s armas da Infantaria e o emblema da
Placa a ser afixada;
HOMENAGEM À EPI
CURSO DE OFICIAIS MILICINOS 2ª INC. 1967
10 de Abril de 1967
1 DE JULHO DE 2006
Os organizadores > Rui Felício e Paulo Raposo
Envia a tua inscrição para: abril67epi@gmail.com
Contacto na EPI: 2º Comandante, ten-cor João Mendes
Tel 261 815 055
Guiné 63/74 - P731: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (5): Periquito em Mansoa
V parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 15-16 (1).
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > Um periquito em Mansoa
© Paulo Raposo (2006)
MANSOA - Parte I
Seguimos finalmente para Mansoa, em coluna. Como ainda não estávamos armados, nos sessenta quilómetros que se seguiram, íamo-nos perguntando:
- E se houver ataque à coluna, como é?
Mansoa era uma terra importante com ruas alcatroadas. Durante essa primeira noite, o Batalhão que lá estava, o 1911, simpáticos, fizeram uma salva de artilharia à noite para verem a reacção dos periquitos (alcunha dos recém chegados).
Logo na primeira semana em Mansoa, dei por outra situação semelhante à que tive em Abrantes com o meu colega de quarto. Um belo dia estávamos a almoçar na Messe e, na cozinha, que ficava junta, alguém fechou com força a tampa de uma arca frigorífica.
Um Alferes do 1911, portanto já com algum tempo na Guiné, dá de repente um salto, e faz menção de correr para o abrigo. Pergunto-me:
- 0 que se passa?
O barulho seco do fecho destas arcas frigoríficas era semelhante ao da saída de um tiro de morteiro. Aquele rapaz ouviu o barulho e saltou, como um reflexo condicionado.
Passado pouco tempo, isto começou a acontecer com quase todos nós, e manteve-se ainda muito tempo depois de termos regressado de vez.
O nosso estado de alerta era uma constante. O clima era horrível. No verão havia calor e chuva todos os dias. O inverno era quente e seco. Foram dois anos a dormir só com um lençol. Muitas saudades tive do peso e do calor do cobertor da minha cama.
A noite os mosquitos eram às núvens, não se podia dormir. Era um suplício.
A vegetação era luxuriante, cheia de vários verdes muito bonitos. Tudo crescia e se desenvolvia desordenadamente. A Guiné era rica em madeiras exóticas. Naquele tempo não havia o cuidado de cortar e plantar ordenadamente a floresta para explorar a madeira. A mãe natureza era generosa naquela terra. Quanto a animais selvagens só vi gazelas, macacos e gibóias.
Todos os que por África passaram trazem saudades da sua mística. Quanto a mim tem a ver com dois factores. Um é o espaço: há espaço e oportunidades para todos. Não há pressas. Neste ambiente a inter-ajuda e a solidariedade são infinitas e com elas vem o convívio e a amizade. As amizades de África são para a vida e para a morte.
O outro factor é o clima. O dia quando nasce, nasce com toda a sua pujança e exuberância e a natureza desperta de repente. O pôr do sol, cheio de cores quentes, é o inverso. A natureza adormece na sua paz também quase de repente. É o melhor momento do dia. Era durante este período que tomávamos banho, punhamos roupa à civil e íamo-nos sentar nas cadeiras de lona no exterior da Messe, a beber um aperitivo e a conversar. Era um ritual.
Era no meio deste ritual que aparecia o sargento do dia com uma praça. O soldado trazia um tabuleiro com prova do rancho dos soldados. Dava-o a provar ao Oficial do dia e ao Comandante. Muitas vezes era melhor e tinha melhor apresentação que o nosso. Era mais um ritual.
Durante os cinco meses que estivemos em Mansoa a nossa vida foi um frenesim, embora tenha sido o único período em que tivemos luz eléctrica. O resto da comissão foi feita à luz do Petromax.
Saíamos quase todos os dias, ora em colunas, ora como escoltas, outras vezes em operações, outras ainda em patrulhamento, emboscadas, ou como protecção à capinagem, eu sei lá, fazíamos de tudo. Na maioria das vezes, a nossa segunda farda não chegava a secar da saída anterior, e lá íamos com a roupa molhadinha colada ao corpo.
__________
Nota de L.G.
(1) Vd último post, de 5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 15-16 (1).
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > Um periquito em Mansoa
© Paulo Raposo (2006)
MANSOA - Parte I
Seguimos finalmente para Mansoa, em coluna. Como ainda não estávamos armados, nos sessenta quilómetros que se seguiram, íamo-nos perguntando:
- E se houver ataque à coluna, como é?
Mansoa era uma terra importante com ruas alcatroadas. Durante essa primeira noite, o Batalhão que lá estava, o 1911, simpáticos, fizeram uma salva de artilharia à noite para verem a reacção dos periquitos (alcunha dos recém chegados).
Logo na primeira semana em Mansoa, dei por outra situação semelhante à que tive em Abrantes com o meu colega de quarto. Um belo dia estávamos a almoçar na Messe e, na cozinha, que ficava junta, alguém fechou com força a tampa de uma arca frigorífica.
Um Alferes do 1911, portanto já com algum tempo na Guiné, dá de repente um salto, e faz menção de correr para o abrigo. Pergunto-me:
- 0 que se passa?
O barulho seco do fecho destas arcas frigoríficas era semelhante ao da saída de um tiro de morteiro. Aquele rapaz ouviu o barulho e saltou, como um reflexo condicionado.
Passado pouco tempo, isto começou a acontecer com quase todos nós, e manteve-se ainda muito tempo depois de termos regressado de vez.
O nosso estado de alerta era uma constante. O clima era horrível. No verão havia calor e chuva todos os dias. O inverno era quente e seco. Foram dois anos a dormir só com um lençol. Muitas saudades tive do peso e do calor do cobertor da minha cama.
A noite os mosquitos eram às núvens, não se podia dormir. Era um suplício.
A vegetação era luxuriante, cheia de vários verdes muito bonitos. Tudo crescia e se desenvolvia desordenadamente. A Guiné era rica em madeiras exóticas. Naquele tempo não havia o cuidado de cortar e plantar ordenadamente a floresta para explorar a madeira. A mãe natureza era generosa naquela terra. Quanto a animais selvagens só vi gazelas, macacos e gibóias.
Todos os que por África passaram trazem saudades da sua mística. Quanto a mim tem a ver com dois factores. Um é o espaço: há espaço e oportunidades para todos. Não há pressas. Neste ambiente a inter-ajuda e a solidariedade são infinitas e com elas vem o convívio e a amizade. As amizades de África são para a vida e para a morte.
O outro factor é o clima. O dia quando nasce, nasce com toda a sua pujança e exuberância e a natureza desperta de repente. O pôr do sol, cheio de cores quentes, é o inverso. A natureza adormece na sua paz também quase de repente. É o melhor momento do dia. Era durante este período que tomávamos banho, punhamos roupa à civil e íamo-nos sentar nas cadeiras de lona no exterior da Messe, a beber um aperitivo e a conversar. Era um ritual.
Era no meio deste ritual que aparecia o sargento do dia com uma praça. O soldado trazia um tabuleiro com prova do rancho dos soldados. Dava-o a provar ao Oficial do dia e ao Comandante. Muitas vezes era melhor e tinha melhor apresentação que o nosso. Era mais um ritual.
Durante os cinco meses que estivemos em Mansoa a nossa vida foi um frenesim, embora tenha sido o único período em que tivemos luz eléctrica. O resto da comissão foi feita à luz do Petromax.
Saíamos quase todos os dias, ora em colunas, ora como escoltas, outras vezes em operações, outras ainda em patrulhamento, emboscadas, ou como protecção à capinagem, eu sei lá, fazíamos de tudo. Na maioria das vezes, a nossa segunda farda não chegava a secar da saída anterior, e lá íamos com a roupa molhadinha colada ao corpo.
__________
Nota de L.G.
(1) Vd último post, de 5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola
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