sábado, 14 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1949: Simpósio Internacional "A memória de Guiledje na luta pela independência da Guiné-Bissau", Bissau, 1-7 de Março de 2008 (Pepito)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de1973 > O PAIGC toma conta do aquartelamento de Guileje, abandonado à pressa pelas NT (CCAV 8350, a que pertencia o nosso camarada José Casimiro Carvalho: vd. foto a a seguir). Um guerrilheiro em posição de hastear a bandeira do PAIGC, ao lado de um poster com a imagem o Amílcar Cabral, assassinado 4 meses antes´, em 20 de Janeiro de 1973.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) / Fundação Mário Soares (2007). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > o Fur Mil At Inf Op Esp Casimiro Carvalho, membro da nossa tertúlia, junto ao monumento aos mortos e feridos da CCAÇ 3325 (que esteve em Guileje de Janeiro a Dezembro de 1971). Trata-se do mesmo monumento da foto acima.

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Pepito, de 12 de Julho último:


Caro Luís:

Gostaria de levar ao conhecimento de todos os tertulianos algumas das informações recentes sobre a preparação do Simpósio Internacional de Guiledje, tanto mais que é com grande alegria que tenho recebido emails da Tabanca Grande a manifestarem interesse em virem cá nessa altura (1 a 7 de Março de 2008)(1).

A primeira boa notícia é que o Parlamento e Governo da Guiné-Bissau decidiram apoiar inequivocamente este encontro, sendo que o mesmo irá decorrer no salão principal da Assembleia Nacional Popular.

A maior parte dos oradores convidados já asseguraram a sua participação, vindo eles de Cabo Verde, Portugal, Cuba, Espanha e evidentemente da Guiné-Bissau.

Em breve iremos actualizar o site de Guiledje para passarmos a ter notícias fresquinhas até ao dia do Simpósio.

Gostaria de realçar o trabalho fabuloso que o Nuno Rubim vem fazendo de recolha de informações, documentos, fotografias, que ele tem procurado em todos os azimutes (Portugal, Cabo Verde e Guiné-Bissau) e que ele doará para o futuro Arquivo Histórico-Militar de Guiledje. Há descobertas e precisões extraordinárias. Os outros que me desculpem, mas aguardo a intervenção dele com enorme expectativa. É um trabalho minucioso de confrontação de documentos dos dois lados na procura da verdade histórica.

Igualmente o Nuno, em colaboração com alguns voluntários, está a trabalhar na conclusão do diorama do quartel de Guiledje, assim como de um poster gigante com a disposição dos exércitos de ambos os lados na batalha final. Nem calculas o trabalho que isso dá.

Escuso de dizer que de vez em quando o Nuno dá-me no côco por eu não conseguir acompanhar a pedalada dele. Mas pelos resultados obtidos, sempre digo que até não dói nada.

Saiba-se que se não fosse o nosso Blogue nunca poderíamos ter chegado aqui. Foi através dele que o Nuno, o Leopoldo, o Idálio, o Samúdio, o Armindo Batata, e tantos outros que conseguimos aceder a relatos impressionantes escritos na primeira pessoa. E claro o nosso inesquecível amigo Zé Neto que continua a acompanhar-nos sentimentalmente.

Por último, vou-vos dizendo que a Guiné-Bissau já está de braços abertos para vos acolher em Março de 2008.

Obrigado a todos vocês.

Pepito

PS - Segue uma foto do Quartel de Guiledje (dia 22 de Maio de 1973) cedida pela Fundação Mário Soares.

___________

Nota de L.G.:

(1) Simpósiuo Internacional: "A memória de Guiledje na kuta pela independência da Guné-Bissau". 1-7 de Março de 2008. AD, INEP, Universidade Colinas do Boé

Objectivos

Organização

Participantes

Programa

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1948: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Em Bissau, no julgamento do Ieró Djaló

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > 1968 > Pel Caç Nat 52 > O Iedró Djaló, milícia, a partir lenha... "Nunca conheci um gago como Ieró. Antes de falar, o rosto contraía-se todo e explodia num trovão as primeiras palavras. Tinha seguramente problemas psicológicos, pois partia sozinho para Finete, alegando saudades da família. Era-lhe indiferente os castigos, duros ou brandos. Irei entregar-lhe à guarda um prisioneiro feito em Quebá Jilã, em Fevereiro de 69, e durante a Opeão Anda Cá apareceu-me durante a madrugada, a escassos quilómetro de Madina a informar-me que o prisioneiro tinha fugido"...

Foto e legenda: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Luís Casanova, que foi o fotógrafo, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.

Mensagem do Beja Santos, enviada a 6 de Junho de 2007: Caro Luís, aqui vai o episódio da semana. Encontrarás a fotografia do Ieró Djaló no pequeno lote cedido pelo Luís Casanova. Recordo que tens ainda dois bilhetes postais de Bissau da primeira leva que te mandei e que mostram exactamente os locais onde se situava o Comando Naval da Guiné. mas certamente que elementos sobre Bissau não te faltam. Até ao nosso encontro entre 12 e 15 de Junho, e recebe um grande abraço do Mário.

52ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 6 de Junho de 2007. Comentário do editor: Por lapso nosso, este episódio não foi publicado na altura. As nossas desculpas ao autor e aos leitores do nosso blogue. Vd. os posts posteriores (53 e 54) e anterior (51)(1)

Em Bissau, no julgamento de Ieró Djaló

por Beja Santos


Os preparativos da ida a Bissau


Parto amanhã, dia 1 de Julho, para Bissau, onde serei testemunha no julgamento de Ieró Djaló, o cabo das milícias de Missirá que, na madrugada de 22 de Fevereiro, no decurso da Operação Anda Cá (2), tendo a seu cargo a custódia do prisioneiro de Quebá Jilã, o deixou fugir enquanto dormia.

Reuno ao fim da tarde com os três furriéis (Casanova, Pires e Pina) e o Comandante da milícia, Albino, o gentil príncipe Samba. Comunico, em primeiro lugar, algumas decisões: Casanova vai descansar uma semana em Bambadinca, consultará o médico, o Dr. Domingos, e repousará pois é notório que tem os nervos em franja, tornou-se agreste, perde peso e tem períodos de abulia; vai amanhã comigo, fica isento de qualquer actividade operacional; em segundo lugar, as férias dos soldados ficam novamente suspensas, só haverá dispensas a título excepcional, temos gente cada vez mais doente e na semana passada houve dois dias em que repetimos Mato de Cão em 24 horas, o que me levou a abolir as emboscadas nocturnas; o plano de actividades ficará subordinado à construção de um novo abrigo de morteiro 81, em local mais estratégico do que o actual; como, entretanto, o Capitão Rui Gamito me escreveu a comunicar que vai ser disponibilizado o gerador eléctrico para Missirá, deixo ao critério dos meus colaboradores a construção do respectivo abrigo;o professor primário, de nome Benício, terá o seu contrato renovado por provas de desvelo com a cartilha maternal e tabuada, e ser-lhe-á solicitado que passe uma semana em cada mês no aquartelamento de Finete, até se encontrar uma solução para recrutar um professor permanente; relatei a conversa havida com o régulo Malã após o incêndio da cubata da sua tia, Fatumana, a anciã só aceita a reconstrução desde que seja uma cubata circular, seremos responsáveis pela cobertura e cimentação do interior, mas serão os civis a reconstruí-la logo que termine a época das chuvas; por último, peço ao príncipe Samba que se entenda com Bacari Soncó para que haja a deslocação de 7 a 10 homens de Finete para Missirá, para apoiar os patrulhamentos a Mato de Cão, nos próximos dias.

Com a ajuda de Cherno preparo a mala e vejo o estado da farda nº2. Emagreci 10 quilos, danço dentro dos calções, calças e camisas, meticulosamente passadas pela Binta Camará, a mulher de Sabidi. Separo alguma roupa, artigos de higiene, livros e aerogramas. Espero voltar o mais tardar em três dias, mas estou sempre condicionado pelos voos, muitos deles cancelados, pelas situações de emergência.

Escrevo um aerograma à Cristina que amanhã espero meter nos correios em Bissau. Falo-lhe na carta de José Jamanca que eu ainda não sei que será um amigo para toda a vida, está agora em Bolama, tem saudades nossas; Fodé escreveu, está contente com as suas sessões de ginásio, parte em breve para a Alemanha Federal; digo que o Cherno nos surpreendeu, pois foi à caça com Cibo Indjai e apanhou um pato bravo, vitualha que se revelou deliciosa depois de bem esfregada em pimento e alho e frita no forno, parecia cabrito; e que amanhã de manhã, vou assistir às cerimónias religiosas da defunta do almani de Finete; e, relato a satisfação de todos aqui em Missirá com a nova casa de banho, e prometo por último que espero telefonar amanhã ao fim da tarde para Lisboa. Será que não tenho consciência que canso a Cristina com este número infindável de vulgaridades?

Saímos ao amanhecer, como sempre vamos sem cuidado até à zona de Caranquecunda, depois pica-se a preceito a estrada até Flaque Dulo, vamos mais rápidos até Canturé onde os pomares florescem e depois embrenhamo-nos no mato denso até Finete, sempre a picar. Assisto à cerimónia religiosa, converso com Bacari sobre a compra da catanas e machados, deixo aqui Mamadu Camará e Tomani Sanhá que vão trabalhar com a motosserra para limpar a vegetação hermética logo acima de Malandim e prossigo viagem.

Não disse à Cristina que estou com infecções nas pernas e um ouvido a zunir. Em Bambadinca, bato à porta do Dr. Domingos que me deu Di-Adresson, qualquer coisa que tem uma acção muito superior à da cortisona e mandou pôr-me álcool iodado no ouvido. Findo o tratamento vou despedir-me do Pimbas. Estou longe de imaginar que esta é a última vez que nos veremos em Bambadinca, quando eu regressar, ele, o Major Pires da Silva e o Capitão Baptista Neves já terão partido com punições, por esta ou aquela razão.

O Dakota partirá pela 1h da tarde, de Bafatá, chegou a hora de subir para o Unimog e lçançar-me na estrada alcatroada na companhia dos meus fiéis amigos. Cherno toma para si o encargo de me levar a mala. A atmosfera no aeroporto é de muita tensão; terá sido ontem ou anteontem que um helicóptero-canhão explodiu de encontro a uma antena no aeródromo, morreu um capitão e um cabo. O Dakota parte à hora , prometo a todos trazer o que me pedem dos mercados do Bissau Velho e de Bandim. Do ar, quase que procuro Missirá, mas o voo segue mais à direita perto de Mansoa.

Aproveito para rever os meus papéis onde registei tudo o que quero tratar e quem quero visitar: a Engenharia em Brá, falar com Manuel de Lucena acerca do meu recurso e do que devo dizer amanhã em julgamento, jantar com a Maria Luísa e o Pedro Abranches, antes procurar telefonar nos correios de Bissau à Cristina e à minha mãe, não me preocupar com a dormida, posso entrar em qualquer hora no Quartel General, a camarata está sempre disponível e o julgamento está marcado para as 11horas.


Uma intensa agenda social em Bissau


De Bissalanca consigo uma boleia para Brá e entro nos pré-fabricados do Batalhão de Engenharia. O Rui Gamito recebe-me com visível satisfação e apresenta-me ao Emílio Rosa, que em Abril próximo será meu padrinho de casamento. As notícias que têm para mim são entusiásticas: Missirá e Finete foram contempladas com 21 toneladas de material de construção; o gerador está confirmado e garantido, dentro em breve será colocado no cais do Pidjiquiti e eu terei que cuidar de alguém que o acompanhe até Bambadinca, no bojo de um batelão.

Logo simpatizei com a afabilidade do Emílio Rosa, que prometeu novas ajudas, sobretudo quando lhe falei em dois abrigos que carecem de renovação absoluta. Sigo para o Quartel General e falo com o jurista. Confirmo tudo aquilo que eu ouvi do Valentim, em Bambadinca: o juiz irá interrogar-me sobre os antecedentes de Ieró Djaló, depois pedir-me-á toda a informação sobre a ocorrência e como é que eu tomei conhecimento da fuga e qual o comportamento seguinte do réu; seguir-se-á um interrogatório sobre o que eu penso do futuro do réu, isto é, se penso existirem condições para o seu regresso ao serviço militar. A informação que tenho sobre o meu recurso é enigmática: haverá alterações, nada mais se poderá dizer por ora.

Parto para o centro de Bissau e reencontro à porta de um café o Almeida, do Pel Caç Nat 63, que já foi colocado em Bolama. Aproveito para lhe reiterar que lhe devo muitíssima estima pela camaradagem que estabelecemos ao longo deste ano, pela bondade que ele teve em levar coisas para Lisboa, pela tragédia recente do suicídio do Benvindo, que imprevistamente se desfechou em si um tiro, quando estavam no Xime. O Almeida ficou abalado, não sabia reagir, confuso e magoado, é assim que ficamos e todas estas perdas são súbitas, como inexplicáveis e igualmente irreparáveis.

Volto a ter sorte com o telefone, oiço a Cristina, minto-lhe dizendo que estou fisicamente bem, que não se alarme pois vim só como testemunha abonatória, pergunto-lhe pelos estudos, reforço a minha confiança no futuro, não excluo, e digo tudo com voz firme, ir a Lisboa em breve. Descanso-a com a promessa de novo telefonema amanhã pela mesma hora. O telefonema para a minha mãe faz-se aos gritos, cada vez mais surda, não percebe exactamente porque estou em Bissau, pergunta-me se venho para Lisboa nos próximos dias e queixa-se do seu sofrimento físico. Anoitece, vou rezar à catedral, fico para a missa e depois sigo para casa dos Abranches que me recebem com a ternura do costume, repito a sopa de ostras e depois o assado e depois a fruta. Eles olham-me com enlevo, supondo que levo um quilo a mais no combate a este corpo esquálido, quase a definhar.

O Pedro deixa-me à porta do QG e entro no assombroso Vaticano III. Para quem já esqueceu, é uma camarata que só falta estar a céu aberto, parece uma ampla sala de espectáculos, onde uns vociferam, outros cozem a bebedeira, outros roncam e até há quem gema no interior dos seus pesadelos. O Vaticano III é um eloquente bastidor desta guerra, para aqui convergem os jovens oficiais dos três teatros de guerra de todo o exército. Recebo os lençóis e adormeço rapidamente neste universo concentracionário. Adormeço na certeza que hoje não haverá flagelação...


No Tribunal Militar com Ieró Djaló


Nunca mais esqueci os amanheceres ruidosos e o caminhar na laterite de Santa Luzia até ao centro de Bissau: o restolhar das mulheres ruidosas, as sabadoras alvas, puríssimas onde se penduram os andares majestosos, sobretudo dos mandingas e dos futa-fulas, cor de cobre. Sigo até ao tribunal militar, uma outra casa em cimento, fresca e sombria por dentro e onde se acotovelam aqueles que vão ser os julgados por terem morto, desobedecido, insultado, quebrado as regras que a lei militar não consente.

Estão lá os réus, as testemunhas, fazem-se perguntas, explica-se pela décima milionésima vez o que aconteceu, interpela-se quem chega, tenta-se reduzir a ansiedade, pedem-se explicações a quem chega para saber se as nossas acusaçõers são menores que a dos outros. Junto-me a Ieró Djaló, peço-lhe serenidade e comento o que vou dizer em função do crime que lhe foi imputado. A expectativa cresce, não podemos entrar na sala até que um meirinho nos chama a todos, salvo erro três julgamentos à uma.

Sinto-me industriado e confiante em que Djaló tenha todas as atenuantes possíveis. Interrogado pelo juiz, ele a tudo responde quase monossilabicamente. Identificou-se, corrige o nome do pai e a data de nascimento. Confirma que lhe entreguei à sua guarda o prisioneiro. Confessa o seu cansaço e que não se lembra de nada até acordar, espantado com as cordas vazias e que logo me foi avisar, já passava da uma da manhã. Declara que não conhecia o prisioneiro, e disse-o com tal naturalidade que nem havia revolta ou indignação pelo que de horrível pudesse haver em tal pergunta. E, sem que lhe tivessem feito qualquer comentário, empertigou-se, olhou de frente o juiz e disse: "Tenho muita vergonha do que se passou, juro que não volta a acontecer".

O Ieró Djaló que eu apresentei naquela sala numa semi-obscuridade nada tinha a ver com o jovem que de repente desaparecia de Missirá e ia sozinho para Finete, que me dava dores de cabeça quando ia à fonte de Cancumba e fazia propostas menos transparentes às mulheres dos seus camaradas. Nem muito menos me passou pela cabeça alegar que ele era muito bom rapaz mas que tinha inegavelmente um qualquer atraso. O Ieró Djaló sobre o qual eu estava a informar o tribunal era um militar disciplinado, sempre disponível e com múltiplas provas dadas no terreno de operações.

Quanto aos acontecimentos da Anda Cá, resolvi descrever um cenário quase dantesco de calor e pesadelo físico, isto para comentar que estávamos completamente exaustos quando acampámos a escassos quilómetros de Madina. E depois, deu-me para fazer ficção, dizendo que Ieró Djaló queria partir sozinho em perseguição do prisioneiro, e que o contive a custo. Quando fui interpelado sobre o seu futuro, disse sem hesitar que gostaria de o levar ainda hoje para Missirá, caso o meritíssimo juiz assim o entendesse.

Fim do julgamento, foi a marcada a leitura da sentença para o dia seguinte à mesma hora. Surpreendi o Ieró Djaló convidando-o para irmos comer galinha frita no Solar dos 10 e ele aceitou com satisfação. Parece que conheço o Ieró Djaló desde a infância.

À tarde, dirigi-me ao Comando Naval onde encontrei o Comandante Teixeira da Mota. Estava atarefado, sugeriu que jantássemos juntos e logo aceitei. Tinha horas à minha frente, atirei-me às compras, especiarias, peixe seco, folhas de tabaco, tecidos e depois andei a rebuscar nas estantes das poucas livrarias de Bissau. Com as despesas contidas, nem me atrevi a olhar para os discos.

O cais de Bissau foi sempre uma atracção para mim, sentei-me num banco a ver o movimento do porto, o pontilhado dos ilhéus, o vozear dos marinheiros e estivadores. Li os últimos contos de Aldeia Nova, do Manuel da Fonseca, voltei aos correios, dei notícias à Cristina do julgamento, agradeci-lhe o desvelo com que ela tratava o Paulo e o Fodé, pedi-lhe desculpa pelas minhas cartas às vezes tão desencontradas devido ao cansaço, voltámos a falar do futuro e dei-lhe a saber que esperava amanhã à tarde ter um avião de regresso. Então, sem sabermos porquê, começámos a chorar de mansinho e a dizermos aquelas banalidades seguramente próprias de quem não se vê há praticamente 1 ano. Prometi escrever com mais regularidade, quando saí dos correios ainda havia aquela luz crua que ofusca e nos faz olhar defensivamente para o chão. É com alguns sacos que regresso ao QG, deposito a carga e aproveito a boleia de um jipe para voltar ao bulício da cidade.

É aqui que me aguardam várias surpresas. Primeiro encontro o Saiegh. Sabia pelo Serifo Candé que eu viria a Bissau em breve, sentados à mesa do café revela-me que quer voltar para o exército e diz-me num frase hiperbólica: "Dentro em breve, estarei a formar uma companhia perto de Missirá." Eu não sabia, demorei muito tempo a saber, que em Fá se irá formar a primeira companhia de comandos africana. Quando me estou a levantar e a despedir-me do Saiegh, surge-me o Vargas Cardoso, em tratamento em Bissau, felizmente fomos parcimoniosos, não queríamos ambos falar da guerra, embora eu estivesse devorado por saber como estavam os meus antigos soldados.

Um jantar num vaso de guerra, antes dos fuzileiros partirem


O Comandante Teixeira da Mota veste irrepreensivelmente de branco e vamos jantar a bordo de uma embarcação donde, na madrugada seguinte, partirão fuzileiros para uma operação. É um espectáculo estranho, de um lado a amenidade à volta de uma mesa de jantar enquanto que lá fora se carrega armamento e os combatentes limpam as armas. O Comandante Teixeira da Mota tem livros para me oferecer, voltou a falar de Bucol, tive a decência de não lhe dizer que lá estivera, num gesto irresponsável. Sinto que este meu amigo está desconfortado com o que faz, ele é um intelectual que dificilmente convive com esta urgência de operações, embarques e desembarques com auxílio da força aérea, dos comandos e dos pára-quedistas. É um jantar muito agradável mas onde, em dado momento, prefiro calar-me, não quero falar da guerra e já respondi a tudo o que aqueles gentis oficiais queriam saber sobre a navegação do Geba e a singularidade do meu viver em Missirá. Apercebendo-se que estou exausto, o Comandante Teixeira da Mota conduz-me até ao Vaticano III. Não o voltarei a ver mais na Guiné.

À hora aprazada, entramos na sala e o juiz profere a sentença que o nosso cabo Ieró Djaló recebe sem pestanejar: 15 dias de prisão, está livre pois aguardou mais do que este tempo nos calabouços. Cá fora abraço-me a esta fonte de preocupações, temos os olhos humedecidos. Peço-lhe para embarcar amanhã cedo para Bambadinca e parto com os meus haveres para Bissalanca, à espera do primeiro avião.

Nessa tarde só tenho voo para Nova Lamego e aceito sem hesitar. Chegado a esta povoação, que é uma Bafatá em ponto pequeno, vou perguntar ao quartel se há transporte para Bafatá. Sim, não hoje mas amanhã ao amanhecer. Dessa curta estadia recordo um serão passado com um oficial muito cordato, tanto quanto me lembro era o Major Guimarães que me falou do agravamento da situação militar, recordou os primeiros ataques com os mísseis, equipamento que iria mexer com a moral das tropas, contou-me a dureza do ataque a Piche no mês anterior.

No dia seguinte, aproveitei a coluna que viera de Bambadinca buscar o correio a Bafatá, já pude almoçar neste meu círculo de boa camaradagem. Estou contente com tudo o que se passou com o Ieró Djaló, triste por ver a mesa do comando vazia, todos se interrogam sobre quem virá substituí-los. Ao princípio da tarde, já com o camuflado vestido e cheio de boas notícias para as gentes do Cuor, Mufali Iafai deposita-me na bolanha de Finete que atravesso na companhia dos soldados milícias, que me pedem vezes sem conta que descreva um julgamento militar.

Foi um período agitado, li pouco mas comecei leituras estimulantes. Para as idas e vindas de avião, fez-me companhia O Santo e os diamantes roubados, de Leslie Charteris. É um policial de acção, inclui uma louca correria de uma equipa de de bandidos a soldo do Príncipe Rodolfo, parente do Imperador Francisco José, através da Áustria e da Alemanha, para roubar as jóias que o Santo por sua vez roubara a outro ladrão. É um furto valiosissimo de rubis, pérolas, safis e diamantes, de que faz parte o diamante azul Ullsteindach, prenda de casamento do Imperador ao Arquiduqe Miguel. Simon Templar vencerá todos os obstáculos na companhia de Patrícia e do seu inseparável amigo Monty Howard. Nunca me desfiz do livro por causa da bela capa de Lima de Freitas.

Manuel da Fonseca deixou-nos belos contos sobre o Alentejo. Belos e trágicos, ao nível da epopeia, relatos de fome, de castigo, memórias de infância, registos de injustiças, homenagem à beleza telúrica. A Aldeia Nova é uma colectânea de contos onde se cruzam memórias poéticas e o sofrimento do campesinato. Como numa sinfonia gloriosa, os primeiros acordes são vigorosos na vibração e na tragédia. Um exemplo logo no primeiro conto, Campaniça: "Valgato é terra ruim. Fica no fundo de um córrego, cercada de carrascais e sobreiros descarnados. O mais é terra amarela, nua até perder de vista. Não há searas em volta. Há a charneca sem fim que se alarga para todo o resto do mundo. E, no meio do descampado, no fundo do vale tolhido de solidão, fica a aldeia de Valgato debaixo de um céu parado". Sim, Manuel da Fonseca é um dos maiores contistas e soube superar os rudimentos e as limitações do neo-realismo. É bom lê-lo lá no fundo do Cuor.

A rotina vai prosseguir até que no próximo dia 15 Missirá vai ser duramente flagelada mas o revés vai recair sobre a gente de Madina. Serifo Candé virá um dia destes com um gerador que ficará armazenado em Bambadinca, não pode ser transportado por Sintex, é arriscado levá-lo na bolanha. Não será no meu tempo que o verei a funcionar em Missirá. Os patrulhamentos a Mato de Cão não vão abrandar e um dia vamos voltar ao Enxalé, para desgosto de quem vive em Madina. O estado do Casanova é preocupante, o médico fala em depressão. O pior está para vir. Nos fins de Julho, voltarei a adoecer e aguardam-me dolorosos desgostos. Alguém que eu muito estimo me irá chamar "branco assassino". Não serei o mesmo, depois.

___________

Notas de L.G.:


(1) Vd. posts de:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (53): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Baldé

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

(2) Vd. post de 23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)

 
Guiné- Bissau > Instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento > Julho de 2007 > O Paulo Malu, antigo comandante do PAIGC, hoje coronel, e quadro superior da Direcção-Geral de Alfândegas. Foi ele que comandou, em 17 de Abril de 1972, o bigrupo (?) que montou e executou a terrível emboscada contra os militares da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) que escoltavam um grupo de civis afectos à construção de uma estrada (Quirafo-Foz do Cantoro).






 
Guiné- Bissau > Instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento > Julho de 2007 > O Sado, quadro superior da Direcção-Geral de Alfândegas, amigo do Paulo Santiago.

Fotos: ©
Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá >
Contabane > Quirafo > Feverereiro de 2005 > Mais de trinta anos depois, os restos calcinados da fatídica GMC que serviu de caixão ao Alf Mil Armandino e aos seus camaradas da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), no trágico dia 17 de Abril de 1972, na picada de Quirafo (entre o Saltinho, Contabane e Dulombi).

Recorde-se que nesta emboscada foram utilizados LGFog e 1 canhão s/r. Do nosso lado, houve, pelo menos, 10 militares mortos, 1 desaparecido, todos da CART 3490 (Saltinho, 1972/74)... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro (1). A brutal violência da emboscada ainda hoje é visível, mais de três décadas depois, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram em Fevereiro de 2005 (2).


Foto: ©
João Santiago (2006). Direitos reservados.


1. Finalmente conseguimos, ao fim de muitos meses de contactos e diligências, chegar à fala com o homem que, no dia 17 de Abril de 1972, comanandou a emboscada do Quirafo. Eis a resposta que o Pepito mandou ontem ao Paulo, com conhecimento a mim, e que passo a reproduzir abaixo.

É uma grande emoção para o Paulo Santiago (que se apressou a telefonar-me, a dar-me a notícia da chegada do email do Pepito), mas também para nós, todos, que temos acompanhado este dossiê. O meu/nosso muito obrigado a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra nos ajudaram (ou mostraram interesse em ajudar), de modo a conseguirmos o depoimento do Paulo Malu. Obrigado ao Pepito, ao Paulo Malu, ao Saldo Baldé, ao Jorge Rosmaninho, naturalmente ao Paulo Santiago, que nos emocionou com a reconstituição deste episódio, um dos mais negros da história da guerra colonial.

Esperemos que o Pepito consiga obter informação mais detalhada. Mas este momemto, este encontro, tem uma enorme carga de simbolismo, para ambas as partes, reforçada pelo desejo do Paulo Malu de querer encontrar-se com o Paulo Santiago, talvez já em Março de 2008.



A reconciliação e a paz são  um longo caminho que se contrói pedra a pedra, lágrima a lágrima, recordação a recordação. (LG)

Caro Paulo:

Acabo de me encontrar aqui no meu gabinete de trabalho com o Sado (contrariamente ao que eu havia dito, trata-se de Sado e não Saido) e com o Coronel Paulo Malu. A minha surpresa foi enorme pois trata-se de um velho amigo meu que já não via há alguns anos.

Está debilitado fisicamente mas com muita lucidez. Contou-me que a emboscada de Quirafo foi comandada por ele porque se supunha que o exercito português estava a pretender abrir uma estrada para facilitar a deslocação para o Boé. Daí eles terem decidido fazer a emboscada.

Quanto ao prisioneiro [,António da Silva Batista], foi descoberto emboscado, fingindo-se de morto, mas a respiração traiu-o. Foi levado até à fronteira com a Guiné-Conakry nesse mesmo dia e, à noite, um camião vindo de Boké levou-o para Conakry onde chegaram (o prisioneiro e ele, Malu) de manhã cedo.

Ele não sabe o que lhe aconteceu depois, pois por vezes os presos eram mandados para Argel. Está interessadíssimo em encontrar-se contigo, aquando da próxima vinda a Bissau.

Mando 2 fotos, uma do Sado e outra do Malu.
abraços
pepito


2. Mensagem enviada dia 6 de Julho pelo Paulo Santiago ao Pepito:

Camarada Pepito:


Parece-me que temos um amigo comum, o Domingos Pereira, director de produção da Cicer,actualmente em Portugal, e que,estava previsto vir passar este fim de semana aminha casa. Já não vem, porque a Zinha teve problemas de saúde, nestes últimos dias, tendo mesmo assim embarcado, bem medicada, esta manhã para Bissau, onde chegou bem, segundo informação dada pelo Domingos que ficou em Portugal, regressando a Bissau na próxima 6ª feira.

Falei com ele há minutos e,possivelmente só nos encontraremos,quando vier a Lisboa,daqui a umas 3 semanas,juntamente com os patrões,numa prospeção ao mercado de garrafas e cápsulas.

O motivo deste mail é outro.Ontem em telefonema ao Luís,falámos sobre o Paulo Malu. Segundo o meu amigo,Sado Baldé, Major ou já Ten-Cor,na Direcção Geral das Alfandegas,foi o Paulo Malu que comandou a emboscada no Quirafo,evocada por mim no blogue,há um ano atrás: "A Tragédia do Quirafo" (1) .

Em Fevereiro de 2005, quando estive na Guiné (2), cheguei a ter um encontro previsto com o Malu, para a manhã do dia de embarque,que infelizmente não se realizou, devido ao Sado,que vinha nesse dia para Portugal,ter passado a manhã a resolver problemas relacionados com a passagem.

Naquela data eu ainda não conhecia o nosso blogue. A seguir aos postes sobre aquele assunto,falei com o Sado sobre a possibilidade de o Paulo falar com um jornalista.
Informou-me que tinha falado com o Malu e que ele estaria disponível.Mandei um mail ao Jorge Rosmaninho, pedindo-lhe para se dirigir à Guarda Fiscal, dizendo ao Sado ao que ía, e o levaria à presença do Comandante Malu.

O Jorge informou-me que andava com muito trabalho, teria de ficar para mais tarde.Passado tempo, recebi um telefonema do Sado que, entre outras coisas, me informou ainda não ter sido procurado por nenhum jornalista. Voltei a insistir com o Jorge, que me deu uma resposta parecida à primeira.

Ontem o Luís lembrou: Será que o Pepito conseguirá falar com o Paulo Malu ? Daí a razão deste mail. Será que podes ir à Direcção Geral das Alfândegas falar com o Sado e, posteriormente, com o Malu ? Seria importante a opinião dele sobre a emboscada e do prisioneiro que levaram para Conacri,dado como morto pelas NT.

Um abraço
Paulo Santiago

PS - Espero poder estar em Guileje em Março de 2008


3. Neste espaço de tempo, eu próprio tinha mandado um toque ao Pepito que está para vir de férias, a Portugal, em meados deste mês, como de costume:

Pepito:

O Paulo Santiago falou comigo, dizendo-me que te prontificaste a falar com o Paulo Malu sobre a emboscada do Quirafo, um dos maiores massacres/carnificinas que aconteceram durante a guerra colonial/guerra de libertação.

Acredito que não seja fácil, ainda hoje, aos homens do PAIGC falar sobre isto...Mas para nós era importante a versão dele... Morreram 11 militares portugueses, incluindo um alferes, meia dúzia de milícias e um número indeterminado de civis... A violência do ataque ainda hoje pode ser testemunhada pelos restos da GMC que lá ficou à beira picada Saltinho - Quirafo - Dulombi, se não me engano... Tens no nosso blogue já muitos textos sobre esta tragédia...

Não temos a versão de ninguém que sofreu a emboscada... Muitos morreram, um foi apanhado vivo... O Paulo, comandante do bigrupo, pode completar o puzzle... É um trabalho delicado, para ti... Mas, de certo, que farás o teu melhor. Obrigado. Luís

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts do Paulo Santiago:

23 de Julho de 2006 >
Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

Vd. ainda os seguintes posts, de diversos autores:

20 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)


22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)

24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)


21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

(2) Vd. posts de:

26 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca

30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

13 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P957: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (6): De volta ao Saltinho, Bambadinca e Bissau

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

Guiné 63/74 - P1946: Estórias de Mansoa (2): um capelão (o padre Mário da Lixa) em apuros na estrada de Cutia (Aires Ferreira)




Guiné > Região do Óio > Mansoa > Cutia > Destacamento de Cutia > c. 1970 > Foto enviada, salvo erro, pelo César Vieira Dias, Ex Furriel Miliciano Sapador, CCS / BCAÇ 2885, um batalhão que esteve em Mansoa e Mansabá desde Maio de 1969 a Março de 1971 (se for outro o dono da foto, que reclame).


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Texto do Aires Ferreira, ex-Alf Mil, CCAÇ 1686 / BCAÇ 1912, Mansoa, 1967/69)(1):

Missa em Cutia, por Aires Ferreira

Cutia era um destacamento que tinha um grupo de combate e ficava entre Mansoa e Mansabá e entre o Morés e o Sara - Sarauol [vd. carta de Mambonco].


O Batalhão tinha um Capelão que, um certo Domingo, lá para o fim de 67, resolveu ir celebrar missa a Cutia. Para isso, arranjou uma escolta de voluntários que, comandados pelo furriel S. S., lá foram, com 2 Unimogs e o jipe do capelão.

A missa foi celebrada e, no regresso, um dos Unimogs despistou-se e uma grande parte do pessoal da escolta ficou com ferimentos muito graves, tendo os restantes seguido até Mansoa para pedir auxílio.

Nesse Domingo, eu estava de Oficial de Dia ao quartel de Mansoa e desconhecia totalmente este assunto. Cerca da hora de almoço, passava junto à porta de armas, encontrei o Tenente-Coronel, o Comandante do Batalhão, que me disse:

- Alferes Ferreira, o seu grupo está todo destroçado na estrada de Cutia, o que está aqui a fazer? Vá já para lá.

- Não posso, estou de serviço - disse eu e apontei a braçadeira.

- Dê cá, eu fico com ela. O piquete vai já atrás de si com a ambulância.

Assim foi. Lá fui, munido da pistola Walther, com um condutor que por ali apareceu e chegámos depressa. A cena era trágica. Havia 5 ou 6 militares gravemente feridos e deitados na berma. O único militar que ali estava capaz de dar uns tiros para defender o local, se o IN por ali aparecesse, era … o Capelão, que, de joelhos, na estrada, junto ao jipe, fazia as suas orações, de G3 ao lado.

Logo de seguida chegou o necessário auxílio e todos os feridos foram evacuados e tratados.O Alferes Capelão que faz parte desta história era… o Padre Mário Pais de Oliveira (2), bem conhecido desta Tertúlia e a quem envio um grande abraço.

Aires Ferreira

2. Comentário do editor do blogue:

Esta cena, trágico-cómica, repetiu-se infelizmente muitas vezes na Guiné, devido à frequência de acidentes, graves, com viaturas. A estória tem algo de heróico, insólito e ao mesmo tempo delicioso: estou a imaginar a angústia do capelão, o único homem do grupo em condições de se defender de um eventual da guerrilha, fazendo lembrar os nossos primeiros missionários, a cruz numa mão e a espada noutra, prontos para o martírio (ou o massacre).

Trata-se de um estória que eu recuperei de um poste do Aires Ferreira (1). Quis dar-lhe mais visibilidade e mas ao mesmo tempo fazer também uma singela homenagem aso nossos capelães militares. Muitos camaradas nossos devem-lhes uma palavra de gratidão pelo conforto espiritual e moral que, na missa, na confissão ou na simples conversa de caserna, na dor e na alegria, receberam destes homens, em terras da Guiné.

É uma homenagem a todos eles, independentemente das posições político-ideológicas que tomaram(ou não) perante a guerra, na altura ou mais tarde... A sua tarefa não era fácil, estando o seu múnus espiritual fortemente condicionado pelo seu enquadramento institucional (nem mais nem menos dois pesos pesados, a Igreja Católica e as Forças Armadas, com a PIDE/DGS sempre perto, a vigiar e a zelar pelo "bem da Nação")...

De dois desses homens já aqui falámos, com mais afecto e carinho: o Mário de Oliveira e o Arsénio Puim (3)... Mas a nossa Tabanca Grande está aberta e pronta a acolher o testemunho de outros capelães que queiram aparecer... e até dos sacristães (que os havia em cada CCS de cada batalhão). Ao que parece, só os cangalheiros que vinham expressamente de Bissau para fazer o seu trabalho.

O Rui Felício, (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, 1968/70), é o autor da primeira Estória de Mansoa, série que gostaríamos que tivésse continuidade (4). (LG).

_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1002: Um novo recruta, Aires Ferreira (BCAÇ 1912, CCAÇ 1686, Mansoa, 1967/69)

(2) Até à entrada do Aires Ferreira, o Padre Mário de Oliveira era, ironicamente, o único representante do Batalhão de Caçadores 1912 que, de resto, o expulsou do seu seio.... Conheci o Mário de Oliveira, em Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, onde em tempos tinha sido pároco (creio que depois de vir da Guiné, donde fui expulso de capelão militar). Conheci-o no dia do meu casamento, civil, em casa dos meus sogros, em Agosto de 1976. Ele era e é amigo da minha mulher. Passou a ser também meu amigo.

Curiosamente o Nuno Rubim - segundo me confidenciou - encontrou-o há tempos, na Feira do Livro de Lisboa, no stand da sua editora, Campo das Letras (Porto) a a atender os seus leitores e a autografar o seu último livro (Salmos V ersão Século XXI). O Nuno (que se considera, ele próprio, agnóstico) apresentiu-se e ficou a falar com ele pela tarde dentro. Ficou fascinado pela sua personalidade e inclusive foi jantar com ele. No fibnal pediu-lhe para escrever, para o nosso blogue, um texto sobre a organização da assistência religiosa às NT, na Guiné. O Mário prometeu-lhe que sim... Ficamos aguardar com muito interesse e expectativa.

Vd. posts de:

27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCL: Capelão militar por quatro meses em Mansoa (Padre Mário da Lixa)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXV: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira )

8 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1825: Mário de Oliveira, na Feira do Livro de Lisboa, dia 9 de Junho de 2007

(3) Sobre o ex-Alf Mil Capelão Puim, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), vd. posts:

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1925: O meu reencontro com o Arsénio Puim, ex-capelão do BART 2917 (David Guimarães)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

(4) Vd. post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1945: Blogue-fora-nada: O melhor de ... (1): Nunca contei uma estória de guerra aos meus filhos (Virgínio Briote)

Guiné > Brá > 1965 > Mulheres africanas trabalhando no campo.Imediações do quartel de Brá, onde funcionou o centro de instrução e formação da primeira companhia de comandos da Guiné (criada em 1964 e extinta em 1966). Os velhos comandos (Mário Dias, Virgínio Briote, João Parreira...) , como ainda hoje eles gostam de ser conhecidos. Do Virgínio Briote, nosso novo co-editor, pode dizer-se que, em menos de um ano de coma ndo, hão houve mata na Guiné que ele não tivesse pisado uma ou mais vezes, incluindo Satecuta/Galo Corubal, na minha/nossa tão conhecida região do Xime/Xitole, por onde andou 19 dias, na época das chuvas (!).

Entre outros soldados africanos, o Alf Mil Comando Briote - que foi em rendição individual, nos finais de 1964, para a CCAV 489 (Cuntima, região do Cacheu) e que seis meses depois estava em Brá a fazer o curso de comandos - teve no seu grupo de combate o Marcelino da Mata e o Jamanta (este último viria mais tarde a integrar a 1ª Companhia de Comandos Africanos que eu vi crescer em Fá Madinga).

Foto: © Virgínio Briote (2005). Direitos reservados.

1. Amigos e camaradas: De Abril 2005 a Maio de 2006, publicaram-se 825 (!!!) posts no antigo Blogue-fora-nada, rebaptizado Luís Graça & Camararadas da Guiné > Blogue-fora-nada. Alguns desses posts são de antologia, são escrita de primeira água, são depoimentos, testemunhos e até documentos, inéditos...

Muitos dos nossos amigos e camaradas que chegaram mais recentemente à nossa Tabanca Grande, nunca os leram e têm alguma dificuldade em localizá-los. Até pro que, na época, eu não punha o nome do autor do post a seguir ao título. E a numeração dos posts era em... romano!!!

Em suma, a versão anterior do nosso blogue era menos amigável do que a actual, com menos funcionalidades. Daí eu ter decidido recuperar alguns desses textos, republicando-os no actual blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (que entrou em vigor a partir de Junho de 2006, e até hoje já publicou mais 1100 posts).

O Virgínio Briote, por exemplo, entrou para a nossa tertúlia, ainda em Outubro de 2005 (1). É praticamente do primeiro núcleo de camaradas que apareceu depois do Sousa de Castro, do David Guimarães, do A. Marques Lopes e mais uns tantos. Entrou e soltou a memória, desatou a escrever. Depois retirou-se para um canto da nossa tabanca e criou o seu próprio blogue: foram os filhos que lho ofereceram, confessou-me. Chamou-lhe Tantas Vidas, rebaptizado depois como Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas.

De Fevereiro de 2006 a Fevereiro de 2007, o Virgínio deu menos notícias. Mas de Outubro de 2005 a Janeiro de 2006, escreveu, para ele e para nós, coisas notáveis. É justo republicar, em parte ou no todo, algum desse algum desse material. Até para os periquitos da tertúlia conhecerem um pouco melhor o nosso novo co-editor (2). E para os velhinhos matarem saudades... (LG).

2. O melhor de... (1): Nunca contei uma estória de guerra aos meus filhos (Virgínio Briote) (3)


Pois, a Guiné! A Guiné faz parte de mim. Entrou-me no sangue aos 21 anos, tenho 62, vive comigo. Percorrem-me sentimentos contraditórios, não devia ser, mas é o que sinto às vezes. Assaltos, pé ante pé, ao nascer do dia, ou ainda de noite, de heli a qualquer hora do dia. Descargas de adrenalina e de tiros, estardalhaço de rockets, granadas, 10 minutos no máximo, retirar a seguir no goss-goss. Depois, o regresso a Bissau, o banho e o sono, o almoço farto no Fonseca. E o desassossego e a dor tantas vezes levados àquelas gentes, um peso que trago comigo, que me curva. Passou-se comigo, não ouvi contar.

Tenho respeito pelas tropas especiais, que fizeram aquilo que lhes pediram. E muito mais pelos soldados, furriéis, sargentos e alferes milicianos que, sem lhes perguntarem nada, os arrancaram ao trabalho e ao estudo. Espalhados pelas Mafras do País, encaixotados nos comboios, nas camaratas, nos beliches ou nos porões sujos e escuros dos Uíges, de G3 na mão pelas matas, savanas, tarrrafos e bolanhas, corações aos saltos, T6 e Fiats G-91 no ar, helis à procura de locais para pousarem, macas com feridos e mortos, os regressos aos abarracamentos, partir para outra, sempre assim, até ao fim dos dois anos. Viram derreter-se 2 anos da vida deles, a fazerem contas aos dias, dentro do arame farpado, entre abrigos, à luz do petromax, sem frescos, à mercê de tudo, da Dornier, das colunas de reabastecimentos, do valente IN.

Alguns nem chegaram a ir ao Cupilom, saíram dos Niassas, meteram-nos em GMCs, Mercedes, Unimogs e, ala que se faz tarde, estrada fora, a caminho de Nhacra, Mansoa, ou Geba abaixo, Buba a aparecer ao longe. Dois ou três dias depois, parecia que estavam em Bissorã, Mansabá, Cacine, há que meses.

Muito tempo, manga de chatice passada, o caminho do regresso, directos para as lanchas, quando deram por eles, nem acreditavam, era o velho Niassa ou Uíge, outra vez. E, quando chegavam a Lisboa, à terra deles, encontravam gente que lhes fazia perguntas:
- Mataste muitos turras, juntaste algum?

Tempos difíceis que a nossa geração viveu e, valha a verdade, tudo tem sido feito para fazer de conta que nada se passou. E, se calhar é melhor assim, foi só um sonho de uma noite, uma noite que durou 13 anos.
E os que viveram aqueles tempos, quando se encontram agora, recordam episódios, pequenas histórias, quase nunca factos da guerra. Devem ter motivos bem fortes para recordarem os episódios marginais e esquecerem histórias que muitos de nós preferia não ter vivido.

Desculpa lá esta lavagem, Luís. Muito raramente abordo estes assuntos, nunca contei um episódio de guerra que fosse aos meus filhos. Quando desembarquei em Lisboa, jurei a mim próprio nunca mais pegar numa arma, nem na Feira Popular. Quase quarenta anos ao arrumar um sótão de uma casa na aldeia, bem lá para o Norte, vi duas malas cheias de pó. Cartas, roupas, facturas, e uma pistola dentro de um estojo. Quebrei a promessa. Peguei-lhe, meti-me a caminho das margens de um rio e lancei-a para o sítio mais fundo.

E pronto, Luís, a minha prosa bélica acaba aqui, por hoje (...).

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd, post de Guiné 63/74 - CCLV: Virgínio Briote, ex-comando da 1ª geração (1965/66)

(2) Vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1943: Virgínio Briote, novo co-editor do blogue

(3) Vd. post de 23 Outubro 2005 > Guiné 63/74 - CCLVI: As estórias que não contamos aos nossos filhos (Virgínio Briote).

Guiné 63/74 - P1944: Composição inicial da CART 3492/BART 3873 (Xitole, 1972/74) (Artur Soares)


1. Mensagem do camarada Artur Soares, de 10 de Julho:
Amigos Comandantes, Luís Graça e Carlos Vinhal:

Aqui vai a composição inicial da CART 3492, sediada no Xitole , nos anos de 1972 a 74.
Se quiserem colocar no Blogue, agradeço.
Por hoje é tudo.

Forte abraço para toda a TERTÚLIA
Artur Soares
Ex-Furriel Mil Mecânico
CART 3492/BART 3873


Composição inicial da CART 3492

-Cap. Mil Nº Mecanográfico 11835857 - António Victor R. Mendes Godinho
-Alf. Mil NM 01028270 - Joaquim Manuel M. Mexia Alves
-Alf. Mil NM 08932566 - José Maria Gambôa Gonçalves Dias
-Alf. Mil NM 17889869 - Manuel Laurindo de Oliveira
-Alf. Mil NM 10305670 - António Carvalhão V. B. Barroso
-1.º Sarg NM 52055011 - Abílio Pereira Dias
-1.º Sarg Art NM 52129911 - João de Alegria Dias Ceia
-Fur. Mil NM 00005170 - Artur Manuel Soares
-Fur. Mil NM 01525771 - António Augusto Borges de Pinho
-Fur. Mil NM 01650171 - José Manuel dos Reis Vilela
-Fur. Mil´NM 05657171 - Abílio Pereira de Brito
-Fur. Mil NM 06032471 - Mário Nunes dos Santos
-Fur. Mil NM 06071271 - Acácio Marcelo Alves Duarte
-Fur. Mil NM 07198071 - Daniel dos Anjos Faceira
-Fur. Mil NM 07861171 - Fernando dos Santos Pires
-Fur. Mil NM 09219171 - Carlos Ernesto Corunha Magalhães
-Fur. Mil NM 13217971 - Manuel Joaquim Novais Maçães
-Fur. Mil NM 16101271 - Carlos Alberto Duarte Nunes
-Fur. Mil NM 17398773 - António José da Silva Costa
-Fur. Mil NM 18951070 - Álvaro Manuel Oliveira Basto
-Fur. Mil NM 13335571 - Carlos Alberto Simões Andrade
-1.º Cabo NM 00395271 - Joaquim Santos Silva
-1.º Cabo NM 01106871 - João Manuel Pires de Arruda
-1.º Cabo NM 01376171 - Manuel Martins Lourenço
-1.º Cabo NM 01976571 - Sezinando Pereira Fernandes
-1.º Cabo NM 02445171 - Artur Ascenção Pereira
-1.º Cabo NM 04982571 - José Estêvão Vasques Agostinho
-1.º Cabo NM 06301973 - Agostinho Antunes Correia
-1.º Cabo NM 07147571 - António dos Santos Costa
-1.º Cabo NM 10484471 - José da Encarnação Silva
-1.º Cabo NM 11158371 - Júlio Augusto Rolo Bicho
-1.º Cabo NM 12451871 - Manuel Fernando dos Santos Moreira
-1.º Cabo NM 12748771 - Carlos Alberto Festas Fernandes
-1.º Cabo NM 13263071 - António Simões Ribeiro
-1.º Cabo NM 13266971 - Abílio Vidal dos Santos
-1.º Cabo NM 13290271 - António Pinto Ferreira
-1.º Cabo NM 13292371 - António Alves Leite
-1.º Cabo NM 13300471 - Armindo Carneiro Simões
-1.º Cabo NM 13311871 - Manuel da Costa Nogueira
-1.º Cabo NM 13320171 - Abel Pereira de Matos
-1.º Cabo NM 13320271 - João Nogueira Mesquita Machado
-1.º Cabo NM 13350471 - Mário Manuel Casimiro Barata
-1.º Cabo NM 13378971 - Albano Tavares Quental
-1.º Cabo NM 13379671 - Amândio José Neves dos Santos
-1.º Cabo NM 13391471 - António Manuel Pereira Moreira
-1.º Cabo NM 13422971 - Orlando Luís Almeida de Oliveira
-1.º Cabo NM 13442871 - António Veloso de Sousa
-1.º Cabo NM 13444471 - Justino Monteiro de Araújo Gonçalves
-1.º Cabo NM 13519171 - Fernando Rodrigues Vasques
-1.º Cabo NM 13528771 - Adriano da Silva Marques
-1.º Cabo NM 13549871 - Horácio Nascimento Fresta
-1.º Cabo NM 14947571 - Adérito dos Santos Possacos
-1.º Cabo NM 15157471 - Jorge Manuel Oliveira Barbosa
-1.º Cabo NM 15801671 - António dos Santos Ferreira
-1.º Cabo NM 18874171 - Jaime Leonardo Pereira Soares
-1.º Cabo NM 19596169 - António Carlos Silva
-Soldado NM 01650971 - Joaquim da Fonseca Ferraz
-Soldado NM 04387971 - Armando Gonçalves Freixo
-Soldado NM 07086471 - Manuel da Cunha Pereira
-Soldado NM 07449071 - Belmiro Fernando Pinto Azevedo e Sousa
-Soldado NM 07687671 - António Arantes Carvalho
-Soldado NM 07865171 - Henrique Casimiro Gomes dos Santos
-Soldado NM 08041871 - Licínio José de Oliveira
-Soldado NM 08224271 - Felismini Marques Cortês
-Soldado NM 08275071 - Evangelista da Conceição Martins
-Soldado NM 09054671 - Eduardo Ribeiro de Oliveira (Morto em Dez/1972, em acidente)
-Soldado NM 09736671 - Agostinho da Silva Machado
-Soldado NM 09768871 - Bernardo Fernandes Lopes
-Soldado NM 09831271 - José Gregório Casal Mendonça
-Soldado NM 10203471 - Salvador António Conceição Soares
-Soldado NM 10709671 - Fernando Augusto Lopes
-Soldado NM 11439971 - Acácio Pereira Medeiros
-Soldado NM 13252671 - António Maria de Almeida e Silva
-Soldado NM 13268971 - Álvaro Manuel Rodrigues Pereira
-Soldado NM 13275971 - Jorge Nelson Borges Loureiro
-Soldado NM 13278071 - Manuel Maria Alves de Oliveira
-Soldado NM 13280271 - Benjamim Soares da Silva Morais
-Soldado NM 13280471 - Agostinho da Silva Amador
-Soldado NM 13282271 - Eduardo Pinto
-Soldado NM 13284771 - Alexandrino José Macedo da Fonseca
-Soldado NM 13307171 - Manuel Ilídio de Oliveira Simões
-Soldado NM 13309671 - Luís Ferreira Coelho
-Soldado NM 13311471 - José Gregório de Oliveira Bernardo
-Soldado NM 13313871 - Manuel Marques da Silveira
-Soldado NM 13332371 - Ramiro de Almeida Braga
-Soldado NM 13332571 - Fernando de Oliveira Soares
-Soldado NM 13335871 - Manuel Carlos Magalhães da Silva Neto
-Soldado NM 13340671 - Carlos dos Santos Miguel
-Soldado NM 13347971 - Jorge da Cunha Pinto
-Soldado NM 13349771 - João dos Santos Zeferino
-Soldado NM 13368271 - Joaquim Moreira Soares
-Soldado NM 13374671 - Manuel Fernando de Sousa Pereira
-Soldado NM 13374871 - Adelino Cordeiro Paraíso
-Soldado NM 13385871 - Eduardo Ramos Leite
-Soldado NM 13391071 - António Maria da Costa
-Soldado NM 13392971 - António Lopes dos Santos
-Soldado NM 13394071 - Agostinho do Carmo Lopes
-Soldado NM 13395571 - Manuel da Silva Queirós
-Soldado NM 13398371 - José Alves de Queirós
-Soldado NM 13405671 - Arcanjo Silva de Oliveira
-Soldado NM 13411071 - Mário Rodrigues de Oliveira
-Soldado NM 13411971 - Eduardo Castro Alves de Pinho
-Soldado NM 13423271 - Fernando Nunes Martins
-Soldado NM 13424271 - António Brochado Mendes
-Soldado NM 13426471 - Joaquim Lopes Cardoso
-Soldado NM 13428271 - Alberto Lincho
-Soldado NM 13428871 - Manuel Moreira de Carvalho
-Soldado NM 13436571 - Alfredo Manuel Gonçalves Quelhas
-Soldado NM 13440471 - Carlos Alberto de Sousa Vieira
-Soldado NM 13444171 - Alcides Tavares Simões
-Soldado NM 13445071 - Antero da Silva Caetano
-Soldado NM 13452271 - Júlio Girão dos Santos Rosas
-Soldado NM 13460171 - António de Sá Alves Fardilha
-Soldado NM 13464771 - César Manuel da Graça
-Soldado NM 13468471 - Horácio Fernandes Pais
-Soldado NM 13470071 - Fernando Ferreira Tavares
-Soldado NM 13477871 - Manuel Francisco Lopes Rocha
-Soldado NM 13479571 - Jorge Manuel Correia da Silva
-Soldado NM 13480471 - António Gonçalves Marques
-Soldado NM 13484771 - Manuel Mendonça Correia
-Soldado NM 13494071 - Abílio Moreira Rosas
-Soldado NM 13499671 - Eduardo dos Santos Pereira
-Soldado NM 13500671 - Américo Ramos Fonseca
-Soldado NM 13502271 - Victor Manuel Soares Ferreira
-Soldado NM 13507971 - Carlos Adelino Nunes de Sousa Mendes
-Soldado NM 13511771 - José Caldeira Salvador
-Soldado NM 13516371 - Domingos Pereira Alves
-Soldado NM 13516671 - Luís da Silva Santos
-Soldado NM 13519771 - António Vieira da Rocha
-Soldado NM 13520471 - Albino de Azevedo Oliveira
-Soldado NM 13521271 - Arcindo dos Santos Perpétuo
-Soldado NM 13521671 - António Marto Lopes
-Soldado NM 13522771 - António da Silva Gomes
-Soldado NM 13567671 - Emídio de Carvalho Gonçalves
-Soldado NM 13570271 - António de Jesus Moreira
-Soldado NM 13575271 - António Costa
-Soldado NM 14905971 - António dos Santos Paroleiro
-Soldado NM 14908871 - José Júlio Costa
-Soldado NM 14926571 - José Ribeiro Barbosa Pinto
-Soldado NM 14935871 - João Carlos Dourado dos Santos
-Soldado NM 14949871 - Américo Duarte Pinho
-Soldado NM 14955371 - António Ribeiro dos Santos
-Soldado NM 14961671 - Joaquim José Baião Bravo
-Soldado NM 15143371 - Serafim Nunes de Sousa
-Soldado NM 15153871 - Toni Carvalho dos Santos Barreira
-Soldado NM 15156571 - Casimiro de Almeida Carvalho
-Soldado NM 15158071 - Serafim Taveira Carvalho
-Soldado NM 15195271 - José Araújo da Costa
-Soldado NM 15201971 - Manuel José Soares de Oliveira
-Soldado NM 15224471 - Manuel José de Almeida Rocha
-Soldado NM 15239271 - António Augusto Rego
-Soldado NM 15252671 - Guilherme Guerreiro Lima
-Soldado NM 15260271 - José António de Jesus Loureiro
-Soldado NM 15261771 - Fernando Amílcar das Neves Ferreira
-Soldado NM 15315771 - David Rodrigues de Oliveira Peixoto
-Soldado NM 16571970 - Augusto Fernando Rodrigues Neiva

2. Comentários do co-editor Carlos Vinhal:

São moradores na nossa Tabanca Grande os seguintes:
ex-FurMil Álvaro Basto
ex-Alf Mil António Barroso
ex-Fur Mil Artur Soares
e ex-Alf Mil Joaquim Mexia Alves .
Quem mais da CART 3492 quer fazer parte desta grande família?

Guiné 63/74 - P1943: Virgínio Briote, novo co-editor do blogue

1. Há dias (6 de Julho corrente) escrevi a seguinte mensagem ao nosso Virgínio Briote:

Virgínio: Ando seriamente a pensar em arranjar mais um co-editor para o blogue… Que me dizes sobre uma eventual colaboração tua ? Serias sempre a minha primeira escolha, pelo teu CV (humano, operacional, profissional…), pela maturidade da tua escrita, o teu talento, a tua sensibilidade, a tua serenidade (!), a tua capacidade de análise critica e… a tua experiência bloguística. É apenas um contacto exploratório… Isto está a crescer em demasia… Não precisas de responder logo, logo… Luís

2. O V.B. respondeu-me no dia seguinte:

Caro Luís,

Pois, que é que eu devo dizer? Que a obra é tua e, como Comandante, tens todo o direito de nomear quem penses que ajude a destapar esta enorme cortina de anos e anos de silêncio e vergonha que envolveu a nossa geração, por terem remado contra os ventos da história, como diziam os nossos antigos governantes.

Hoje, o foranada ultrapassou há muito as fronteiras da guerra da Guiné. Acontecimentos ocorridos em Angola e Moçambique, amores, perdas, buscas de paradeiros desconhecidos, de tudo tem passado pelo foranada. De coisas que nos unem. E que eu não posso dar ás-de-vila-Diogo. É um dever, uma obrigação que me honra e que espero cumprir.

Para o que for necessário, e que esteja dentro das minhas possibilidades, conta comigo.
Um abraço,
vb

3. O que é que eu poderia dizer-lhe na resposta ? Foi só isto, laconicamente:

Virgínio: Fico encantado, desvanecido, mil vezes obrigado...Assim poderemos cumprir a missão, com homens como tu! ... Depois receberás instruções, incluindo a password para entrares na nossa conta do Google... Por hoje, poupo-te... Para já preciso de um curto CV (e de uma foto mais recente) para pôr na montra... Como queres ser apresentado, em meia dúzia de linhas, na coluna do lado esquerdo do blogue, no sítio reservado aos editores ?

4. Aqui temos o CV abreviado do novo co-editor:

(i) Virgínio António Briote, 63 anos, nascido em Cascais.

(ii) Asp mil em Set de 1964, no BII17, Angra do Heroísmo, Terceira.

(iii) Mobilizado para Cabo Verde, dois dias depois para a Guiné. Engano, disse-lhe o Comandante do BII17.

(iv) Em rendição individual, foi para Cuntima, onde permaneceu de Janeiro até Maio de 1965 na CCAV 489, do BCAV 490.

(v) No final da comissão do Batalhão, esteve nos Comandos, onde fez o 2º curso de Instrução.

(vi) Comandante do Grupo Diabólicos, de Setembro de 1965 até Junho de 1966.

(vii) Extinta a CCmds da Guiné nessa data, foi destacado com o remanescente dos grupos para reforço do sector de Mansoa, onde se manteve até Set do mesmo ano.

(viii) Até à data de embarque em finais de Janeiro de 1967, prestou serviço na CCS do QG em Bissau.

(ix) Na vida civil, ingressou na Indústria Farmacêutica, tendo trabalhado em várias multinacionais, como responsável pelos departamentos comerciais.

(x) Motivos de saúde obrigaram-no a reformar-se aos 60 anos. Dá colaboração a empresas farmacêuticas, em colaboração com empresas de recursos humanos.

5. Blogue do Virgínio Briote > Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas> Guiné. Ir e voltar. 1965 e 1967. Histórias baseadas em factos reais, mas vistas por um certo olhar. Outras vistas por esse olhar e que mais ninguém viu . (Fevereiro de 2006 / Fevereiro de 2007).

Alguns excertos dos posts (que merecima a publicação em livro) (selecção de L.G.):

(...) 2. Cuntima: A festa não era para ele, aquela gente toda na pista de aterragem festejava era a chegada da avioneta. Nem demorou muito tempo a perceber aquele ar de agitação e da romaria em volta do piloto e da meia dúzia de caixas com uísque, cerveja e tabaco espalhados pelo chão. E os sacos do correio, todos à volta, a pressa de um daqueles militares, a fúria em tirar para fora dos sacos maços e maços de cartas, algumas pelo chão, outros a apanhá-las. Carlos Correia, Manuel Revés, ó Tomé, as mãos estendidas, pronto, meu furriel! (...)

(...) Brá, SPM 0418
´
11. Já que tem que ser: Mais um dia infernal na mata em frente a Brá. O sol queimava ainda não eram 9 da manhã. Quicos à legionário pelo pescoço abaixo, 30 e tal tipos a desaparecerem pelo chão. A cento e tal metros, Manilha, Mirandela, Moita, Rosa Dias e outros, estrategicamente colocados, vigiam-lhes os movimentos. (...).

(...) 24. Neuras: Estou fodido, pá, perdi o tesão, assim, de chofre! Não sei o que tenho, pá!Ia-lhe sair uma asneira mas ao olhar para o Vidraças, ficou sério, à espera. Arrumou o Lartéguy de lado, e sem saber o que dizer, espreguiçou-se na cama, e ficou à espera, olhos no tecto, mãos debaixo da nuca. É o que te digo, porra! A Mariana, pá, fez tudo, mas tudo ouviste, para a levantar, qual caralho, nada! Essa coisa de vez em quando hiberna, isso passa, Vidraças. Esquece! Andas a metê-la em todo o lado, faz dieta uns tempos, ficas rijo que nem um pêro, vais ver! (...).

(...) 33. Só Guerra: 6 de Março, domingo. Manhã quente.Carregador fora da G3, balas extraídas, um pano macio nelas. Uma a uma dentro outra vez. Os outros três carregadores cheios em cima da cama, para o cinturão. 100 cartuchos ao todo, como de costume. Encostou a arma aos pés da cama. Granadas de mão, duas ofensivas, uma defensiva e uma incendiária para o cinturão, mais uma, de fumos laranja para o bolso de cima do casaco. Em cima da cama o camuflado e as meias. Botas de borracha junto à mesa da cabeceira. Tudo conferido outra vez. Duche. À civil, meteu-se no 14-04, com o Alegre ao volante, em direcção a Bissau (...).

(...) 35. Cuntima, outrz vez. Aeroporto Militar de Bissalanca, Bissau, 05h45, céu limpo, 21 graus. 30 comandos, 15 do Duque e 15 do Gil, recebem ordem de embarque nos 6 Allouettes 3, motores a trabalhar, formados em linha. Ganham altura, rumam a Norte, fumos aqui e além a subirem das matas, água por todo o lado. À 06h30 desviam-se para Leste, baixam a altitude e, alguns minutos depois, rapam as copas das árvores. Frente a uma larga bolanha abrandam e aproximam-se em linha da orla da mata. Pelos auscultadores a informação de preparar para saltar. Aos pares, um por cada porta, saem rapidamente. Com água pela cintura internam-se na mata, enquanto os helis, graciosos, viram à esquerda, recuperam altitude, de regresso a Bissau (...)
(...) 36. Conversas em Brá: A razão desta guerra é que a façamos bem, que os matemos e que nós não nos deixemos matar, só isso, esta é a única razão que importa! O resto, fica por conta da política, não é da nossa lavra, reafirmava, convicto, o capitão do serviço de informações. Um dos alferes é que parecia ter outras ideias. Que o meu capitão não está a falar da razão desta guerra, que foi o princípio desta nossa conversa. O que o senhor está a falar é de desejos, não de razões. (...).

(...) 58. Ponto final ? Estás mesmo tramado, todo enrodilhado, e agora, como é que te vais livrar deste sarilho? Não tem outro nome, sarilho só, com letras grandes. Se tivesses procedido com ela como tens feito com outros conhecimentos, não estavas agora aqui a matutar, a cabeça ainda por cima a doer-te. Tens pouca corda na mão, é o que é, deste-lhe demais e a ti também. Problema chamado Teresa, não? Como te vais sair dele, quando te resolves?

(...) A Teresa já não é só Teresa como se apresentou da primeira vez, agora tem um nome mais comprido, Teresa Problema, proporções com que nunca sonhaste. Os olhos, o sorriso, a figura, o andar dela, só isso? Ou terão a ver mais com outras coisas de que não estavas à espera e muito menos aqui? O gosto pela leitura, de assuntos em que nem tu próprio estavas sensibilizado, nem ainda estás, a solidariedade, o interesse pelo povo guineense. A cultura geral, invulgar para a idade dela. E a disposição para te afrontar, para lutar contra ti, contigo, puxar por ti, lutar pelos ideais dela, do povo dela! Para te dizer na cara, com aqueles olhos magníficos, aquilo que ela achava no seu direito de dizer. Os teus olhos a fugirem, os ouvidos que não queriam ouvir, tu a disfarçares, com a mão nela, como quem diz, vamos mas é ao que interessa! Um merdas, um Rasas, nem sempre com cheiro a uísque azedo, mas um Rasas na mesma! A aproveitares-te da sensibilidade dela, a fazeres-te caro, de um momento para o outro, a invadi-la com as tuas mãos, ela a acreditar em ti! Miserável, Rasas de merda! (...).

(...)
Anexos IV. Do Diário. Alguns apontamentos do diário:

“O que tiver de ser, vai ser! E se chegar a tua hora, podes estar seguro que vais lerpar”. Conversas de Brá”.

“Odeio a guerra, esta ou qualquer outra. Aliás, não há dia nenhum que não combata contra a minha própria guerra. E não quero morrer, nem quero que os outros morram. Mas, por mim, não vamos perdê-la”.

“Por mais anos que viva, estes dois anos passados aqui chegaram-me. Dou a vida por cumprida. O que vier a mais não passará de um anexo”.

Guiné 63/74 - P1942: Susana, chão Felupe (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > Iale > 2004 > Festa da saída da Cerimónia de Circuncisão (fanado, em crioulo) da etnia Felupe em Iale.

Foto: © Guiné-Bissau, portal da AD - Acção para o Desenvolvimento (2007) (Com a devida vénia...).

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > "Uma coisa é verdade, pelas fotos (1) se verifica que, embora abandonadas, as instalações não foram destruídas, incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira" (LF).

Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)


1. Mensagem do Luiz Fonseca

As minhas melhores saudações:

Uma vez mais, como quase todos os dias, visitei o sítio e verifiquei que algo me tocava.

Pertenci à penúltima Companhia sediada em Susana (CCAV 3366, Maio de 1971 / Maio de 1973) e foi com um misto de tristeza e melancolia que olhei para aquelas fotografias do Pepito (1).

Embora as notícias do noroeste da Guiné Bissau sejam escassas, tenho tentado
acompanhar com interesse o que por ali se passa e verifico que passados quase três dezenas e meia de anos se mantêm algumas (muitas) reservas para com os Felupes. Eu aprendi com eles uma série de conceitos que o passar dos anos levou a recortar e a confirmar.

Uma coisa é verdade, pelas fotos se verifica que, embora abandonadas as instalações não foram destruídas, incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira.

Pode ser que seja desta [vez] que me reuna ao pessoal da Tabanca Grande.

Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Trms
CCAV 3366
(Susana, 1971/73)

2. Meu caro Luiz Fonseca:

Estás à vontade, a Tabanca é Grande, logo, plural: nela cabemos todos (ou quase todos), dos felupes aos fulas, dos balantas aos mandingas, dos cavaleiros aos artilheiros, da tropa-macaca à elite da tropa, dos novos velhos inimigos aos novos amigos... Portanto, entra e põe-te à vontade.

Infelizmente, temos falado pouco ou quase nada sobre o chão felupe, que tanto quanto me recordo é (era) uma região que engloba(va) Susana, São Domingos e Varela (Podes consultar qualquer um das respectivas cartas no nosso blogue). E que veio mais recentemente à baila por más razões, por causa da interferência do governo da Guiné-Bissau no conflito entre os rebeldes de Casamança e as autoridades do Senegal (2).

Vejo que conviveste com (e ganhaste respeito por) os felupes de Susana. Em contrapartida, a maior de nós que andou pelo sul ou pelo leste da Guiné, só tem na cabeça estereótipos, preconceitos e ideias erradas sobre os misterioros felupes (tipo, caçadores de caçadores, necrófagos, resistentes tanto às NT como ao PAIGC, etc.). O único felupe que eu conheci, em Fá Mandinga, sede da 1ª Companhia de Comanbdos Africanos, foi o Furriel Uloma, de triste memória (3).

Portanto, ficas incumbido de salvar a honra dos felupes e partilhares, connosco, o teu conhecimento (e paixão) pelo chão felupe.

Quem tem escritos sobre os felupes é o nosso camarada Carlos Fortunato, da CCAÇ 13 (1969/71)(4).

_______________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1939: Susana, região de Cacheu: fantasmas do passado (Pepito)

(2) Vd. post de 24 Março 2006
Guiné 63/74 - DCL: Preocupação com a situação humanitária em Susana e Varela (região do Cacheu) (Luís Graça)

(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

(4) Vd. a excelente página do Carlos Fortunato, que lidou com balantas e felupes > Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Bolama > Felupes

(...) "Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que guardam ou entregam ao feiticeiro, e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.

"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das arvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.

"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo" (...).

terça-feira, 10 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1941: Estórias (nem sempre) vistas do ar (Nuno Almeida, ex-1º Cabo Mecânico de Heli, FAP)


1. Mensagem do nosso camarada Nuno Almeida, ex-1.º Cabo Especialista MMA, com data de 2 de Julho

Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal:

Um forte abraço e um sincero obrigado pelo excelente blogue do qual só recentemente tomei conhecimento.

Embarquei para a Guiné (BA12 - Bissalanca) em 27-01-1972 e fui ferido na mata de Choquemone - Bula , ao proceder a uma evacuação de dois feridos, debaixo de intenso fogo de metralhadoras e morteiros, em 25-11-1972.

Fui evacuado para o Hospital Militar de Bissau, onde fui sujeito a 5 intervenções cirúrgicas, no espaço de 25 dias, e evacuado para Lisboa em 27-01-1973 (para vir morrer ao pé da família!!!).

Li algumas estórias de camaradas que viveram a guerra no terreno (no sentido lato da palavra) e pensei que, como elemento dos helicópteros (Alouette III) e tendo realizado inúmeras missões, no ano de 1972, de resgate de tropas aquando de ataques do IN, ou no transporte para locais de iminente conflito bélico, poderia dar algum contributo para a História, relatando alguns episódios passados nessas operações e vistas nessa perspectiva aérea.

Mais tarde, quando fui ferido e estive internado no Hospital de Bissau, melhor me apercebi das privações e sobressaltos que, a todo o momento, uma geração de jovens, na casa dos 20 anos, foi obrigada a suportar, adquirindo mazelas físicas e, principalmente, psicológicas, que ainda hoje perduram, e que muitos teimam em não aceitar que existem e estão latentes no nosso dia-a-dia.

Junto uma foto de parte da grande equipa que mantinha os helis a voar, para dar apoio aos que no chão, por vezes, necessitavam da nossa presença.

Guine > Bissalanca > 10 de Junho de 1972 > Pessoal da linha da frente da Esquadra 122 > Os Canibais

Um até breve com mais uns relatos lá de cima
Nuno Almeida (O Poeta)


2. Mensagem do co-editor Carlos Vinhal, enviada em 7 de Julho, para o Camarada Nuno Almeida

Caro Nuno Almeida:

Acho que és o elo que faltava no nosso Blogue. A nossa Caserna (também Tabanca Grande) já é composta por elementos do Exército, Força Aérea e Marinha. Mas faltava alguém que, andando normalmente no ar, tivesse da nossa guerra uma visão mais abrangente.

Assim teríamos muito gosto em que fizesses parte da nossa Caserna Virtual, se para tal quisesses manifestar a tua vontade. Basta que nos envies uma foto tua dos teus gloriosos tempos das Máquinas Voadoras e uma actual.

Diz-nos onde moras, o que fazes e o que achares conveniente para que te possamos ficar a conhecer melhor.

Já cá temos uma estória tua, publicada no Post P1912 (1), que esperamos seja a primeira de muitas que tenhas para nos contar.

Por agora recebe um abraço meu e do Luís Graça

O camarada
Carlos Vinhal
___________

Nota do C.V.:

(1) Vd. post de 2 de Julho de 2007> Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli/Joaquim Mexia Alves, ex-Alf.Mil. Pel Caç Nat 52)