1. Ontem, na RTP 1, a seguir ao Telejornal, foi exibida uma curta reportagem sobre os ex-comandos africanos que foram fuzilados a seguir à independência, uns (os mais graduados), ou pura e simplesmente abandonados à sua sorte, a generalidade das praças, perseguidos, discriminados, esquecidos...
Órfãos de Pátria intitulava-se a primeira peça do programa Em Reportagem, da autoria do jornalista António Mateus.
Eu tinha mandado um lembrete a todo o pessoal da tertúlia e pedi inclusive um voluntário para tirar umas notas, visionar o programa e escrever um pequeno texto para o blogue. Recebi de imediato uma nota, crítica e de frustação, assinada pelo José Martins (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70).:
- A montanha pariu uma rato! - disse ele.
Para o nosso camarada, o porgrama não trouxe nada de novo. E sobretudo perdeu-se uma oportunidade, a de fazer a justa homenagem aos guineenses que combaterem ao nosso lado e que se sentiam tão portugueses como nós:
"É pena que, mais uma vez, se tenha perdido a oportunidade de, pelo menos, prestar uma homenagem aqueles que, generosamente, defenderam uma terra que era sua e agora se sentem estrangeiros na própria terra".
O tema não é fácil, para nenhum de nós. Ainda há um bocado me telefonou o Jorge Cabral a perguntar se tinha visto o programa (perdi a primeira parte) e se tinha reconhecido o trsitemente famoso poilão dos fuzilamentos em Bambadinca, à beira da estrada:
- Passei por ele montes de vezes!
Para o Jorge Cabral que tem uma visão crítica da guerra e da nossa presença na Guiné ("só conhecemos a guerra, nunca conhecemos a Guiné, a sua cultura, a sua história, a história da sua violenta pacificação pelos portugueses"...) (1), é doloroso relembrar o destino trágico de antigos combatentes que ele conheceu e com quem privou, em Fá Mandinga e em Bissau, e alguns dos quais eram seus amigos: o Saegue, O Jamanca, o Camará...
2. Outro comentário que me chegou, cauteloso, foi o do David Guimarães (ex-Furriel Miliciano, CART 2716, Xitole, 1970-1972):
Luís: Eu vi o programa e direi porque não o quererei comentar no blogue... Como sabes, existe muita gente que tem amigos lá na Guiné - é assim e decerto eu também tenho...
Quanto ao que aconteceu, ainda um dia destes alguém queria incriminar o Nino Vieira. Ora bem, tudo isso se passou no tempo de Luís Cabral. Mas a sentença estava escrita desde 1973: isso sabe-se desde a declaração da Independência no Boé. Sabes que eu entendo que aquele povo tinha razão! Acho mesmo que os Comandos foram traidores à sua Pátria: não desmobilizaram e continuaram a lutar contra a sua pátria...
Se tivessem desmobilizado e entregue aos seus pátrios guerreiros e irmãos de raça, decerto não seriam mortos. Bem, mas isso é uma questão deles...
Outra, contudo, é a acusação que Luís Cabral faz a Nino Vieira, dizendo que este como Chefe das Forças Armadas teria sido o executante e responsável por tais actos sendo que ele não saberia de nada... Isso deve ser uma grande mentira, mas enfim quem tem razão ?!...
Existem as dores do crescimento da democracia: a Guiné padeceu mais ainda... e continua a padecer, pois não se entendem...
Sei da posição de alguns bloguistas que estão mortinhos por começar a falar de política... Ai, Luís, que os maiores culpados decerto até fomos nós, que abandonámos aquela gente... Ora eles tinham a nacionalidade portuguesa, tinham as mais altas condecorações portuguesas e os nossos governantes da altura (e de agora) nem se mexeram...
O Nino hoje [na reportagem] disse e teve razão, apontando a principal culpa aos Portugueses. Naturalmente, se trouxemos os brancos, os negros também viriam, se quisessem... Então, sim, não tínhamos que nos penitenciar...
Vi o programa todo e vi Bambadinca - a nossa Bambadinca... Decerto ou sou romântico demais ou sou parvo, mas naquela altura todo o combatente anti-pátria da Guiné, já independente em Madina de Boé, passou à qualidade de traidor à Pátria...
O que tu farias??
Pronto, aqui tens a minha opinião...
Um abraço David Guimarães
3. Comentário de L.G.
Meu querido David:
Não vou permitir que o pessoal entre em demagogias, no discurso fácil, emocional, acusatório... É abrir a Caixa de Pandora... O tema é doloroso e emotivo...
De qualquer modo, peço-te autorização para publicar o teu texto... É corajoso... Mas a verdade tem sempre um verso e um reverso...
De qualquer modo, nenhum de nós defende a pena capital - no primeiro país do mundo a abolir a pena de morte (em 1852, para crimes políticos; em 1867, para todos os crimes, excepto os militares; em 1911, para todos, incluindo os militares; e definitivamente, em 1976)...
Nenhum de nós, é a favor da pena de morte, revolucionária ou não... Por isso, a execução (praticamente sumária) dos nossos antigos camaradas dos comandos africanos não tem nem pode ter justificação alguma... Pode explicar-se, mas não justificar-se. Que fique clara a nossa posição!
4. O David respondeu a seguir:
Autorizado ... Nós só abolimos a pena de morte em Portugal em 1976... Luís, em crimes de guerra eram permitidas as penas capitais... Claro que eu não sou a favor de penas capitais, mas entendo naquele processo... É só isso...
Um abraço. És livre de publicar o meu texto, corrige algum Português que eu, emocionado, escrevo-te como falo...
___________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXVI: Carta (aberta) ao Luís (Jorge Cabral)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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