sábado, 20 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3220: Convívios (83): Almoço anual de Confraternização do pessoal da CCAÇ 763 (Mário Fitas)

COMPANHIA DE CAÇADORES 763 - NOBRES NA PAZ E NA GUERRA

ALMOÇO ANUAL DE CONFRATERNIZAÇÃO – 14 de Setembro de 2008

A Concentração dos ex-militares e familiares efectuou-se frente ao Convento de Mafra estando como representante do falecido Coronel Carlos Alberto da Costa Campos Comandante da CCAÇ 763 em 1965/1966 seu filho Luís Costa Campos.

Pelas 12H00 os convivas, dirigiram-se para a Quinta do Cangalho, onde se efectuaria o respectivo Almoço e Convívio no restaurante do mesmo nome “O Cangalho”. Após o bacalhau no forno o cordeiro também no forno sobremesas e respectivos digestivos com óptimos momentos de convívio, o nosso Comandante orador em serviço, Amadeu Carreira 1.º Cabo Escriturário, da Moita dos Ferreiros vizinho do nosso Chefe de Tabanca, deu início aos momentos solenes com 1 minuto de silêncio pelos camaradas mortos em combate e pelos que cá também já partiram.
Seguidamente o nosso sempre dinâmico Fernando Albuquerque leu e informou das mensagens enviadas dos colegas que não puderam estar presentes e dos amigos que se lembraram de nós: O nosso Fernando Oliveira 2.º Sarg Mil AP Ranger do Pelotão de Morteiros 912; do Alf Mil Hugo Moura Ferreira da CCAÇ 1621 que nos rendeu em Cufar, em seu nome e do Braima Baldé; do Fur Mil Benito Neves da CCAV 1484 que foram nossos companheiros por Áfiá, Camaiupa, Cabolol; do António Salvador da CCAÇ 4740 que nos fez a surpresa da sua presença acompanhado de sua esposa, etc., etc.





Seguiu-se um momento complicado, quando o Fur Mil Op Esp Mário Fitas disse um poema do Luís Graça já publicado no blogue, pois houve pessoal, que ficou um pouco emocionado, e lá houve alguns olhos com pérolas (e não foram só as mulheres).(*)



Seguiram-se palavras do Alf Mil Op Esp Artur Teles e Jorge Paulos que a seguir se transcrevem:

Palavras do Alf Mil de Op Esp Artur Teles

Companheiros e Amigos

Começo por saudar todos os presentes, por mais este agradável convívio, como a CCAÇ 763 sempre soube fazer, e agradecer:

- Aos que o tornaram possível, o incansável Mário Ralheta, bem apoiado pelo Fernando e o Acúrcio (desta vez foi mais curta a intervenção dos outros membros da comissão);
- Aos companheiros da CCAÇ 763;
- A indispensável presença dos nossos Familiares e Amigos sem os quais estes encontros não teriam o mesmo sentido;
- A presença especial dos familiares do Coronel Costa Campos, referência 1.ª da CCAÇ 763.

Há 43 anos atrás, neste dia 14 de Setembro, em 1965, pelas 5h30m da madrugada atingíamos a tabanca de Cantumane, integrados na Operação Rastilho. Foi mais uma das nossas muitas operações na Guiné. Nela faleceu o Martinho e tivemos 8 feridos. Não vou entrar em pormenores.

Não podemos deixar de recordar aqueles tempos, por isso aqui estamos mais uma vez, confraternizando e falando dos episódios passados e das nossas vidas de hoje.

É bom poder fazê-lo, porque alguns companheiros já ficaram pelo caminho.

Mas isto foi sobre o passado, e quanto ao presente, ou ao que se seguiu àquele período ? Julgo interessante referir alguns factos bons e também alguns maus:

1.º - Os maus

- Cufar parece ter-se transformado num dos maiores centros de encaminhamento de droga em África;

- Numa viagem para a África do Sul, passei pelo Maputo, em Moçambique, antiga Lourenço Marques. Comecei a filmar a cidade normalmente. Vi-me em sérias dificuldades para não ser preso, pois precisava de autorização para filmar. (tipo licença de isqueiro)

2.º - Os bons

- Lembram-se do tristemente famoso Tarrafal , na Ilha do Sal ? Por acaso repararam nos excelentes Hoteis, caros, mas não deixam de ser excelentes, construídos naquela ilha, onde não havia uma só arvore ? Achei interessante trazer e afixar fotografias de uma revista de turismo.

- Na Africa do Sul, os Zulus, têm uma tabanca, tal e qual os Balantas, organizaram-se, têm um cicerone deles que explica tudo em inglês, como funcionam, o chefe da aldeia, as mulheres e a organização da família. Têm restaurante todo equipado, show de dança, tudo o que o turista quer ver, até cerveja fazem durante a visita.

- Parece que vão aparecer 10 voluntários para a nova comissão!

- Também se ofereceram para dizer umas coisas uma meia dúzia deles!

- No passado dia 2 de Setembro nasceu o meu 5.º neto! ( é um bocadinho mau ser mais um rapaz, já são 5, e a rapariga não aparece) mas sempre aumenta a natalidade!

Bom, desejos a todos um bom regresso, muita saúde e que tudo corra bem até ao nosso próximo encontro.
Para terminar, e como diriam os meus conterrâneos alentejanos:
Viva a CCAÇ 763 e vivam todos quantos estão, vivam todos quantos estão e viva a CCAÇ 763!

Palavras do Alf Mil Jorge Paulos

Companheiros e Amigos

Estamos mais uma vez reunidos no nosso tradicional almoço anual, para podermos rever-nos e relembrar os tempos em que, em conjunto, vivemos a grande aventura da Guiné.

Foi um momento marcante para todos nós, jovenzinhos de pouco mais de vinte anos, que, de repente, nos vimos longe da nossa terra e dos nossos familiares, de arma na mão para combater, sem sabermos bem porquê, num local onde tudo era novidade.

Enviados para o Sul, mais concretamente para Cufar, deparámos com um terreno plano mas cortado por imensas linhas de água, com pântanos, tarrafe, bolanha e mata. Sempre que nos tínhamos de deslocar era preciso caminhar quilómetros para contornar os rios ou, então, atravessá-los com água pela cintura ou, muitas vezes com água até ao pescoço (os mais baixos que o digam), sempre na iminência de uma escorregadela na lama que formava o leito dos riachos.

Depois, durante um largo período de tempo, enquanto nós próprios e sublinho nós próprios, íamos construindo os abrigos em adobes (adobes são uma espécie de tijolos feitos de lama que era amassada com os próprios pés e depois secos ao sol), vivemos em buracos por nós escavados, que mais pareciam covis e onde, durante a noite, acordávamos, muitas vezes, a ser mordidos por formigas, que ao serem por nós sacudidas, separavam a parte de trás e mantinham a cabeça agarrada ao nosso corpinho.

À volta de Cufar havia quatro tabancas:

- Impungueda
- Iusse
- Mato Farroba e
- Cantone

A população nativa era quase toda Balanta, bem constituída fisicamente (sim, sim os homens e as mulheres), que se alimentavam principalmente de arroz, que mascavam tabaco, que se dedicavam à agricultura, que o casamento era contratado com o pai da mulher e, que tinham várias mulheres (eram polígamos).

Na altura em que lá chegámos, toda a população se encontrava do lado do inimigo e fugia das tabancas sempre que nos dirigíamos para lá.

No lado oposto às povoações estava a mata e era ali que se acoitavam os que denominávamos de turras, onde havia, pelo menos, dois acampamentos, um em Cufar Nalu e outro em Cabolol.

As primeiras saídas da Companhia foram, essencialmente, para reconhecer o terreno e nos habituarmos aos novos equipamentos. Na prática, muita coisa difere da teoria e, por exemplo, rapidamente percebemos que não era possível andar de capacete, que em vez de nos proteger, só servia de empecilho.

A 14 de Maio de 1965, partimos para a nossa primeira aventura.

Emociono-me sempre que recordo esse nosso feito.
Conquistar o acampamento de Cufar Nalu, que se dizia inexplorável e, no meio da emoção natural do momento, haver um soldado a desfraldar uma bandeira portuguesa que levara, sem que praticamente ninguém soubesse, é algo que merecia ser bem mais destacado do que alguns feitos que, apesar de importantes, não põem em jogo a própria vida.

Mas sobre este memorável dia e dos pormenores inesquecíveis, então vividos, já vos falei noutra ocasião.
Por isso, vou hoje relembrar a Operação Trovão, que aconteceu no dia 16 de Julho de 1965.

Cerca de um mês antes, mais concretamente, a 15 de Junho de 1965, a Companhia tinha levado a efeito a Operação Saturno, na região de Cabolol, onde tivemos quatro feridos, um dos quais teve de ser evacuado para Bissau.
O grupo inimigo estava fortemente armado, ofereceu enorme resistência, mas, ainda assim, conseguimos conquistar e destruir o acampamento que eles ali tinham localizado, capturando diverso material de guerra.

Um mês depois o Comando do Batalhão enviou-nos um guia que afirmava que lá havia outro acampamento que carecia de ser destruído.

Embora as informações que tínhamos fossem contraditórias, foi planeada a Operação Trovão para cumprir a ordem do Comando do Batalhão.

Com o guia a indicar-nos o percurso, batemos a região e apenas encontrámos os restos do antigo acampamento que tínhamos anteriormente destruído.

É então que o guia nos encaminha na direcção de uma pequena povoação – Cantumane – onde, ao entrarmos, fomos, inesperada e violentamente atacados por um numeroso grupo, que nos esperava emboscado na orla da mata.

Nos primeiros momentos ficámos completamente desarticulados, com a agravante de eles terem lançado granadas de fumos para junto das colmeias de abelhas que ali estavam estrategicamente colocadas e, cujos enxames nos atacaram, obrigando parte significativa do pessoal a debandar para a bolanha, onde se rebolaram no chão molhado para se libertarem das abelhas, tendo alguns ficado de tal forma picados que no dia seguinte tiveram de sofrer tratamento adequado para atenuar os enormes inchaços que apresentavam.

Apesar da situação crítica, conseguimos recompor-nos e, mercê da coragem demonstrada por alguns dos presentes e, dos eternamente por nós recordados Sargento Melo e Furriel Lema, heróis para sempre, repelimos o ataque e, ainda os perseguimos dentro da mata, causando-lhes algumas baixas.
Do nosso lado, o Sargento Barcelos foi gravemente atingido, tendo vindo a falecer alguns dias depois, visto que a bala encontrada era de aço e tinha trespassado o rádio que ele levava, indo-se alojar no fígado.

Discreto, mas sempre pronto a cumprir a sua missão, o Sargento Barcelos é um exemplo de um profissional que perdeu a vida ao serviço da Pátria.

Afinal, acabou por se confirmar as suspeitas iniciais de que o guia era falso e, o seu objectivo, era conduzir-nos ao local onde fomos emboscados.

Mas, Companheiros, cabe aqui lembrar que, apesar disso ou, talvez por isso mesmo, passados oito dias, no dia 24, já estávamos na Operação Vindima, a caminho de Cobumba, pela estrada que tinha 80 abatizes, cercámos a povoação e trouxemos um nativo, contra o qual havia uma ordem de captura, (1) mostrando assim que ali estávamos prontos e sem quaisquer receios.

Mas, se é verdade que nunca virámos as costas ao combate, é bom também destacar que fomos capazes de construir uma Escola para as crianças nativas das populações próximas, que foi inaugurada em 1 de Dezembro de 1965, com 108 alunos, a quem foram facultados livros e outro material escolar por nós angariado.

Foi com enorme alegria e, porque não dizer orgulho, que em Março de 1966, surgiu junto ao Aquartelamento um grupo de cerca de 100 mulheres das diversas tabancas vizinhas, que vieram agradecer a protecção que lhes havíamos dado no transporte do arroz para Catió e, também, mostrarem-nos a sua satisfação pela existência da escola para as suas crianças.
Com diversos vivas e palmas, pediram para dançar e ali ficaram, toda a tarde num convívio alegre, que era, afinal, o resultado da forma, como, aos poucos, tínhamos sido capazes de reconquistar a sua confiança.

Por isso, Companheiros, este relembrar do nosso passado comum, quase que só pode ser relatado entre nós, porque é muito difícil transmitir a quem lá não esteve, o ambiente, a comoção, os sentimentos por vezes contraditórios, o medo e a necessidade de o dominar e ultrapassar, a tristeza da perda de um dos nossos e a alegria final do regresso a casa, com a sensação de que tínhamos sido capazes de cumprir a nossa missão.

Em Novembro de 1966, os rapazitos que em 11 de Fevereiro de 1965 tinham partido para a guerra, eram agora homens que iniciavam uma nova luta.

Que as novas gerações reconheçam, ou não, quanto nos devem, para poderem agora viver sem tais riscos, não nos é indiferente, mas o mais importante é, nós próprios, estarmos conscientes do nosso decisivo contributo para a paz deste País, mantendo o nosso lema:

“NOBRES NA PAZ E NA GUERRA”

Companheiros e Amigos,
desejo para todos vós e para as vossas famílias tudo de bom, porque todos bem o merecem.

Viva a COMPANHIA de CAÇADORES 763

Pelas 17h00 o bolo foi partido pela Helena Fitas e Alf Mil Jorge Paulos, uma taça à saúde de todos.
O regresso começou, porque Braga, Viana do Castelo, Porto, Marinha das Ondas, Albufeira, Quarteira, Olhão, etc.,etc…. ficam longe.

Nota de Mário Fitas
(1) Malam Cassamá

Para todos o abraço de sempre do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas

Foto 1 > Início da concentração frente ao Convento de Mafra

Foto 2 > Ouvindo o poema do Luís Graça, houve pérolas nos olhos, e não foram só de mulheres

Foto 3 > O Amadeu Carreira e Fernando Albuquerque fazendo a leitura das mensagens

Foto 4 > Alf Mil Op Esp Artur Teles lendo a sua mensagem

Foto 5 > Alf Mil Jorge Paulos lendo a sua mensagem

Foto 6 > Helena Fitas e o Alf Mil Jorge Paulos, partindo o Bolo
___________________

Nota de CV

(*) - Vd. poste de 11 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3193: Blogpoesia (25): Hoje tenho pena de nunca ter escrito um aerograma a uma madrinha de guerra (Luís Graça)

1 comentário:

Anónimo disse...

Só uma referência às palavras do Alf. Mil. Jorge Paulos, que levantou um pouco o véu, como se actuava em Cufar:
Sabiamos fazer a Paz!
Tinhamos informações fidedignas, que não as que nos enviavam do BAT e sabiamos quem as fornecia.
Em Cufar Nalu, havia informação fornecida por forças especiais, que nada lá existia do PAIGC que pouco antes do 15 de Maio por lá tinham passado. No entanto levámos um dia inteiro para chegar lá, em contacto permanente.
Falta contar quem foi quem em Cufar: Coronel Costa Campos que finalizou a "Ametista Real" como Comandante do COP3, João Bacar Jaló, Carlos Queba, Alfa Nan Cabo e Tui Na Defna os dois ex-PAIGC, Gibi Baldé, Os Chefes das Tabancas de Impungueda e Mato Farroba mortos no Cafal, O Chefe de Cantone a comprar fazenda de caqui mandado por Cufar como se fosse para o PAIGC, O comandante Nino na estrada de Caboxanque,a saída do Nino para Conakri e imediatamente o pessoal da Ilha do Como a ser autorizado a vender arroz em Catió para arranjar uns pêsos pois eram obrigados a entregá-lo no Cantanhez onde se resistia à guerra e à fome?
Valeria a pena contar Cufar, quando há outras histórias mais interessantes? Não! Acho que não! Cufar não existiu, foi um mito.

Mário Fitas