domingo, 7 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P731: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (5): Periquito em Mansoa

V parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).


Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 15-16 (1).


Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > Um periquito em Mansoa
© Paulo Raposo (2006)

MANSOA - Parte I

Seguimos finalmente para Mansoa, em coluna. Como ainda não estávamos armados, nos sessenta quilómetros que se seguiram, íamo-nos perguntando:
- E se houver ataque à coluna, como é?

Mansoa era uma terra importante com ruas alcatroadas. Durante essa primeira noite, o Batalhão que lá estava, o 1911, simpáticos, fizeram uma salva de artilharia à noite para verem a reacção dos periquitos (alcunha dos recém chegados).

Logo na primeira semana em Mansoa, dei por outra situação semelhante à que tive em Abrantes com o meu colega de quarto. Um belo dia estávamos a almoçar na Messe e, na cozinha, que ficava junta, alguém fechou com força a tampa de uma arca frigorífica.

Um Alferes do 1911, portanto já com algum tempo na Guiné, dá de repente um salto, e faz menção de correr para o abrigo. Pergunto-me:
- 0 que se passa?

O barulho seco do fecho destas arcas frigoríficas era semelhante ao da saída de um tiro de morteiro. Aquele rapaz ouviu o barulho e saltou, como um reflexo condicionado.

Passado pouco tempo, isto começou a acontecer com quase todos nós, e manteve-se ainda muito tempo depois de termos regressado de vez.

O nosso estado de alerta era uma constante. O clima era horrível. No verão havia calor e chuva todos os dias. O inverno era quente e seco. Foram dois anos a dormir só com um lençol. Muitas saudades tive do peso e do calor do cobertor da minha cama.
A noite os mosquitos eram às núvens, não se podia dormir. Era um suplício.

A vegetação era luxuriante, cheia de vários verdes muito bonitos. Tudo crescia e se desenvolvia desordenadamente. A Guiné era rica em madeiras exóticas. Naquele tempo não havia o cuidado de cortar e plantar ordenadamente a floresta para explorar a madeira. A mãe natureza era generosa naquela terra. Quanto a animais selvagens só vi gazelas, macacos e gibóias.

Todos os que por África passaram trazem saudades da sua mística. Quanto a mim tem a ver com dois factores. Um é o espaço: há espaço e oportunidades para todos. Não há pressas. Neste ambiente a inter-ajuda e a solidariedade são infinitas e com elas vem o convívio e a amizade. As amizades de África são para a vida e para a morte.

O outro factor é o clima. O dia quando nasce, nasce com toda a sua pujança e exuberância e a natureza desperta de repente. O pôr do sol, cheio de cores quentes, é o inverso. A natureza adormece na sua paz também quase de repente. É o melhor momento do dia. Era durante este período que tomávamos banho, punhamos roupa à civil e íamo-nos sentar nas cadeiras de lona no exterior da Messe, a beber um aperitivo e a conversar. Era um ritual.

Era no meio deste ritual que aparecia o sargento do dia com uma praça. O soldado trazia um tabuleiro com prova do rancho dos soldados. Dava-o a provar ao Oficial do dia e ao Comandante. Muitas vezes era melhor e tinha melhor apresentação que o nosso. Era mais um ritual.

Durante os cinco meses que estivemos em Mansoa a nossa vida foi um frenesim, embora tenha sido o único período em que tivemos luz eléctrica. O resto da comissão foi feita à luz do Petromax.

Saíamos quase todos os dias, ora em colunas, ora como escoltas, outras vezes em operações, outras ainda em patrulhamento, emboscadas, ou como protecção à capinagem, eu sei lá, fazíamos de tudo. Na maioria das vezes, a nossa segunda farda não chegava a secar da saída anterior, e lá íamos com a roupa molhadinha colada ao corpo.

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Nota de L.G.

(1) Vd último post, de 5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola

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