Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete > 1969 > O ex-Fur Mil Henriques, da CCAÇ 12, com uma menina, em frente à casa principal da tabanca que, "salvo erro, pertencia à família do comandante do pelotão de milícia, Bazilo Soncó" (LG). Finete ficava frente a Babambadinca, do lado (direito) do Rio Geba.
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > 1970 > A economia local dependia também também da produção pecuária que por sua vez estava dependente da prática da transumância, prática essa que a guerra veio limitar ou inviar... Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Lisboa > Hospital Militar Principal > 1969 > Fotografia do 2º sargento Fodé Dahaba. Pertencia ao Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Missirá ) . Foi gravemente ferido em 22 de Fevereiro de 1969 na Op Anda Cá (Fevereiro de 1969). Vive hoje em Lisboa e visita regular do seu antigo comandante, o Beja Santos.
Texto e foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado em 22 de Dezembro de 2006:
Caro Luís, aqui vai o segundo texto de 1969. A seguir, inopinadamente, o Comandante Chefe e séquito chegam a Missirá onde tudo está mal, desde a insegurança dos abrigos, a tropa mal indumentada, há balas perdidas no chão e por azar dos Távoras o soldado Bacari Djassi entrou numa discussão com o alto comando sobre a diferença entre a luz do mato e a ausência de um gerador...
Apanhei um calafrio e uma reprimenda brutal do Hélio Felgas [, comandante do Agrupamento de Bafatá,] (2), e no mês seguinte dois dias de prisão. Esta toada surrealista ainda é mais incompreensível para quem sabe o que recebi e o que estou a procurar fazer em terras do Cuor. No tocante a ilustrações, acho que chegou a oportunidade para te socorreres do material fotográfico do Luís Casanova.
Aceita um abraço e os votos que 2007 só te dê grandes alegrias, em casa, no trabalho e nos afazeres tertulianos, Mário Beja Santos.
A conjura de Finete e as vacas de Mero
por Beja Santos
É a primeira vez que revisito o passado do Cuor com Fodé Dahaba (3). Pedi-lhe uma primeira ajuda para falarmos de um estranho drama ocorrido em Janeiro envolvendo um pseudo manifesto colectivo que fora transmitido ao Comandante de Bambadinca e em que eu era directamente acusado de maus tratos à população e às milícias; igualmente lhe pedira para me ajudar a esclarecer a colaboração e os apoios de Mero às gentes de Madina/Belel [, base do PAIGC, a noroeste de Missirá].
O Fodé Dahaba que está na minha frente, ladeado pela sua mulher, Fatemana, vestida a rigor para dia de festa, e de Margarida, um dos seus 7 filhos, que lembra uma jovem de Brooklin ou do East Side londrino, tem os olhos vazos, apõe o coto da sua mão sinistrada em 22 de Fevereiro de 1969, mesmo junto a Madina, e sorri com a mesma inocência e beleza de feições com que o conheci em 1968.
- Fodé, nunca entendi o que pretendiam as pessoas que foram caluniar-me junto do Comandante de Bambadinca. Não tinha pés nem cabeça, era inevitável a reacção da população a meu favor, nunca entendi o porquê, a justificação de uma mentira tão facilmente desmontável. Agora que estou a escrever o relato daquele tempo, conto com a tua sinceridade.
A luta pelo poder entre as milícias de Finete
Tudo começara com o chamamento urgente feito pelo Pimbas [, o tenente-coronel Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852] (4). Recebeu-me no seu gabinete, senti-o contrafeito mas após algumas preliminares inócuas, atacou o assunto:
- Olha, isto parece uma história maluca. Apareceu-me aqui um soldado com uma carta a dizer que o povo e as milícias de Finete não querem o teu comando. Segundo os queixosos, tu dás muito menos a Finete do que dás a Missirá, tu exiges grandes esforços e gritas com eles. Ouvi-o e imagina tu que não tinha passado uma hora tinha aqui à porta os homens grandes com o chefe de tabanca à frente a dizerem que era tudo mentira o que se dizia a teu respeito. Não sei o que te diga, e queria saber o que tu pensas.
Eu não sabia de nada, embora fosse conhecedor das tensões permanentes entre mim e o Comandante das milícias, Bazilo Soncó, um dos irmãos do régulo. Agora supor que havia um estado de rejeição quando regularmente estava ou passava por Finete e mantinha as relações mais cordiais com todos, parecia manifestamente absurdo.
- Meu Comandante, peço-lhe que me deixe falar com a população e os milícias de Finete e de seguida um seu representante inquirirá sobre a situação existente. Depois tomará as decisões que entender.
Sem perda de tempo, cambei o Geba e uma hora depois reuni-me primeiro com os homens grandes e depois em separado com as milícias. Não precisei de falar. O chefe de tabanca, Mussá Mané, tomou a palavra para dizer que pediam a expulsão de Abdu Soncó, um cabo da milícia a quem acusavam de estar a mentir e cujo propósito seria o de Finete ficar em autonomia relativa, dependente do batalhão de Bambadinca. E que eu ficasse a saber que a população de Finete não aceitava ser misturada nas calúnias que sabiam constar numa carta entregue em Bambadinca.
Na reunião com os milícias, senti o silêncio de uns e a indignação de outros. O dito Abdu Soncó acusou-me de não dar cimento, armas e munições em quantidades satisfatórias, levar milícias para os trabalhos duros de Missirá e não pagar a tempo e horas. Recordo que Bacari Soncó pediu para falar, lembrando o que era Finete ainda há escassos meses e desmontou a argumentação do seu camarada. Não discursei mas avisei-os que ia transmitir ao Comando em Bambadinca o teor das duas reuniões havidas. Tudo se esclareceu rapidamente, pedi para não haver sanções sobre Abdu e a ala discordante mas nunca apurei o que motivara esta aparatosa e descocada conjura.
Fodé remexe-se na cadeira e deu-me a interpretação dos factos. Quem estaria por detrás da movimentação era o próprio Bazilo e um Sargento, Abás Jamanca. Por outras palavras, Bazilo e Abás temiam que Fodé e Bacari fossem escolhidos para comandar as milícias e eles afastados.
Eu criticava asperamente Bazilo por nunca sair do aquartelamento, isto quando Fodé e Bacari estarem permanentemente a meu lado nos patrulhamentos ou por sua iniciativa a patrulharem sobretudo na extensa bolanha entre Boa Esperança e Gã Gémeos. Aquela carta de Abdu fora uma tentativa desastrada de me procurarem afastar para manter o statu quo. Eu ia tomando nota destes apontamentos e perguntando a mim próprio se afinal não somos iguais no amor e no ódio, em qualquer atmosfera de guerra ou paz. Felizmente que um mês após a trágico-cómica conjura já ninguém se recordava desta lamentável história.
As vacas de Mero e o bombolom dos balantas
Falámos depois das vacas de Mero:
- Fodé, era impossível que os balantas de Mero não fossem todos coniventes com as gentes de Madina. Eu só me interrogo é como eles acordavam os dias e as horas e os itinerários dos encontros já que corriam riscos mortais. O que é que tu pensas?
Aqui Fodé encolheu os ombros como se aquela fatalidade viesse do fim dos tempos:
- Ouve, tu sabes como é que os balantas comunicam entre si? É através do bombolom, um tronco oco por onde envia mensagens. Antigamente era através dos cornos de vaca, mas depois o bombolom era o telemóvel deles. Estou seguro que os ouvíamos mandar mensagens para os grupos que vinham de Madina ao princípio da madrugada. Só os balantas é que conhecem aquela linguagem. Parece um batuque mas aquilo são tudo sinais. Eles tocavam e as gentes de Madina ficavam a saber que não havia perigo, podiam atravessar o rio Geba e regressar ao mato com vacas, mais gente para a tropa, tabaco, o que precisassem.
Então lembrei-me que uma noite estávamos emboscados junto de Gambicilai e avistámos movimento na bolanha em frente a Mero. Cautelosamente, emboscámos junto ao rio, esperámos que atravessassem com a sua carga. Vimos chegar vultos esfumados e vimos os contornos dos animais. Mas o azar nesse dia estava no nosso lado. Nhaga Macque, um fula possante, deu um espirro monumental no meio da noite, o grupo de Mero dispersou rapidamente e a única compensação que tivemos foi apanhar uma vaca que tinha atravessado o rio. Vezes sem conta pedi em Bambadinca que se fizesse o recenseamento da população, perdi sempre. Nessa altura as atenções estavam centradas nos Nhabijões e noutras tabancas em autodefesa.
Recordo que por essa altura também o Pimbas me tinha pedido a síntese sobre a situação político-militar no Cuor. Formei um grupo de reflexão de que faziam parte o régulo Malã, o Casanova, o Comandante das milícias de Missirá, Albino Amadu Baldé, Bacari Soncó e Fodé Dahaba. Nesse pequeno documento que entreguei ao Pimbas chamava a atenção para os seguintes pontos:
(i) o Cuor devia ser encarado militarmente na dimensão Enxalé-Missirá-Geba, independentemente de nos competir assegurar a manutenção da via marítima do Geba;
(ii) era totalmente impossível aumentar a capacidade ofensiva com tão reduzido contigente, com armamento inapropriado e nas condições logísticas mais deprimentes;
(iii) os rebeldes no Mansomine e no Oio precisavam de ser confrontados por uma conexão de esforços militares que permitissem a nossa presença mais assídua no Joladu e Mansomine, e Missirá nada mais podia fazer que receber as suas eventuais flagelações;
(iv) ou se criavam condições para pôr mais populações em autodefesa ou era inteiramente impossível melhorar a nossa inserção no território.
Entreguei o curto documento, o Pimbas achou interessante mas não houve qualquer seguimento. Eu estava cada vez mais convencido que o PAIGC pretendia obter a neutralização das nossas tropas, já que não havia população a conquistar e o seu esforço de guerra não encarava como prioritário querer aniquilar a nossa presença do rio Geba, algo que eles sabiam ser impossível, pois esta era a única porta aberta para o Leste. O ideal era alguém em Missirá que não fizesse ondas .
Missirá armadilhada pelo Alferes Reis
O Alferes Reis, o mais truculento sapador da Guiné, veio passar 4 dias connosco. Zaragateámos um pouco por causa da quantidade de trotil que ele pretendia enterrar em todos os atalhos que circundam Missirá. O Reis começa-se a afeiçoar à região e quando eu for operado em Março, será ele que apanhará o vendaval de fogo . Mas hoje ajudou-nos imenso a colocar correctamente as fieiras de arame farpado e deixei-o com carta branca para armadilhar junto da fonte de Cancumba, que é um local que tenta os rebeldes.
Fora de tempo e horas chega o pedido de comandante de Bula para eu não visitar os meus antigos soldados da CCAÇ 2402 (5), pois "havia o risco de os desmoralizar". Trata-se de uma história sórdida que não vale a pena aqui desenvolver . Também por esta altura parti uma dentadura postiça que seguiu para reparação num protésico em Lisboa (não havia quem fizesse ou reparasse próteses, pelo menos na região de Bafatá).
O Fodé entretanto pede-me para se ir embora, tem que ir à mesquita pois domingo segue para Meca e à saída disse à Margarida:
- A família de alfero e os seus amigos deram-me todo o apoio que me ajudou a suportar o muito sofrimento. E gostei muito do louvor que recebi depois da pancada recebida!
Se tudo correr bem, vamos reunir-nos em breve para falar da operação Anda Cá.
Os mais bravos soldados do mundo
Tenho muito orgulho nos louvores e pedidos de condecoração para os meus soldados. Um oficial é sempre o porta-voz do agradecimento e reconhecimento dos méritos e do bom uso da escala de valores. Louvei o Joaquim da Conceição, o Saiegh, o Domingos Ferreira e o Veloso. Pedi louvores para Adulai Djaló, Cherno Suane, António Teixeira e tantos outros por comportamentos excepcionais em teatro de operações.
Mas recorri igualmente ao louvor para destacar o primor de carácter, a abnegação, ou um só momento de valentia. Fi-lo com o Luís Casanova e outros como o Barbosa (aquele que tinha o fetiche pela sua boina verde) por ser entusiasta na reconstrução do quartel, por gostar de ajudar sem ser visto.
Lembro o Zé Pereira que durante uma flagelação entrou numa morança em chamas para retirar uma criança esquecida na precipitação da fuga. Este mesmo Zé Pereira era valente, bom professor e dava-me muito apoio nas traduções para crioulo. No dia em que li o seu louvor ao pelotão em formatura e onde se dizia que o víamos partir cheios de saudade, o pelotão aplaudiu de pé. Mas lembro, embargado pela emoção o louvor a Quebá Sissé, o Doutor, o mais risonho dos cozinheiros. Fazia reforços e ia a Mato de Cão como toda a gente.
Tive igualmente em conta as referências elogiosas aos meus soldados antes de ter chegado em Agosto. Por exemplo, Sibo Indjai, o mais indómito dos caçadores que nos trazia frequentemente porco e gazela do mato. Em Junho de 68, escrevi-lhe um louvor, porque com desprezo pela sua própria vida lançara-se num ataque a uma casa de mato, pondo em fuga o grupo rebelde. E sempre que me disseram que eu comandava alguns dos mais bravos soldados do mundo nunca protestei porque achasse exagerado, eu sabia que era verdade.
O fim da minha curtíssima carreira... poética
Não vou falar num livro prodigioso que estou a ler O Deus das Moscas, de William Golding, um belo e terrível livro que alguém classificara como o mais notável romance inglês do pós-guerra. Eu hoje quero comunicar que vou pôr termo à minha veia poética, reconhecendo a falência de inspiração.
Devo ao Ruy Cinatti o ter vindo a conhecer René Char, Francis Ponge ou Saint-John Perse. Este último influenciou-me muito, e momentos houve em que julguei que a boa poesia passa por manipular habilidosamente uma trovoada de imagens. Descobri no momento da verdade que a arrumação dos versos que o foguetório pode encher o olho mas não deixa o espírito saciado.
Lembro que uma vez escrevi "esta terra tem um cheiro a morangos podres e a pó de morcego" e depois desatei a rir porque não era mentira para os meus sentidos mas constituía uma afronta para a comunicação. Outra vez escrevi "dor em tabuada, vapor e trovoada" não me soava mal mas não passava de uma bolha de sabão. Momentos houve em que aceitei haver beleza num encadear de palavras, havia até uma toada épica que não me desagradava: "A quem me lembra e esquece, cada letra é uma homem em Missirá, cada letra sobe os ramos numa árvore prometida. Em cada letra sinto o brilho de uma catana que mutila e dela saem os gritos dos meus amigos que partem para sempre. À minha volta, há um arado e há sangue coagulado, há pássaros cegos que esvoaçam encadeados por uma melodia de sal. E Missirá resiste!".
Se vos conto esta intimidade é porque a guerra é também um bom momento para termos respeito pela nossa vocação e sermos sinceros com o que escrevemos. Eu vim a descobrir que escrevo com indizível prazer mas a veia poética é inexistente. E no entanto... momentos há em que me atiro para a frente, colo os versos como se os pregasse em forma de desenho de uma parede e me emociona com o resultado. Será assim quando um dia, em 2006, escrever para os meus camaradas da Guiné A Estrela de Belém a Missirá.
Este mês de Janeiro [ de 1969] reserva-nos as últimas chuvas. A escola funciona bem, as obras dos abrigos prosseguem, chegou mais cimento e chapas de zinco, desmata-se em Canturé, há Mato de Cão todos os dias e, não fosse esta perna que arrasto cada vez com mais dificuldade, eu diria que o Cuor é a minha segunda casa e estes homens com quem vivo dentro e fora do arame farpado os maiores amigos do mundo.
Um dia destes, enquanto desmatamos em frente a Missirá e um Unimog puxa com guincho cibes que cortámos de um palmeiral, vamos ouvir os rotores de dois helicópteros e vou conhecer o Comandante Chefe. Serei admoestado, o que não vai abalar as minhas convicções. Seguir-se-à Chicri e depois Quebá Jilã. A roda da fortuna vai de novo circular descompassadamente. E, pior do que tudo, seguir-se-à a amargura dessa falhada operação Anda Cá.
Há momentos em que me questiono de onde vem esta energia para reconstituir os factos sem gritar cheio de dor, tal a raiva das perdas.
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel
(2) Vd. post de 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas
(3) Vd. post de 22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1102: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (12): Os meus irmãos de Finete
(4) Vd. posts de:
22 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor
31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852
(5) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 18 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1441: Questões politicamente (in)correctas (20): Sempe camaradas, nunca censores (João Tunes)
Comentário do João Tunes ao post do Carlos Vinhal (1):
Ora nem mais, camarada Carlos Vinhal.
Isto é mais simples que fazer a guerra. Estamos no blogue porque gostamos. A maioria de nós não se conhece. Temos em comum termos estado no mesmo sítio, no mesmo problema, uns ao mesmo tempo e outros em tempos diferentes. Fora isto, que é em si mesmo muito pouco para gerar empatia gregária, o que sobra? Pois, completar os ângulos e as vivências que preenchem a memória de uma fase marcante das nossas juventudes.
E como não sofremos de doença de pensamento único ou do reumático das regras de cartilha de espírito de corpo corporativo, seja ele castrense ou paisano, cada qual não abdica de olhar esta experiência colectiva, pelos caminhos da memória interrogada, segundo suas crenças, opiniões e visões. E, com a distância, sendo todos adultos a puxar para os velhotes que vamos sendo, além de democratas por condição, a diversidade dos olhares que existe em cada um só nos ajeita e enfeita os óculos que queremos usar para a realidade partilhada e esfumada no tempo. Sem estes condimentos, o blogue não seria blogue nem tertúlia, seria apenas uma enfadonha sessão de Ordem Unida para general passar revista.
Sei, desde que lá estive, na Guiné, que não estive na mesma guerra que qualquer outro camarada, os do meu tempo e minha companhia, mais os camaradas de tertúlia que estimo sem conhecer. Eu, como qualquer um, sou uma pessoa, único portanto. E na guerra da Guiné estiveram pessoas e não carneiros. E nenhum general consegue clonar os seus soldados. Vivi-a com outros. Apoei e apoiaram-me. Fiz o que pude e soube tentando não sujar a minha consciência de homem que ainda hoje não me pesa. Assisti ao melhor e ao pior nos homens, meus camaradas e meus inimigos, sabendo que a guerra leva os homens aos extremos de si mesmos e nem todas as lideranças são entregues a mentes limpas. Regressei com marcas da minha guerra, as sofridas na carne e espírito da pessoa que fui e sou, a pessoa que teve de se reconstruir para fazer uma vida familiar e profissional, habitando para sempre com a memória da guerra.
Já o disse, mas repito, que não acredito em memória colectiva. Porque não se pode encadear numa mesma percepção aqueles que fizeram a guerra e gostaram de a fazer com aqueles que a rejeitaram como sofrimento violento, inútil e injusto, os que tiveram boa sorte com os que sofreram de má sorte, os sobrevivos e os caídos, os saudáveis e os estropiados, os que tiveram a experência da morte ao lado ou da morte do inimigo com aqueles a quem o destino poupou da prova maior da guerra (a da morte).
Os que ainda recordam Spínola como Nosso General e os que o detestaram e só lhe dão direito ao trato de Caco Baldé. Cada um terá a sua memória que caldeou na pessoa total e única que é. No fundo, aqui, cruzamos memórias e, dessa forma, enriquecemos a memória de cada um. Leio com atenção e respeito a forma como cada um reconstrói a sua memória e a faz interagir com as dos otros camaradas. Pelas minhas posições expressas, saberão como já li tantas e tamanhas posições e depoimentos que se revelam nas antípodas daquilo que, à distância, penso daquela guerra. Algumas dessas, obrigando-me a ranger os dentes no limite da tolerância desportiva. Mas como não sou pastor de almas, consciências ou pensamentos, não há depoimento vosso, por muito antagónico que seja a perspectiva, que não me enriqueça e emocione na forma como vamos construindo memórias somadas que se vão iluminando.
Mas não perderia nem mais um minuto com o blogue se alguém, aqui, me impusesse (tentasse) uma forma única de olhar a guerra ou a pretensão de formatar-me o pensamento ou limitá-lo no seu direito de expressão. Ou invocasse qualquer princípio castrense ou patriótico ou regra grupal para tentar obrigar-me a gostar do que não gostei e a não usar o direito de o proclamar como entender. Até porque se fui guerreiro, não sou santo e, por isso, só respeito quem me respeita. Democraticamente, é assim. Tanto mais que neste blogue não há postos, nem comendas ao peito, nem feitos para a caderneta, ser-se camarada é que é o posto. O único.
Tiro o chapéu ao camarada Carlos Vinhal pela forma sensata como sintetizou o que pensa e apelou à tolerância plural. Assino por baixo a sua ordem de serviço. Cá continuaremos, sempre camaradas e nunca censores. E reitero o apreço e enorme gratidão pelo trabalho árduo e paciente do Comandante que mais estimei entre os que me calharam em sorte (falo, é claro, do nosso camarada Luís, arvorado em Blogo-Marechal). Se o batalhão do blogue assim o entender, este blogue vai continuar a enriquecer-se, enriquecendo-nos, sem parar. Transformando-se, talvez, na única guerra em que, todos nós, não desejamos tréguas nem cessar fogo. Estes são os meus sinceros votos.
Abraços de respeito e consideração para todos os estimados camaradas.
João Tunes
Ex- Alf Mil Trms,
CCS/ BCAÇ 2884
(Pelundo, 1969/7o; CCS/ B..., Catió, 1970/71)
Blogue: Água Lisa (6)
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1438: Questões politicamente (in)correctas (18): A derrota (mais política do que militar) afectou mais a tropa especial (Carlos Vinhal)
Ora nem mais, camarada Carlos Vinhal.
Isto é mais simples que fazer a guerra. Estamos no blogue porque gostamos. A maioria de nós não se conhece. Temos em comum termos estado no mesmo sítio, no mesmo problema, uns ao mesmo tempo e outros em tempos diferentes. Fora isto, que é em si mesmo muito pouco para gerar empatia gregária, o que sobra? Pois, completar os ângulos e as vivências que preenchem a memória de uma fase marcante das nossas juventudes.
E como não sofremos de doença de pensamento único ou do reumático das regras de cartilha de espírito de corpo corporativo, seja ele castrense ou paisano, cada qual não abdica de olhar esta experiência colectiva, pelos caminhos da memória interrogada, segundo suas crenças, opiniões e visões. E, com a distância, sendo todos adultos a puxar para os velhotes que vamos sendo, além de democratas por condição, a diversidade dos olhares que existe em cada um só nos ajeita e enfeita os óculos que queremos usar para a realidade partilhada e esfumada no tempo. Sem estes condimentos, o blogue não seria blogue nem tertúlia, seria apenas uma enfadonha sessão de Ordem Unida para general passar revista.
Sei, desde que lá estive, na Guiné, que não estive na mesma guerra que qualquer outro camarada, os do meu tempo e minha companhia, mais os camaradas de tertúlia que estimo sem conhecer. Eu, como qualquer um, sou uma pessoa, único portanto. E na guerra da Guiné estiveram pessoas e não carneiros. E nenhum general consegue clonar os seus soldados. Vivi-a com outros. Apoei e apoiaram-me. Fiz o que pude e soube tentando não sujar a minha consciência de homem que ainda hoje não me pesa. Assisti ao melhor e ao pior nos homens, meus camaradas e meus inimigos, sabendo que a guerra leva os homens aos extremos de si mesmos e nem todas as lideranças são entregues a mentes limpas. Regressei com marcas da minha guerra, as sofridas na carne e espírito da pessoa que fui e sou, a pessoa que teve de se reconstruir para fazer uma vida familiar e profissional, habitando para sempre com a memória da guerra.
Já o disse, mas repito, que não acredito em memória colectiva. Porque não se pode encadear numa mesma percepção aqueles que fizeram a guerra e gostaram de a fazer com aqueles que a rejeitaram como sofrimento violento, inútil e injusto, os que tiveram boa sorte com os que sofreram de má sorte, os sobrevivos e os caídos, os saudáveis e os estropiados, os que tiveram a experência da morte ao lado ou da morte do inimigo com aqueles a quem o destino poupou da prova maior da guerra (a da morte).
Os que ainda recordam Spínola como Nosso General e os que o detestaram e só lhe dão direito ao trato de Caco Baldé. Cada um terá a sua memória que caldeou na pessoa total e única que é. No fundo, aqui, cruzamos memórias e, dessa forma, enriquecemos a memória de cada um. Leio com atenção e respeito a forma como cada um reconstrói a sua memória e a faz interagir com as dos otros camaradas. Pelas minhas posições expressas, saberão como já li tantas e tamanhas posições e depoimentos que se revelam nas antípodas daquilo que, à distância, penso daquela guerra. Algumas dessas, obrigando-me a ranger os dentes no limite da tolerância desportiva. Mas como não sou pastor de almas, consciências ou pensamentos, não há depoimento vosso, por muito antagónico que seja a perspectiva, que não me enriqueça e emocione na forma como vamos construindo memórias somadas que se vão iluminando.
Mas não perderia nem mais um minuto com o blogue se alguém, aqui, me impusesse (tentasse) uma forma única de olhar a guerra ou a pretensão de formatar-me o pensamento ou limitá-lo no seu direito de expressão. Ou invocasse qualquer princípio castrense ou patriótico ou regra grupal para tentar obrigar-me a gostar do que não gostei e a não usar o direito de o proclamar como entender. Até porque se fui guerreiro, não sou santo e, por isso, só respeito quem me respeita. Democraticamente, é assim. Tanto mais que neste blogue não há postos, nem comendas ao peito, nem feitos para a caderneta, ser-se camarada é que é o posto. O único.
Tiro o chapéu ao camarada Carlos Vinhal pela forma sensata como sintetizou o que pensa e apelou à tolerância plural. Assino por baixo a sua ordem de serviço. Cá continuaremos, sempre camaradas e nunca censores. E reitero o apreço e enorme gratidão pelo trabalho árduo e paciente do Comandante que mais estimei entre os que me calharam em sorte (falo, é claro, do nosso camarada Luís, arvorado em Blogo-Marechal). Se o batalhão do blogue assim o entender, este blogue vai continuar a enriquecer-se, enriquecendo-nos, sem parar. Transformando-se, talvez, na única guerra em que, todos nós, não desejamos tréguas nem cessar fogo. Estes são os meus sinceros votos.
Abraços de respeito e consideração para todos os estimados camaradas.
João Tunes
Ex- Alf Mil Trms,
CCS/ BCAÇ 2884
(Pelundo, 1969/7o; CCS/ B..., Catió, 1970/71)
Blogue: Água Lisa (6)
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1438: Questões politicamente (in)correctas (18): A derrota (mais política do que militar) afectou mais a tropa especial (Carlos Vinhal)
quarta-feira, 17 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1440: Massacre do Chão Manjaco: o teimoso do Spínola, ameaçado de prisão pelos seus colaboradores mais próximos (A. Marques Lopes)
Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O coronel A. Marques Lopes, (à direita), jantando com o comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar (assinalado com um círculo a amarelo).
Foto (e legenda): © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...
Caro Luís
O Afonso F. Sousa fez, de facto, um belo trabalho de pesquisa (1).
Só quero acrescentar que o que demoveu Spínola a ir àquele fatídico encontro, foi uma reunião antecipada que teve com alguns oficiais mais próximos que o tentaram demover e, face à sua teimosia, ameaçaram prendê-lo e não o deixar sair.
Quando estive em Bissau em Abril passado, estive com o comandante Lúcio Soares, como sabem, o qual esteve acompanhado pelo comandante Braima Dakar, que era comandante naquela zona na altura da morte dos três majores. Disse-me que tinha muito para contar, mas que não queria dizer nada (2).
Talvez, se o Leopoldo Amado se puser em campo, o consiga fazer falar.
Abraço
A. Marques Lopes
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas (I parte)
(2) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas (I parte)
16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXI: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)
(...) "O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Camará, numa das fotografias, é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores em chão manjaco. Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada" (...)
15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1279: Encontro com o IN: artigo sobre a viagem Porto-Bissau, publicado no boletim da A25A (A. Marques Lopes)
Guiné 63/74 - P1439: Questões politicamente (in)correctas (19): Os rambos só existem no cinema (Vitor Junqueira)
Mensagem do Vitor Junqueira. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.
Caro Luís Graça e restantes camaradas ex-combatentes, tertulianos e não tertulianos, e em particular meu prezado amigo Amilcar Mendes (1), que não conheço pessoalmente e a quem me dirijo de forma especial, tratando-o por tu de acordo com as regras!
Através do Blogue e de alguns e-mail (poucos), chegaram-me judiciosos comentários sobre uma apreciação que fiz relativamente a um post do Pedro Lauret sob o lema "Na guerra não vale tudo, também há regras".
E a primeira questão que me ocorre é esta: Haverá por aí alguém que discorde da afirmação de princípios contida naquele título? Se essa pessoa existe, por favor ponha o dedo no ar porque eu preciso conhecê-la.
De contrário, posso presumir que estamos todos de acordo, e nessa altura ... vamos a banhos, que o mar está de senhoras, como dizem uns pescadores meus amigos da zona de Peniche.
Então camaradas, serenidade! Olhem que a maioria já deu perto de sessenta voltas ao Sol e os coraçõezitos, presos por arames, não estão para caturrices. E eu não quero ser o gato fechado no quarto, em que todos querem dar porrada. Conhecem esta? Não? Então experimentem e vejam como é que o filha-da-puta do gato se arreganha todo.
Bem, sempre terei que acrescentar algo mais para que isto não pareça um laudatório à madre Teresa de Calcutá.
Operações militares e barbárie
E aqui, ocorre-me uma segunda questão: Admitindo por absurdo que na guerra não há regras, porque é que a comunidade internacional se vinculou maioritária e voluntariamente a instituições como o Tribunal Penal Internacional? E porque é que pedimos a intervenção das Ligas de Defesa dos Direitos Humanos quando há suspeita de que num determinado conflito, esses direitos estão a ser desrespeitados?
E porque é que exigimos o acesso livre e incondicional da Cruz Vermelha Internacional aos teatros de operações, aos feridos e prisioneiros? Em última análise, como é que distinguiríamos os bandidos dos vilãos, os combatentes dos terroristas?
Meu caro Amílcar Mendes, tenho a certeza que concordas comigo. Tem de haver alguma forma de distinção entre operação militar e barbárie. E essa distinção, só pode ser feita através de REGRAS que devem ser gerais e universais, sagradas atrevo-me a acrescentar. Se quisermos ser Humanidade. E como acontece com qualquer regra, a sua violação implica necessariamente uma sanção, ou não é assim? Pronunciem-se os tertulianos juristas p. f.
Embora se trate de um assunto muito polémico, devo dizer-te e reafirmar perante a tertúlia, que, para este tipo de violações, admito a discussão da reintrodução da pena de morte. Os americanos, a quem neste campo não tiro o chapéu, têm neste momento vinte e quatro militares a aguardar sentença, que deverá oscilar entre a injecção reforçada de pentotal, na veia, e a prisão pepétua, por diabruras praticadas no Iraque.
A guerra como dever
Agora Amilcar, vou-te dizer uma coisa. Entre nós existem realmente diferenças, que nos tornaram combatentes diferentes embora a guerra fosse a mesma. E a principal diferença parece-me ser esta: Em primeiro lugar, eu fiz a guerra impelido por motivações políticas, hoje discutíveis. E em segundo, porque gostava e ainda hoje gosto da Guerra!
Para mim, Guerra, não é apenas aquela palavra a que os simplórios atribuem o significado de pegar em armas para matar gente. Ela representa, no meu entender, o direito supremo que uma sociedade organizada possui, de pegar em armas, matar e morrer se necessário, para defender valores que estão para além dos interesses individuais, como a segurança colectiva, a liberdade e a dignidade entre outros. Como tal, participar na guerra é também o supremo dos deveres. Acho eu.
A guerra e os psicopatas
Neste contexto, permite-me a franqueza amigo Amilcar, acho muito estranha a tua afirmação de que tiveste que matar para não morrer. É demasiado redutora, para mais vinda da boca de um comando. Então, mataste porque tiveste medo de morrer? Repara bem, medo, todos tivemos! Mas eu eliminei soldados do PAIGC deliberadamente, porque quis, porque eles eram um obstáculo às missões de que fui incumbido e não apenas porque tivesse medo de morrer. Topas a diferença?
Querido amigo Amilcar Mendes, todos sabemos que em matéria de santos e conforme aludiste no teu post, a coisa é mais ou menos como aquela questão das bruxas. Uns afirmam que as há, eu acho que não! Nem santos, nem meninos de coro nem coitadinhos, como bem referiste.
Aquilo de que tenho a certeza, é que sempre existiram psicopatas. Na sociedade em geral, nas antigas fileiras do PAIGC, como nas das nossas FA's. E esta gentinha, sentindo que por ter uma arma na mão, tinha poder de vida ou de morte sobre população desarmada, particularmente mulheres e crianças, prisioneiros, elementos do IN feridos ou desarmados não constituindo por isso qualquer perigo, fez merda. Da grossa. Não há desculpas que possam justificar estes comportamentos. Nem pode haver indulto. Para eles, manicómio ou tribunal.
Estes bandalhos envergonharam-me e eu isso não perdoo.
De Uzi na mão, um par de colhões e a cabeça no sítio
Estimado ex-camarada; interrogavas-te no teu post se o "Vitor Junqueira quando saía para o mato levava a arma numa mão e a Bíblia na outra". Estás quase lá! Na mão levava a arma, de facto, uma Uzi reluzente de que igual só havia outra na Guiné. Um dia destes vou contar-te a história dessa arma. Mas em vez da Bíblia, levava um par de colhões e o cérebro com que a mãe natureza me dotou.
A propósito de Bíblia, não sei se é lá que vem aquela máxima "não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti". Pois houve alguém que a transformou num regra de ouro com esta redacção " faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem ". Pois acredites ou não, eu consegui convencer o meu pessoal que este preceito era para cumprir à risca.
Olha meu, só te posso dizer que deu um resultadão! Enfrentava-se o perigo com outra alma, não se perderam noites de sono e fazer prisioneiros significava farra, em que eles também participavam. Aos cépticos, posso fornecer prova testemunhal.
Turras... ou antigos adversários, muito simplesmente
E agora, quase no fim e mais uma vez, a questão dos turras. Eu continuo a achar que eram soldados combatentes, ao serviço da sua Pátria que por sinal e naquele tempo era também a minha. Por isso, são-lhes devidos respeito e consideração, tal como exigimos para nós, por parte dos nossos concidadãos e esperamos da parte deles, nossos antigos adversários. Tendo em conta que alguns até se tornaram altos dignitários dessas novas pátrias, como chefes de estado e de governo com quem negociámos, rebaixá-los é o mesmo que rebaixar-nos a nós próprios. Ou estarei enganado?
Aqui como na diplomacia, tem que funcionar o princípio da reciprocidade, sem tergiversões. Já agora ó Amilcar e restante malta, se vos fosse dada a oportunidade, teriam tomates para um dia destes quando o General Nino Vieira vier a Portugal em visita oficial, lhe chamarem turra? Não? Porque é um turra General e Chefe de Estado? Então turras são só os soldados pé-descalço que ele comandou e que ficaram lá longe, a mais de quatro mil km de distância? A quem puder esclarecer-me, ficarei eternamente grato.
No seu post, o Amilcar diz que a História Política não é para ele, mas sim para letrados e iluminados. Mas a dada altura, não resiste à tentação de se intrometer um bocadinho em questões da política interna da Guiné. Diz ele: "Olhem o que está a acontecer na Guiné com a herança do PAIGC".
É claro para mim, que o direito de opinião não pode ser restrito e o Amilcar tem direito à sua. Porém, na qualidade de ex-combatente naquele território, eu pessoalmente acho que não devo pronunciar-me publicamente sobre assuntos internos do país. Por decoro e por prudência!
Wiriamu, meu amigo...
Amílcar, Wiriamu, "quem sabe o que se passou (lá)", perguntas tu. E eu, o que te posso dizer? Vai à Net. Lá encontrarás um número infindável de documentos elaborados por entidades nacionais e internacionais insuspeitas, que te fazem o filme todo daquele tristíssimo e vergonhoso acontecimento. E se quiseres falar com o autor da tragédia, também não será difícil. Bastará dirigires-te ao canal de televisão que há uns meses emitiu uma reportagem sobre o assunto e, estou convicto, que vos porão em contacto.
De homem para homem, não há força de boi
Relativamente a um e-mail que recebi, em que se fala mais uma vez de tropas de elite ou simplesmente especiais, dessas "autênticas máquinas treinadas para matar" em contraposição com a tropa macaca, arre-macho como prefiro chamar-lhes, ouçam o que tenho para vos dizer, se quiserem!
Dizia o meu velho pai, ex-polícia falecido em 2001, que "dois a um, enfiam-lhe uma agulha no cú". Também me ensinou que "de homem a homem, não há força de boi".
Os rambos do cinema americano
O pessoal anda a ver muitos filmes americanos, em que só o que mata que se farta é que tem valor como o dum-dum. Os rambos, criação estadunidense, só existem na tela, ou no dvd. Admito que por contágio deram origem às mais incríveis e ridículas "forças especiais" que por esse mundo proliferam.
Especializadas em quase tudo desde resgates disto e daquilo até intervenções para retirar gatos dos telhados. A juventude, empanturrada anteriormente com os filmes, agora com os jogos de guerra das play stations e quejandas, sente-se atraída e cai no logro. Através de programas de recrutamento astuciosamente elaborados e publicitados, eis que a armadilha se fecha. E ei-los aos milhares, enfiados dentro de body-bags. Será preciso falar deles? Sim, desses que vocês sabem? Que com a tal preparação do outro mundo e uma parafernália inimaginável já têm garantida e averbada, uma estrondosa derrota.
Vencidos por quem? Por gente simples, comum, com a alma a sangrar, um ódio desmedido e um desejo de vingança sem limites. Quanto a armamento, dispõem da astúcia, da velhinha ak 47, de umas engenhocas mais ou menos artesanais e de uns trícles do tamanho de umas meloas! Estes sim, são os rambos que sempre ganharam as guerras.
A todos envolvo num abraço fraterno desejando-vos a continuação de uma boa noite. Espero que tenham a pachorra de me ler dentro de dias, se o Luís quiser, pois espero postar sobre um tema bem mais a meu gosto: putas!!
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)
Caro Luís Graça e restantes camaradas ex-combatentes, tertulianos e não tertulianos, e em particular meu prezado amigo Amilcar Mendes (1), que não conheço pessoalmente e a quem me dirijo de forma especial, tratando-o por tu de acordo com as regras!
Através do Blogue e de alguns e-mail (poucos), chegaram-me judiciosos comentários sobre uma apreciação que fiz relativamente a um post do Pedro Lauret sob o lema "Na guerra não vale tudo, também há regras".
E a primeira questão que me ocorre é esta: Haverá por aí alguém que discorde da afirmação de princípios contida naquele título? Se essa pessoa existe, por favor ponha o dedo no ar porque eu preciso conhecê-la.
De contrário, posso presumir que estamos todos de acordo, e nessa altura ... vamos a banhos, que o mar está de senhoras, como dizem uns pescadores meus amigos da zona de Peniche.
Então camaradas, serenidade! Olhem que a maioria já deu perto de sessenta voltas ao Sol e os coraçõezitos, presos por arames, não estão para caturrices. E eu não quero ser o gato fechado no quarto, em que todos querem dar porrada. Conhecem esta? Não? Então experimentem e vejam como é que o filha-da-puta do gato se arreganha todo.
Bem, sempre terei que acrescentar algo mais para que isto não pareça um laudatório à madre Teresa de Calcutá.
Operações militares e barbárie
E aqui, ocorre-me uma segunda questão: Admitindo por absurdo que na guerra não há regras, porque é que a comunidade internacional se vinculou maioritária e voluntariamente a instituições como o Tribunal Penal Internacional? E porque é que pedimos a intervenção das Ligas de Defesa dos Direitos Humanos quando há suspeita de que num determinado conflito, esses direitos estão a ser desrespeitados?
E porque é que exigimos o acesso livre e incondicional da Cruz Vermelha Internacional aos teatros de operações, aos feridos e prisioneiros? Em última análise, como é que distinguiríamos os bandidos dos vilãos, os combatentes dos terroristas?
Meu caro Amílcar Mendes, tenho a certeza que concordas comigo. Tem de haver alguma forma de distinção entre operação militar e barbárie. E essa distinção, só pode ser feita através de REGRAS que devem ser gerais e universais, sagradas atrevo-me a acrescentar. Se quisermos ser Humanidade. E como acontece com qualquer regra, a sua violação implica necessariamente uma sanção, ou não é assim? Pronunciem-se os tertulianos juristas p. f.
Embora se trate de um assunto muito polémico, devo dizer-te e reafirmar perante a tertúlia, que, para este tipo de violações, admito a discussão da reintrodução da pena de morte. Os americanos, a quem neste campo não tiro o chapéu, têm neste momento vinte e quatro militares a aguardar sentença, que deverá oscilar entre a injecção reforçada de pentotal, na veia, e a prisão pepétua, por diabruras praticadas no Iraque.
A guerra como dever
Agora Amilcar, vou-te dizer uma coisa. Entre nós existem realmente diferenças, que nos tornaram combatentes diferentes embora a guerra fosse a mesma. E a principal diferença parece-me ser esta: Em primeiro lugar, eu fiz a guerra impelido por motivações políticas, hoje discutíveis. E em segundo, porque gostava e ainda hoje gosto da Guerra!
Para mim, Guerra, não é apenas aquela palavra a que os simplórios atribuem o significado de pegar em armas para matar gente. Ela representa, no meu entender, o direito supremo que uma sociedade organizada possui, de pegar em armas, matar e morrer se necessário, para defender valores que estão para além dos interesses individuais, como a segurança colectiva, a liberdade e a dignidade entre outros. Como tal, participar na guerra é também o supremo dos deveres. Acho eu.
A guerra e os psicopatas
Neste contexto, permite-me a franqueza amigo Amilcar, acho muito estranha a tua afirmação de que tiveste que matar para não morrer. É demasiado redutora, para mais vinda da boca de um comando. Então, mataste porque tiveste medo de morrer? Repara bem, medo, todos tivemos! Mas eu eliminei soldados do PAIGC deliberadamente, porque quis, porque eles eram um obstáculo às missões de que fui incumbido e não apenas porque tivesse medo de morrer. Topas a diferença?
Querido amigo Amilcar Mendes, todos sabemos que em matéria de santos e conforme aludiste no teu post, a coisa é mais ou menos como aquela questão das bruxas. Uns afirmam que as há, eu acho que não! Nem santos, nem meninos de coro nem coitadinhos, como bem referiste.
Aquilo de que tenho a certeza, é que sempre existiram psicopatas. Na sociedade em geral, nas antigas fileiras do PAIGC, como nas das nossas FA's. E esta gentinha, sentindo que por ter uma arma na mão, tinha poder de vida ou de morte sobre população desarmada, particularmente mulheres e crianças, prisioneiros, elementos do IN feridos ou desarmados não constituindo por isso qualquer perigo, fez merda. Da grossa. Não há desculpas que possam justificar estes comportamentos. Nem pode haver indulto. Para eles, manicómio ou tribunal.
Estes bandalhos envergonharam-me e eu isso não perdoo.
De Uzi na mão, um par de colhões e a cabeça no sítio
Estimado ex-camarada; interrogavas-te no teu post se o "Vitor Junqueira quando saía para o mato levava a arma numa mão e a Bíblia na outra". Estás quase lá! Na mão levava a arma, de facto, uma Uzi reluzente de que igual só havia outra na Guiné. Um dia destes vou contar-te a história dessa arma. Mas em vez da Bíblia, levava um par de colhões e o cérebro com que a mãe natureza me dotou.
A propósito de Bíblia, não sei se é lá que vem aquela máxima "não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti". Pois houve alguém que a transformou num regra de ouro com esta redacção " faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem ". Pois acredites ou não, eu consegui convencer o meu pessoal que este preceito era para cumprir à risca.
Olha meu, só te posso dizer que deu um resultadão! Enfrentava-se o perigo com outra alma, não se perderam noites de sono e fazer prisioneiros significava farra, em que eles também participavam. Aos cépticos, posso fornecer prova testemunhal.
Turras... ou antigos adversários, muito simplesmente
E agora, quase no fim e mais uma vez, a questão dos turras. Eu continuo a achar que eram soldados combatentes, ao serviço da sua Pátria que por sinal e naquele tempo era também a minha. Por isso, são-lhes devidos respeito e consideração, tal como exigimos para nós, por parte dos nossos concidadãos e esperamos da parte deles, nossos antigos adversários. Tendo em conta que alguns até se tornaram altos dignitários dessas novas pátrias, como chefes de estado e de governo com quem negociámos, rebaixá-los é o mesmo que rebaixar-nos a nós próprios. Ou estarei enganado?
Aqui como na diplomacia, tem que funcionar o princípio da reciprocidade, sem tergiversões. Já agora ó Amilcar e restante malta, se vos fosse dada a oportunidade, teriam tomates para um dia destes quando o General Nino Vieira vier a Portugal em visita oficial, lhe chamarem turra? Não? Porque é um turra General e Chefe de Estado? Então turras são só os soldados pé-descalço que ele comandou e que ficaram lá longe, a mais de quatro mil km de distância? A quem puder esclarecer-me, ficarei eternamente grato.
No seu post, o Amilcar diz que a História Política não é para ele, mas sim para letrados e iluminados. Mas a dada altura, não resiste à tentação de se intrometer um bocadinho em questões da política interna da Guiné. Diz ele: "Olhem o que está a acontecer na Guiné com a herança do PAIGC".
É claro para mim, que o direito de opinião não pode ser restrito e o Amilcar tem direito à sua. Porém, na qualidade de ex-combatente naquele território, eu pessoalmente acho que não devo pronunciar-me publicamente sobre assuntos internos do país. Por decoro e por prudência!
Wiriamu, meu amigo...
Amílcar, Wiriamu, "quem sabe o que se passou (lá)", perguntas tu. E eu, o que te posso dizer? Vai à Net. Lá encontrarás um número infindável de documentos elaborados por entidades nacionais e internacionais insuspeitas, que te fazem o filme todo daquele tristíssimo e vergonhoso acontecimento. E se quiseres falar com o autor da tragédia, também não será difícil. Bastará dirigires-te ao canal de televisão que há uns meses emitiu uma reportagem sobre o assunto e, estou convicto, que vos porão em contacto.
De homem para homem, não há força de boi
Relativamente a um e-mail que recebi, em que se fala mais uma vez de tropas de elite ou simplesmente especiais, dessas "autênticas máquinas treinadas para matar" em contraposição com a tropa macaca, arre-macho como prefiro chamar-lhes, ouçam o que tenho para vos dizer, se quiserem!
Dizia o meu velho pai, ex-polícia falecido em 2001, que "dois a um, enfiam-lhe uma agulha no cú". Também me ensinou que "de homem a homem, não há força de boi".
Os rambos do cinema americano
O pessoal anda a ver muitos filmes americanos, em que só o que mata que se farta é que tem valor como o dum-dum. Os rambos, criação estadunidense, só existem na tela, ou no dvd. Admito que por contágio deram origem às mais incríveis e ridículas "forças especiais" que por esse mundo proliferam.
Especializadas em quase tudo desde resgates disto e daquilo até intervenções para retirar gatos dos telhados. A juventude, empanturrada anteriormente com os filmes, agora com os jogos de guerra das play stations e quejandas, sente-se atraída e cai no logro. Através de programas de recrutamento astuciosamente elaborados e publicitados, eis que a armadilha se fecha. E ei-los aos milhares, enfiados dentro de body-bags. Será preciso falar deles? Sim, desses que vocês sabem? Que com a tal preparação do outro mundo e uma parafernália inimaginável já têm garantida e averbada, uma estrondosa derrota.
Vencidos por quem? Por gente simples, comum, com a alma a sangrar, um ódio desmedido e um desejo de vingança sem limites. Quanto a armamento, dispõem da astúcia, da velhinha ak 47, de umas engenhocas mais ou menos artesanais e de uns trícles do tamanho de umas meloas! Estes sim, são os rambos que sempre ganharam as guerras.
A todos envolvo num abraço fraterno desejando-vos a continuação de uma boa noite. Espero que tenham a pachorra de me ler dentro de dias, se o Luís quiser, pois espero postar sobre um tema bem mais a meu gosto: putas!!
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)
Guiné 63/74 - P1438: Questões politicamente (in)correctas (18): A derrota (mais política do que militar) afectou mais a tropa especial (Carlos Vinhal)
Guiné > Bissau > Voz da Guiné > Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos. Na quarta página vêem-se quatro fotos, da autoria do fotógrafo Álvaro Geraldo. Legenda:
(i) em cima , à esquerda: "O Alferes Marcelino da Mata, ostentando as suas numerosas condecorações, foi o digno Porta-Bandeira";
(ii) em cima, à direita: "O Alferes Carolino Barbosa, lendo o Código Comdanso" (diz-me o ranger Eduardo Ribeiro, que este alferes comando foi barbaramente assassinado em 1974 pelas tropas do PAIGC);
(iii) em baixo, à esquerda:"Os últimos minutos de Comando da Unidade [para o Major João de Almeida Bruno]";
(iv) em baixo, à direita: "Os primeiros minutos de Comando da Unidade [para o major Raul Miguel Socorro Folques]".
Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.
Mensagem do Carlos Vinhal:
Camaradas:
Este assunto (1) dá pano para mangas. Muita coisa se poderá dizer e muito nos vamos repetir.
Já em tempos opinei sobre as diferenças entre as diversas forças militares actuantes e o modo de enfrentar e ver a guerra por quem lutou na nossa Guerra Colonial.
Conheci de perto uma companhia de comandos e pude verificar a diferença abismal que havia na sua preparação e comportamento militares. À partida eram seleccionadas entre voluntários, com características físicas e mentais especialmente dotadas para a luta. O seu treino era especialmente ministrado com exigência física e mental próximo dos limites humanos. Ganhavam uma mentalização e preparação militar que faziam deles tipos quase invencíveis, indestrutíveis e, porque não, quase uma máquina de matar, mesmo que fosse para não morrer, como muito bem diz o nosso camarada Mendes.
A matéria prima era muito fácil de moldar, jovens com 20 anos plenos de força e coragem a quem só faltava dar o incentivo e a arma. Iriam fazer as coisas mais complicadas em termos militares pois tinham sido treinados para não falhar. E quando falhavam? Não sei se há estatísticas quanto às sequelas psicológicas por tipo de Força.
Por outro lado, havia a tropa vulgar com uma impreparação tal que mais não era que carne para canhão. Por exemplo, os militares da minha Companhia fizeram toda a recruta e especialidade com arma Mauser e só tocou numa arma automática (G3) no IAO feito na Madeira.
Preparação diferente, logo visão e disposição diferentes. Tenho a impressão que a derrota (mais política que militar) que sofremos na Guerra, afectou mais a tropa especial que propriamente a dita tropa macaca.
Já confessei que fui para a guerra com o fim de voltar vivo e tentar não matar ninguém. Não fui para lá para acabar com o conflito, já que não fui culpado do seu início. Era inevitável cumprir as ordens operacionais que me eram impostas, mas isso fazia parte da minha condição militar que nunca rejeitei.
Sempre me achei um estrangeiro na Guiné e um ocupante. Nunca compreendi a nossa ocupação com a espada na mão direita e a cruz na mão esquerda. Foi este o nosso início em África. Invasores, julgando-nos superiores só por professarmos a Religião Cristã, impondo esta como salvação eterna. Impusemo-nos, não fomos aceites nem compreendidos. Mais tarde ou mais cedo havia de chegar a hora da desocupação e calhou à nossa geração o trabalho inglório de contrariar o inevitável.
Quem matou, devia tê-lo feito só para se defender. Quem massacrou ou atentou contra a dignidade do Inimigo, mesmo depois de morto, não foi digno da farda que envergou, fosse a de Portugal ou a do PAIGC.
Também já disse que os dois contendores têm coisas de que se devem envergonhar. Em ambos os lados houve erros, matando-se indiscriminadamente e massacrando-se sem motivo.
Na Guerra não vale tudo, mas a realidade, mesmo nos dias hoje, se encarrega de contrariar esta máxima.
Por muitas teorias que possamos desenvolver, temos de nos convencer de que:
(i) falamos do passado;
(ii) já temos mais uns anitos;
(iii) devemos expor as nossas opiniões sem ofender os camaradas que por terem outras ideias ou terem tido outras vivências, têm opiniões diferentes da nossa;
e, muito, mas muito importante, (iv) não deixemos o nosso Comandante Luís na difícil situação de ter de apagar fogos ou ter de filtrar os nossos escritos.
Paz e saúde para todos
Um abraço do camarada
Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá 1970/72
Leça da Palmeira
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)
Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido
Mensagem do António Pinto (1):
Amigo José Martins (2),
Como o tempo, nesta altura, é coisa que me sobra, após a minha reforma, e sobretudo porque, depois de ter encontrado a Tertúlia, conforme te disse na última mensagem vou tentar resumir mais uma ou duas histórias que ultimamente me tem assumido ao consciente, duma maneira quase actual.
(1) Gramunha Marques, morto em Madina do Boé.
Estava em Beli, já noite, quando através do rádio do Chefe de Posto soube o que aconteceu aos nossos camaradas, que foram vítimas duma emboscada fatal. A minha primeira reacção foi entrar em contacto com Nova Lamego e pedir autorização para ir tentar ajudá-los.
Levei uma nega do Ten Cor Figueiredo Cardoso que me deu ordens terminantes para ficar onde estava, em Beli, com redobrada vigilância. Com os nervos à flor da pele desliguei-lhe a comunicação depois de quase o ter insultado (e que mais tarde pedi desculpa, do acto impensado).
Pedi voluntários para irem comigo, mesmo desobedecendo às ordens e quem conseguiu demover-me, já com a pequena coluna pronta para arrancarmos, foi o Furriel Stichini, que me disse e não posso mais esquecer:
- Nós vamos, mas será o responsável pelas nossas mortes.
Acabei por ficar, destroçado e cheiro de raiva. O Gramunha Marques, soube-o depois, teve uma morte horrível, com uma perna esfacelada, esvaindo-se em sangue e sempre consciente até ao fim.
(2) Ataque a Beli em Maio de 1965
Em 20 de Maio de 1965 fomos atacados em Beli. A noite estava maravilhosa e o silêncio à volta do Destacamento era total, embora existisse perto uma tabanca com muitas dezenas de palhotas.
Era perto da 1 hora da manhã, estávamos cá fora a petiscar qualquer coisa e nessa altura já estávamos, com certeza, a ser alvo dos guerrilheiros que cercaram o destacamento, e que segundo me disseram depois eram mais de 400.
Deitámo-nos e por volta das 2.30h mais ou menos ouviu-se um único tiro, que perfurou a perna de um sentinela, seguindo-se depois um tiroteio, com armas muito mais sofisticadas do que as nossas, mas nessa altura já estávamos todos na vala, que fizemos a toda a volta do destacamento, respondendo como podíamos.
Incendiaram quase toda a tabanca e as morteiradas caíam por todo o lado. Uma delas rebentou com os bidões de combustível que lá tínhamos.... parecia o Incêndio de Roma.
A granada que me feriu caiu muito perto de mim e a minha sorte foi termos feito a vala, como nos ensinaram em Mafra (sinuosa) e a mesma ter rebentado numa das curvas da dita vala.
Segundo me disseram, depois, estive desmaiado cerca de 10 m e parecia um croquete pois estava só em trousses e corpo todo cheio de sangue dos estilhaços, a maior parte pequenas pedras e areias e também pequenas partículas de aço. Os estilhaços que matavam, felizmente, passaram ao lado...
Depois, como sabes, lá amanhecia muito cedo e por volta das 4 horas eles começaram a debandar, pois estavam a cerca de 20 km da fronteira da Guiné ex-francesa.
Ao amanhecer vieram de Nova Lamego e fomos, salvo erro, seis evacuados para Bissau.
Foram momentos um bocado apertados e, embora já tenham passados quarenta e dois anos, muitas vezes ainda sonho com esse dia.
Amigo Martins, desculpa ter escrito tanto.... mas há tanta coisa para contar e eu, embora tentando sintetizar, deixei correr o pensamento. Desculpa.
Vou tentar mandar mais algumas fotos, não de Madina e Beli, pois ainda não as encontrei e numa delas está o grande amigo que lá morreu o Marques, de que te falei no outro dia.
Um feliz Natal e um 2007 melhor que bom.
Um grande abraço
António Pinto
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)
20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli
(2) Vd. posts de:
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
Amigo José Martins (2),
Como o tempo, nesta altura, é coisa que me sobra, após a minha reforma, e sobretudo porque, depois de ter encontrado a Tertúlia, conforme te disse na última mensagem vou tentar resumir mais uma ou duas histórias que ultimamente me tem assumido ao consciente, duma maneira quase actual.
(1) Gramunha Marques, morto em Madina do Boé.
Estava em Beli, já noite, quando através do rádio do Chefe de Posto soube o que aconteceu aos nossos camaradas, que foram vítimas duma emboscada fatal. A minha primeira reacção foi entrar em contacto com Nova Lamego e pedir autorização para ir tentar ajudá-los.
Levei uma nega do Ten Cor Figueiredo Cardoso que me deu ordens terminantes para ficar onde estava, em Beli, com redobrada vigilância. Com os nervos à flor da pele desliguei-lhe a comunicação depois de quase o ter insultado (e que mais tarde pedi desculpa, do acto impensado).
Pedi voluntários para irem comigo, mesmo desobedecendo às ordens e quem conseguiu demover-me, já com a pequena coluna pronta para arrancarmos, foi o Furriel Stichini, que me disse e não posso mais esquecer:
- Nós vamos, mas será o responsável pelas nossas mortes.
Acabei por ficar, destroçado e cheiro de raiva. O Gramunha Marques, soube-o depois, teve uma morte horrível, com uma perna esfacelada, esvaindo-se em sangue e sempre consciente até ao fim.
(2) Ataque a Beli em Maio de 1965
Em 20 de Maio de 1965 fomos atacados em Beli. A noite estava maravilhosa e o silêncio à volta do Destacamento era total, embora existisse perto uma tabanca com muitas dezenas de palhotas.
Era perto da 1 hora da manhã, estávamos cá fora a petiscar qualquer coisa e nessa altura já estávamos, com certeza, a ser alvo dos guerrilheiros que cercaram o destacamento, e que segundo me disseram depois eram mais de 400.
Deitámo-nos e por volta das 2.30h mais ou menos ouviu-se um único tiro, que perfurou a perna de um sentinela, seguindo-se depois um tiroteio, com armas muito mais sofisticadas do que as nossas, mas nessa altura já estávamos todos na vala, que fizemos a toda a volta do destacamento, respondendo como podíamos.
Incendiaram quase toda a tabanca e as morteiradas caíam por todo o lado. Uma delas rebentou com os bidões de combustível que lá tínhamos.... parecia o Incêndio de Roma.
A granada que me feriu caiu muito perto de mim e a minha sorte foi termos feito a vala, como nos ensinaram em Mafra (sinuosa) e a mesma ter rebentado numa das curvas da dita vala.
Segundo me disseram, depois, estive desmaiado cerca de 10 m e parecia um croquete pois estava só em trousses e corpo todo cheio de sangue dos estilhaços, a maior parte pequenas pedras e areias e também pequenas partículas de aço. Os estilhaços que matavam, felizmente, passaram ao lado...
Depois, como sabes, lá amanhecia muito cedo e por volta das 4 horas eles começaram a debandar, pois estavam a cerca de 20 km da fronteira da Guiné ex-francesa.
Ao amanhecer vieram de Nova Lamego e fomos, salvo erro, seis evacuados para Bissau.
Foram momentos um bocado apertados e, embora já tenham passados quarenta e dois anos, muitas vezes ainda sonho com esse dia.
Amigo Martins, desculpa ter escrito tanto.... mas há tanta coisa para contar e eu, embora tentando sintetizar, deixei correr o pensamento. Desculpa.
Vou tentar mandar mais algumas fotos, não de Madina e Beli, pois ainda não as encontrei e numa delas está o grande amigo que lá morreu o Marques, de que te falei no outro dia.
Um feliz Natal e um 2007 melhor que bom.
Um grande abraço
António Pinto
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)
20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli
(2) Vd. posts de:
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas
Dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (1)
1 - O massacre do chão manjaco (Abril 1970): perguntas e respostas
2 - Major Pereira da Silva: uma memória e uma referência
3 - O enquadramento histórico da Guerra da Guiné, após 1970
1 - O massacre do chão manjaco (Abril 1970): perguntas e respostas
2 - Major Pereira da Silva: uma memória e uma referência
3 - O enquadramento histórico da Guerra da Guiné, após 1970
Comentário de L.G.:
O Afonso merece um especial tributo por parte da nossa tertúlia. Há largas semanas, mesmo meses, que tem vindo a preparar este dossiê, a fazer investigação por conta própria, a consultar fontes primárias e secundárias. Com a honestidade intelectual, o rigor, a sensibililidade, a persistência e o patriotismo que eu lhe reconheço. Neste espaço de tempo, trocámos alguns mails e pusemos também o Leopoldo Amado ao barulho, entre outros membros e não-membros da nossa tertúlia.
No seu último mail, já deste ano, o Afonso acrescentou mais os seguintes esclarecimentos:
"Já agora aproveito para dizer que uma ou outra resposta (às dúvidas) poderão não ser definitivas. E dou este exemplo: à questão Quem foi o autor material da mutilação dos majores, à catanada?, existem três versões diferentes: Guade Nam Indami (Leopoldo Amado), Júlio Biague (Manuel Catarino) e André Gomes (João Varanda).
"Poderá, eventualmente, uma ou outra questão de somenos importância vir a suscitar outros eventuais depoimentos ou testemunhos que servirão à total clarificação deste que terá sido, provavelmente, o mais brutal e sanguinário comportamento do PAIGC, durante a guerra da Guiné (massacre).
"O trabalho, mesmo singelo, é um contributo para essa clarificação. O objectivo era esse.
E, no essencial, as respostas parecem-me dignas de todo o crédito.
"E já gora referir isto ou esta correlação: Num certo e longínquo dia de Maio de 1970, ao embarcarmos em Bissau, de regresso à Metrópole, deparámos com as quatro unas, lado a lado, no fundo do porão. O onde, quem e porquê não foi revelado, e sabemos a razão. Hoje ainda pesquisamos e procuramos as respostas a algumas dessas interrogações. Quase 37 anos depois ! "
_________
1 - O massacre do chão manjaco (Abril 1970): dúvidas e respostas
"Já agora aproveito para dizer que uma ou outra resposta (às dúvidas) poderão não ser definitivas. E dou este exemplo: à questão Quem foi o autor material da mutilação dos majores, à catanada?, existem três versões diferentes: Guade Nam Indami (Leopoldo Amado), Júlio Biague (Manuel Catarino) e André Gomes (João Varanda).
"Poderá, eventualmente, uma ou outra questão de somenos importância vir a suscitar outros eventuais depoimentos ou testemunhos que servirão à total clarificação deste que terá sido, provavelmente, o mais brutal e sanguinário comportamento do PAIGC, durante a guerra da Guiné (massacre).
"O trabalho, mesmo singelo, é um contributo para essa clarificação. O objectivo era esse.
E, no essencial, as respostas parecem-me dignas de todo o crédito.
"E já gora referir isto ou esta correlação: Num certo e longínquo dia de Maio de 1970, ao embarcarmos em Bissau, de regresso à Metrópole, deparámos com as quatro unas, lado a lado, no fundo do porão. O onde, quem e porquê não foi revelado, e sabemos a razão. Hoje ainda pesquisamos e procuramos as respostas a algumas dessas interrogações. Quase 37 anos depois ! "
_________
1 - O massacre do chão manjaco (Abril 1970): dúvidas e respostas
por Afonso M.F. Sousa
Tentativa de clarificação do massacre do Pelundo (NW da Guiné)
Hoje ainda se faz a dissecação do massacre do chão manjaco, ocorrido a 20 de Abril de 1970, a NW do Pelundo. As respostas às interrogações que tem suscitado, algumas das quais apresentamos aqui, partem de narrativas exemplares, pessoais e directas, de homens que viveram a violenta e dura guerra da Guiné e foram contemporâneos(*) desta que terá sido a maior barbárie cometida pelos independentistas. As respostas ficam como contributo para a história global de um conflito que envolveu toda a Nação.
(*) Leopoldo Amado (LA), Luís Graça (LG), João Tunes (JT), João Varanda(JV), Júlio Rocha (JR), João Godinho(JG) e eu próprio. Apresentam-se os dois elementos que ainda não são membros da nossa tertúlia:
(i) O Júlio Rocha foi furriel miliciano da CCAÇ 2586, do BCAÇ 2884 (comandado pelo Ten Cor Romão Loureiro). Esteve no Pelundo (até Julho de 1970) e em Teixeira Pinto, no CAOP, onde conheceu então os três majores. Estava de férias quando foram assassinados, em Abril de 1970. Vive hoje na Cova da Piedade, Almada.
(ii) João Godinho (hoje capitão reformado, vivendo em Évora) era na altura o 1º Sargento da CCAÇ 2586.
Dúvidas e respostas
De quantos elementos era composta a nossa delegação para esse encontro ?
Três majores, um alferes e mais dezena e meia de tropas portuguesas (nativos). Outra versão fala em 2 jipes, um com os 4 oficiais (europeus) e o outro com 5 militares (africanos) - um total de nove elementos.
Este encontro era o último. A que se destinava ?
Visava a realização de uma cerimónia solene que consagraria a entrega de armas e munições por parte dos guerrilheiros do PAIGC, na qual até se previam paradas militares dos contingentes guerrilheiros a serem integrados no exército português.
(LA).
Terá havido fugas de informação entre os comandantes guerrilheiros do chão manjaco e apoderadas pela direcção do PAIGC, que justifiquem este repentino recuo e rejeição do pré-acordo de rendição ?
Os autos de interrogatório aos dois guerrilheiros do PAIGC mostram ter havido fugas de informação entre os comandantes e que chegaram à direcção do PAIGC. Esta, apercebendo-se do perigo que representaria uma hipotética rendição das suas forças no Norte (onde o futuro da guerra se jogava, sobretudo a NW, no chão manjaco), decidiu pela medida extrema, decisão essa, irónica e curiosamente, executada por alguns dos comandantes do PAIGC, comprometidos com a rendição e que terão tomado esta rápida mudança de propósitos para obviar a serem punidos com a pena capital, por quebra da cadeia de comando militar, dentro do PAIGC.
(LA)
Carlos Fabião tem uma interpretação muito diferente para esta viragem do PAIGC:
«O PAIGC apercebeu-se de que precisava de tempo para se rearmar, reequipar conseguir arranjar-se no chão manjaco. Então começou a negociar a missão connosco. Penso que, desde o princípio, houve falsidade nos propósitos do PAIGC, porque eles só queriam ganhar tempo. Aquela reunião iria ser a última, em termos operacionais, porque eles já tinham prometido várias vezes a sua rendição e nunca se tinham rendido. Os nossos iam reunir-se com o PAIGC mas esses encontros eram vulgares. O General Spínola tinha estado em alguns.
"O PAIGC ficava sempre em estudar as formas de rendição, mas no momento em que iam fazer a rendição falhava outra vez. Este grupo foi dizer-lhes que era a última conversa que iam ter». Pensa Carlos Fabião que era a última conversa que iam ter os homens do PAIGC. Assassinaram-nos nessa altura.(Não fica, de todo, claro quem é que ia dizer que seria o último encontro. Por ironia do destino, foi mesmo o último).
O historiador guineense Leopoldo Amado tem, quanto a este assunto, opinião diferente da de Carlos Fabião. O PAIGC tinha, no chão manjaco, bases militares em Coboiana-Churo, Burné, Belenguerez, Dal e Ponta Matar, mas quase não tinha acções ofensivas junto do exército português e, em consequência disso, a sua possibilidade de controle de populações estava muito restringida. Segundo ele, o PAIGC não tinha a intenção de ganhar tempo para se rearmar, mas sim para adequar um novo dispositivo táctico-estratégico, na região do chão manjaco, onde evidenciava um certo desfalecimento face à campanha de Spínola Por uma Guiné Melhor.
Guiné > Região do Caheu > Chão Manjaco > Pelundo > 1974 > "Chegada do PAIGC ao quartel do Pelundo para substituir a soberania portuguesa.( Foto que me foi gentilmente enviada por João Lemos, ex-Alferes Miliciano que viveu, naquele quartel, a independência da Guiné-Bissau)" (João Tunes)Tentativa de clarificação do massacre do Pelundo (NW da Guiné)
Hoje ainda se faz a dissecação do massacre do chão manjaco, ocorrido a 20 de Abril de 1970, a NW do Pelundo. As respostas às interrogações que tem suscitado, algumas das quais apresentamos aqui, partem de narrativas exemplares, pessoais e directas, de homens que viveram a violenta e dura guerra da Guiné e foram contemporâneos(*) desta que terá sido a maior barbárie cometida pelos independentistas. As respostas ficam como contributo para a história global de um conflito que envolveu toda a Nação.
(*) Leopoldo Amado (LA), Luís Graça (LG), João Tunes (JT), João Varanda(JV), Júlio Rocha (JR), João Godinho(JG) e eu próprio. Apresentam-se os dois elementos que ainda não são membros da nossa tertúlia:
(i) O Júlio Rocha foi furriel miliciano da CCAÇ 2586, do BCAÇ 2884 (comandado pelo Ten Cor Romão Loureiro). Esteve no Pelundo (até Julho de 1970) e em Teixeira Pinto, no CAOP, onde conheceu então os três majores. Estava de férias quando foram assassinados, em Abril de 1970. Vive hoje na Cova da Piedade, Almada.
(ii) João Godinho (hoje capitão reformado, vivendo em Évora) era na altura o 1º Sargento da CCAÇ 2586.
Dúvidas e respostas
De quantos elementos era composta a nossa delegação para esse encontro ?
Três majores, um alferes e mais dezena e meia de tropas portuguesas (nativos). Outra versão fala em 2 jipes, um com os 4 oficiais (europeus) e o outro com 5 militares (africanos) - um total de nove elementos.
Este encontro era o último. A que se destinava ?
Visava a realização de uma cerimónia solene que consagraria a entrega de armas e munições por parte dos guerrilheiros do PAIGC, na qual até se previam paradas militares dos contingentes guerrilheiros a serem integrados no exército português.
(LA).
Terá havido fugas de informação entre os comandantes guerrilheiros do chão manjaco e apoderadas pela direcção do PAIGC, que justifiquem este repentino recuo e rejeição do pré-acordo de rendição ?
Os autos de interrogatório aos dois guerrilheiros do PAIGC mostram ter havido fugas de informação entre os comandantes e que chegaram à direcção do PAIGC. Esta, apercebendo-se do perigo que representaria uma hipotética rendição das suas forças no Norte (onde o futuro da guerra se jogava, sobretudo a NW, no chão manjaco), decidiu pela medida extrema, decisão essa, irónica e curiosamente, executada por alguns dos comandantes do PAIGC, comprometidos com a rendição e que terão tomado esta rápida mudança de propósitos para obviar a serem punidos com a pena capital, por quebra da cadeia de comando militar, dentro do PAIGC.
(LA)
Carlos Fabião tem uma interpretação muito diferente para esta viragem do PAIGC:
«O PAIGC apercebeu-se de que precisava de tempo para se rearmar, reequipar conseguir arranjar-se no chão manjaco. Então começou a negociar a missão connosco. Penso que, desde o princípio, houve falsidade nos propósitos do PAIGC, porque eles só queriam ganhar tempo. Aquela reunião iria ser a última, em termos operacionais, porque eles já tinham prometido várias vezes a sua rendição e nunca se tinham rendido. Os nossos iam reunir-se com o PAIGC mas esses encontros eram vulgares. O General Spínola tinha estado em alguns.
"O PAIGC ficava sempre em estudar as formas de rendição, mas no momento em que iam fazer a rendição falhava outra vez. Este grupo foi dizer-lhes que era a última conversa que iam ter». Pensa Carlos Fabião que era a última conversa que iam ter os homens do PAIGC. Assassinaram-nos nessa altura.(Não fica, de todo, claro quem é que ia dizer que seria o último encontro. Por ironia do destino, foi mesmo o último).
O historiador guineense Leopoldo Amado tem, quanto a este assunto, opinião diferente da de Carlos Fabião. O PAIGC tinha, no chão manjaco, bases militares em Coboiana-Churo, Burné, Belenguerez, Dal e Ponta Matar, mas quase não tinha acções ofensivas junto do exército português e, em consequência disso, a sua possibilidade de controle de populações estava muito restringida. Segundo ele, o PAIGC não tinha a intenção de ganhar tempo para se rearmar, mas sim para adequar um novo dispositivo táctico-estratégico, na região do chão manjaco, onde evidenciava um certo desfalecimento face à campanha de Spínola Por uma Guiné Melhor.
O desfecho deste encontro foi uma consequência da existência de contradições no seio do PAIGC ?
É praticamente confirmado que os entendimentos estratégicos entre as cúpulas do PAIGC estavam a atravessar um momento complicado, fruto de rivalidades entre líderes e, principalmente, entre o bureau político e o militar e entre guineenses e caboverdianos. Os encontros com exército português foram estabelecidos por guerrilheiros, ao nível de bigrupo, descrentes num projecto vitorioso, face a essa restrição/descoordenação das cúpulas. Caminhavam para uma dissidência do PAIGC.Tinham já opiniões divergentes. Estavam já próximos ou mesmo consonantes com os argumentos dos negociadores portugueses e acompanhavam a notória evolução sócio-económica que estava a ocorrer no chão manjaco.
É praticamente confirmado que os entendimentos estratégicos entre as cúpulas do PAIGC estavam a atravessar um momento complicado, fruto de rivalidades entre líderes e, principalmente, entre o bureau político e o militar e entre guineenses e caboverdianos. Os encontros com exército português foram estabelecidos por guerrilheiros, ao nível de bigrupo, descrentes num projecto vitorioso, face a essa restrição/descoordenação das cúpulas. Caminhavam para uma dissidência do PAIGC.Tinham já opiniões divergentes. Estavam já próximos ou mesmo consonantes com os argumentos dos negociadores portugueses e acompanhavam a notória evolução sócio-económica que estava a ocorrer no chão manjaco.
Mas o clima de suspeições entre as hostes do PAIGC fez-se sentir. A sua direcção ter-se-á apercebido da traição de alguns dos seus e das consequências terríveis que poderiam advir da concretização deste objectivo. Alguns dos negociadores, apercebendo-se do destino que lhes estaria reservado, a liquidação, pura e simples, e numa estratégia de última hora (sob pressão dos mais próximos ?) terão invertido, de forma radical, o seu propósito e quiseram eles próprios protagonizar o sangrento desenlace da operação, com o objectivo de disfarçarem a sua conivência, perante os superiores do PAIGC.
Terá havido discrepância de informações entre a PIDE em Teixeira Pinto e a PIDE em Bissau, que justifique o desfecho do encontro ?
É provável que em Bissau (no QG e na PIDE) tenha havido uma avaliação mais fria e realista dos riscos do que quem estava no terreno (Teixeira Pinto). Estes, pelo desenrolar dos vários encontros e o clima de confiança reinante, provavelmente já ansiavam por este dia e por uma grande vitória ou viragem no evoluir da guerra. Naquele momento já nenhuma regressão era possível e entende-se bem porquê.
Por isso é que estes valorosos militares têm sido e sempre o serão como autênticos exemplos de amor patriótico. Eles foram para o encontro cientes da necessidade da consumação do processo mas também sabiam os perigos que correriam e a prova disso mesmo é a carta que um dos majores deixou escrita à esposa, na qual confessava o seu receio pelo desfecho da operação. A alguma eventual apreensão, sobrepôs-se a noção do dever de militar, a noção da irreversibilidade do processo e um entusiasmo, a quente, em que a probabilidade de êxito também se terá sobreposto a cenários pessimistas.
Num panorama destes, julgo que os majores foram corajosos e temerários, mas não inconscientes nem imprevidentes (o cenário era para aí de 95% de probabilidade de sucesso e o êxito seria grande). Obviamente que o que mais impressiona nisto é a forma bárbara como acabaram com eles mas os factores de efeito psicológico não são as traves mestras da guerrilha e da contra-guerrilha?
(JT)
(JT)
Os majores trabalhavam em íntima colaboração com o inspector da PIDE em Teixeira Pinto ?
Sim, principalmente com o major Joaquim Pereira da Silva, que tinha um papel primordial na obtenção de informações, na infiltração de informadores, etc.
Sim, principalmente com o major Joaquim Pereira da Silva, que tinha um papel primordial na obtenção de informações, na infiltração de informadores, etc.
Spínola tinha informações junto e dentro da direcção do PAIGC ?
Sim, a partir da direcção da PIDE, em Bissau.
Sim, a partir da direcção da PIDE, em Bissau.
Spínola já tinha estado em algum encontro com o PAIGC ?
Sim, no primeiro.(JV).
Sim, no primeiro.(JV).
Onde se realizou esse encontro ?
Junto a Umpacaca.(A cerca de 43,44 Km a NW de Bissau - 12,56 Km a Sul do Pelundo e a 25,96 Km a Sul de Jolmete).
Junto a Umpacaca.(A cerca de 43,44 Km a NW de Bissau - 12,56 Km a Sul do Pelundo e a 25,96 Km a Sul de Jolmete).
Que outros encontros são conhecidos ?
Pigane, Capunga, Jolmete…
Pigane, Capunga, Jolmete…
O objectivo do PAIGC seria mesmo tentar a captura de Spínola ?
Segundo um depoimento de Luís Cabral, datado de 13 de Janeiro de 1995 (quando se encontrava exilado em Portugal), não estava nos planos do PAIGC a morte dos interlocutores. A intenção era prender o General Spínola.
Segundo um depoimento de Luís Cabral, datado de 13 de Janeiro de 1995 (quando se encontrava exilado em Portugal), não estava nos planos do PAIGC a morte dos interlocutores. A intenção era prender o General Spínola.
A tese de que Spínola teria, 2 dias antes deste acontecimento, vindo a Lisboa para uma reunião com Marcelo Caetano, a pedido deste, não tem fundamento ? Ou, realizou-se ainda a tempo de estar na Guiné no dia do encontro com o PAIGC ?
Várias fontes confirmam que Spínola quis ir, pessoalmente, presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. É sabido que, logo após o incidente, esteve no local e perante aquele cenário, de todo inesperado, foi visto a chorar convulsivamente. À sua frente, estendidos na picada, estavam aqueles militares de elite e seus homens de confiança.
Não teria o mínimo de sentido que Spínola, perante a previsibilidade de sucesso desta acção, de efeitos tão relevantes para o evoluir e o desfecho da guerra, viesse a Lisboa nas vésperas do encontro que marcaria o epílogo das negociações que já decorriam há alguns meses. Esta notícia só teria sentido em jeito de justificação para a sua dissuasão, no último momento.
Várias fontes confirmam que Spínola quis ir, pessoalmente, presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. É sabido que, logo após o incidente, esteve no local e perante aquele cenário, de todo inesperado, foi visto a chorar convulsivamente. À sua frente, estendidos na picada, estavam aqueles militares de elite e seus homens de confiança.
Não teria o mínimo de sentido que Spínola, perante a previsibilidade de sucesso desta acção, de efeitos tão relevantes para o evoluir e o desfecho da guerra, viesse a Lisboa nas vésperas do encontro que marcaria o epílogo das negociações que já decorriam há alguns meses. Esta notícia só teria sentido em jeito de justificação para a sua dissuasão, no último momento.
A selvajaria do comportamento dos guerrilheiros do PAIGC não terá sido acicatado por estes terem verificado que Spínola não estava presente ?
Todos os indicadores parecem apontar para essa probabilidade, visto que Spínola teria deixado entender o seu propósito de estar presente. O objectivo essencial, nas congeminações do PAIGC, era a sua captura, conforme os seus altos dirigentes vieram, anos depois, a confirmar.
Todos os indicadores parecem apontar para essa probabilidade, visto que Spínola teria deixado entender o seu propósito de estar presente. O objectivo essencial, nas congeminações do PAIGC, era a sua captura, conforme os seus altos dirigentes vieram, anos depois, a confirmar.
Quem convenceu Spínola a não comparecer ao encontro fatídico?
Quase a certeza que foi Silva Cardoso, responsável pelas informações no Quartel-
-General (QG), Bissau.(JT)
Quase a certeza que foi Silva Cardoso, responsável pelas informações no Quartel-
-General (QG), Bissau.(JT)
Quem foi o autor material das punhaladas que consumaram o massacre ?
De acordo com dois autos de interrogatório a dois guerrilheiros do PAIGC capturados após o acontecimento, ficou a saber-se que um deles (Guade Nam Indami) foi o autor material desses golpes fatais. Este era o mais lendário e temível de entre os comandantes de bigrupo. Representava a maioritária massa combatente balanta, na elite combatente do PAIGC. Perante a PIDE, conseguiu dissimular as suas responsabilidades no PAIGC e iludi-la sobre a sua participação na matança. Ainda nestes dois autos se confirma que um ou outro major, após ter sido metralhado, ainda resistia, quando finalmente foram finados à punhalada. São conhecidos alguns pormenores da chacina, mas porque ferem sensibilidades não se abalança a total descrição.(LA)
Um familiar de um dos massacrados militares refere que um deles foi finado com uma catanada no estômago, outro com decepação da cara (também com catana) e que outro tinha um punhal espetado na zona do coração. (Não foi ainda possível confirmar se este dado é correcto ou está deturpado, mas tudo parece indicar que o acto terá sido inexorável e selvagem).
Notícia publicada no Jornal Tal & Qual, em 3 de Maio de 1996, assinada por Manuel Catarino, refere protagonistas diferentes na consumação desta barbárie:
“Os Majores avançam decididos e chegam ao ponto estabelecido para o encontro. Mal sabiam eles que um grupo de guerrilheiros entrincheirados esperava um sinal do comandante Inácio da Silva para os abater com saraivadas de metralha. Raul Passos Ramos, um combatente de excepção e um dos mais condecorados oficiais portugueses, foi o primeiro a saltar do jipe. O guerrilheiro Júlio Biague vai ao seu encontro, como combinado e, quando está suficientemente perto, dispara com raiva a metralhadora. Magalhães Osório, Pereira da Silva e o alferes Mosca, que o acompanhavam, ainda tentaram fugir. Nem uma arma tinham levado com eles. Foram abatidos e os corpos mutilados à catanada. Spínola estava para ir a este encontro com a guerrilha – mas, na véspera, fora demovido de acompanhar os seus homens”.
Não sei até que ponto este detalhe corresponde, de forma fidedigna, ao desenrolar do acontecimento e se Júlio Biague foi, efectivamente, o autor material da chacina.
De acordo com dois autos de interrogatório a dois guerrilheiros do PAIGC capturados após o acontecimento, ficou a saber-se que um deles (Guade Nam Indami) foi o autor material desses golpes fatais. Este era o mais lendário e temível de entre os comandantes de bigrupo. Representava a maioritária massa combatente balanta, na elite combatente do PAIGC. Perante a PIDE, conseguiu dissimular as suas responsabilidades no PAIGC e iludi-la sobre a sua participação na matança. Ainda nestes dois autos se confirma que um ou outro major, após ter sido metralhado, ainda resistia, quando finalmente foram finados à punhalada. São conhecidos alguns pormenores da chacina, mas porque ferem sensibilidades não se abalança a total descrição.(LA)
Um familiar de um dos massacrados militares refere que um deles foi finado com uma catanada no estômago, outro com decepação da cara (também com catana) e que outro tinha um punhal espetado na zona do coração. (Não foi ainda possível confirmar se este dado é correcto ou está deturpado, mas tudo parece indicar que o acto terá sido inexorável e selvagem).
Notícia publicada no Jornal Tal & Qual, em 3 de Maio de 1996, assinada por Manuel Catarino, refere protagonistas diferentes na consumação desta barbárie:
“Os Majores avançam decididos e chegam ao ponto estabelecido para o encontro. Mal sabiam eles que um grupo de guerrilheiros entrincheirados esperava um sinal do comandante Inácio da Silva para os abater com saraivadas de metralha. Raul Passos Ramos, um combatente de excepção e um dos mais condecorados oficiais portugueses, foi o primeiro a saltar do jipe. O guerrilheiro Júlio Biague vai ao seu encontro, como combinado e, quando está suficientemente perto, dispara com raiva a metralhadora. Magalhães Osório, Pereira da Silva e o alferes Mosca, que o acompanhavam, ainda tentaram fugir. Nem uma arma tinham levado com eles. Foram abatidos e os corpos mutilados à catanada. Spínola estava para ir a este encontro com a guerrilha – mas, na véspera, fora demovido de acompanhar os seus homens”.
Não sei até que ponto este detalhe corresponde, de forma fidedigna, ao desenrolar do acontecimento e se Júlio Biague foi, efectivamente, o autor material da chacina.
Embora tenha derivado de entendimento prévio, porque terão os majores ido sem segurança e desarmados para este encontro ? As nossas tropas poderiam ter feito uma segurança dissimulada e de proximidade !
Aquele era o culminar de vários encontros e negociações anteriores em que tudo tinha corrido às mil maravilhas, havendo conquista total de confiança de parte a parte. E com escolta e armas não havia encontro (das vezes anteriores, também os do PAIGC apareciam desarmados).
O que falhou do lado do exército português ?
Não existe uma explicação profunda. A este propósito, diz Ramalho Eanes: “No vazio dramático criado, importava perceber o que falhara, quais as intenções do PAIGCV, e impedir que as populações da área (manjacos, fulas e mandingas) sucumbissem ao medo e caíssem nos braços do PAIGCV.
"Chegados a Teixeira Pinto, eu, o major Luz de Almeida e o comandante do CAOP, coronel Alcindo, encarregámo-nos desta árdua tarefa. Aumentou-se discretamente a actividade operacional e intensificaram-se as reuniões com os chefes locais, nas quais comparecíamos desarmados e apenas com o intérprete, para mostrar quanta confiança nos mereciam.
Acelerámos, também, as acções do Programa de promoção socioeconómica, em curso, com a introdução de novas espécies de arroz, recuperação de bolanhas e reintrodução da tracção animal. Tudo em coordenada cooperação com técnicos agrícolas africanos, e com o administrador local, homem tão competente, quanto entusiasta e humano. Lembro, com saudade e não sem orgulho, o muito - afinal tão pouco - que em conjunto fizemos”.
Não existe uma explicação profunda. A este propósito, diz Ramalho Eanes: “No vazio dramático criado, importava perceber o que falhara, quais as intenções do PAIGCV, e impedir que as populações da área (manjacos, fulas e mandingas) sucumbissem ao medo e caíssem nos braços do PAIGCV.
"Chegados a Teixeira Pinto, eu, o major Luz de Almeida e o comandante do CAOP, coronel Alcindo, encarregámo-nos desta árdua tarefa. Aumentou-se discretamente a actividade operacional e intensificaram-se as reuniões com os chefes locais, nas quais comparecíamos desarmados e apenas com o intérprete, para mostrar quanta confiança nos mereciam.
Acelerámos, também, as acções do Programa de promoção socioeconómica, em curso, com a introdução de novas espécies de arroz, recuperação de bolanhas e reintrodução da tracção animal. Tudo em coordenada cooperação com técnicos agrícolas africanos, e com o administrador local, homem tão competente, quanto entusiasta e humano. Lembro, com saudade e não sem orgulho, o muito - afinal tão pouco - que em conjunto fizemos”.
Qual o local, exacto ou provável, do massacre ?
De acordo com um testemunho actual do então 1º Sargento da CCAÇ 2586 (Pelundo), João Godinho, responsável pela passagem do relatório da fatídica ocorrência, esta terá ocorrido quase a meia distância entre o Pelundo e Jolmete, na picada, onde a densa vegetação dá lugar a uma clareira de chão aberto.
De acordo com um testemunho actual do então 1º Sargento da CCAÇ 2586 (Pelundo), João Godinho, responsável pela passagem do relatório da fatídica ocorrência, esta terá ocorrido quase a meia distância entre o Pelundo e Jolmete, na picada, onde a densa vegetação dá lugar a uma clareira de chão aberto.
Analisado o percurso actual, vislumbra-se um espaço descerrado da mata (lado esquerdo da picada, no sentido Pelundo-Jolmete), nas coordenadas de: Lat. N. 12.1641667 e Long. W. 15.912385 (a 7 Km do Pelundo e a 8,65 Km de Jolmete). Estrada plana, à altitude de 28 m. O terreno, de um e do outro lado da picada, inclina ligeiramente para esta. A estrada começa depois a descer (direcção de Jolmete), passando, num espaço de 1000m, de 28 para 8m de altitude. A tabanca mais próxima, Cachabate, fica a cerca de 2,5 Km, a NW do local em referência.
Tudo parece indicar que terá sido este o local do trágico encontro (vd. mapas a seguir):
Tudo parece indicar que terá sido este o local do trágico encontro (vd. mapas a seguir):
(pequenos vales fluviais de savana herbácea (bolanhas de Lala), com franjas de palmeiras de óleo (cibes). Nestes locais da picada, o solo ficava, por vezes, ligeiramente submerso, na estação das chuvas) (*).
___________
(*) Lala – Zona em depressão onde os solos são submersos ou com lençol freático muito próximo da superfície, na estação das chuvas. Têm estrato herbáceo de 1 a 2 metros, quase desprovida de árvores com rara excepção na sua extremidade, onde se encontra franja de palmeiras de óleo (cibe). Na Guiné-Bissau predominam as bolanhas de lala e as bolanhas de tarrafe (mangais).
Quem procedeu ao levantamento dos corpos ?
Ter-se-á levantado a dúvida se Ramalho Eanes teria comandado a força que procedeu ao levantamento dos corpos, mas tal não aconteceu, como o próprio confirma num dos seus depoimentos sobre o assunto : “um segundo tempo, vivi-o em Teixeira Pinto, como oficial de informações do CAOP. Para ali fui inopinadamente transferido, por indicação do general Spínola, para substituir um militar excelente e um homem de eleição, o major Passos Ramos, traiçoeira e selvaticamente morto (com outros militares desarmados) no Chão Manjaco, no decurso de negociações com o PAIGCV”.
De acordo com a informação recentemente recolhida junto de João Godinho, então 1º Sargento da CCAÇ 2586 (Pelundo), essa incumbência coube a militares da mesma CCAÇ 2586, sob as ordens do seu comandante, o Capitão Neves.
Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê?
Não havendo respostas concretas, o historiador guineense Leopoldo Amado, formula hipóteses explicativas plausíveis para o acontecido :
No quadro geral da guerra colonial/guerra de libertação da Guiné, o chão manjaco e o chão fula eram (e sempre foram), de facto, os calcanhares de Aquiles do PAIGC. Disso tinha ele profunda consciência, na medida em que, sintomaticamente, Amílcar Cabral o assinalou por diversas vezes, inclusivamente, no início da guerra, quando deu a conhecer os seus estudos da estrutura social da sociedade guineense. O exército português conhecia bem essa realidade.
Por esta altura o PAIGC estava a adoptar uma postura de contemporização para melhor adequar o seu dispositivo táctico no terreno, enquanto que não é também de afastar a hipótese de que a PIDE-DGS e o exército português, assim como os respectivos serviços de informações e contra-informação, estariam, de igual modo, em todo o processo de conversações, a contemporizar a melhor oportunidade de conseguir aliciar e desmantelar a estrutura político-militar do PAIGC no chão manjaco. Também o evoluir do projecto governativo Por uma Guiné Melhor aconselhava ao avanço paulatino das negociações.
Contudo, para o PAIGC, o arrastamento, por um período relativamente longo, só foi possível porque a sua direcção delas não tinha conhecimento e, quando o teve, apressou-se a decepar completa e imediatamente o assunto, antes que a situação se tornasse irreversível.
Que vantagens imediatas para o PAIGC, resultaram deste fim inopinado das negociações ?
A direcção do PAIGC, in extremis, conseguiu várias proveitos: recuperar a guerrilha local para a lealdade absoluta ao PAIGC (depois de matarem os majores, foi-se qualquer margem de futura traição); incrementar a combatividade desses guerrilheiros locais (para se limparem da nódoa do jogo de traição em que antes tinham estado metidos); perturbar a relação das FA com as populações pelo incremento da conflitualidade militar na zona. Só não atingiram o maior objectivo: deitar a mão ou matar o próprio Spínola.
Ideia, pesquisa, compilação e edição
Afonso F. Sousa
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. alguns posts do autor:
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1094: O abandono dos Mortos pela Pátria (Afonso Sousa)
4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P843: Ouvir as 'costureirinhas' a bordo de uma LDG (Afonso M.F. Sousa)
26 Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCIII: Saudações ao Barreto Pires (Afonso M. F. Sousa, CART 2412, 1968/70)
13 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXV: Barro, CART 2412, 1968/70 (Afonso M.F.Sousa)
31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVII: Em perigos e guerras esforçados... (Afonso M.F. Sousa / A. Marques Lopes)
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIII: Barro, trinta anos depois (1968-1998) (Afonso M.F. Sousa)
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCII: A zona tampão de Barro, Bigene, Binta, Guidage e Farim (Afonso M.F. Sousa)
(2) Sobre este tópico, vd. posts anteriores:
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco: Do Pelundo ao Canchungo... (João Tunes)
12 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXIV: João Tunes: Do Pelundo e do Canchungo ao Catió...
7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLIII: Respeito pelos manjacos, se faz favor! (João Tunes)
27 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes
26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco(João Varanda)
terça-feira, 16 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)
Guiné > Voz da Guiné > Folha de rosto da Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos. Na primeira página vêem-se duas fotos: à direita, do major João de Almeida Bruno, que cessava funções como comandante do Batalhão de Comandos da Guiné; e à esquerda, o novo comandante, o major Raul Miguel Socorro Folques.
Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.
1. Texto enviado, em 13 de Janeiro corrente, pelo Amilcar Mendes (ex-1º cabo, 38ª Companhia de Comandos, Guiné, Brá, 1972/74; hoje, taxista da praça de Lisboa):
A Guerra da Guiné e os Direitos Humanos
por A. Mendes
Vitor Junqueira, Luís Graça e demais membros da nossa tertúlia:
De há uns tempos a esta parte tenho sido mais leitor que interveniente, porque algumas coisas que vou lendo no Blogue, sobre o tempo da guerra da Guiné, me obrigam a estar calado. De facto, os comentários que vou lendo confundem-me ao ponto de não saber se falamos da mesma guerra e da mesma Guiné.
Primeiro que tudo estou no Blogue porque sou um ex-combatente da Guiné e é essa a razão deste Blogue. Trocarmos impressões sobre o que passámos é saudável. A razão por que é que passámos, isso é já história política. Para isso existem os letrados e iluminados que escrevem sobre as causas e consequências.
Vem isto a propósito dos comentários que aqui li sobre a Convenção de Genebra, Operação Mar Verde, Massacres, Direitos dos Combatentes e dos coitadinhos dos guerrilheiros do PAIGC! (1)
Por favor, não insultemos a memória dos que morreram em combate. Alguém que lá esteve pode achar que os turras eram meninos de coro? Será que o Vitor Junqueira e eu estivemos na mesma guerra ?
No ano de 1973, na estrada de Mansoa -Mansabá, numa emboscada a uma coluna junto ao chamado Carreiro da Morte, os senhores guerrilheiros do PAIGC apanharam à mão três agressores militares portugueses e, cagando para direitos ou convenções de guerra, cortaram-lhe o sexo e enfiaram-lho na boca depois de os matarem a sangue frio!
Se tal, como nós, cumpriam o direito defendendo a Pátria (não sei se a minha ou a deles), expliquem-me por favor quem é que era santo?
Fui combatente, como vocês, matei para não ser morto. A forma como, não tem a ver. Ou será que o Vitor ia para a mata com a Bíblia numa mão e a arma noutra ?
Enfim, relembremos Guidaje, Guileje, Canquelifá, Boruntuma, Gandamael, etc. porque o PAIGC não se limitou a defender a sua (deles) Pátria.
O Vitor fala em stresse de guerra, mas já tentou saber se tem a ver com a forma ou o conteúdo? Quem sabe o que se passou em Wiriamu ? Vamos condenar à pena de morte quem lá esteve? Para expiarmos todas nossas culpas, como combatentes, vamos ter que julgar toda a humanidade? Eu posso apresentar ex-comandos que lá estiveram, para o Vitor, o Luís e os demais tertulianos ouvirem a outra parte da história...
Já agora, e a propósito de direitos, olhemos para o que está a acontecer na Guiné e com a herança do PAIGC.
Vitor, Luís e restantes tertulianos, um abraço.
A. Mendes
2. Comentário do editor do blogue:
Meu caro Amílcar:
A gente ainda não se conhece pessoalmente mas já temos falado várias vezes ao telefone, e até lá temos apalavrada uma ida à sede dos Associação dos Deficientes das Forças Armadas, aqui mesmo ao lado da minha chafarrica, para dar um abraço a um amigo comum, o Patuleia...
Há muitas feridas de guerra, no corpo e na alma, que não saram e que vão morrer connosco. É o caso do Patuleia, que é uma figura conhecida, que dá a cara (e que cara!) pela ADFA, e por todos nós. É uma problemática dolorosa, essa, a do deve-e-haver da nossa guerra em África (sem esquecer a Índia, Timor, etc., como muito bem nos chamava ontem à atenção o António Rosinha) (2).
Como qualquer membro da nossa tertúlia, tu tens direito à palavra. Não preciso de te dizer que o teu testemunho, como homem e como operacional, me sensibilizou, e tem enriquecido o nosso esforço colectivo para reconstruir e divulgar a nossa memória da guerra na Guiné.
Como sabes, aqui - naquilo a que eu chamo a nossa caserma virtual - tratamo-nos por tu, o que não quer dizer menos respeito uns pelos outros, respeito pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (assumindo o que fomos ontem e o que somos hoje, sem culpa, sem complexos, sem acusações). Mas também sendo capazes de manifestar, de maneira franca e serena, os nossos pontos de vista, e sobretudo as discordâncias... Saudavelmente, como amigos, como camaradas... Na prática, como sabes, estas regras não fáceis de aplicar... Mas esforçamo-nos por consegui-lo...
Nunca escondemos uns dos outros que não pensamos todos pela mesma cabeça, nem sentimos todos pelo mesmo coração... A nossa riqueza está justamente no nosso pluralismo e na capacidade de gerir as nossas diferenças... É certo que nem sempre lemos o que outro escreve... Tu, por exemplo, se calhar não entendeste bem o que o Vitor quis dizer, ou então foi o Vitor que não comunicou bem... Compete a ele esclarecer-te, se for caso disso. Mas eu insisto: temos que aprender a ouvir os outros...
Para trás ficaram, entretanto, as velhas rivalidades entre infantaria, cavalaria e artilharia, entre a terra, o mar e o ar, entre a tropa-macaca e a elite da tropa, entre tropas africanas e metropolitanas, entre pessoal do quadro, do contigente geral e milicianos, entre operacionais e pessoal de apoio...
Aqui também não há bons nem maus, heróis ou cobardes, gente politicamente correcta ou incorrecta, letrados e iletrados... Somos camaradas, ponto final. A mim, compete-me dar igualdade de oportunidades a todos os que me escrevem, o que nem sempre seguramente consigo.
Não me compete tomar posição a favor de A ou B. Não sou juiz nem fiel da balança. Mas, confesso, que não gostaria que o nosso blogue fosse uma arena de combate. Não cultivo nem gosto de cultivar a polémica. Acho que podemos (e devemos) dizer olhos nos olhos (neste caso, no ecrã do computador) o que nos divide, o que nos separa... De preferência, com elegância, sem insultos, e com factos a fundamentar o que escrevemos... Esta pedagogia tem funcionado. E eu acho que podemos orgulhar-nos do nosso blogue, da nossa convivivência, e até da gente da nossa geração.
Não temos de estar acordo sobre questões dolorosas, dolorosíssimas (e ainda polémicas), do nosso passado recente (para não falar da nossa vasta e riquíssima história enquanto povo, estado e nação): os massacres de 1961 (em que morreram milhares de portugueses e angolanos, inocentes), os excessos (e crimes) que se cometem em todas as guerras, de um lado e de outro, Nambuangongo, Mar Verde, Wiriamu, Nó Górdio... Não estaremos de acordo seguramente sobre as razões por que fomos parar à Guiné, a Angola ou a Moçambique. Ou sobre a descolonização. Como a guerra foi conduzida pelos nossos chefes, políticos e militares.
Não podemos evitar falar de tudo isso, dessas e doutras questões ditas fracturantes. Podemos fazê-lo, mas de preferência evocando a nossa condição de protagonistas, testemunhas ou historiógrafos... Por exemplo, eu não estive em Wiriamu, nem estou suficientemente documentado para ter opinar sobre o que lá se passou... Eu nunca passei no Carreiro da Morte, na estrada de Mansoa-Mansabá e já não estava na Guiné, em 1973, mas gostava de saber quem (do lado do PAIGC e das NT) esteve envolvido nessa macabra cena que tu relatas...
Eu também não estive no chão manjaco mas quem lá esteve (o Afonso M.F.Sousa, o João Tunes) pode dar o seu testemunho (ou opinar) sobre o massacre do PAIGC que vitimou três dos nossos três melhores oficiais superiores do tempo do Spínola... Um historiador, como o Leopoldo Amado, também tem autoridade para falar sobre esse assunto, porque fez investigação de arquivo ou entrevistou dirigentes do PAIGC... Eu, confesso, que não tenho autoridade para o fazer, é uma questão de honestidade intelectual... (E a propósio, vamos abrir em breve um dossiê sobre este melindroso e doloroso tópico da guerra da Guiné, sob a direcção do Afonso M.F. Sousa)...
Por fim, queria só lembrar que também é nosso apanágio respeitar (ou tentar respeitar) o nosso inimigo de ontem... Eles, de facto, não eram meninos de coro. Mas não nós também não éramos turistas. Dito isto, concordo com o Pedro Lauret e o Vitor Junqueira: a guerra, todas as guerras, têm regras. E quanto ao Amílcar, queria só acrescentar: Todos matámos para não morrer... Afinal, todos fomos para a Guiné com "licença para matar e morrer"...
_______
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
13 de Janeiro de 2006 < Guiné 63/74 - P1425: Questões politicamente (in)correctas (16): na guerra, de facto, não vale tudo, também há regras (Vitor Junqueira)
12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)
(2) Vd. post de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1432: Pensamento do dia (10): Honrar os que morreram no Ultramar (António Rosinha)
Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.
1. Texto enviado, em 13 de Janeiro corrente, pelo Amilcar Mendes (ex-1º cabo, 38ª Companhia de Comandos, Guiné, Brá, 1972/74; hoje, taxista da praça de Lisboa):
A Guerra da Guiné e os Direitos Humanos
por A. Mendes
Vitor Junqueira, Luís Graça e demais membros da nossa tertúlia:
De há uns tempos a esta parte tenho sido mais leitor que interveniente, porque algumas coisas que vou lendo no Blogue, sobre o tempo da guerra da Guiné, me obrigam a estar calado. De facto, os comentários que vou lendo confundem-me ao ponto de não saber se falamos da mesma guerra e da mesma Guiné.
Primeiro que tudo estou no Blogue porque sou um ex-combatente da Guiné e é essa a razão deste Blogue. Trocarmos impressões sobre o que passámos é saudável. A razão por que é que passámos, isso é já história política. Para isso existem os letrados e iluminados que escrevem sobre as causas e consequências.
Vem isto a propósito dos comentários que aqui li sobre a Convenção de Genebra, Operação Mar Verde, Massacres, Direitos dos Combatentes e dos coitadinhos dos guerrilheiros do PAIGC! (1)
Por favor, não insultemos a memória dos que morreram em combate. Alguém que lá esteve pode achar que os turras eram meninos de coro? Será que o Vitor Junqueira e eu estivemos na mesma guerra ?
No ano de 1973, na estrada de Mansoa -Mansabá, numa emboscada a uma coluna junto ao chamado Carreiro da Morte, os senhores guerrilheiros do PAIGC apanharam à mão três agressores militares portugueses e, cagando para direitos ou convenções de guerra, cortaram-lhe o sexo e enfiaram-lho na boca depois de os matarem a sangue frio!
Se tal, como nós, cumpriam o direito defendendo a Pátria (não sei se a minha ou a deles), expliquem-me por favor quem é que era santo?
Fui combatente, como vocês, matei para não ser morto. A forma como, não tem a ver. Ou será que o Vitor ia para a mata com a Bíblia numa mão e a arma noutra ?
Enfim, relembremos Guidaje, Guileje, Canquelifá, Boruntuma, Gandamael, etc. porque o PAIGC não se limitou a defender a sua (deles) Pátria.
O Vitor fala em stresse de guerra, mas já tentou saber se tem a ver com a forma ou o conteúdo? Quem sabe o que se passou em Wiriamu ? Vamos condenar à pena de morte quem lá esteve? Para expiarmos todas nossas culpas, como combatentes, vamos ter que julgar toda a humanidade? Eu posso apresentar ex-comandos que lá estiveram, para o Vitor, o Luís e os demais tertulianos ouvirem a outra parte da história...
Já agora, e a propósito de direitos, olhemos para o que está a acontecer na Guiné e com a herança do PAIGC.
Vitor, Luís e restantes tertulianos, um abraço.
A. Mendes
2. Comentário do editor do blogue:
Meu caro Amílcar:
A gente ainda não se conhece pessoalmente mas já temos falado várias vezes ao telefone, e até lá temos apalavrada uma ida à sede dos Associação dos Deficientes das Forças Armadas, aqui mesmo ao lado da minha chafarrica, para dar um abraço a um amigo comum, o Patuleia...
Há muitas feridas de guerra, no corpo e na alma, que não saram e que vão morrer connosco. É o caso do Patuleia, que é uma figura conhecida, que dá a cara (e que cara!) pela ADFA, e por todos nós. É uma problemática dolorosa, essa, a do deve-e-haver da nossa guerra em África (sem esquecer a Índia, Timor, etc., como muito bem nos chamava ontem à atenção o António Rosinha) (2).
Como qualquer membro da nossa tertúlia, tu tens direito à palavra. Não preciso de te dizer que o teu testemunho, como homem e como operacional, me sensibilizou, e tem enriquecido o nosso esforço colectivo para reconstruir e divulgar a nossa memória da guerra na Guiné.
Como sabes, aqui - naquilo a que eu chamo a nossa caserma virtual - tratamo-nos por tu, o que não quer dizer menos respeito uns pelos outros, respeito pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (assumindo o que fomos ontem e o que somos hoje, sem culpa, sem complexos, sem acusações). Mas também sendo capazes de manifestar, de maneira franca e serena, os nossos pontos de vista, e sobretudo as discordâncias... Saudavelmente, como amigos, como camaradas... Na prática, como sabes, estas regras não fáceis de aplicar... Mas esforçamo-nos por consegui-lo...
Nunca escondemos uns dos outros que não pensamos todos pela mesma cabeça, nem sentimos todos pelo mesmo coração... A nossa riqueza está justamente no nosso pluralismo e na capacidade de gerir as nossas diferenças... É certo que nem sempre lemos o que outro escreve... Tu, por exemplo, se calhar não entendeste bem o que o Vitor quis dizer, ou então foi o Vitor que não comunicou bem... Compete a ele esclarecer-te, se for caso disso. Mas eu insisto: temos que aprender a ouvir os outros...
Para trás ficaram, entretanto, as velhas rivalidades entre infantaria, cavalaria e artilharia, entre a terra, o mar e o ar, entre a tropa-macaca e a elite da tropa, entre tropas africanas e metropolitanas, entre pessoal do quadro, do contigente geral e milicianos, entre operacionais e pessoal de apoio...
Aqui também não há bons nem maus, heróis ou cobardes, gente politicamente correcta ou incorrecta, letrados e iletrados... Somos camaradas, ponto final. A mim, compete-me dar igualdade de oportunidades a todos os que me escrevem, o que nem sempre seguramente consigo.
Não me compete tomar posição a favor de A ou B. Não sou juiz nem fiel da balança. Mas, confesso, que não gostaria que o nosso blogue fosse uma arena de combate. Não cultivo nem gosto de cultivar a polémica. Acho que podemos (e devemos) dizer olhos nos olhos (neste caso, no ecrã do computador) o que nos divide, o que nos separa... De preferência, com elegância, sem insultos, e com factos a fundamentar o que escrevemos... Esta pedagogia tem funcionado. E eu acho que podemos orgulhar-nos do nosso blogue, da nossa convivivência, e até da gente da nossa geração.
Não temos de estar acordo sobre questões dolorosas, dolorosíssimas (e ainda polémicas), do nosso passado recente (para não falar da nossa vasta e riquíssima história enquanto povo, estado e nação): os massacres de 1961 (em que morreram milhares de portugueses e angolanos, inocentes), os excessos (e crimes) que se cometem em todas as guerras, de um lado e de outro, Nambuangongo, Mar Verde, Wiriamu, Nó Górdio... Não estaremos de acordo seguramente sobre as razões por que fomos parar à Guiné, a Angola ou a Moçambique. Ou sobre a descolonização. Como a guerra foi conduzida pelos nossos chefes, políticos e militares.
Não podemos evitar falar de tudo isso, dessas e doutras questões ditas fracturantes. Podemos fazê-lo, mas de preferência evocando a nossa condição de protagonistas, testemunhas ou historiógrafos... Por exemplo, eu não estive em Wiriamu, nem estou suficientemente documentado para ter opinar sobre o que lá se passou... Eu nunca passei no Carreiro da Morte, na estrada de Mansoa-Mansabá e já não estava na Guiné, em 1973, mas gostava de saber quem (do lado do PAIGC e das NT) esteve envolvido nessa macabra cena que tu relatas...
Eu também não estive no chão manjaco mas quem lá esteve (o Afonso M.F.Sousa, o João Tunes) pode dar o seu testemunho (ou opinar) sobre o massacre do PAIGC que vitimou três dos nossos três melhores oficiais superiores do tempo do Spínola... Um historiador, como o Leopoldo Amado, também tem autoridade para falar sobre esse assunto, porque fez investigação de arquivo ou entrevistou dirigentes do PAIGC... Eu, confesso, que não tenho autoridade para o fazer, é uma questão de honestidade intelectual... (E a propósio, vamos abrir em breve um dossiê sobre este melindroso e doloroso tópico da guerra da Guiné, sob a direcção do Afonso M.F. Sousa)...
Por fim, queria só lembrar que também é nosso apanágio respeitar (ou tentar respeitar) o nosso inimigo de ontem... Eles, de facto, não eram meninos de coro. Mas não nós também não éramos turistas. Dito isto, concordo com o Pedro Lauret e o Vitor Junqueira: a guerra, todas as guerras, têm regras. E quanto ao Amílcar, queria só acrescentar: Todos matámos para não morrer... Afinal, todos fomos para a Guiné com "licença para matar e morrer"...
_______
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
13 de Janeiro de 2006 < Guiné 63/74 - P1425: Questões politicamente (in)correctas (16): na guerra, de facto, não vale tudo, também há regras (Vitor Junqueira)
12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)
(2) Vd. post de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1432: Pensamento do dia (10): Honrar os que morreram no Ultramar (António Rosinha)
segunda-feira, 15 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)
Vendas Novas > Museu da Escola Prática de Artilharia > 1998 > Duas peças de artilharia usadas no Guiné, e que os leigos confundem com frequência : a peça 11,4 e o obus 14.
Texto e foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.
Caro Luís:
Continua a haver grande confusão sobre o material de artilharia (português ) que esteve em Guileje.
Fala-se indistintamente da Peça de 11, 4 cm e do Obús de 14 cm. Pode ser que, em data a averiguar, os segundos tenham substituído os primeiros.
Eram parecidos (mesmo reparo ) só que o 11, 4 cm era de menor calibre e com o tubo mais comprido ( ver imagem acima)
Será que é possível colocar esta questão no teu blogue ?
Também interessaria saber quando foram para lá e quais os comandantes dos pelotões de artilharia que lá prestaram serviço.
Um abraço
Nuno Rubim (1)
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 18 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1189: O tertuliano Nuno Rubim, especialista em história militar
Texto e foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.
Caro Luís:
Continua a haver grande confusão sobre o material de artilharia (português ) que esteve em Guileje.
Fala-se indistintamente da Peça de 11, 4 cm e do Obús de 14 cm. Pode ser que, em data a averiguar, os segundos tenham substituído os primeiros.
Eram parecidos (mesmo reparo ) só que o 11, 4 cm era de menor calibre e com o tubo mais comprido ( ver imagem acima)
Será que é possível colocar esta questão no teu blogue ?
Também interessaria saber quando foram para lá e quais os comandantes dos pelotões de artilharia que lá prestaram serviço.
Um abraço
Nuno Rubim (1)
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 18 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1189: O tertuliano Nuno Rubim, especialista em história militar
Guiné 63/74 - P1433: Bissau, cidade de terra quente e argilosa (Álvaro Mendonça de Sousa, Manutenção Militar)
Guiné > Rio Geba > A caminho de Bissau > 1968 ou 1969 > O Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, Mansambo, 1968/69, num dos típicos barcos civis de transporte de pessoal e de mercadoria. Estes barcos (alguns ligados a empresas comerciais, como a Casa Gouveia) tinha, como principal cliente a Manutenção Militar.
Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados.
Mensagem de Álvaro Mendonça, que esteve em Bissau, como furriel miliciano, na Manutenção Militar, em 1966/68, e que mora em Ermesinde:
Caro Humberto Reis:
Permita-me que lhe dirija a carta que envio em anexo, pois não resisti àtentação de o fazer, depois de ver as fotos e as lembranças da cidade deBissau que ambos percorremos em situações semelhantes, muito embora eu seja mais velhinho. Recordo que fui dos primeiros a usar farda verde dos periquitos que substituiua farda amarela dos chamados maçaricos.
Álvaro Mendonça
Ermesinde
_______
Bissau - Cidade de terra quente e argilosa
por Álvaro Mendonça de Sousa
Caro Humberto Reis,
Foi com um misto de saudade e de emoção que visionei, casualmente, as fotos da Guiné editadas na vossa página sobre a história da guerra colonial, e em especial sobre Bissau, pois são raras as imagens que nos chegam daquele país.
Saudade, porque ali fiz muitos amigos. Saudade porque ali vivi dois anos da minha juventude. Saudade das minhas irreverências, das quais, insisto em me desculpabilizar porque tinha então 23/25 anos. Irreverências de quem, felizmente, nunca sentiu na pele os horrores das emboscadas, dos tiros, dos sobressaltos. Diversões próprias de quem, como eu, nunca sentiu a dor de assistir à tragédia dos camaradas que pereceram tombados no combate que Lisboa impôs a uma geração de guerrilheiros à força, durante longos 13 anos.
Não assisti a todo esse trágico cortejo de corpos evacuados em helicópteros porque estive sempre longe do cenário de guerra e porque me calhou em sorte iniciar e terminar a minha comissão (1966/ 1968), como furriel miliciano na Manutenção Militar, em Bissau.
Emoção, por ter passado em revista todos aqueles lugares, agora desoladamente degradados, por onde vagueei:
- a Praça do Império
- o Palácio do Governador nas traseiras do qual se situava a messe da MM [Manutenção Militar]
- o lugar onde ficava a esplanada do Café Bento, agora transformado em posto de venda de combustíveis
- o Mercado Central que exalava aquele cheiro pestilento do peixe a secar ao Sol
- o próprio edifício da MM, que se vê numa das fotos e ao lado do qual está o Pelicano, do qual não me recordo, porque deveria ter sido construído já depois do meu regresso à metrópole
- a antiga Avenida do Império, onde se situava a catedral e o cinema da UDIB, que eu frequentei com alguma assiduidade, para assistir às sessões de cinema, às vezes interrompidas, quando chamado com urgência para abastecer os Unimogs ou as lanchas para partirem à noite para o mato.
E as escapadelas ao Bairro do Cupelon [u Pilão], e as noitadas da cerveja e das ostras no Café Portugal? E as codornizes fritas do Zé da Amura?
Que será feito do célebre Hotel Berta, onde se comiam os melhores gelados do Mundo?
Mas o que mais me emocionou foi ver, através das fotos, o estado de ruína desta cidade de terra vermelha.
Ao lembrar-me de tudo isto e ao escrever estas linhas não consegui travar algumas lágrimas. Sobretudo, porque à distância de quarenta anos no tempo, não mais consegui reunir todos os camaradas desse tempo, todos esses amigos que, como muito bem sabe, eram a nossa família de afinidade durante 24 os 25 meses de comissão.
Não tenho o prazer de o conhecer, mas julgo que o Humberto comungará dos mesmos sentimentos!
Aceite um abraço de camaradagem e obrigado pelas fotos editadas no site que me proporcionaram reviver dois anos da minha vida!
Álvaro Mendonça de Sousa
Ermesinde
Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados.
Mensagem de Álvaro Mendonça, que esteve em Bissau, como furriel miliciano, na Manutenção Militar, em 1966/68, e que mora em Ermesinde:
Caro Humberto Reis:
Permita-me que lhe dirija a carta que envio em anexo, pois não resisti àtentação de o fazer, depois de ver as fotos e as lembranças da cidade deBissau que ambos percorremos em situações semelhantes, muito embora eu seja mais velhinho. Recordo que fui dos primeiros a usar farda verde dos periquitos que substituiua farda amarela dos chamados maçaricos.
Álvaro Mendonça
Ermesinde
_______
Bissau - Cidade de terra quente e argilosa
por Álvaro Mendonça de Sousa
Caro Humberto Reis,
Foi com um misto de saudade e de emoção que visionei, casualmente, as fotos da Guiné editadas na vossa página sobre a história da guerra colonial, e em especial sobre Bissau, pois são raras as imagens que nos chegam daquele país.
Saudade, porque ali fiz muitos amigos. Saudade porque ali vivi dois anos da minha juventude. Saudade das minhas irreverências, das quais, insisto em me desculpabilizar porque tinha então 23/25 anos. Irreverências de quem, felizmente, nunca sentiu na pele os horrores das emboscadas, dos tiros, dos sobressaltos. Diversões próprias de quem, como eu, nunca sentiu a dor de assistir à tragédia dos camaradas que pereceram tombados no combate que Lisboa impôs a uma geração de guerrilheiros à força, durante longos 13 anos.
Não assisti a todo esse trágico cortejo de corpos evacuados em helicópteros porque estive sempre longe do cenário de guerra e porque me calhou em sorte iniciar e terminar a minha comissão (1966/ 1968), como furriel miliciano na Manutenção Militar, em Bissau.
Emoção, por ter passado em revista todos aqueles lugares, agora desoladamente degradados, por onde vagueei:
- a Praça do Império
- o Palácio do Governador nas traseiras do qual se situava a messe da MM [Manutenção Militar]
- o lugar onde ficava a esplanada do Café Bento, agora transformado em posto de venda de combustíveis
- o Mercado Central que exalava aquele cheiro pestilento do peixe a secar ao Sol
- o próprio edifício da MM, que se vê numa das fotos e ao lado do qual está o Pelicano, do qual não me recordo, porque deveria ter sido construído já depois do meu regresso à metrópole
- a antiga Avenida do Império, onde se situava a catedral e o cinema da UDIB, que eu frequentei com alguma assiduidade, para assistir às sessões de cinema, às vezes interrompidas, quando chamado com urgência para abastecer os Unimogs ou as lanchas para partirem à noite para o mato.
E as escapadelas ao Bairro do Cupelon [u Pilão], e as noitadas da cerveja e das ostras no Café Portugal? E as codornizes fritas do Zé da Amura?
Que será feito do célebre Hotel Berta, onde se comiam os melhores gelados do Mundo?
Mas o que mais me emocionou foi ver, através das fotos, o estado de ruína desta cidade de terra vermelha.
Ao lembrar-me de tudo isto e ao escrever estas linhas não consegui travar algumas lágrimas. Sobretudo, porque à distância de quarenta anos no tempo, não mais consegui reunir todos os camaradas desse tempo, todos esses amigos que, como muito bem sabe, eram a nossa família de afinidade durante 24 os 25 meses de comissão.
Não tenho o prazer de o conhecer, mas julgo que o Humberto comungará dos mesmos sentimentos!
Aceite um abraço de camaradagem e obrigado pelas fotos editadas no site que me proporcionaram reviver dois anos da minha vida!
Álvaro Mendonça de Sousa
Ermesinde
Guiné 63/74 - P1432: Pensamento do dia (10): Honrar os que morreram no Ultramar (António Rosinha)
Guiné-Bissau > Bissau > 1984 > TECNIL: Projecto de construção do novo cais... Dos portugueses e de Portugal (da nossa engenhaia, história, cultura, língua, etc.), o que é que ficou na Guiné, pergunta o Tó Rosinha, antigo topógrafo da TECNIL no período do pós-independência.
Texto e foto: © António Rosinha (2006). Direitos reservados.
Texto e foto: © António Rosinha (2006). Direitos reservados.
Texto do António Rosinha (1), inserir na série Pensamento do Dia (2):
Já se passaram mais de 30 anos sobre o fim das várias frentes de guerra, Guiné, Angola, Moçambique, Índia (também aqui morreram militares), e Timor (onde igualmente morreram militares). Não falemos de Macau, Cabo Verde, São Tomé, São João Batista de Ajudá...
Chamemos-lhe guerra do Ultramar, Colonial, de África... Foi uma guerra de tal dimensão, que quando os nossos filhos e netos souberem que em Guileje, Guidaje e Madina do Boé,já nem o português/crioulo se fala, e que foi principalmente nessas terras que se deu o desenlace final, (com intervenção internacional, inclusive mensalmente debatido na ONU), dirão os netos e dizemos nós, tanto suor e NEM O CRIOULO FICOU?
É verdade, qualquer político guineense que vá àquelas terras, ou fala Francês ou leva um tradutor da lingua étnica.
Uma maneira de honrar os que morreram no Ultramar, era Portugal não deixar morrer a língua. Mas parece que fica muito caro. Eu mesmo já conheci um bom professor de português, em Bissau, de nacionalidade russa, porque Portugal não garantia alojamento para professores portugueses .
Outra maneira de honrar os que morreram no Ultramar, era imitar o que se fez na I Grande Guerra, em que tambem morreram militares nossos, no Norte de Moçambique, Sul de Angola e La Lis em França. E parece que a Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra, pelo menos no concelho onde moro, quer tentar fazer alguma coisa (Vila Franca de Xira).
Como praticamente em todos os concelhos morreram militares no Ultramar, é convencer as autarquias a proporcionar uma praça , praceta ou jardim, onde colocar um monumento para nele figurar o nome, posto, freguesia e colónia, onde o militar morreu. E, neste caso, parece ser pacífico os autarcas abraçarem esta causa com simpatia.
Se repararmos nas sedes de concelho onde existe o monumento aos mortos da Grande Guerra, é uma homenagem muito conseguida, principalmente para os familiares, descendentes e conhecidos. O monumento em Belem a nível nacional tambem está perfeito, mas não tem a mesma aproximação e o mesmo impacto para a história.
Penso que da pirâmede humana desta tertúlia, e a nível local, pode surgir um empurrão. Só aos empurrões e carolices é que em Portugal se faz alguma coisa.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)
Já se passaram mais de 30 anos sobre o fim das várias frentes de guerra, Guiné, Angola, Moçambique, Índia (também aqui morreram militares), e Timor (onde igualmente morreram militares). Não falemos de Macau, Cabo Verde, São Tomé, São João Batista de Ajudá...
Chamemos-lhe guerra do Ultramar, Colonial, de África... Foi uma guerra de tal dimensão, que quando os nossos filhos e netos souberem que em Guileje, Guidaje e Madina do Boé,já nem o português/crioulo se fala, e que foi principalmente nessas terras que se deu o desenlace final, (com intervenção internacional, inclusive mensalmente debatido na ONU), dirão os netos e dizemos nós, tanto suor e NEM O CRIOULO FICOU?
É verdade, qualquer político guineense que vá àquelas terras, ou fala Francês ou leva um tradutor da lingua étnica.
Uma maneira de honrar os que morreram no Ultramar, era Portugal não deixar morrer a língua. Mas parece que fica muito caro. Eu mesmo já conheci um bom professor de português, em Bissau, de nacionalidade russa, porque Portugal não garantia alojamento para professores portugueses .
Outra maneira de honrar os que morreram no Ultramar, era imitar o que se fez na I Grande Guerra, em que tambem morreram militares nossos, no Norte de Moçambique, Sul de Angola e La Lis em França. E parece que a Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra, pelo menos no concelho onde moro, quer tentar fazer alguma coisa (Vila Franca de Xira).
Como praticamente em todos os concelhos morreram militares no Ultramar, é convencer as autarquias a proporcionar uma praça , praceta ou jardim, onde colocar um monumento para nele figurar o nome, posto, freguesia e colónia, onde o militar morreu. E, neste caso, parece ser pacífico os autarcas abraçarem esta causa com simpatia.
Se repararmos nas sedes de concelho onde existe o monumento aos mortos da Grande Guerra, é uma homenagem muito conseguida, principalmente para os familiares, descendentes e conhecidos. O monumento em Belem a nível nacional tambem está perfeito, mas não tem a mesma aproximação e o mesmo impacto para a história.
Penso que da pirâmede humana desta tertúlia, e a nível local, pode surgir um empurrão. Só aos empurrões e carolices é que em Portugal se faz alguma coisa.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)
(2) Vd. último pensamento do dia: 24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1209: Pensamento do dia (9): O nosso humor de caserna (João Tunes)
Subscrever:
Mensagens (Atom)