1. Em mensagem do dia 16 de Setembro de 2008, o nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, enviou-nos um resumo da História da Companhia de Terminal e do Batalhão de Intendência.
Nunca é demais agradecer a disponibilidade do José Martins sempre pronto para nos fornecer dados importantes sobre a história da guerra colonial na Guiné.
Guiné > Região de Tombali (Catió) > Cufar > Rio Cumbijã >1973 > Foto que documenta as brutais consequências do accionamento de uma mina, colocads pela guerrilha do PAIGC junto ao cais acostável de Cufar, onde havia um destacamento do PINT (Pelotão de Intendência) 9288 ... A mina, escondida no lodo, foi accionada por um barco, ao atracar ao cais. O barco, que levava carga da Intendência, pegou fogo e ficou destruído...
Companhia de Terminal
Identificação CTerm
Comandantes:
Cap SGE [1] Herman Mendes Schultz Guimarães
Cap SGE Luís dos Santos Figueiredo
Inicio: 01NOV72
Extinção: Finais de SET74
Síntese da Actividade Operacional
A subunidade foi criada a partir do Destacamento de Terminal existente no CTIG [2], a título experimental, desde 01ABR72.
Após aprovação do respectivo QO [3] por despacho ministerial de 07JUN72, ficou na dependência directa da Chefia do Serviço de Transportes da Guiné.
Desenvolveu a actividade inerente à sua especialidade, relativas às tarefas de estiva, transportes exteriores e internos por meios rodoviários, fluviais e aéreos, despacho e desalfandegamento de todos os materiais e bagagens transportados por via aérea ou marítima; para o efeito dispôs de secções de cargas no cais da Bolola e na BA 12 [4]
Em finais de SET74 foi extinta e desactivada.
Glossário
1. SGE - Serviço Geral do Exército.
2. CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné
3. QO – Quadro Orgânico
4. BA – Base Aérea
Acidente ocorrido em 02 de Março de 1974, com o rebentamento de uma mina anticarro, por um batelão carregado de gasolina, ao acostar ao cais de Cufar.
Morreram, de imediato, os seguintes civis assalariados/estivadores em serviço na Companhia de Terminal – Cufar. A causa da morte foi considerada resultante de Ferimentos em Combate, e os seus corpos foram inumados no cemitério de Cufar:
AISSELÉ IÉ, número 579, filho de Aliam Cá e Oqueamione Ié, natural da freguesia de Biombo, concelho de Bissau;
AUGUSTO AJUPKIQUE, número 289, filho de José Ajuplique e Maria Sábado, natural da freguesia de Caio, concelho de Teixeira Pinto;
AUGUSTO FERNANDES, número 747, casado com Dabedi Sanha, filho de Fernando João e Enguesse Pauiça, natural da freguesia de Encheia concelho de Bissorã;
INDOM Á CÓ, número 56, filho de Indato Có e Odiquiu Ié, natural da freguesia de Biombo, concelho de Bissau;
JOSÉ DA SILVA IÉ, filho de Lefem Ié e Equidjoque Ié, natural da freguesia de Biombo, concelho de Bissau;
OCANTE DJÚ, número 418, filho de Acevelo Djú e Maria Djú, natural da freguesia de Bigene, concelho de Farim;
ODAILÓ IÉ, número 295, filho de Odor Ié e Anhola Dju, natural da freguesia de Biombo, concelho de Bissau;
Nesse mesmo dia, 02 de Março de 1974, depois do acidente acima descrito, rebentou uma mina antipessoal seguida de emboscada, que feriu o assalariado/estivador LONA INSALA, casado com Insuli Cabi, filho de Insala Ungué e Sidú Indami, natural da freguesia de Santa Ana, concelho de Mansoa, que veio a falecer a 07 de Março de 1974, no Hospital Central de Bissau, por ferimentos em combate, tendo sido inumado no Cemitério de Bissau.
Também ficaram feridos no rebentamento da mina anticarro:
CARLOS ALBERTO PITA DA SILVA, Furriel Miliciano de Intendência, com o número mecanográfico 12957372, do Pelotão de Intendência nº 9288, mobilizado no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar, em Lisboa, solteiro, filho de Teodoro Boaventura Pita da Silva e Maria Isabel Ivens Ferraz Pita da Silva, natural da freguesia do Monte, concelho do Funchal – Madeira, tendo falecido em 17 de Março de 1974 no Hospital Militar de Bissau, vitima de ferimentos em combate, tendo sido inumado no Cemitério de Nossa Senhora das Angústias, no Talhão dos militares falecidos no ultramar.
RODRIGO OLIVEIRA SANTOS, Soldado - Caixeiro, com o número mecanográfico 18070469, do Pelotão de Intendência nº 9288, mobilizado no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar, em Lisboa, solteiro, filho de Manuel Gomes dos Santos e Gracinda Alves de Oliveira, natural de Fafião, freguesia de Romariz, concelho da Feira, faleceu, vitima de ferimentos em combate, tendo sido inumado no Cemitério de Romariz.
BInt, cuja divisa era, Bene Servire Maxima Gloria Est
Batalhão de Intendência da Guiné
Identificação BInt
Comandantes:
Major SAM [1] Carlos Gonçalves
Major SAM António Monteiro
Major SAM Augusto Soares Pinheiro
Major SAM José Maria Teixeira
Major SAM António Monteiro Alves dos Santos
Major SAM António Avelino de Abreu Parente
Major SAM António Madeira Peste
Major SAM António Alberto Bravo Ferreira
Major SAM Emídio José Brandão dos Santos Marques
2.ºs Comandantes (a partir de 01AGO67)
Capitão SAM Manuel de Oliveira Rego
Capitão SAM José Luís de Sousa Jorge
Capitão SAM António José Calvo de Almeida Pereira
Capitão SAM Manuel António Duran dos Santos Clemente
Início: 01JUN64
Extinção: 14OUT74
Síntese da Actividade Operacional
O BInt foi criado com base em QO [2] aprovado por despacho ministerial de 21NOV63 e englobou uma Companhia de Intendência, uma Companhia de Depósito, então constituídas, e os quatro destacamentos de Intendência, então existentes em Bissau, Tite, Bula e Bafatá, este instalado depois em Bambadinca, a partir de 02JUN66, e, mais tarde, outro pelotão instalado em Farim, a partir de 01JAN67, sendo considerado uma unidade da guarnição normal.
Em 01ABR68, as funções de Companhia de Depósito passaram a ser executadas por um novo órgão, então criado, o Depósito Base de Intendência e a partir de 01SET68, o batalhão passou a ser constituído pelas subunidades designadas por Companhias de Intendência de A/D [3], Companhias de Intendência de A/G [4], e Pelotões de Intendência, tendo ainda sido instalado outro pelotão em Cufar, a partir de 01AGO73.
Nesta situação, forneceu apoio logístico às unidades e subunidades em serviço na Guiné, efectuou a reparação dos meios de frio, máquinas de escritório e de bobinagem, entre outros, para o que dispunha também de equipas itinerantes.
Ministrou também instrução de formação de especialidade de intendência de padeiros, magarefes, caixeiros e outras. Manteve ainda as reservas de combustíveis e lubrificantes e accionou o funcionamento dos centros de fabrico de pão e de abate.
Em 14OUT74, após entrega das instalações e equipamentos ao PAIGC [5], o batalhão foi desactivado e extinto.
1. SAM – Serviço de Administração Militar
2. QO – Quadro Orgânico
3. A/D – Apoio Directo
4. A/G – Apoio Geral
5. PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
José Martins
Fotos: © Fernando Franco(2006). Direitos reservados.
_______________
Nota de CV
Vd. poste de 12 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3196: Em busca de...(39): Companhia Terminal (Bissau, 1973/74) (Daniel Vieira)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3228: Convite (8): Casa da Guiné de Coimbra, dia 24 de Setembro de 2008, exibição de As Duas Faces da Guerra e Jantar-convívio
CASA DA GUINÉ EM COIMBRA
CONVITE
Prezado/a
A Casa da Guiné-Bissau e a organização dos Estudantes da Guiné-Bissau em Coimbra convidam V. Exª a assistir ao seguinte programa de actividades integrado nas comemorações da independência da Guiné-Bissau:
DIA 24/09/2008 (quarta-feira) –
- 17h00 (Auditório do Instituto Português da Juventude, na Rua Pedro Monteiro) –
Exibição do documentário: "As duas faces da Guerra" da jornalista Diana Andringa e do realizador guineenses Flora Gomes (com a presença de Diana Andringa). Trata-se de um documentário sobre a guerra colonial/luta de libertação nacional. A seguir a exibição haverá debate com a presença da Jornalista Diana Andringa.
- 19, 00 às 21, 15 horas – Jantar-convívio na Cantina Amarela (prato típico guineense).
Solicitamos divulgação.
Com os melhores cumprimentos
Casa da Guiné-Bissau em Coimbra
Organização dos Estudantes da Guiné-Bissau em Coimbra
CONVITE
Prezado/a
A Casa da Guiné-Bissau e a organização dos Estudantes da Guiné-Bissau em Coimbra convidam V. Exª a assistir ao seguinte programa de actividades integrado nas comemorações da independência da Guiné-Bissau:
DIA 24/09/2008 (quarta-feira) –
- 17h00 (Auditório do Instituto Português da Juventude, na Rua Pedro Monteiro) –
Exibição do documentário: "As duas faces da Guerra" da jornalista Diana Andringa e do realizador guineenses Flora Gomes (com a presença de Diana Andringa). Trata-se de um documentário sobre a guerra colonial/luta de libertação nacional. A seguir a exibição haverá debate com a presença da Jornalista Diana Andringa.
- 19, 00 às 21, 15 horas – Jantar-convívio na Cantina Amarela (prato típico guineense).
Solicitamos divulgação.
Com os melhores cumprimentos
Casa da Guiné-Bissau em Coimbra
Organização dos Estudantes da Guiné-Bissau em Coimbra
Guiné 63/74 - P3227: Em bom português nos entendemos (2): Estória ou História (Ferreira Neto e Carlos Vinhal)
1. A propósito do uso da palavra Estória, no nosso Blogue, como narrativa das nossas experiências e vivências na Guiné, recebemos uma mensagem do nosso camarada Ferreira Neto, ex-Cap Mil da CART 2340, (Canjabari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69), com data de 21 de Setembro de 2008:
Caro Vinhal
Logo de início, tivemos oportunidade de falar no assunto. No seu super dicionário não constava a palavra, nem nos meus.
Ao longo deste tempo, pessoas a quem eu recomendava a leitura do nosso "blogue", exprimiam o desejo de se efectuar a correcção, porque a nossa contribuição é com histórias e não com contos.
Sou teimoso por natureza, e nem a propósito, ontem topei um sítio de nome <Ciberdúvidas e dele extraí o que se segue:
História e estória, mais uma vez
[Pergunta]
Na resposta História e estória, de 10/02/2003, faz-se referência a um registo no dicionário Houaiss de estória como sendo «narrativa de cunho popular e tradicional», dando a entender que, neste sentido, seriam conceitos diferentes. Mas, se se consultar história no mesmo dicionário, lá vem, também, a mesma definição: «Narrativa de cunho popular e tradicional». Ou seja, no meu entender, Houaiss tem a mesma posição de Morais e Aurélio, que atribuem o mesmo significado aos dois vocábulos. Os dicionários da Academia das Ciências 2001, Cândido de Figueiredo, José Pedro Machado, Lacerda, Porto Editora, Torrinha e Prosódico de António Carvalho e João de Deus não registam o vocábulo estória. Para mim, simples amador na matéria, estória é grafia antiga ou linguagem popular, sendo costume meter a palavra entre aspas ou em itálico. Esta moda recente (não tão recente como isso...) de distinguir facto histórico usando História, de ficção, usando estória, nada mais é que a importação do Inglês, que tem, esse sim, dois vocábulos e dois conceitos: History e story. Nenhuma língua latina faz essa distinção de conceitos, que eu saiba. Estarei errado? Com os meus cumprimentos
[Resposta]
Muito obrigados pelas suas observações pertinentes. O uso da forma "estória" refle(c)te certamente a influência semântica do inglês. Essa forma está atestada em documentos do período medieval, mas, ao que parece, como variante gráfica e fonética de história, sem implicações ao nível do sentido
Estória "vs" História
[Pergunta]
Quando é que se usa a palavra estória em vez de história?
[Resposta]
Estória é uma palavra vinda do Brasil. Note-se, era assim que se grafava no século XV. Só depois veio história. Um brasileiro lembrou-se de grafar história, quando se tratava de "ciência histórica" e de grafar estória para significar "narrativa de ficção", "conto popular", etc. Mas os dicionários brasileiros aconselham a que se escreva sempre história, embora se aceite a liberdade jornalística da distinção de um e outro conceitos.
Espero perante o que foi exposto, seja legítimo fazer-se a respectiva correcção.
(...)
Um abraço, extensivo a toda a famíla
F. Neto
2. No mesmo dia foi enviada ao camarada Ferreira Neto a seguinte mensagem
Caro Professor (*)
Prazer em vê-lo de novo. Há muito que não dava sinais.
Com respeito à história da Estória, já alguém que defende a língua portuguesa nos blogues, se nos dirigiu e chamou a atenção para o uso errado (?) do termo.
Esta palavra está, bem ou mal, a ser utilizada no nosso Blogue desde a fundação e compete ao Luís Graça dar instruções para se abolir ou não o seu uso. Eu sou apenas um humilde colaborador que tem a quarta classe adiantada.
O meu velhinho Dicionário da Porto Editora, que o meu pai me comprou há 50 anos, não tem o termo estória. O mesmo acontece com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa.
Confesso que concordo com professor, não gosto da estória.
(...)
Vou dar conhecimento desta sua mensagem aos restantes editores do Blogue.
Passo a terminar enviando-lhe um abraço e votos de boa saúde.
(...)
Carlos Vinhal
OBS:-
- As partes suprimidas das mensagens ou nada têm a ver com a Estória, ou são de âmbito particular.
- Os negritos são da responsabilidade do editor.
3. Comentário de CV
Dei umas voltas pela Net e:
i- na Infopédia, Enciclopédia e Dicionários da Porto Editora, encontrei o que abaixo transcrevo, com a devida vénia:
estória
nome feminino; história de carácter ficcional ou popular; conto, narração curta
(De história, ou do ing. story, «id»)
ii - ainda na Infopédia encontrei:
Luuanda
Luuanda (1963), da autoria de Luandino Vieira (1935-), é uma obra histórica, vista como um autêntico livro de ruptura, ruptura com a norma portuguesa.
Pelo seu cariz inovador, mereceu o reconhecimento geral e foi galardoado com dois importantes prémios - 1º Prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga, atribuído em Luanda em 1964, e o 1º Prémio do Grande Prémio da Novelística, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, em Lisboa, em 1965.
Luuanda é composto por três histórias - ou "estórias", como o próprio Luandino Vieira gosta de as retratar: "Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos", "A estória do ladrão e do papagaio" e "A estória da galinha e do ovo".
Todo o texto de Luuanda apresenta-se com uma forte dramatização, teatralização, onde toda a narrativa nos descreve e dá a conhecer o espaço angolano, sempre em contraste absoluto com o espaço do homem branco - os prédios, as casas, as ruas asfaltadas e limpas, o espaço claro e arejado.
As "estórias" de Luuanda retratam as coisas do dia-a-dia dos musseques angolanos: as histórias das famílias, o ambiente caótico, de confusão, que a própria arquitectura do musseque representa; o confronto de ideias e comportamentos entre novos e velhos e entre pretos e brancos que lá entravam por diversos motivos: inspeccionar os andamentos, cobrar as rendas, policiar os desacatos, etc.
(...)
iii - Na Wikipédia encontrei:
Estória
é um neologismo proposto por João Ribeiro (membro da Academia Brasileira de Letras) em 1919, para designar, no campo do folclore, a narrativa popular, o conto tradicional.
Alguns consideram o termo arcaico, por ser encontrado também em textos antigos, quando a grafia da palavra na língua portuguesa ainda não fora consolidada.
O termo acabou por não ter uma aceitação generalizada, não figurando nos dicionários portugueses e apenas em alguns brasileiros. Apesar de ter sido usada na linguagem coloquial, o termo nunca figurou na norma culta.
iii - No site Sua Língua, encontrei um artigo de autoria de Cláudio Moreno que passo a transcrever, com a devida vénia:
A história de "estória"
Perdi a conta dos leitores que me perguntam sobre a famigerada estória. Uns querem saber se realmente existe essa distinção entre estória e história. Outros teriam ouvido que a palavra existiu outrora, mas hoje seria considerada arcaica. Há quem especule que estória tenha nascido de um erro de tradução. Quase todos perguntam se é uma distinção útil e necessária, ou se não passa de supérfluo balangandã. Peço perdão àqueles que fiz esperar, mas aqui vai minha resposta a todos.
Foi João Ribeiro, forte conhecedor de nosso idioma, quem propôs a adoção do termo estória, em 1919, para designar, no campo do Folclore, a narrativa popular, o conto tradicional, objeto de estudo dos especialistas daquela área. E não se tratava de inventar, mas sim de reabilitar (hoje usariam o horrendo resgatar...) uma forma arcaica, comum nos manuscritos medievais de Portugal. Era uma ingênua proposta, paroquial, nascida da inveja compreensível que causa a distinção story - history do Inglês; sem ela, alega o próprio Luís da Câmara Cascudo - para mim, um dos escritores que mais contribuíram para nossa língua -, não se pode entender frases como "Stories are not History", ou títulos como "The History of a Folk Story". Que o mestre Cascudo me perdoe: a intenção era boa, mas sem nenhum fundamento lingüístico.
Em primeiro lugar, a estória medieval não era um vocábulo diferente de história; era apenas uma das muitas variantes que se encontram nos textos manuscritos de nossos copistas, naquele tempo heróico em que a estrutura de nossa ortografia ainda lutava para sedimentar. Ali aparecem história, hestória, estória, istória, estórea (ainda não se usavam os acentos, que são de nosso século, mas não pude resistir). Da mesma forma, vamos encontrar homem, omem, omee (algumas vezes com til no primeiro e) e até ome. Nota-se que o emprego do "h" e das vogais ainda não estava estabilizado na escrita. Entretanto, já no séc. XVI - em Camões, por exemplo - a grafia de homem e história era a que é usada até hoje. Outras línguas da família latina, como o Espanhol e o Francês, também experimentaram essa variedade de formas para história, mas terminou prevalecendo a forma única (historia e histoire, respectivamente).
Em segundo lugar: grande coisa se o Inglês pode fazer a distinção entre story e history! E daí? Como o folclórico Napoleão Mendes de Almeida nos lembra, eles também distinguem entre can (poder, conseguir) e may (poder, no sentido legal e ético): "You can, but you may not" é uma rica frase em Inglês que só poderíamos traduzir com um aproximado "Você pode, mas não deve". Esse autor, que abominava estória, pergunta ironicamente: "Se curtos de inteligência foram nossos pais em não terem descoberto essa história de "estória", curtos de inteligência continuamos todos nós em não forjarmos distinção gráfica e fonética para "poder", para "educação", para "raio", para "oficial" e para outros vocábulos de formas diferentes em Inglês, como curtos de inteligência são todos os outros idiomas que têm palavras com mais de uma significação".
Dessa vez Napoleão bateu no prego e não na tábua. Uma olhada no meu Oxford e me dou conta que para nosso raio, por exemplo, o Inglês tem (1) ray (onde temos "raio de luz", "pistola de raios"), (2) radius (o "raio de um círculo") e (3) lightning (a "descarga elétrica"). É mais do que comum o fato de uma língua fazer distinções vocabulares que outras não fazem. Como tive a oportunidade de mencionar em outro artigo (Atravessando o Canal da Manga), o Espanhol designa com um único vocábulo (celo, celos) o que nós distribuímos por três: zelo, cio e ciúme. Invejamos o story do Inglês? Eles então devem ficar verdes diante de nosso ser e estar, distinção fundamental na vida e na Filosofia, que eles simplesmente desconhecem. Assim são as línguas humanas, na sua (im)perfeição.
Além disso, os amáveis folcloristas que defendiam estória pensavam apenas em distinguir "a História do Brasil das Histórias da Carochinha". Do ponto de vista lingüístico, erraram por todos os lados. Primeiro, erraram porque essa não é uma distinção útil, que justifique sua defesa. O português José Neves Henriques, o severo e consciencioso JNH do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (já falei sobre ele na seção de Links), condena essa invenção "brasileira" (ele tem razão: é coisa nossa), tachando-a de "uma palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de história. O contexto e a situação têm sido mais que suficientes para distinguirmos os vários significados". Certo o professor Henriques, errados os folcloristas: ninguém vai confundir a história de um país com a história do bicho-papão.
Segundo, erraram porque enxergavam apenas dois pólos bem definidos: a história que se refere ao passado e ao seu estudo, e a estória da narrativa, da fábula. A experiência nos diz que essas invasões de searas alheias geralmente pecam por um raciocínio simplista, reducionista. Quem mexe no que não entende, termina fazendo bobagem... e não deu outra. Nossos estudiosos não perceberam que a distinção sugerida, apetecível do ponto de vista deles, acabaria criando incertezas e hesitações em frases corriqueiras como "Deixa de histórias!"; "Essa já é outra história"; "Que história é essa?"; "Eu e ela temos uma velha história". Qual das duas formas usar? Por tão pouco benefício, por que assombrar ainda mais os que escrevem em Português? Faço questão de frisar "os que escrevem" - porque aqui, também, reside outra falha da proposta de João Ribeiro: as duas formas não seriam distinguíveis na fala, já que a realização da vogal "E" inicial de estória é geralmente /i/ (como em espada, esperto, etc.). Ambas seriam pronunciadas da mesma maneira: /istória/. E quantas outras palavras, derivadas de história, deveriam ser alteradas? Historieiro? Historiento? As historietas passariam a ser estorietas? Os aficionados em quadrinhos passariam a usar EQ em vez do consagrado HQ? Como se vê, "muito trabalho por nada", como reza a comédia de Shakespeare.
De qualquer forma, o uso de estória poderia ter ficado confinado ao mundo do Folclore, onde talvez fosse de alguma utilidade. Afinal, não é incomum que certas áreas do pensamento postulem, para uso exclusivo, vocábulos novos ou variações fonológicas ou ortográficas de vocábulos antigos, no afã de obter maior precisão em seus conceitos. Isso se verifica, por exemplo, na Filosofia, na Lógica, na Lingüística, na Psicanálise (onde me chama a atenção a impressionante inquietação lingüística dos lacanianos). Como é natural, essas variantes vão fazer parte de um código específico, cujo emprego passa a ser indispensável para os especialistas dessa área, mas não entram no grande caudal da língua comum. A criação, a utilização e, muito seguidamente, a agonia e morte dessas formas são registradas em discretos dicionários especializados, convenientemente isolados do grande rebanho representado pelos dicionários de uso.
Infelizmente, como nos piores pesadelos dos ecologistas, estória rompeu as cercas de segurança, saiu do pequeno rincão do Folclore e invadiu nossas vidas. O responsável por isso foi João Guimarães Rosa (pudera não!). Como escreve meu mestre Celso Pedro Luft, com uma ponta de inesperada ironia, Rosa decidiu "glorificar, imortalizar a ausência do agá: Primeiras Estórias. Corriam os anos de 1962. Primeiras estórias ... todos os fãs do mineiro imortal ficaram absolutamente alucinados. E foi estória para cá, estória para lá, estória para todos os lados. Uma epidemia. Perdão, uma glória". Depois, em 1967 veio Tutaméia, com o subtítulo "Terceiras Estórias", e o póstumo Estas Estórias, publicado em 1969. Muito tem sido escrito sobre a inovação da linguagem rosiana; a sintaxe de seu narrador é, a meu ver, a criação literária do século. No entanto, sou obrigado a observar que, em termos não-literários, essa inovação é zero. Nenhuma das palavras montadas, deformadas ou inventadas por ele jamais será usada, a não ser por imitadores (que já andam escasseando...). É uma linguagem só dele; funciona admiravelmente no universo de sua obra, mas é seu instrumento pessoal, e nunca será nosso. Ouso dizer que a única influência rosiana no Português foi a divulgação desse equívoco que é estória. Tenho certeza de que Guimarães Rosa, místico de quatro costados, entenderia: deve ser vingança dos deuses da Língua.
Resumindo e concluindo. Embora não eu goste de utilizar o termo estória, mas uma vez que a Língua Portuguesa está a ser invadida por termos brasileiros e não só (dizem que faz parte da evolução de uma língua que se quer viva), acabo por me render a este e a outros termos que à força de se lerem e ouvirem, acabam por entrar no nosso dia-a-dia, quer na escrita, quer no modo de falar.
Deixo aberta a discussão a quem achar que o assunto deve ser debatido, porque em Bom português nos entendemos.
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Nota explicativa de CV
(*) - Acho que devo uma justificação à tertúlia pelo facto estar a ir contra as normas vigentes.
As relações entre mim e o ex-Cap Ferreira Neto não são as mesmas que mantenho com os restantes camaradas do Blogue. Eu não consigo abstraír o facto de ter conhecido o Engenheiro Ferreira Neto, há muitos anos, como professor da Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, que frequentei e onde me licenciei para a vida. Daí o meu tratamento de Professor ou Engenheiro e não o tu habitual. Para evitar mal-entendidos, ressalve-se que eu é que impus ao nosso camarada Ferreira Neto esta excepção.
Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)
Logótipo do blogue do nosso amigo e camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 . O Victor foi Melec/Aviões/Instrumentos-BA2 EMEL BA2 BA4 BA12 BA5 BA2 AB1. O blogue existe desde Junho de 2007 e tem tido uma crescente aceitação por parte do público-alvo a que se dirige, os antigos especialistas da BA12 (Bissalanca, 1965/74).
Foto: © Victor Barata (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)
1. Mensagem de Jorge Félix, de 24 de Maio de 2008, publicado no blogue do nosso amigo e camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74:
O Ar quente da Guiné >
223-Jorge Félix
Ex-Alf Pilav Helis
Braga
Caro Victor:
Depois de tanto silêncio, escrevo-te pela terceira vez. Desta feita é por causa de um poste do amigo e camarada José Luis Ribeiro Monteiro que esteve em Bissalanca na mesma altura que eu, Outubro de 68 a Julho de 70. (O post é de 28 de Setembro 2007).
Falam-se de assuntos que eu vivi também e outros de que não estou de acordo. Talvez por já terem passados muitos anos alguns factos são 'adulterados' sem outra intenção que não seja falar duma vivência que parece que aconteceu.
Ora vamos lá aos casos pontuais.
1- Quando o José Monteiro chegou a Bissau já por lá voavam os Fiat. Já tinham abatido um (Ten Coronel Costa Gomes) poucos meses antes. Voavam nessa altura o Cap Vasquez, o Cap Nico e o Ten Cruz, em Fiat.
2- Outra confusão que está a fazer é com o Sarg Honório, excelente piloto, na época a voar somente DO 27.
O Honório nunca voou helicópteros como piloto, e se fizer um esforço de memória lembrará que o Honório passava muitas épocas no destacamento de Nova Lamego, com as DO 27. Quem está ainda vivo e pode dizer quem era o Piloto do Spinola, se é que havia um piloto, é o Sr General Almeida Bruno. Ele deve ter uma memória disso. Pela minha parte não quero ter o epíteto de piloto de ..., mas o certo é que voei muitas e inesquecíveis manobras com os dois Senhores referidos, Capitão Almeida Bruno e Brigadeiro Spínola.
Victor, posta o que melhor entenderes, como fizeste com a minha estória do Borrachão, e dá esta memória ao camarada José Monteiro a quem envio um forte abraço.
Escutámos as mesmas mornas e bebemos da mesma chuva.
Um abraço
Jorge Félix
2. Comentário do editor do blogue, L.G.:
Amigos e camaradas, brancos, pretos e mulatos, gente da nossa Tabnaca Grande:
O Honório é uma figura que perdura na nossa memória. E foi aqui tão oportuna como justamente evocado pelo Alberto Branquinho. Não tanto por ser cabo-verdiano (cuidado com a demasiada ênfase nas questões da 'cor da pele'...), como sobretudo por ser, aos olhos do comum militar no TO da Guiné, um 'gajo maluco', popular, que gostava do seu copo e que fugia um bocado aos cânones do militar-como-mandava-a-puta-da-sapatilha... (Passe, aqui, a expressão que era/é linguagem de caserna...)
Quem é que não ouviu falar dele, do Honório, nomeadamente na Zona Leste ? Não privei pessoalmente com ele, mas viu-o várias vezes em Bambadinca, no período em que lá estive, com a malta da minha CCAÇ 12, entre Junho de 1969 e Março de 1971. E sempre a pilotar a D0 27.
Foi por isso que achei que valia pena criarmos, no nosso blogue, uma série só para os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras... Os primeiros postes podem ir para o Honório, com toda justiça, propriedade e oportunidade... Os próximos para o António Lobato.
Há já material suficiente, incluindo os postes que já foram publicados no blogue do nosso camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné-Bissau 1965/74... Há lá intervenções do Jorge Félix e do J. Mexia Alves (e do Monteiro Ribeiro, melec) que eu recuperei em devido tempo...
Depois pode ser que apareçam mais depoimentos de gente da FAP ou até dos TACV. Gostava de saber, por exemplo, como é que ele lidou com as questões de fractura, conflito e transição: o PAIGC no poder, na Guiné e em Cabo Verde... Como é que ele chega aos TACV, por exemplo...
Por outro lado, temos o nosso Jorge Félix e eventualmente outros Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (o epíteto é um elogio, é um mimo, é uma ternura!) que andam por aí, sem eventualmente quererem ou poderem dar a cara...
Talvez o Jorge e o Victor nos possam ajudar nesta nobre tarefa de 'reabilitar e valorizar a memória dos nossos camaradas da FAP'... Também gostaria de fazer o mesmo para a Marinha, o terceiro ramo das nossas FA... É tempo, de resto, de enterrarmos de vez os nossos estereótipos sobre tropas de elite, topa-macaca, filhos e enteados, ricos e pobres...
Isto sem querer entrar, de modo algum, em competição, antes pelo contrário, com o blogue do Victor, que tem um público-alvo diferente do nosso... e que é um blogue 'especialista' (enquanto o nosso é 'generalista') e com o qual nós queremos manter uma saudável e frutuosa relação de mútuo apoio, de troca e até de complementaridade...
De resto, o Victor (a quem eu saúdo pelo sucesso do seu blogue) sabe bem que não precisa de nos 'pedir licença' para usar os nossos materiais, bastando para tal citar a fonte; e nós faremos o memso sempre que houve notícias que interessem ao pessoal da Tabanca Grande. Um Alfa Bravo. Luís
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 26 de Setembro de 2007, publicado no blogue do Victor Barata, membro da Tabanca Grande,
Uma lufada de ar quente da GUINÉ!
17-Mensagem do José Luis Ribeiro Monteiro
OPC 3ª/66
Bissalanca 1968/1970
Companheiro de armas, Victor.
Por aquilo que tenho lido no teu Blog sobre a Guiné e que retrata uma determinada realidade encontrada por nós e especialmente por ti,e considerando que:
-Estive na BA12,no período de 09.10.68 a 14.07.70;
-Provavelmente e quase de certeza que as condições de Guerra e logística foram diferentes daquelas que eu encontrei, isto é, foram outros tempos, sendo que em termos de guerrilha as que encontraste foram piores;
-Quando cheguei á Base os meios aéreos existentes era o velho T6G, DO27 e Dakota. Só mais tarde chegaram os Fiat G91;
-O tempo passado neste "Teatro" de Guerra foi terrível, nunca mais me hei-de esquecer dele.
Assim começando por falar daquilo que eu assisti em termos de alimentação dir-te-ei que era uma miséria. Quando fui pela primeira vez ao refeitório, fiquei com uma fome dos diabos, não comi nada, mas o espectáculo ficou-me na retina (cabeças de peixe com cigarros a arder na boca e arroz colado ao tecto do referido refeitório). Os nossos camaradas mais velhos matavam a fome com cerveja o que levava a que fossem evacuados para Lisboa com destino ao hospital com doenças do fígado, era uma forma de deixarem a Guiné!
As valetas das ruas da Base estavam sempre cheias de garrafas de cerveja vazias, o que levava a que quando havia ataques simulados à Base, muitos dos nossos camaradas fossem parar á enfermaria com feridas,porque segundo as instruções de defesa que nós somos obrigados a cumprir, passava por sair das camaratas e metermo-nos nas valetas.
Com a chegada e inicio de funções do Coronel Pilav já falecido, Diogo Neto(foi no mesmo avião que eu),começou por se inteirar do que se estava a passar,já que entrávamos no refeitório para não comer. Sendo que e passado pouco tempo deixámos de ir ao refeitório, o que criou alguns problemas ao Capitão encarregue dos refeitórios, somente a Polícia Aérea e o Serviço Geral, porque tinham que fazer formatura,iam.
Para resolver o problema o Comandante da Base demitiu o Capitão encarregue dos refeitórios e nomeou outro.A partir dessa altura passámos a ter uma alimentação muito melhor e eramos tratados doutra forma (o capitão perguntava-nos o que queríamos comer), sendo que por volta das onze horas da manhã tínhamos direito a entrada que consistia em carnes verdes e sumos.
Foi nessa altura que foi reconstruído o bar,parecia mais um Pub que outra coisa. Também foi nessa altura que começaram a construção das infraestrutura desportivas e do novo Centro de Comunicações. Nunca lá operei, já que somente ficou operativo em 1970,altura em que me vim embora, com destino ao GDACI-Monsanto.
Daquilo que tenho lido sobre a guerra, especialmente no que diz respeito às condições, clima e dificuldades devidas á morfologia do terreno [...].
Recordo-me, não sei se em 1969 se em 1970,de uma viagem que o General Spinola fez a Lisboa,esteve ausente da Guiné um mês,constando que tinha sido preso por querer dar a independência,com negociação com Amílcar Cabral, por se julgar na altura que nunca íamos vencer a guerra.
De vez em quando havia festa na Base em que actuava o conjunto A Voz de Cabo Verde e num certo dia disseram-nos que a Amália Rodrigues e outros artistas iriam lá actuar, ficámos muito satisfeitos, simplesmente essa actuação não se chegou a realizar, porque tinha havido um massacre de um dos majores e, se não estou em erro, capitães e motoristas, para os lados de Serpa Pinto, pela Fling, outro movimento existente na Guiné. Iam ter uma reunião com o o PAIGC, aliás,o Gen Spínola,tinha reuniões de vez enquanto com eles.´Quase todas as manhãs saía de Helicóptero, cujo o piloto era o Sarg Honório,caboverdiano, já falecido.
Do Teatro de guerra na Guiné, no período que lá esteve, assisti a ataques constantes dos chamados terroristas,ataques esses que não ficavam sem resposta,quer pela Força Aérea, incluindo os pára-quedistas,quer pelas outras forças no terreno. Foram milhares de toneladas de bombas as lançadas e também,material de guerra apreendido aos guerrilheiros, possuía fotografias desse material. Nesse período,os guerrilheiros já possuíam misseis terra-ar, o que se tornava difícil para os meios aéreos no terreno. Felizmente nenhum avião foi abatido, porque havia constantes bombardeamentos diurnos e nocturnos às bases dos guerrilheiros, especialmente Madina de Boé,onde eles declararam a independência e outras localidades como Guileje, Gadamael, Farim e ainda outras que não me recordo do nome.
Lembro o Cap Pilav Nico, actualmente Gen Pilav ,que não dava descanso aos Fiat, muitas vezes,quando estava de serviço às operações,comunicava ao dito que havia ataques em tal sitio, ele pedia autorização ao Comandante Diogo Neto ou era eu a solicitar,por ordem dele,autorização para levantar voo com o Fiat G91.Era certo que mal ele levantava da pista acabava o ataque,o que induz que havia informadores infiltrados na BA12 ou nas proximidades, na aldeia de Bissalanca.
De qualquer forma pelo andar da carruagem, tinha-se a noção de que a guerra ia acabar o mais rápido possível. Não foi mais cedo porque Lisboa não deixou e nós é que pagámos as favas [...].
Depois de ter estado na Guiné e regressado a Lisboa,e quando passei á disponibilidade,fui para Angola [...].
José Luís Monteiro Ribeiro
OPC 3ª/66
(**) Resposta do J. L. Monteiro Ribeiro, publicado no mesmo blogue, em 25 de Maio de 2008:
QUE BONITO!
226-José Ribeiro
Ex-Esp Opcart Guiné
Lisboa
BA12
Amigo, Victor Barata.
Depois de lida a mensagem do amigo Jorge Félix, julgo de me pronunciar sobre o conteúdo da mesma (...):
Quanto ao que [disse] o ex-camarada de armas, piloto de helicópteros, Jorge Félix, tenho que agradecer as correcções feitas pelo ele ao texto por mim elaborado e publicitado por ti.
É um facto que muitas das realidades que nós assistimos enquanto militares em África – porque não muito marcantes – são às vezes um pouco modificados pelo tempo passado da ocorrência e o de hoje. Chama-se a isso lapsos de memória.
De qualquer forma, tendo em atenção a correcção bem feita pelo ex – camarada de armas, Jorge Félix, em dois aspectos referidos por mim, há que considerar o seguinte:
- No que se refere ao falecido Sargento, Honório, falava-se na Base que era o piloto do General Spínola – afinal não era, como referiu o amigo Jorge;
- Em relação aos Fiat G91, quando cheguei à Base pouco ou nada os vi operar. Ainda possuo uma foto da primeira (julgo) aterragem de um F91 na ex-BA12. Os T6 eram os mais operacionais, daquilo que me apercebi. Progressivamente estes aviões deixaram de operar. Não me lembro se quando me vim embora algum ainda operava.
O falecido sargento piloto, Honório, era um artista. Quando vinha de Nova Lamego, em regra, aterrava com o motor da DO27 desligado. Segundo constou na altura, foi algumas vezes chamado à atenção pelo facto.
Lembro-me do capitão piloto Monteiro, segundo ouvi dizer já falecido em Portugal em desastre aéreo. Foi atingido várias vezes em ataques aéreos. Uma vez fui ver o Fiat G91, estava todo furado por balas, sendo que conseguiu trazê-lo até à Base e aterrar em segurança.
Também me lembro do capitão piloto Rodrigues e do cabo especialista MAE, não me lembro do nome, mortos no desastre em Bafatá, contra uma antena de rádio, senão estou em erro, não havendo na altura qualquer hipóteses de os salvar (morreram queimados).
José Luís Monteiro Ribeiro, OPC 3ª/66.
Foto: © Victor Barata (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)
1. Mensagem de Jorge Félix, de 24 de Maio de 2008, publicado no blogue do nosso amigo e camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74:
O Ar quente da Guiné >
223-Jorge Félix
Ex-Alf Pilav Helis
Braga
Caro Victor:
Depois de tanto silêncio, escrevo-te pela terceira vez. Desta feita é por causa de um poste do amigo e camarada José Luis Ribeiro Monteiro que esteve em Bissalanca na mesma altura que eu, Outubro de 68 a Julho de 70. (O post é de 28 de Setembro 2007).
Falam-se de assuntos que eu vivi também e outros de que não estou de acordo. Talvez por já terem passados muitos anos alguns factos são 'adulterados' sem outra intenção que não seja falar duma vivência que parece que aconteceu.
Ora vamos lá aos casos pontuais.
1- Quando o José Monteiro chegou a Bissau já por lá voavam os Fiat. Já tinham abatido um (Ten Coronel Costa Gomes) poucos meses antes. Voavam nessa altura o Cap Vasquez, o Cap Nico e o Ten Cruz, em Fiat.
2- Outra confusão que está a fazer é com o Sarg Honório, excelente piloto, na época a voar somente DO 27.
O Honório nunca voou helicópteros como piloto, e se fizer um esforço de memória lembrará que o Honório passava muitas épocas no destacamento de Nova Lamego, com as DO 27. Quem está ainda vivo e pode dizer quem era o Piloto do Spinola, se é que havia um piloto, é o Sr General Almeida Bruno. Ele deve ter uma memória disso. Pela minha parte não quero ter o epíteto de piloto de ..., mas o certo é que voei muitas e inesquecíveis manobras com os dois Senhores referidos, Capitão Almeida Bruno e Brigadeiro Spínola.
Victor, posta o que melhor entenderes, como fizeste com a minha estória do Borrachão, e dá esta memória ao camarada José Monteiro a quem envio um forte abraço.
Escutámos as mesmas mornas e bebemos da mesma chuva.
Um abraço
Jorge Félix
2. Comentário do editor do blogue, L.G.:
Amigos e camaradas, brancos, pretos e mulatos, gente da nossa Tabnaca Grande:
O Honório é uma figura que perdura na nossa memória. E foi aqui tão oportuna como justamente evocado pelo Alberto Branquinho. Não tanto por ser cabo-verdiano (cuidado com a demasiada ênfase nas questões da 'cor da pele'...), como sobretudo por ser, aos olhos do comum militar no TO da Guiné, um 'gajo maluco', popular, que gostava do seu copo e que fugia um bocado aos cânones do militar-como-mandava-a-puta-da-sapatilha... (Passe, aqui, a expressão que era/é linguagem de caserna...)
Quem é que não ouviu falar dele, do Honório, nomeadamente na Zona Leste ? Não privei pessoalmente com ele, mas viu-o várias vezes em Bambadinca, no período em que lá estive, com a malta da minha CCAÇ 12, entre Junho de 1969 e Março de 1971. E sempre a pilotar a D0 27.
Foi por isso que achei que valia pena criarmos, no nosso blogue, uma série só para os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras... Os primeiros postes podem ir para o Honório, com toda justiça, propriedade e oportunidade... Os próximos para o António Lobato.
Há já material suficiente, incluindo os postes que já foram publicados no blogue do nosso camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné-Bissau 1965/74... Há lá intervenções do Jorge Félix e do J. Mexia Alves (e do Monteiro Ribeiro, melec) que eu recuperei em devido tempo...
Depois pode ser que apareçam mais depoimentos de gente da FAP ou até dos TACV. Gostava de saber, por exemplo, como é que ele lidou com as questões de fractura, conflito e transição: o PAIGC no poder, na Guiné e em Cabo Verde... Como é que ele chega aos TACV, por exemplo...
Por outro lado, temos o nosso Jorge Félix e eventualmente outros Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (o epíteto é um elogio, é um mimo, é uma ternura!) que andam por aí, sem eventualmente quererem ou poderem dar a cara...
Talvez o Jorge e o Victor nos possam ajudar nesta nobre tarefa de 'reabilitar e valorizar a memória dos nossos camaradas da FAP'... Também gostaria de fazer o mesmo para a Marinha, o terceiro ramo das nossas FA... É tempo, de resto, de enterrarmos de vez os nossos estereótipos sobre tropas de elite, topa-macaca, filhos e enteados, ricos e pobres...
Isto sem querer entrar, de modo algum, em competição, antes pelo contrário, com o blogue do Victor, que tem um público-alvo diferente do nosso... e que é um blogue 'especialista' (enquanto o nosso é 'generalista') e com o qual nós queremos manter uma saudável e frutuosa relação de mútuo apoio, de troca e até de complementaridade...
De resto, o Victor (a quem eu saúdo pelo sucesso do seu blogue) sabe bem que não precisa de nos 'pedir licença' para usar os nossos materiais, bastando para tal citar a fonte; e nós faremos o memso sempre que houve notícias que interessem ao pessoal da Tabanca Grande. Um Alfa Bravo. Luís
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 26 de Setembro de 2007, publicado no blogue do Victor Barata, membro da Tabanca Grande,
Uma lufada de ar quente da GUINÉ!
17-Mensagem do José Luis Ribeiro Monteiro
OPC 3ª/66
Bissalanca 1968/1970
Companheiro de armas, Victor.
Por aquilo que tenho lido no teu Blog sobre a Guiné e que retrata uma determinada realidade encontrada por nós e especialmente por ti,e considerando que:
-Estive na BA12,no período de 09.10.68 a 14.07.70;
-Provavelmente e quase de certeza que as condições de Guerra e logística foram diferentes daquelas que eu encontrei, isto é, foram outros tempos, sendo que em termos de guerrilha as que encontraste foram piores;
-Quando cheguei á Base os meios aéreos existentes era o velho T6G, DO27 e Dakota. Só mais tarde chegaram os Fiat G91;
-O tempo passado neste "Teatro" de Guerra foi terrível, nunca mais me hei-de esquecer dele.
Assim começando por falar daquilo que eu assisti em termos de alimentação dir-te-ei que era uma miséria. Quando fui pela primeira vez ao refeitório, fiquei com uma fome dos diabos, não comi nada, mas o espectáculo ficou-me na retina (cabeças de peixe com cigarros a arder na boca e arroz colado ao tecto do referido refeitório). Os nossos camaradas mais velhos matavam a fome com cerveja o que levava a que fossem evacuados para Lisboa com destino ao hospital com doenças do fígado, era uma forma de deixarem a Guiné!
As valetas das ruas da Base estavam sempre cheias de garrafas de cerveja vazias, o que levava a que quando havia ataques simulados à Base, muitos dos nossos camaradas fossem parar á enfermaria com feridas,porque segundo as instruções de defesa que nós somos obrigados a cumprir, passava por sair das camaratas e metermo-nos nas valetas.
Com a chegada e inicio de funções do Coronel Pilav já falecido, Diogo Neto(foi no mesmo avião que eu),começou por se inteirar do que se estava a passar,já que entrávamos no refeitório para não comer. Sendo que e passado pouco tempo deixámos de ir ao refeitório, o que criou alguns problemas ao Capitão encarregue dos refeitórios, somente a Polícia Aérea e o Serviço Geral, porque tinham que fazer formatura,iam.
Para resolver o problema o Comandante da Base demitiu o Capitão encarregue dos refeitórios e nomeou outro.A partir dessa altura passámos a ter uma alimentação muito melhor e eramos tratados doutra forma (o capitão perguntava-nos o que queríamos comer), sendo que por volta das onze horas da manhã tínhamos direito a entrada que consistia em carnes verdes e sumos.
Foi nessa altura que foi reconstruído o bar,parecia mais um Pub que outra coisa. Também foi nessa altura que começaram a construção das infraestrutura desportivas e do novo Centro de Comunicações. Nunca lá operei, já que somente ficou operativo em 1970,altura em que me vim embora, com destino ao GDACI-Monsanto.
Daquilo que tenho lido sobre a guerra, especialmente no que diz respeito às condições, clima e dificuldades devidas á morfologia do terreno [...].
Recordo-me, não sei se em 1969 se em 1970,de uma viagem que o General Spinola fez a Lisboa,esteve ausente da Guiné um mês,constando que tinha sido preso por querer dar a independência,com negociação com Amílcar Cabral, por se julgar na altura que nunca íamos vencer a guerra.
De vez em quando havia festa na Base em que actuava o conjunto A Voz de Cabo Verde e num certo dia disseram-nos que a Amália Rodrigues e outros artistas iriam lá actuar, ficámos muito satisfeitos, simplesmente essa actuação não se chegou a realizar, porque tinha havido um massacre de um dos majores e, se não estou em erro, capitães e motoristas, para os lados de Serpa Pinto, pela Fling, outro movimento existente na Guiné. Iam ter uma reunião com o o PAIGC, aliás,o Gen Spínola,tinha reuniões de vez enquanto com eles.´Quase todas as manhãs saía de Helicóptero, cujo o piloto era o Sarg Honório,caboverdiano, já falecido.
Do Teatro de guerra na Guiné, no período que lá esteve, assisti a ataques constantes dos chamados terroristas,ataques esses que não ficavam sem resposta,quer pela Força Aérea, incluindo os pára-quedistas,quer pelas outras forças no terreno. Foram milhares de toneladas de bombas as lançadas e também,material de guerra apreendido aos guerrilheiros, possuía fotografias desse material. Nesse período,os guerrilheiros já possuíam misseis terra-ar, o que se tornava difícil para os meios aéreos no terreno. Felizmente nenhum avião foi abatido, porque havia constantes bombardeamentos diurnos e nocturnos às bases dos guerrilheiros, especialmente Madina de Boé,onde eles declararam a independência e outras localidades como Guileje, Gadamael, Farim e ainda outras que não me recordo do nome.
Lembro o Cap Pilav Nico, actualmente Gen Pilav ,que não dava descanso aos Fiat, muitas vezes,quando estava de serviço às operações,comunicava ao dito que havia ataques em tal sitio, ele pedia autorização ao Comandante Diogo Neto ou era eu a solicitar,por ordem dele,autorização para levantar voo com o Fiat G91.Era certo que mal ele levantava da pista acabava o ataque,o que induz que havia informadores infiltrados na BA12 ou nas proximidades, na aldeia de Bissalanca.
De qualquer forma pelo andar da carruagem, tinha-se a noção de que a guerra ia acabar o mais rápido possível. Não foi mais cedo porque Lisboa não deixou e nós é que pagámos as favas [...].
Depois de ter estado na Guiné e regressado a Lisboa,e quando passei á disponibilidade,fui para Angola [...].
José Luís Monteiro Ribeiro
OPC 3ª/66
(**) Resposta do J. L. Monteiro Ribeiro, publicado no mesmo blogue, em 25 de Maio de 2008:
QUE BONITO!
226-José Ribeiro
Ex-Esp Opcart Guiné
Lisboa
BA12
Amigo, Victor Barata.
Depois de lida a mensagem do amigo Jorge Félix, julgo de me pronunciar sobre o conteúdo da mesma (...):
Quanto ao que [disse] o ex-camarada de armas, piloto de helicópteros, Jorge Félix, tenho que agradecer as correcções feitas pelo ele ao texto por mim elaborado e publicitado por ti.
É um facto que muitas das realidades que nós assistimos enquanto militares em África – porque não muito marcantes – são às vezes um pouco modificados pelo tempo passado da ocorrência e o de hoje. Chama-se a isso lapsos de memória.
De qualquer forma, tendo em atenção a correcção bem feita pelo ex – camarada de armas, Jorge Félix, em dois aspectos referidos por mim, há que considerar o seguinte:
- No que se refere ao falecido Sargento, Honório, falava-se na Base que era o piloto do General Spínola – afinal não era, como referiu o amigo Jorge;
- Em relação aos Fiat G91, quando cheguei à Base pouco ou nada os vi operar. Ainda possuo uma foto da primeira (julgo) aterragem de um F91 na ex-BA12. Os T6 eram os mais operacionais, daquilo que me apercebi. Progressivamente estes aviões deixaram de operar. Não me lembro se quando me vim embora algum ainda operava.
O falecido sargento piloto, Honório, era um artista. Quando vinha de Nova Lamego, em regra, aterrava com o motor da DO27 desligado. Segundo constou na altura, foi algumas vezes chamado à atenção pelo facto.
Lembro-me do capitão piloto Monteiro, segundo ouvi dizer já falecido em Portugal em desastre aéreo. Foi atingido várias vezes em ataques aéreos. Uma vez fui ver o Fiat G91, estava todo furado por balas, sendo que conseguiu trazê-lo até à Base e aterrar em segurança.
Também me lembro do capitão piloto Rodrigues e do cabo especialista MAE, não me lembro do nome, mortos no desastre em Bafatá, contra uma antena de rádio, senão estou em erro, não havendo na altura qualquer hipóteses de os salvar (morreram queimados).
José Luís Monteiro Ribeiro, OPC 3ª/66.
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Guiné 63/74 - P3225: Estórias cabralianas (38): O Alferes roncador e a almofada (Jorge Cabral)
1. Mensagem do Jorge Cabral, a quem já não vejo desde há alguns tempos (*). Tenho perguntado por ele às suas antigas alunas (!), quer as do saudoso Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa bem como as da Lusófona...
Todas (!) me falam dele, com grande carinho e apreço, como um professor excepcional, que as marcou intelectual e afectivamente... É um sortudo, este Jorge. Um sedutor, um senhor... Sempre bendito entre as mulheres... Ontem como hoje, lá como cá...
Jorge, quero confidenciar-te que aproveito sempre o ensejo para lhes dizer, às tuas ex-alunas, que eu sou teu amigo e admirador... E que é sempre dia de festa e de alegria quando nos manda uma das tuas magistrais short stories... Não te esqueças que te comprometeste a mandar-nos meia centena... Com estas duas últimas, chegamos à nº 39 (**)... O blogue quer publicar-te o livrinho... Eu sei que a tua produção é escassa, mas de primeira água. E que as tuas musas inspiradoras não trabalham propriamente ao ritmo da linha de produção automóvel... Dito isto, aqui vai um grande Alfa Bravo para ti... e para as tuas musas. LG
Amigos,
Tirei férias do computador… E só agora voltei ao nosso Blogue. Envio duas 'estórias' [ Alferes roncador e a amofada; O marido das senhoras] e,
Grande Abraço
Jorge Cabral
PS: Continuo roncador! Quanto ao devoto furriel, claro que não se chamava Paiva.
2. Estórias cabralianas (38) > O Alferes roncador e a almofada
por Jorge Cabral
Desde miúdo que adormeço rápido e de imediato inicío um ressonar fortíssimo, audível até pelos vizinhos. Dizem-me uns que são silvos assustadores, parecendo urros de touro ou de leão. Outros garantem que se assemelham aos sonoros sinais dos antigos vapores, quando iniciavam a marcha.
Ora, ao segundo dia de Bambadinca, mandaram-me à noite montar segurança junto à pista de aviação. Claro que foi chegar, assentar, adormecer e ressonar… O Pelotão quase que entrou em pânico, com o Sambaro a empunhar a bazuca.
Despertei, disfarcei… e ninguém me disse nada.
No dia seguinte, quando me preparava para de novo ir montar segurança, o Monteiro, um pouco atrapalhado, fez-me entrega de um bornal, dizendo-me:
- Tem uma almofada para o meu alferes encostar a cabeça.
Percebi, agradeci e foi remédio santo. Desde então, nunca mais deixei de usar o tal bornal.
Creio que foi em Maio de 71 que os Paras saltaram em Missirá com destino a Madina. Com eles e não sei porquê, também ia eu por ordem do Polidoro. Chegaram e logo notei que a minha ida não era do agrado do Capitão.
Aliás ao ver-me, franziu a testa e deve ter pensado:
- Porra, mas para que preciso deste gajo? - E com razão!
Apresentei-me, como de costume, de galões, sem arma, com o meu pingalim prateado…
Partimos e a uns três quilómetros fomos sobressaltados pelo restolhar do mato. Vem aí alguém!... Os Paras pararam e prepararam-se para o pior… Felizmente antes de ver, ouviu-se:
- Alfero, alfero!!! A almofada!
- Almofada? – interrogaram o Capitão e a Companhia inteira.
Só eu entendi. O meu fiel Soldado Mamadú cumprira mais uma missão.
Jorge Cabral
________
Notas de L.G.:
(*) Ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 . Actualmente, jurista e professor universitário. Vive em Lisboa.
(**) Vd. último poste da série > 9 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3040: Estórias cabralianas (37): A estranha 'missão' do Badajoz (Jorge Cabral)
Todas (!) me falam dele, com grande carinho e apreço, como um professor excepcional, que as marcou intelectual e afectivamente... É um sortudo, este Jorge. Um sedutor, um senhor... Sempre bendito entre as mulheres... Ontem como hoje, lá como cá...
Jorge, quero confidenciar-te que aproveito sempre o ensejo para lhes dizer, às tuas ex-alunas, que eu sou teu amigo e admirador... E que é sempre dia de festa e de alegria quando nos manda uma das tuas magistrais short stories... Não te esqueças que te comprometeste a mandar-nos meia centena... Com estas duas últimas, chegamos à nº 39 (**)... O blogue quer publicar-te o livrinho... Eu sei que a tua produção é escassa, mas de primeira água. E que as tuas musas inspiradoras não trabalham propriamente ao ritmo da linha de produção automóvel... Dito isto, aqui vai um grande Alfa Bravo para ti... e para as tuas musas. LG
Amigos,
Tirei férias do computador… E só agora voltei ao nosso Blogue. Envio duas 'estórias' [ Alferes roncador e a amofada; O marido das senhoras] e,
Grande Abraço
Jorge Cabral
PS: Continuo roncador! Quanto ao devoto furriel, claro que não se chamava Paiva.
2. Estórias cabralianas (38) > O Alferes roncador e a almofada
por Jorge Cabral
Desde miúdo que adormeço rápido e de imediato inicío um ressonar fortíssimo, audível até pelos vizinhos. Dizem-me uns que são silvos assustadores, parecendo urros de touro ou de leão. Outros garantem que se assemelham aos sonoros sinais dos antigos vapores, quando iniciavam a marcha.
Ora, ao segundo dia de Bambadinca, mandaram-me à noite montar segurança junto à pista de aviação. Claro que foi chegar, assentar, adormecer e ressonar… O Pelotão quase que entrou em pânico, com o Sambaro a empunhar a bazuca.
Despertei, disfarcei… e ninguém me disse nada.
No dia seguinte, quando me preparava para de novo ir montar segurança, o Monteiro, um pouco atrapalhado, fez-me entrega de um bornal, dizendo-me:
- Tem uma almofada para o meu alferes encostar a cabeça.
Percebi, agradeci e foi remédio santo. Desde então, nunca mais deixei de usar o tal bornal.
Creio que foi em Maio de 71 que os Paras saltaram em Missirá com destino a Madina. Com eles e não sei porquê, também ia eu por ordem do Polidoro. Chegaram e logo notei que a minha ida não era do agrado do Capitão.
Aliás ao ver-me, franziu a testa e deve ter pensado:
- Porra, mas para que preciso deste gajo? - E com razão!
Apresentei-me, como de costume, de galões, sem arma, com o meu pingalim prateado…
Partimos e a uns três quilómetros fomos sobressaltados pelo restolhar do mato. Vem aí alguém!... Os Paras pararam e prepararam-se para o pior… Felizmente antes de ver, ouviu-se:
- Alfero, alfero!!! A almofada!
- Almofada? – interrogaram o Capitão e a Companhia inteira.
Só eu entendi. O meu fiel Soldado Mamadú cumprira mais uma missão.
Jorge Cabral
________
Notas de L.G.:
(*) Ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 . Actualmente, jurista e professor universitário. Vive em Lisboa.
(**) Vd. último poste da série > 9 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3040: Estórias cabralianas (37): A estranha 'missão' do Badajoz (Jorge Cabral)
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...
Não venho falar de mim...nem do meu umbigo (7) (1)
por Alberto Branquinho, ex-alf mil da CArt 1689 (1967/69)
Recordando o piloto-aviador HONÓRIO (2)
O Honório, já falecido, que, quando saiu da Força Aérea, seria sargento piloto-aviador, cumpriu, pelo menos, duas comissões na Guiné. Era natural da Cidade da Praia, na, agora, República Democrática de Cabo Verde.
Notas de vb:
(2) Também conheci o Honório. Em 1965/66 era Furriel Pil Av. Dava-nos apoio aéreo nos T6 e levava correio e mantimentos nas DO aonde fosse preciso. Era muito estimado pelo pessoal apeado. Abaixo segue transcrição de parte do relatório de uma das operações em que o Honório deu apoio aéreo:
-"6/04/66, Op. 'Olinda', Buba. Reconhecimentos aéreos confirmam a existência de uma base IN junto ao pontão de Buba Tombó. Na última operação ali efectuada, as NT foram emboscadas por um grupo calculado em cerca de 100 elementos. Na mesma acção foram levantadas 2 minas a/c e um fornilho na estrada Buba-Buba Tombó. Sabia-se que o mesmo itinerário se encontrava minado e que a picada Sare Tuto-Buba Tombó também devia estar minada contra pessoal pois já nele tinha sido accionada uma mina a/p.
por Alberto Branquinho, ex-alf mil da CArt 1689 (1967/69)
Recordando o piloto-aviador HONÓRIO (2)
O Honório, já falecido, que, quando saiu da Força Aérea, seria sargento piloto-aviador, cumpriu, pelo menos, duas comissões na Guiné. Era natural da Cidade da Praia, na, agora, República Democrática de Cabo Verde.
Foi uma figura quase mítica durante os anos que esteve na Guiné ao serviço da FAP. Após a independência de Cabo Verde e depois de várias vicissitudes, acabou por ser piloto e comandante de voo da companhia de aviação da sua terra natal – Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV).
Na Guiné era conhecido (pelo menos pelo seu nome) por toda a tropa rastejante. Sempre que uma coluna era sobrevoada a baixa altitude por um FIAT, desaparecendo imediatamente para além das copas das árvores, os soldados rompiam aos gritos de: “- Ah Honore! “ ou de: “- Ah Honoro!”, enquanto agitavam os quicos por cima das cabeças.
O zunir dos motores de um FIAT, que voasse baixo, era (naturalmente!) pilotado pelo Honório (3) e por mais ninguém. Não tinham dúvidas. Os T6 que ronronavam lá bem em cima (e que o Honório também pilotava), para o pessoal rastejante nada tinham a ver com o Honório. Eram outros pilotos…
- O Leixões disse que viu o Honore em Bambadinca e que ele é preto.
- Ele não disse que era preto. Disse que era mulato.
- Eu não acredito!
O racismo primário de quem saiu de uma aldeia do interior português para aquele teatro africano (sem ter passado, previamente, por Bissau), não admitia que "um aviador com aquela categoria" pudesse ser "preto".
A dúvida permaneceu, mas sempre que um silvo, seguido do zunir dos motores de um FIAT lhes sobrevoava as cabeças quando atravessavam uma bolanha, lá vinham, espontâneos e sem reservas, os gritos:
– Ah Honore !
– Ah Honor!
Os quicos voavam, o peito enchia-se de ar e, até, as cabeças seguiam mais alevantadas.
__________
Notas de vb:
(1) Vd. poste anterior desta série:
(2) Também conheci o Honório. Em 1965/66 era Furriel Pil Av. Dava-nos apoio aéreo nos T6 e levava correio e mantimentos nas DO aonde fosse preciso. Era muito estimado pelo pessoal apeado. Abaixo segue transcrição de parte do relatório de uma das operações em que o Honório deu apoio aéreo:
-"6/04/66, Op. 'Olinda', Buba. Reconhecimentos aéreos confirmam a existência de uma base IN junto ao pontão de Buba Tombó. Na última operação ali efectuada, as NT foram emboscadas por um grupo calculado em cerca de 100 elementos. Na mesma acção foram levantadas 2 minas a/c e um fornilho na estrada Buba-Buba Tombó. Sabia-se que o mesmo itinerário se encontrava minado e que a picada Sare Tuto-Buba Tombó também devia estar minada contra pessoal pois já nele tinha sido accionada uma mina a/p.
"O acampamento de Buba Tombó servia de ligação entre as bases de Antuane e Injassane para os reabastecimentos IN e cortava a estrada em Buba e Fulacunda. Não havia guia para o acampamento, apenas guias da zona. O grupo de comandos, constituído por 15 homens, saiu de Buba às 21h20, iniciando a progressão pela estrada na direcção a Buba Tombó. A cerca de 3 kms desta decidiu-se aguardar o amanhecer e procurar um caminho que o conduzisse ao acampamento. O grupo fez várias pontuadas mas teve de regressar devido à densa vegetação impedir a progressão.
"Os T-6 surgiram pouco antes das 07h00. Procurou estabelecer-se a ligação rádio, o que não foi possível porque as frequências tinham sido alteradas, sem conhecimento das forças terrestres envolvidas. Estabelecida finalmente a ligação, mas os indicativos também não estavam certos. Os T-6 começaram a picar sobre a base o que levou o grupo a procurar abrigos (...) Com as frequências e os indicativos alterados, não havia a certeza de que os pilotos tivessem identificado as posições do grupo. Os T-6 afastaram-se, regressando momentos depois. Pelo diálogo travado entre os pilotos, concluiu-se que iriam abandonar a zona e recolher a Bissau.
"O grupo de comandos, não encontrando o trilho de acesso ao acampamento, tentou encontrá-lo através da mata. Às 7h15 foi avistado um elemento IN que disparou uma rajada de PPSH sobre as NT, atingindo gravemente um soldado no ventre. Foi passada busca às casas e recolheu-se o material encontrado. O acampamento era constituído por duas moranças, com 12 camas numa e 8 noutra, com abrigos cavados no terreno à volta. Não sendo possível evacuar o ferido no local, foi o mesmo transportado a corta-mato, enquanto o IN fazia fogo de morteiro e de RPG sobre o acampamento. Os T-6 voltaram à zona, quando as NT se encontravam já a cerca de 3 kms de Buba."
(3) Quem é que está lá em cima? É o Honório, quem havia de ser! O Honório, naqueles anos, era mais que um piloto, era um símbolo, representava a ajuda vinda dos céus. Não é de estranhar que tudo o que voasse fosse "pilotado" pelo Honório. Camaradas que com ele voaram nos anos 1968/1970 sustentam que, nesses anos, pilotava "apenas" as Dornier-27.
(3) Quem é que está lá em cima? É o Honório, quem havia de ser! O Honório, naqueles anos, era mais que um piloto, era um símbolo, representava a ajuda vinda dos céus. Não é de estranhar que tudo o que voasse fosse "pilotado" pelo Honório. Camaradas que com ele voaram nos anos 1968/1970 sustentam que, nesses anos, pilotava "apenas" as Dornier-27.
Guiné 63/74 - P3223: Convívios (85): Pessoal da CCAÇ 2615, no dia 18 de Setembro de 2008 em Benavente (Manuel Amaro)
1. Mensagem, com data de 18 de Setembro de 2008, do nosso camarada Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71, dando notícia do rescaldo do Convívio da sua Companhia.
Caro Carlos Vinhal
No âmbito do espírito da Tabanca Grande, junto envio um texto e foto, sobre o Convívio da CCAÇ 2615.
Grato pela atenção.
Um abraço.
Manuel Amaro
CONVÍVIO ANUAL DOS EX-MILITARES DA CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, EM BENAVENTE, NO DIA 13 DE SETEMBRO DE 2008
Foto de família do Encontro do pessoal da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, realizado no dia 18 de Setembro em Benavente
Realizou-se no passado dia 13 de Setembro, no Restaurante O Miradouro, em Benavente, o convívio anual dos ex-militares da CCAÇ 2615 (BCAÇ 2892). Guiné (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala), 1969/71.
Foi uma festa maravilhosa, das 11h00 às 20h00, com 126 participantes (40% militares e 60% familiares), sendo de realçar que, além dos cônjuges, estiveram presentes muitos jovens, que também participaram nas conversas saudosistas dos ex-militares e introduziram novos temas, relacionados com o futuro, proporcionando aos progenitores, darem conta aos antigos camaradas, da forma como geriram a sua vida, como singraram, sempre a pulso e como contribuiram para o desenvolvimento do país.
Em termos de informação, eu sou um priviligiado, porque sempre perguntei coisas do género... o que fazes?... tens filhos?... quantos?... e acompanhei, sem ser chato a evolução do grupo.
E hoje, sem perguntar, são eles que me dizem... este é engenheiro, o outro tem um bom lugar na PSP. E é ver quantos médicos, engenheiros, advogados, psicólogos, e mais uma série de licenciaturas e outras profissões dignas.
Sei que já passaram 37 anos.
Mas é muito agradável verificar hoje, quem são, onde estão e como estão, os cidadãos que durante dois anos constituiram a CCAÇ 2615.
Em Nhala, o furriel enfermeiro (e professor), ainda arranjou um tempinho para dar aulas aos que não tinham a 4.ª classe, para irem a exame, logo após o regresso à metrópole.
E tanto os oficiais como os sargentos, sempre incentivaram os cabos e soldados a lutar pela vida, no trabalho, mas também no estudo, pois ainda estavam bem a tempo.
Missão cumprida.
Só mais um pormenor deste convívio. Três senhoras que ficaram uns minutos a conversar, à sombra duma árvore, junto à entrada do parque de estacionamento, comentavam, com agradável surpresa, a boa qualidade da frota automóvel. Mesmo com todas as crises. Felizmente.
Pois, afinal não escrevi sobre a guerra. Agora é tarde.
No final da festa, guardou-se um minuto de silêncio, em memória dos três camaradas falecidos na Guiné e também por todos aqueles que não têm resistido às emboscadas da vida.
Em Setembro de 2009, lá estaremos de novo.
Manuel Amaro
ex-Furriel Mil.
CCAÇ 2615
domingo, 21 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3222: Convívios (84): Pessoal dos BCAÇ 237 e 599, Pel Mort 912, Pel Caç 955 e Pel AM Daimler 807 (Santos Oliveira)
1. Mensagem, com data de 17 de Setembro de 2008, do nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Como, Cufar e Tite, 1964/66, dando conta do Convívio dos BCAÇ 237 e 599, Pel Mort 912, Pel Caç 955 e Pel AM Daimler 807, no dia 6 de Setembro de 2008
Convívio dos BCAÇs 237 e 599, Pel Mort 912, Pel Caç 955 e Pel AM Daimler 807, comemorando o 43.º aniversário do regresso.
Camaradas
Como foi anunciado através do Post P3107: Convívios, no passado dia 6 de Setembro, foi realizado, em Espinho, o Almoço/Convívio dos BCAÇ’s 237 e 599 e respectivas Sub-Unidades, Pel Mort 912, Pel Caç955 e Pel AM Daimler 807, comemorando o 43.º aniversário do regresso.
Infelizmente, foram imensos os camaradas ausentes, por razões que a cada um diz respeito.
Pessoalmente notei um envelhecimento no entusiasmo, que diria demasiado precoce, a infirmar as justificações apresentadas, ou o tempo que já se esvai.
A verdade é que responderam à chamada bem poucos dos que conhecemos muito activos. E dos que participaram, notória é a juventude dos setenta e... mais alguns anos, do nosso Coronel Agostinho Dias da Gama fazendo conjunto com a presença sempre fiel do Ten Médico Dr. Agostinho Furtado, que em permanência nos honram com as suas presenças.
Para a Foto de Família, apresentaram-se trinta elementos o que não é justificativo do total dos que se estiveram no Repasto; foram muitos mais.
No habitual discurso, que o nosso Cor Gama proferiu, não faltaram alusões ao verdadeiro patriotismo e aos valores por que se regia a juventude do nosso tempo.
Foi-nos facultado um artigo que havia sido inserto num dos últimos números do GUIÃO, Jornal do Núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes e que não posso deixar de apresentar, pela sua oportunidade e actualidade
O Cor Dias da Gama em plena Oração. Ao fundo o Agostinho Carneiro (organizador do Evento). Meditativo o nosso Doutor Furtado.
Eu próprio, o Cor Gama (meu Director de Instrução, em Mafra, depois 2.º CMDT do BCAÇ 599, Unidade a que estive Adido) e o Manuel Pinto, meu Soldado e companheiro do Pel Mort 912
Um aspecto parcial da Sala de Repasto.
Finalmente, cabe-me referir que para o ano há mais, embora a extinção do CONDOR, seja um caminho a considerar. (Com dor aqui, com dor ali…)
Abraço, do
Santos Oliveira
Fotos e legendas: © Santos Oliveira (2008). Direitos reservados
Convívio dos BCAÇs 237 e 599, Pel Mort 912, Pel Caç 955 e Pel AM Daimler 807, comemorando o 43.º aniversário do regresso.
Camaradas
Como foi anunciado através do Post P3107: Convívios, no passado dia 6 de Setembro, foi realizado, em Espinho, o Almoço/Convívio dos BCAÇ’s 237 e 599 e respectivas Sub-Unidades, Pel Mort 912, Pel Caç955 e Pel AM Daimler 807, comemorando o 43.º aniversário do regresso.
Infelizmente, foram imensos os camaradas ausentes, por razões que a cada um diz respeito.
Pessoalmente notei um envelhecimento no entusiasmo, que diria demasiado precoce, a infirmar as justificações apresentadas, ou o tempo que já se esvai.
A verdade é que responderam à chamada bem poucos dos que conhecemos muito activos. E dos que participaram, notória é a juventude dos setenta e... mais alguns anos, do nosso Coronel Agostinho Dias da Gama fazendo conjunto com a presença sempre fiel do Ten Médico Dr. Agostinho Furtado, que em permanência nos honram com as suas presenças.
Para a Foto de Família, apresentaram-se trinta elementos o que não é justificativo do total dos que se estiveram no Repasto; foram muitos mais.
No habitual discurso, que o nosso Cor Gama proferiu, não faltaram alusões ao verdadeiro patriotismo e aos valores por que se regia a juventude do nosso tempo.
Foi-nos facultado um artigo que havia sido inserto num dos últimos números do GUIÃO, Jornal do Núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes e que não posso deixar de apresentar, pela sua oportunidade e actualidade
O Cor Dias da Gama em plena Oração. Ao fundo o Agostinho Carneiro (organizador do Evento). Meditativo o nosso Doutor Furtado.
Eu próprio, o Cor Gama (meu Director de Instrução, em Mafra, depois 2.º CMDT do BCAÇ 599, Unidade a que estive Adido) e o Manuel Pinto, meu Soldado e companheiro do Pel Mort 912
Um aspecto parcial da Sala de Repasto.
Finalmente, cabe-me referir que para o ano há mais, embora a extinção do CONDOR, seja um caminho a considerar. (Com dor aqui, com dor ali…)
Abraço, do
Santos Oliveira
Fotos e legendas: © Santos Oliveira (2008). Direitos reservados
Guiné 63/74 - P3221: Em busca de... (40): Major Inf Abel Carvalho de Almeida, Mansabá, 1969 (Jorge Félix)
1. Mensagem do nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, 1968/70 (1), com data de 8 de Setembro de 2008.
Caro Carlos,
Não te assustes com o tamanho do email, depois da explicação podes fazer delete.
Como sabes tenho andado a incomodar vários tertúlianos que escrevem no Blogue e estiveram na Guiné na mesma data que eu. Uns respondem outros não. Vem de longe o desejo de encontrar um Combatente que eu tivesse transportado para o Hospital.
Como podes ver nesta troca de Emails com o Raúl Albino, que esteve em Mansabá em 1969, indica-me o nome do Major Inf Abel Carvalho de Almeida (2.º CMDT), que ficou sem um pé e foi evacuado no dia 8 de Abril de 1969.
Os meus registos indicam que no dia 8 de Abril fui fazer uma evacução (TEVES) a Mansabá.
Este é o primeiro homem que consigo encontrar, agora falta saber por onde ele pára.
Conseguiremos encontrá-lo na nossa tertúlia? Agora que estou tão perto, espero me ajudes.
Se achares opurtuno podes postar os nossos email, ou delete com eles.
Fico à espera de boas noticias.
Um grande Abraço
Jorge Félix
2. Comentário de CV
Caro Jorge
Claro que as tuas mensagens e as de qualquer outro camarada não são apagadas... às vezes ficam esquecidas entre o montão de correio que aqui cai diariamente. Fora a publicação de postes há que responder a diversas solicitações que nos são feitas via email.
Fica desde já feito um apelo, em teu nome, à tertúlia e aos leitores em geral, para te ajudar a encontrar, o então, Major Inf Abel Carvalho de Almeida, a quem desejamos desde já a melhor saúde.
É natural que queiras saber daqueles que socorreste, quando mais precisavam de ajuda. Como bom militar que foste, tendo uma missão a cumprir, que implicava evacuações nas condições mais difíceis, não quererás agradecimentos. Sentirás sim uma ponta de orgulho pelo dever cumprido e por teres contribuído para salvar alguns infantes da morte certa.
Mansabá > Chegada de uma Operação helitransportada
Mansabá > Um Alouette na Placa
Fica agora a troca de correspondência entre os nossos camaradas Jorge Félix e Raúl Albino.
3. De Jorge Félix para Raúl Albino
Caro Raúl Albino:
Quando li a História da CCAÇ 2402, pedi o teu email para tirar umas dúvidas sobre umas datas.
Fui piloto de helis entre 1968 e 1970 na Guiné, e tenho os registos de todas as operações que fiz.
Em Abril de 1969 fui dois dias a Mansabá e como a primeira data era 8 de Abril de 1969, fazer uma "Tves" (evacuação), fiquei na duvida se não terias trocado 0 3 pelo 8 por serem números parecidos.
Leio agora num outro poste da tua autoria P3156 que no dia 8 de Abril o rebentamento de uma mina fez dois feridos.
Nesse dia eu fui a Mansabá fazer uma evacuação.
No dia 24 de Abril também estive em Mansabá e pelos meus registos deve ter havido bastante movimento,pois fui 6 vezes à Zops.
Se tiveres alguma memória deste dia gostaria de saber.
Vou ficar atento aso teus posts,
um abraço
Jorge Félix
4. Resposta de Raúl Albino, com data de 3 de Setembro de 2008
Caro Jorge Felix,
É interessante a vantagem de pertencermos ao blogue. Aos poucos, cada um de nós vai construindo um puzzle sobre a nossa vivência e intervenção na Guiné. Dando algum desconto às nossas falhas de memória, mesmo assim podemos ficar com uma panorâmica bem alargada do trabalho daqueles que passaram pelos mesmos locais que nós, antes e depois.
Folgo imenso em saber que o Jorge também passou por Mansabá, na meritória função de evacuar os nossos feridos para o hospital, dando-lhes alguma esperança de vida. Vou tentar dar alguma ajuda.
No dia 8 de Abril de 1969 o rebentamento da mina A/P provocou 3 feridos: o major que ficou sem um pé, e mais dois feridos ligeiros, sendo um deles oficial sub-alterno.
No dia 24 de Abril não tenho qualquer acontecimento reportado pelo batalhão. Tenho sim registo de duas flagelações do IN às NT na zona dos trabalhos de estrada, uma a 19 e outra a 26, de curta duração e sem consequências.
Sempre ai dispor para qualquer esclarecimento,
um abraço,
Raul Albino
5. Mensagem de Jorge Félix dirigida a Raúl Albino
Caro Raul Albino,
Grato pela resposta.
Uma das normas do nosso Blogue é o tratamento por tu, por isso o meu à-vontade.
Quando entrei nesta troca de mensagens, tinha a esperança de um dia encontrar um combatente que tivesse transportado naqueles dias longínquos.
Hoje parece que estou perto de encontrar dois. Será posivel saber o nome e contacto desses companheiros evaquados no dia 8 de Abril de 1969? Fico à espera de novas.
No dia 24 de Abril de 1969 tenho registadas em Mansabá e Zops, 3 horas e 55 minutos de voo com TMAN (transporte Manobras) e Tger ( transporte geral) e DESP (deligência especial), que podia muito bem ser o transporte do Comandante Chefe António de Spinola.
No dia 24 de Fevereiro de 1969 também fiz uma TVES, com passagem por Farim. Fui duas vezes a Farim nesse dia e Canjamba.
No dia 3 de Maio fiz um TGER para Mansabá. O tempo da viagem entre Bissalanca e Mansabá era de 30/35 minutos. Tão perto e tão longe, não?
Voltei lá no dia 27 de Maio 1969 com outra DESP.
No dia 22 de Agosto de 1969 lá voltei a fazer "pó".
No dia 6 de Novembro de 1969 deve ter havido algo especial pois voei 5 horas e 45 minutos, fui 10 vezes às Zops e voei 35 minutos de noite.
Não mais voltei a Mansabá.
Caro Raúl, estas datas estão na minha caderneta de voo, as histórias sabe-as tu. Fico atento ao correio para saber novas.
Um abraço
Jorge Félix
6. Resposta de Raúl Albino com data de 4 de Setembro de 2008
Caro Jorge Felix,
Ajudas que eu posso dar:
No dia 3 de Maio houve de facto uma Operação com uma Companhia de Páras e outra de Caçadores normal. Terá sido abatido o chefe de um bi-grupo IN. Também nesse dia o CMDT do COP6 (Mansabá) deslocou-se ao Olossato, possivelmente de helicóptero.
No dia 22 de Agosto houve uma flagelação IN a uma coluna de reabastecimentos, onde um militar fracturou um pé ao saltar de uma viatura. Possivelmente terá sido evacuado. Em Agosto eu já estava no Olossato.
No dia 5 para 6 de Novembro, tenho registo de uma Operação grande a partir de Mansabá. No entanto não estão reportados feridos, porque não chegou a haver contacto com o IN o que quer dizer que a Operação foi um tiro de pólvora seca.
No dia 8 de Abril o major que ficou sem um pé terá sido o Maj Inf Abel Carvalho de Almeida, 2.º CMDT. O outro ferido ligeiro poderá ter sido um alferes, mas não sei o nome dele nem do outro militar.
Espero ter dado alguma ajuda sobre algumas datas. A minha passagem por Mansabá foi de facto muito curta.
Um abraço e até um dia.
Conto assistir à divulgação do 2.º livro do Beja Santos em Novembro. Talvez aí nos encontremos,
Raul Albino
7. Mensagem de Jorge Félix para Raúl Albino
Caríssimo Raúl Albino,
Grato por tudo o que me informou. Agora vou procurar saber onde pára o Maj Abel Carvalho de Almeida.
Vou tentar encontrá-lo através do nosso Blogue, para isso preciso de autorização da tua parte, para publicar esta nossa troca de emails.
Nos dias 5 e 6 de Novembro de 1969 não tenho assinalado TVES. Tenho 10 idas às ZOPS com a indicação TMAN e no dia 6 tenho DCON-Zops, já não sei o significado.
Em Dezembro de 1969 no dia 27 estive no Olossato. Um DESP, deligência especial, com passagem por Ingoré, Barro, Olossato, (com paragem em Olossato).
Depois levantei para uma localidade que não consigo decifrar, ANdoriNHA (?), ANtotiNHA (?)- as letras maiúsculas estão certas mas as outras não sei.
É natural que nesse dia tivessemos bebido um copo juntos. Eu não perdoava; uma pró caminho , outra pra viagem, e outra para o que der e vier!
Fico à espera de novas, desta vez do Olossato.
Como é que um acontecimento que se passou em 1969 pode hoje ter a indicação de novas? A relatividade do tempo.
Um abraço
Jorge Félix
8. Resposta de Raúl Albino, com data de 8 de Setembro de 2008
Jorge,
Está a autorização dada para a publicação no blogue e boa sorte na pesquisa a ser efectuada.
O nome a que te referes como sendo uma localidade situada perto do Olossato, não me diz nada, pelo que não te posso ajudar. No entanto fico a matutar e se me surgir alguma ideia, escrevo-te a informar. Em breve começarei os relatos das peripécias da CCAÇ 2402 no Olossato.
Fico sempre ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.
Um abraço,
Raul Albino
________________
Nota de CV
(1) - Vd. postes de:
27 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2587: Gandembel: Será que ainda estão vivos os jovens que eu evacuei, em Outubro de 1968 ? (Jorge Félix, ex Alf Mil Piloto Aviador)
26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2683: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (9): O Jorge Félix e o Prisioneiro
sábado, 20 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3220: Convívios (83): Almoço anual de Confraternização do pessoal da CCAÇ 763 (Mário Fitas)
COMPANHIA DE CAÇADORES 763 - NOBRES NA PAZ E NA GUERRA
ALMOÇO ANUAL DE CONFRATERNIZAÇÃO – 14 de Setembro de 2008
A Concentração dos ex-militares e familiares efectuou-se frente ao Convento de Mafra estando como representante do falecido Coronel Carlos Alberto da Costa Campos Comandante da CCAÇ 763 em 1965/1966 seu filho Luís Costa Campos.
Pelas 12H00 os convivas, dirigiram-se para a Quinta do Cangalho, onde se efectuaria o respectivo Almoço e Convívio no restaurante do mesmo nome “O Cangalho”. Após o bacalhau no forno o cordeiro também no forno sobremesas e respectivos digestivos com óptimos momentos de convívio, o nosso Comandante orador em serviço, Amadeu Carreira 1.º Cabo Escriturário, da Moita dos Ferreiros vizinho do nosso Chefe de Tabanca, deu início aos momentos solenes com 1 minuto de silêncio pelos camaradas mortos em combate e pelos que cá também já partiram.
Seguidamente o nosso sempre dinâmico Fernando Albuquerque leu e informou das mensagens enviadas dos colegas que não puderam estar presentes e dos amigos que se lembraram de nós: O nosso Fernando Oliveira 2.º Sarg Mil AP Ranger do Pelotão de Morteiros 912; do Alf Mil Hugo Moura Ferreira da CCAÇ 1621 que nos rendeu em Cufar, em seu nome e do Braima Baldé; do Fur Mil Benito Neves da CCAV 1484 que foram nossos companheiros por Áfiá, Camaiupa, Cabolol; do António Salvador da CCAÇ 4740 que nos fez a surpresa da sua presença acompanhado de sua esposa, etc., etc.
Seguiu-se um momento complicado, quando o Fur Mil Op Esp Mário Fitas disse um poema do Luís Graça já publicado no blogue, pois houve pessoal, que ficou um pouco emocionado, e lá houve alguns olhos com pérolas (e não foram só as mulheres).(*)
Seguiram-se palavras do Alf Mil Op Esp Artur Teles e Jorge Paulos que a seguir se transcrevem:
Palavras do Alf Mil de Op Esp Artur Teles
Companheiros e Amigos
Começo por saudar todos os presentes, por mais este agradável convívio, como a CCAÇ 763 sempre soube fazer, e agradecer:
- Aos que o tornaram possível, o incansável Mário Ralheta, bem apoiado pelo Fernando e o Acúrcio (desta vez foi mais curta a intervenção dos outros membros da comissão);
- Aos companheiros da CCAÇ 763;
- A indispensável presença dos nossos Familiares e Amigos sem os quais estes encontros não teriam o mesmo sentido;
- A presença especial dos familiares do Coronel Costa Campos, referência 1.ª da CCAÇ 763.
Há 43 anos atrás, neste dia 14 de Setembro, em 1965, pelas 5h30m da madrugada atingíamos a tabanca de Cantumane, integrados na Operação Rastilho. Foi mais uma das nossas muitas operações na Guiné. Nela faleceu o Martinho e tivemos 8 feridos. Não vou entrar em pormenores.
Não podemos deixar de recordar aqueles tempos, por isso aqui estamos mais uma vez, confraternizando e falando dos episódios passados e das nossas vidas de hoje.
É bom poder fazê-lo, porque alguns companheiros já ficaram pelo caminho.
Mas isto foi sobre o passado, e quanto ao presente, ou ao que se seguiu àquele período ? Julgo interessante referir alguns factos bons e também alguns maus:
1.º - Os maus
- Cufar parece ter-se transformado num dos maiores centros de encaminhamento de droga em África;
- Numa viagem para a África do Sul, passei pelo Maputo, em Moçambique, antiga Lourenço Marques. Comecei a filmar a cidade normalmente. Vi-me em sérias dificuldades para não ser preso, pois precisava de autorização para filmar. (tipo licença de isqueiro)
2.º - Os bons
- Lembram-se do tristemente famoso Tarrafal , na Ilha do Sal ? Por acaso repararam nos excelentes Hoteis, caros, mas não deixam de ser excelentes, construídos naquela ilha, onde não havia uma só arvore ? Achei interessante trazer e afixar fotografias de uma revista de turismo.
- Na Africa do Sul, os Zulus, têm uma tabanca, tal e qual os Balantas, organizaram-se, têm um cicerone deles que explica tudo em inglês, como funcionam, o chefe da aldeia, as mulheres e a organização da família. Têm restaurante todo equipado, show de dança, tudo o que o turista quer ver, até cerveja fazem durante a visita.
- Parece que vão aparecer 10 voluntários para a nova comissão!
- Também se ofereceram para dizer umas coisas uma meia dúzia deles!
- No passado dia 2 de Setembro nasceu o meu 5.º neto! ( é um bocadinho mau ser mais um rapaz, já são 5, e a rapariga não aparece) mas sempre aumenta a natalidade!
Bom, desejos a todos um bom regresso, muita saúde e que tudo corra bem até ao nosso próximo encontro.
Para terminar, e como diriam os meus conterrâneos alentejanos:
Viva a CCAÇ 763 e vivam todos quantos estão, vivam todos quantos estão e viva a CCAÇ 763!
Palavras do Alf Mil Jorge Paulos
Companheiros e Amigos
Estamos mais uma vez reunidos no nosso tradicional almoço anual, para podermos rever-nos e relembrar os tempos em que, em conjunto, vivemos a grande aventura da Guiné.
Foi um momento marcante para todos nós, jovenzinhos de pouco mais de vinte anos, que, de repente, nos vimos longe da nossa terra e dos nossos familiares, de arma na mão para combater, sem sabermos bem porquê, num local onde tudo era novidade.
Enviados para o Sul, mais concretamente para Cufar, deparámos com um terreno plano mas cortado por imensas linhas de água, com pântanos, tarrafe, bolanha e mata. Sempre que nos tínhamos de deslocar era preciso caminhar quilómetros para contornar os rios ou, então, atravessá-los com água pela cintura ou, muitas vezes com água até ao pescoço (os mais baixos que o digam), sempre na iminência de uma escorregadela na lama que formava o leito dos riachos.
Depois, durante um largo período de tempo, enquanto nós próprios e sublinho nós próprios, íamos construindo os abrigos em adobes (adobes são uma espécie de tijolos feitos de lama que era amassada com os próprios pés e depois secos ao sol), vivemos em buracos por nós escavados, que mais pareciam covis e onde, durante a noite, acordávamos, muitas vezes, a ser mordidos por formigas, que ao serem por nós sacudidas, separavam a parte de trás e mantinham a cabeça agarrada ao nosso corpinho.
À volta de Cufar havia quatro tabancas:
- Impungueda
- Iusse
- Mato Farroba e
- Cantone
A população nativa era quase toda Balanta, bem constituída fisicamente (sim, sim os homens e as mulheres), que se alimentavam principalmente de arroz, que mascavam tabaco, que se dedicavam à agricultura, que o casamento era contratado com o pai da mulher e, que tinham várias mulheres (eram polígamos).
Na altura em que lá chegámos, toda a população se encontrava do lado do inimigo e fugia das tabancas sempre que nos dirigíamos para lá.
No lado oposto às povoações estava a mata e era ali que se acoitavam os que denominávamos de turras, onde havia, pelo menos, dois acampamentos, um em Cufar Nalu e outro em Cabolol.
As primeiras saídas da Companhia foram, essencialmente, para reconhecer o terreno e nos habituarmos aos novos equipamentos. Na prática, muita coisa difere da teoria e, por exemplo, rapidamente percebemos que não era possível andar de capacete, que em vez de nos proteger, só servia de empecilho.
A 14 de Maio de 1965, partimos para a nossa primeira aventura.
Emociono-me sempre que recordo esse nosso feito.
Conquistar o acampamento de Cufar Nalu, que se dizia inexplorável e, no meio da emoção natural do momento, haver um soldado a desfraldar uma bandeira portuguesa que levara, sem que praticamente ninguém soubesse, é algo que merecia ser bem mais destacado do que alguns feitos que, apesar de importantes, não põem em jogo a própria vida.
Mas sobre este memorável dia e dos pormenores inesquecíveis, então vividos, já vos falei noutra ocasião.
Por isso, vou hoje relembrar a Operação Trovão, que aconteceu no dia 16 de Julho de 1965.
Cerca de um mês antes, mais concretamente, a 15 de Junho de 1965, a Companhia tinha levado a efeito a Operação Saturno, na região de Cabolol, onde tivemos quatro feridos, um dos quais teve de ser evacuado para Bissau.
O grupo inimigo estava fortemente armado, ofereceu enorme resistência, mas, ainda assim, conseguimos conquistar e destruir o acampamento que eles ali tinham localizado, capturando diverso material de guerra.
Um mês depois o Comando do Batalhão enviou-nos um guia que afirmava que lá havia outro acampamento que carecia de ser destruído.
Embora as informações que tínhamos fossem contraditórias, foi planeada a Operação Trovão para cumprir a ordem do Comando do Batalhão.
Com o guia a indicar-nos o percurso, batemos a região e apenas encontrámos os restos do antigo acampamento que tínhamos anteriormente destruído.
É então que o guia nos encaminha na direcção de uma pequena povoação – Cantumane – onde, ao entrarmos, fomos, inesperada e violentamente atacados por um numeroso grupo, que nos esperava emboscado na orla da mata.
Nos primeiros momentos ficámos completamente desarticulados, com a agravante de eles terem lançado granadas de fumos para junto das colmeias de abelhas que ali estavam estrategicamente colocadas e, cujos enxames nos atacaram, obrigando parte significativa do pessoal a debandar para a bolanha, onde se rebolaram no chão molhado para se libertarem das abelhas, tendo alguns ficado de tal forma picados que no dia seguinte tiveram de sofrer tratamento adequado para atenuar os enormes inchaços que apresentavam.
Apesar da situação crítica, conseguimos recompor-nos e, mercê da coragem demonstrada por alguns dos presentes e, dos eternamente por nós recordados Sargento Melo e Furriel Lema, heróis para sempre, repelimos o ataque e, ainda os perseguimos dentro da mata, causando-lhes algumas baixas.
Do nosso lado, o Sargento Barcelos foi gravemente atingido, tendo vindo a falecer alguns dias depois, visto que a bala encontrada era de aço e tinha trespassado o rádio que ele levava, indo-se alojar no fígado.
Discreto, mas sempre pronto a cumprir a sua missão, o Sargento Barcelos é um exemplo de um profissional que perdeu a vida ao serviço da Pátria.
Afinal, acabou por se confirmar as suspeitas iniciais de que o guia era falso e, o seu objectivo, era conduzir-nos ao local onde fomos emboscados.
Mas, Companheiros, cabe aqui lembrar que, apesar disso ou, talvez por isso mesmo, passados oito dias, no dia 24, já estávamos na Operação Vindima, a caminho de Cobumba, pela estrada que tinha 80 abatizes, cercámos a povoação e trouxemos um nativo, contra o qual havia uma ordem de captura, (1) mostrando assim que ali estávamos prontos e sem quaisquer receios.
Mas, se é verdade que nunca virámos as costas ao combate, é bom também destacar que fomos capazes de construir uma Escola para as crianças nativas das populações próximas, que foi inaugurada em 1 de Dezembro de 1965, com 108 alunos, a quem foram facultados livros e outro material escolar por nós angariado.
Foi com enorme alegria e, porque não dizer orgulho, que em Março de 1966, surgiu junto ao Aquartelamento um grupo de cerca de 100 mulheres das diversas tabancas vizinhas, que vieram agradecer a protecção que lhes havíamos dado no transporte do arroz para Catió e, também, mostrarem-nos a sua satisfação pela existência da escola para as suas crianças.
Com diversos vivas e palmas, pediram para dançar e ali ficaram, toda a tarde num convívio alegre, que era, afinal, o resultado da forma, como, aos poucos, tínhamos sido capazes de reconquistar a sua confiança.
Por isso, Companheiros, este relembrar do nosso passado comum, quase que só pode ser relatado entre nós, porque é muito difícil transmitir a quem lá não esteve, o ambiente, a comoção, os sentimentos por vezes contraditórios, o medo e a necessidade de o dominar e ultrapassar, a tristeza da perda de um dos nossos e a alegria final do regresso a casa, com a sensação de que tínhamos sido capazes de cumprir a nossa missão.
Em Novembro de 1966, os rapazitos que em 11 de Fevereiro de 1965 tinham partido para a guerra, eram agora homens que iniciavam uma nova luta.
Que as novas gerações reconheçam, ou não, quanto nos devem, para poderem agora viver sem tais riscos, não nos é indiferente, mas o mais importante é, nós próprios, estarmos conscientes do nosso decisivo contributo para a paz deste País, mantendo o nosso lema:
“NOBRES NA PAZ E NA GUERRA”
Companheiros e Amigos,
desejo para todos vós e para as vossas famílias tudo de bom, porque todos bem o merecem.
Viva a COMPANHIA de CAÇADORES 763
Pelas 17h00 o bolo foi partido pela Helena Fitas e Alf Mil Jorge Paulos, uma taça à saúde de todos.
O regresso começou, porque Braga, Viana do Castelo, Porto, Marinha das Ondas, Albufeira, Quarteira, Olhão, etc.,etc…. ficam longe.
Nota de Mário Fitas
(1) Malam Cassamá
Para todos o abraço de sempre do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas
Foto 1 > Início da concentração frente ao Convento de Mafra
Foto 2 > Ouvindo o poema do Luís Graça, houve pérolas nos olhos, e não foram só de mulheres
Foto 3 > O Amadeu Carreira e Fernando Albuquerque fazendo a leitura das mensagens
Foto 4 > Alf Mil Op Esp Artur Teles lendo a sua mensagem
Foto 5 > Alf Mil Jorge Paulos lendo a sua mensagem
Foto 6 > Helena Fitas e o Alf Mil Jorge Paulos, partindo o Bolo
___________________
Nota de CV
(*) - Vd. poste de 11 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3193: Blogpoesia (25): Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra (Luís Graça)
ALMOÇO ANUAL DE CONFRATERNIZAÇÃO – 14 de Setembro de 2008
A Concentração dos ex-militares e familiares efectuou-se frente ao Convento de Mafra estando como representante do falecido Coronel Carlos Alberto da Costa Campos Comandante da CCAÇ 763 em 1965/1966 seu filho Luís Costa Campos.
Pelas 12H00 os convivas, dirigiram-se para a Quinta do Cangalho, onde se efectuaria o respectivo Almoço e Convívio no restaurante do mesmo nome “O Cangalho”. Após o bacalhau no forno o cordeiro também no forno sobremesas e respectivos digestivos com óptimos momentos de convívio, o nosso Comandante orador em serviço, Amadeu Carreira 1.º Cabo Escriturário, da Moita dos Ferreiros vizinho do nosso Chefe de Tabanca, deu início aos momentos solenes com 1 minuto de silêncio pelos camaradas mortos em combate e pelos que cá também já partiram.
Seguidamente o nosso sempre dinâmico Fernando Albuquerque leu e informou das mensagens enviadas dos colegas que não puderam estar presentes e dos amigos que se lembraram de nós: O nosso Fernando Oliveira 2.º Sarg Mil AP Ranger do Pelotão de Morteiros 912; do Alf Mil Hugo Moura Ferreira da CCAÇ 1621 que nos rendeu em Cufar, em seu nome e do Braima Baldé; do Fur Mil Benito Neves da CCAV 1484 que foram nossos companheiros por Áfiá, Camaiupa, Cabolol; do António Salvador da CCAÇ 4740 que nos fez a surpresa da sua presença acompanhado de sua esposa, etc., etc.
Seguiu-se um momento complicado, quando o Fur Mil Op Esp Mário Fitas disse um poema do Luís Graça já publicado no blogue, pois houve pessoal, que ficou um pouco emocionado, e lá houve alguns olhos com pérolas (e não foram só as mulheres).(*)
Seguiram-se palavras do Alf Mil Op Esp Artur Teles e Jorge Paulos que a seguir se transcrevem:
Palavras do Alf Mil de Op Esp Artur Teles
Companheiros e Amigos
Começo por saudar todos os presentes, por mais este agradável convívio, como a CCAÇ 763 sempre soube fazer, e agradecer:
- Aos que o tornaram possível, o incansável Mário Ralheta, bem apoiado pelo Fernando e o Acúrcio (desta vez foi mais curta a intervenção dos outros membros da comissão);
- Aos companheiros da CCAÇ 763;
- A indispensável presença dos nossos Familiares e Amigos sem os quais estes encontros não teriam o mesmo sentido;
- A presença especial dos familiares do Coronel Costa Campos, referência 1.ª da CCAÇ 763.
Há 43 anos atrás, neste dia 14 de Setembro, em 1965, pelas 5h30m da madrugada atingíamos a tabanca de Cantumane, integrados na Operação Rastilho. Foi mais uma das nossas muitas operações na Guiné. Nela faleceu o Martinho e tivemos 8 feridos. Não vou entrar em pormenores.
Não podemos deixar de recordar aqueles tempos, por isso aqui estamos mais uma vez, confraternizando e falando dos episódios passados e das nossas vidas de hoje.
É bom poder fazê-lo, porque alguns companheiros já ficaram pelo caminho.
Mas isto foi sobre o passado, e quanto ao presente, ou ao que se seguiu àquele período ? Julgo interessante referir alguns factos bons e também alguns maus:
1.º - Os maus
- Cufar parece ter-se transformado num dos maiores centros de encaminhamento de droga em África;
- Numa viagem para a África do Sul, passei pelo Maputo, em Moçambique, antiga Lourenço Marques. Comecei a filmar a cidade normalmente. Vi-me em sérias dificuldades para não ser preso, pois precisava de autorização para filmar. (tipo licença de isqueiro)
2.º - Os bons
- Lembram-se do tristemente famoso Tarrafal , na Ilha do Sal ? Por acaso repararam nos excelentes Hoteis, caros, mas não deixam de ser excelentes, construídos naquela ilha, onde não havia uma só arvore ? Achei interessante trazer e afixar fotografias de uma revista de turismo.
- Na Africa do Sul, os Zulus, têm uma tabanca, tal e qual os Balantas, organizaram-se, têm um cicerone deles que explica tudo em inglês, como funcionam, o chefe da aldeia, as mulheres e a organização da família. Têm restaurante todo equipado, show de dança, tudo o que o turista quer ver, até cerveja fazem durante a visita.
- Parece que vão aparecer 10 voluntários para a nova comissão!
- Também se ofereceram para dizer umas coisas uma meia dúzia deles!
- No passado dia 2 de Setembro nasceu o meu 5.º neto! ( é um bocadinho mau ser mais um rapaz, já são 5, e a rapariga não aparece) mas sempre aumenta a natalidade!
Bom, desejos a todos um bom regresso, muita saúde e que tudo corra bem até ao nosso próximo encontro.
Para terminar, e como diriam os meus conterrâneos alentejanos:
Viva a CCAÇ 763 e vivam todos quantos estão, vivam todos quantos estão e viva a CCAÇ 763!
Palavras do Alf Mil Jorge Paulos
Companheiros e Amigos
Estamos mais uma vez reunidos no nosso tradicional almoço anual, para podermos rever-nos e relembrar os tempos em que, em conjunto, vivemos a grande aventura da Guiné.
Foi um momento marcante para todos nós, jovenzinhos de pouco mais de vinte anos, que, de repente, nos vimos longe da nossa terra e dos nossos familiares, de arma na mão para combater, sem sabermos bem porquê, num local onde tudo era novidade.
Enviados para o Sul, mais concretamente para Cufar, deparámos com um terreno plano mas cortado por imensas linhas de água, com pântanos, tarrafe, bolanha e mata. Sempre que nos tínhamos de deslocar era preciso caminhar quilómetros para contornar os rios ou, então, atravessá-los com água pela cintura ou, muitas vezes com água até ao pescoço (os mais baixos que o digam), sempre na iminência de uma escorregadela na lama que formava o leito dos riachos.
Depois, durante um largo período de tempo, enquanto nós próprios e sublinho nós próprios, íamos construindo os abrigos em adobes (adobes são uma espécie de tijolos feitos de lama que era amassada com os próprios pés e depois secos ao sol), vivemos em buracos por nós escavados, que mais pareciam covis e onde, durante a noite, acordávamos, muitas vezes, a ser mordidos por formigas, que ao serem por nós sacudidas, separavam a parte de trás e mantinham a cabeça agarrada ao nosso corpinho.
À volta de Cufar havia quatro tabancas:
- Impungueda
- Iusse
- Mato Farroba e
- Cantone
A população nativa era quase toda Balanta, bem constituída fisicamente (sim, sim os homens e as mulheres), que se alimentavam principalmente de arroz, que mascavam tabaco, que se dedicavam à agricultura, que o casamento era contratado com o pai da mulher e, que tinham várias mulheres (eram polígamos).
Na altura em que lá chegámos, toda a população se encontrava do lado do inimigo e fugia das tabancas sempre que nos dirigíamos para lá.
No lado oposto às povoações estava a mata e era ali que se acoitavam os que denominávamos de turras, onde havia, pelo menos, dois acampamentos, um em Cufar Nalu e outro em Cabolol.
As primeiras saídas da Companhia foram, essencialmente, para reconhecer o terreno e nos habituarmos aos novos equipamentos. Na prática, muita coisa difere da teoria e, por exemplo, rapidamente percebemos que não era possível andar de capacete, que em vez de nos proteger, só servia de empecilho.
A 14 de Maio de 1965, partimos para a nossa primeira aventura.
Emociono-me sempre que recordo esse nosso feito.
Conquistar o acampamento de Cufar Nalu, que se dizia inexplorável e, no meio da emoção natural do momento, haver um soldado a desfraldar uma bandeira portuguesa que levara, sem que praticamente ninguém soubesse, é algo que merecia ser bem mais destacado do que alguns feitos que, apesar de importantes, não põem em jogo a própria vida.
Mas sobre este memorável dia e dos pormenores inesquecíveis, então vividos, já vos falei noutra ocasião.
Por isso, vou hoje relembrar a Operação Trovão, que aconteceu no dia 16 de Julho de 1965.
Cerca de um mês antes, mais concretamente, a 15 de Junho de 1965, a Companhia tinha levado a efeito a Operação Saturno, na região de Cabolol, onde tivemos quatro feridos, um dos quais teve de ser evacuado para Bissau.
O grupo inimigo estava fortemente armado, ofereceu enorme resistência, mas, ainda assim, conseguimos conquistar e destruir o acampamento que eles ali tinham localizado, capturando diverso material de guerra.
Um mês depois o Comando do Batalhão enviou-nos um guia que afirmava que lá havia outro acampamento que carecia de ser destruído.
Embora as informações que tínhamos fossem contraditórias, foi planeada a Operação Trovão para cumprir a ordem do Comando do Batalhão.
Com o guia a indicar-nos o percurso, batemos a região e apenas encontrámos os restos do antigo acampamento que tínhamos anteriormente destruído.
É então que o guia nos encaminha na direcção de uma pequena povoação – Cantumane – onde, ao entrarmos, fomos, inesperada e violentamente atacados por um numeroso grupo, que nos esperava emboscado na orla da mata.
Nos primeiros momentos ficámos completamente desarticulados, com a agravante de eles terem lançado granadas de fumos para junto das colmeias de abelhas que ali estavam estrategicamente colocadas e, cujos enxames nos atacaram, obrigando parte significativa do pessoal a debandar para a bolanha, onde se rebolaram no chão molhado para se libertarem das abelhas, tendo alguns ficado de tal forma picados que no dia seguinte tiveram de sofrer tratamento adequado para atenuar os enormes inchaços que apresentavam.
Apesar da situação crítica, conseguimos recompor-nos e, mercê da coragem demonstrada por alguns dos presentes e, dos eternamente por nós recordados Sargento Melo e Furriel Lema, heróis para sempre, repelimos o ataque e, ainda os perseguimos dentro da mata, causando-lhes algumas baixas.
Do nosso lado, o Sargento Barcelos foi gravemente atingido, tendo vindo a falecer alguns dias depois, visto que a bala encontrada era de aço e tinha trespassado o rádio que ele levava, indo-se alojar no fígado.
Discreto, mas sempre pronto a cumprir a sua missão, o Sargento Barcelos é um exemplo de um profissional que perdeu a vida ao serviço da Pátria.
Afinal, acabou por se confirmar as suspeitas iniciais de que o guia era falso e, o seu objectivo, era conduzir-nos ao local onde fomos emboscados.
Mas, Companheiros, cabe aqui lembrar que, apesar disso ou, talvez por isso mesmo, passados oito dias, no dia 24, já estávamos na Operação Vindima, a caminho de Cobumba, pela estrada que tinha 80 abatizes, cercámos a povoação e trouxemos um nativo, contra o qual havia uma ordem de captura, (1) mostrando assim que ali estávamos prontos e sem quaisquer receios.
Mas, se é verdade que nunca virámos as costas ao combate, é bom também destacar que fomos capazes de construir uma Escola para as crianças nativas das populações próximas, que foi inaugurada em 1 de Dezembro de 1965, com 108 alunos, a quem foram facultados livros e outro material escolar por nós angariado.
Foi com enorme alegria e, porque não dizer orgulho, que em Março de 1966, surgiu junto ao Aquartelamento um grupo de cerca de 100 mulheres das diversas tabancas vizinhas, que vieram agradecer a protecção que lhes havíamos dado no transporte do arroz para Catió e, também, mostrarem-nos a sua satisfação pela existência da escola para as suas crianças.
Com diversos vivas e palmas, pediram para dançar e ali ficaram, toda a tarde num convívio alegre, que era, afinal, o resultado da forma, como, aos poucos, tínhamos sido capazes de reconquistar a sua confiança.
Por isso, Companheiros, este relembrar do nosso passado comum, quase que só pode ser relatado entre nós, porque é muito difícil transmitir a quem lá não esteve, o ambiente, a comoção, os sentimentos por vezes contraditórios, o medo e a necessidade de o dominar e ultrapassar, a tristeza da perda de um dos nossos e a alegria final do regresso a casa, com a sensação de que tínhamos sido capazes de cumprir a nossa missão.
Em Novembro de 1966, os rapazitos que em 11 de Fevereiro de 1965 tinham partido para a guerra, eram agora homens que iniciavam uma nova luta.
Que as novas gerações reconheçam, ou não, quanto nos devem, para poderem agora viver sem tais riscos, não nos é indiferente, mas o mais importante é, nós próprios, estarmos conscientes do nosso decisivo contributo para a paz deste País, mantendo o nosso lema:
“NOBRES NA PAZ E NA GUERRA”
Companheiros e Amigos,
desejo para todos vós e para as vossas famílias tudo de bom, porque todos bem o merecem.
Viva a COMPANHIA de CAÇADORES 763
Pelas 17h00 o bolo foi partido pela Helena Fitas e Alf Mil Jorge Paulos, uma taça à saúde de todos.
O regresso começou, porque Braga, Viana do Castelo, Porto, Marinha das Ondas, Albufeira, Quarteira, Olhão, etc.,etc…. ficam longe.
Nota de Mário Fitas
(1) Malam Cassamá
Para todos o abraço de sempre do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas
Foto 1 > Início da concentração frente ao Convento de Mafra
Foto 2 > Ouvindo o poema do Luís Graça, houve pérolas nos olhos, e não foram só de mulheres
Foto 3 > O Amadeu Carreira e Fernando Albuquerque fazendo a leitura das mensagens
Foto 4 > Alf Mil Op Esp Artur Teles lendo a sua mensagem
Foto 5 > Alf Mil Jorge Paulos lendo a sua mensagem
Foto 6 > Helena Fitas e o Alf Mil Jorge Paulos, partindo o Bolo
___________________
Nota de CV
(*) - Vd. poste de 11 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3193: Blogpoesia (25): Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P3219: Homenagem aos Ten Pil Av Lobato e Pessoa e, Enf Pára-quedista Gisela (Nuno Almeida)
Mensagem de 17 de Setembro de 2008, do nosso camarada Nuno Almeida, ex-1.º Cabo MMA de Heli, BA12, 1972/73 (1).
Olá Camaradas
Junto envio foto actual para completar os vossos arquivos.
Apesar de pouco contribuir com a minha verbe, sou um visitante assíduo do blogue e sempre atento ao que cá se escreve, por isso ao ler a nota do Beja Santos, Guiné 63/74 - P3132: Notas de leitura (10): A minha Jornada em África (Beja Santos), fiquei imediatamente interessado no livro "A Minha Jornada em África" de António Ramalho da Silva Reis e publicado pela Editora Ausência.
Porque estive dois meses internado no HM241 de Bissau, entre 25 de Novembro de 1972 e 25 de Janeiro de 1973, onde fui operado 4 vezes em 25 dias, tenho uma enorme dívida de gratidão por todos quantos ali prestavam serviço, é, para mim, fundamental ter acesso a este relato da vivência de quem do outro lado da barricada (doente/enfermeiro) via a situação daqueles que dependiam das suas capacidades para sobreviverem aos ferimentos sofridos.
Sobre o que o Beja Santos diz sobre o Tenente Lobato, é sintomático de como os heróis da Guerra, que fomos obrigados a combater, são esquecidos pela História e remetidos a uma insignificância, para que não se dimensione o que foi, na realidade, a juventude de toda uma geração.
Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (nascido em 1942).
Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)
O Tenente Lobato foi um mártir, durante muitos anos prisioneiro, sem saber se regressaria ao seio dos seus, torturado fisica e psicologicamente, nunca uma Lei foi promulgada onde verdadeiramente se desse o valor a essa condição de prisioneiro e se compensasse, devida e correctamente, os anos de ausência e sofrimento que ele e muitos outros como ele sofreram.
Foto do Tenente Lobato quando, no passado dia 31 de Maio de 2008, os Especialistas da Força Aérea, que serviram na Guiné, o homenagearam com o respeito que ele nos merece. Junto e ladeando-o estão o Victor Barata e o Carlos Wilson, organizadores deste evento.
Neste almoço de confraternização foram igualmente homenageados o Ten Pil Av Pessoa e a sua esposa Enfermeira Pára-quedista Giselda, ele abatido em 1973 por um míssil e ela representando todas as Enfermeiras Pára-quedistas que tantas vidas salvaram com a sua coragem e prontidão na recuperação de feridos em zonas de combate.
Foto da evacuação do Ten Pessoa, assistido pela enfermeira na altura e actual esposa, a nossa muito querida camarada da armas Giselda.
Capa do livro Liberdade ou Evasão; Autor: António Lobato; Colecção: Memória do Tempo; Editor: Rui Rodrigues; Editora: Erasmos. © ERASMOS e António Lobato.
Neste livro, António Lobato conta o seu percurso na FAP desde a incorporação em Setembro de 1957, até ao dia 22 de Novembro de 1970, dia em que finalmente libertado, após sete anos e meio de cativeiro. Pelo meio ficam três tentativas de fuga frustradas. Por se tratar do militar português que mais tempo esteve prisioneiro do IN, pela forma como sobreviveu às condições mais adversas a que o ser humano pode ser submetido e porque nunca traíu a Pátria nem os camaradas que no terreno continuavam a lutar, António Lobato é digno da nossa admiração, estima e reconhecimento. CV
Foto e legenda de Carlos Vinhal
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Nota de CV:
(1) - Vd. poste de 10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1941: Estórias (nem sempre) vistas do ar (Nuno Almeida, ex-1º Cabo Mecânico de Heli, FAP)
Embarquei para a Guiné (BA12 - Bissalanca) em 27-01-1972 e fui ferido na mata de Choquemone - Bula , ao proceder a uma evacuação de dois feridos, debaixo de intenso fogo de metralhadoras e morteiros, em 25-11-1972.
Fui evacuado para o Hospital Militar de Bissau, onde fui sujeito a 5 intervenções cirúrgicas, no espaço de 25 dias, e evacuado para Lisboa em 27-01-1973 (para vir morrer ao pé da família!!!).
Marcadores:
António Lobato,
Beja Santos,
Giselda Antunes (Srgt Enf Pára-quedista),
HM 241,
homenagem,
Miguel Pessoa,
Nuno Almeida,
PAIGC,
prisioneiros,
Victor Barata
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