sábado, 25 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4245: Cap Cav Salgueiro Maia, director do jornal de caserna da CCAV 3420, Bula, 1971/73, Os Progressistas (Luís Graça / Jorge Santos)



O jornal de caserna da CCAV 3420 (Bula, 1971/3), Os Progressistas - Quinzenário de Divulgação e Recreio da CCAV 3420. Director: Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia (*).

Fonte: Cortesia do
Jorge Santos (2005)


1. Participei, durante a minha instrução de especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, em Tavira, na elaboração de um jornal de caserna, em 1968. Em boa verdade, era um jornal de parede. Havia uma pequena equipa redactorial.

 O comandante da unidade, um tenente coronel, se não me engano, zelava pela orientação editorial do jornal e, claro, pelo moral da caserna (e a moral da Nação). Miúdas de peitos fartos, generosos e demais formas redondas, loiraças, provocantes, era bem vindas e aclamadas: afinal de contas, os instruendos estavam na flor da idade, precisavam de ter sonhos cor de rosa... e eram a fina-flor da Nação, como nos lembrava um célebre tenente, herói do norte de Angola (diziam-nos)...

Mas havia outro limites: Recordo-me de, um belo dia, ele, comandante, director, censor-mor, lídimo representante da Nação, ter-nos obrigado a mandar para o lixo uma vasta e luxosa edição, enciclopédica, dedicada à II Guerra Mundial e ao nazifascismo (que palavrão!). O argumento do censor-mor era de peso, de bom senso, definitivamente pedagógico:
- Para guerra, já basta a nossa, a do Ultramar!...

Vem isto a propósito do jornal de caserna Os Progressistas, um quinzenário de "divulgação, cultura e recreio" (sic) da Companhia de Cavalaria 3420, que esteve em Bula, em 1971/73... O director era o respectivo comandante, o jovem capitão de cavalaria, alentejano, de 27 anos, Fernando J. Salgueiro Maia, nem mais nem menos, o Salgueiro Maia (1944-1992), de quem Carlos Loures escreveu, no sítio Vidas Lusófonas, o seguinte:

"Salgueiro Maia, soldado português que à frente de 240 homens e com dez carros de combate da EPC avançou em 25 de Abril de 1974 sobre Lisboa, ocupou o Terreiro do Paço levando os ministros de um regime ditatorial de quase 50 anos a fugir como coelhos assustados, cercou o Quartel do Carmo obrigando Marcelo Caetano a render-se e a demitir-se. Atingiu o posto de tenente-coronel, recusou cargos de poder. É o mais puro símbolo da coragem e da generosidade dos capitães de Abril".

2.Salgueiro Maia foi, além disso, circunstancialmente, meu colega, no ano lectivo de 1975/76, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS), embora eu pouco ou quase nada privasse com ele, porque eramos de cursos diferentes (eu, de ciências sociais; ele, de antroplogia), com o estatuto de trabalhadores-estudantes.

Íamos às aulas à noite e a algumas Reuniões Gerais de Alunos (RGA), numa altura em que o ISCSP passava por um período de vida muito conturbado (saneamento de praticamente todos, senão todos, os docentes com assento no Conselho Científico, pelo menos os professores catedráticos...), o que levou no final do ano lectivo de 1975/76 (ou nas férias...) ao seu encerramento, por ordem do então Ministro da Educação, o socialista Sottomayor Cardia (1941/2006), e ao consequente início de um duro processo de luta estudantil contra a tutela e o regresso das múmias (como, depreciativamente, eram então chamados os professores, alvo de saneamentos selvagens, de natureza claramente político-ideológica, incluindo o Prof Doutor Adriano Moreira, antigo Ministro do Ultramar).

Além disso, num ambiente, claramente esquerdista como era então o ISCSP, virado do avesso, com diversas fações a digladiarem-se (da UEC ao MRPP, do MES à UDP...), o Salgeiro Maia do 25 de Abril era ofuscado pelo Salgueira Maia do 25 de Novembro... Esta ambivalência não terá facilitado as aproximações pessoais...

Salgueiro Maia, como bom alentejano e como militar da Academia, era, por outro lado, um homem reservado... O facto de ele ter estado na Guiné não me dizia nada: definitivamente eu esquecera a Guiné!... Foi um processo de denegação por que muitos de nós passaram. Vivi os cinco anos pós-Guiné com culpa e denegação: Guiné ?Não, nunca ouvi falar... Perdi, com isso, a oportunidade única de ter conhecido (isto é, privado com) um herói vivo...

2. Não me lembro na Guiné, no meu tempo de comissão (1969/71), de ter visto (e muito menos participado na elaboração de) jornais de caserna. A CCAÇ 12 não tinha caserna, éramos uma unidade de intervenção, composta por uma centena de soldados africanos e umas escassas dezenas de quadros (graduados) e especialistas (condutores, mecânicos, transmissões, enfermeiros) metropolitanos, vivendo em casa emprestada (os nossos soldados africanos, desarranchados, muçulmanos, alimentando-se a arroz, dormiam na tabanca de Bambadinca e não dentro do perímetro do aquartelamento)...

Quando regressávamos do mato, não tínhamos disposição nem pachorra para fazer jornais de parede... Além disso, eramos meia dúzia de gatos pingados... E os nossos soldados africanos não liam o português... Diferente era a situação das unidades de quadrícula (por exemplo, no Xime, Mansambo, Xitole) que tinham, pelo menos, caserna e mais algum tempo de sobra...

O jornal de caserna podia ser uma forma interessante de manter alto o moral das tropas e fazer a ligação com a Metrópole. Alguns jovens capitães do QP, como o Salgueira Maia e o Mário Tomé (mas também o Pereira da Costa,  membro da nossa tertúlia) perceberam a sua importância (**).

De qualquer modo, esta faceta do Salgueiro Maia, como director de um jornal de caserna chamado Os Progressistas( CCAV 3420, Bula, 1971), é capaz de ser um aspecto menos conhecido (e desvalorizado) do seu currículo militar. Imagino que tivesse um formato A4 e fosse feito a stencil... Nessa altura, a máquina a stencil estava muito vulgarizada na Guiné... Na secretaria da minha companhia havia uma, foi graças a ela que pude fazer um edição, semi-clandestina, da nossa história da unidade...

Algum do conteúdo, inocente, do quinzenário Os Progressistas já aqui foi revelado pelo José Afonso, que vive no Fundão e foi Fur Mil da CCAV 3420 (***).

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste da I Série do nosso blogue > 3 de Julho de 2005 >Guiné 69/71 - XCVI: Salgueiro Maia, director de jornal de caserna

(**) Lista dos Jornais militares (Guiné), disponíveis no Arquivo Geral do Exército >

DESIGNAÇÃO / UNIDADE / DIRECTOR


33 (o) / Batalhão de Caçadores 3833, Pelundo - SPM 6978, 1971/1972 /
O Comandante

Acção / Comando do Sector de Bissau, 1972 / Cor Inf António Mendes Baptista

Açor (o) / Batalhão de Caçadores 2928, Bula – SPM 6688, 1971 / O Comandante

Águas do Geba / Companhia de Artilharia 2743, Geba – SPM 6548, 1971 /
Cap Mil Ilídio Rosário Santos Moreira /

Alvo (o) / Bataria de Artilharia Antiaérea 3434, Cumeré – SPM 1868, 1971 /
Cap Art António José Pereira Costa /

Ao Assalto / Batalhão de Caçadores 2834, Bula - SPM 4668, 1968 / Ten Cor Inf Carlos B. Hipólito

Azimute / Comando Territorial Independente da Guiné, 1966 / Brig Anselmo Guerra Correia

Baga-Baga (o) / Batalhão de Caçadores 1860, Tite – SPM 2928, 1965 / O Comandante

Básico (o) / Batalhão de Cavalaria 1905, Teixeira Pinto, 1967 / O Comandante

Big / Batalhão de Intendência da Guiné, Bissau – SPM 1648, 1968 /
Maj SAM António Monteiro A. Santos

Boina Negra (o) / Companhia de Cavalaria 2482, Fulacunda – SPM 5688, 1969 /
O Comandante

Capicuas (os) /Companhia de Artilharia 2772, Fulacunda, 1971 / Cap Art João Carlos R. Oliveira

Clarim / Batalhão de Cavalaria 790, Bula, 1965 / Ten-Cor Cav Henrique Calado

Convergência / Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 1970 /

Corsário (o) / Hospital Militar 241,Bissau, 1962 / ?

Dragão Negro / Batalhão de Artilharia 733, Farim – SPM 2568, 1965 / ?

Dragões de Jabadá/ Companhia de Cavalaria 2484, Jabadá, 1969 / Cap Cav José Guilherme P. F. Durão

Duros (os) / Companhia de Artilharia 2771, Nova Sintra – SPM 6608, 1971 /
Alf Mil Castela

Eco (o) / Pelotão de Artilharia Antiaérea 943, Bissalanca, 1965 /
Alf Art Jaime Simões Silva

Estrela do Norte / Batalhão de Caçadores 1894, S. Domingos – SPM 3668, 1968 /
Ten-Cor Inf Fausto Laginha Ramos

Falcão (o) / Companhia de Caçadores 3414, Sare Bacar – SPM 1878, 1973 /
Cap Inf Manuel Ribeiro Faria

Gato Preto (o) / Companhia de Caçadores 5, Canjadude – SPM 0028, 1971
O Comandante

Jagudi (o) / Companhia de Caçadores 2679, Bajocunda – SPM 1058, 1971 /
Cap Inf Rui Manuel Paninho Souto

Jamtum (o) / Batalhão de Caçadores 3872, Galomaro – SPM 2188, 1973 /
O Comandante

Lenços Vermelhos / Companhia de Artilharia 2521, Aldeia Formosa– SPM 5888, 1970 / Cap Mil Jacinto Joaquim Aidos

MFA na Guiné / MFA da Guiné, Bissau, 1974 / ?

Macaréu / Batalhão de Caçadores 2856, Bafatá – SPM 5438, 1969 /
O Comandante

Manga de Ronco / Batalhão de Caçadores 1932, Farim, 1968 / Alf Capelão Tourais Ferreira

Nova Vida / Batalhão de Caçadores 697, Fá Mandinga, 1965 / ?

Padrão / Batalhão de Caçadores 1877, Teixeira Pinto, 1966 /
Ten-Cor Inf Fernando Costa Freitas

Pentágono Manjaco / Batalhão de Caçadores 3863, Teixeira Pinto – SPM 1458, 1973 / O Comandante

Pica na Burra / Companhia de Cavalaria 2765, Nova Sintra – SPM 6438, 1970
Alf Mil Pedro Duarte Silva

Põe-te a Pau / Companhia de Artilharia 2775, Jabadá – SPM 6628, 1971 / O Comandante

Prá Frente / Companhia de Artilharia 3332, Piche, 1972 / ?

Progressistas (os) / Companhia de Cavalaria 3420, Bula – SPM 1898, 1971 /
Cap Cav Fernando J. Salgueiro Maia

Ronco / Centro de Instrução Militar, Bolama – SPM 0058, 1969 /
O Comandante

Saltitão (o) / Companhia de Caçadores 2701, Saltinho – SPM 1268, 1971 /
Cap Inf Carlos Trindade Clemente

Santo (o) / Companhia de Polícia Militar 2537, Bissau – SPM 5948, 1969 /
Cap Cav Hernâni Anjos Moas

Seis de Cantanhês (o) / Companhia de Caçadores 6, Bedanda – SPM 0038, 1973 / Cap Inf Gastão Manuel S. C. Silva

Sentinela de Catió / Batalhão de Artilharia 2865, Catió – SPM 5618, 1969 /
Ten-Cor Art Mário Belo Carvalho

Sete (o) / Batalhão de Cavalaria 757, Bafatá, 1965 / O Comandante

Soquete (o) / Bataria de Artilharia de Campanha 1, Bissau – SPM 0048, 1970 / Cap Art José Augusto Moura Soares

Tabanca / Companhia de Cavalaria 2721, Olossato – SPM 1318, 1970 /
Cap Cav Mário Tomé

Trópico / Batalhão de Intendência da Guiné, Bissau – SPM 1648, 1972 /
O Comandante

Voz do Quínara (a) / CCS do Batalhão de Artilharia 2924, Tite, 1971-1972
Cap Mil Pinto Madureira

Zoe / Agrupamento Transmissões da Guiné, Bissau – SPM 0228, 1973
Cap Trms Jorge Golias

Fonte: ”Imprensa Militar Portuguesa – Catálogo da Biblioteca do Exército”. Direcção de Alberto Ribeiro Soares (Coronel). Lisboa 2003.

Lista gentilmente cedida pelo nosso camarada Jorge Santos.


(***) Vd. postes de

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)

24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4242: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (2): Curiosidades (José Afonso)

Vd. também o poste de 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (José Afonso)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4244: Agenda Cultural (9): Ciclo Temático "Portugal e a Memória, Guerra Colonial", 24 de Abril a 9 de Maio de 2009, em Torres Vedras


Evento Multidisciplinar: Artes Plásticas / Debates / Documentários / Exposições Documentais / Fado
Fotografia / Instalações / Performances / Poesia / Teatro / Turtúlias / Workshops / Videos.


O primeiro ciclo temático será denominado "PORTUGAL E A GUERRA", a ser apresentado entre 24 de Abril a 9 de Maio, e terá um enfoque específico sobre a guerra colonial.

Trata-se de uma produção do Teatro Cine de Torres Vedras organizado em conjunto com a Cooperativa de Comunicação e Cultura, contando com o apoio da Galeria Municipal.

PROGRAMA

Informações e Contactos

Email:
geral@ccctv.org
info@ccctv.org

Tlf: 261 338 931/2
Fax: 261 338 933

http://www.blogger.com/www.ccctv.org
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4232: Agenda Cultural (9): Lançamento do livro "Guiné Saudade e Sofrimento", em Santa Comba Dão, dia 25 de Abril de 2009

Guiné 63/74 - P4243: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (21): Poema à volta do umbigo

1. Mensagem de Alberto Branquinho (*), ex-Alf Mil da CArt 1689, Guiné 1967/69, com data de 13 de Abril de 2009:

Caro Carlos Vinhal

Com este UMBIGO (21), que vai junto, dou por terminada a série. Com ela procurei dizer que não é absolutamente ncessário falarmos SEMPRE e SÓ na primeira pessoa do singular (por narcisismo ou por outras razões). Não sei se fui compreendido.
Sabemos que toda a experiência é feita através do suporte físico do EU de cada um, sentida na pele ou na alma, mas... há mais mundos...

Um abraço (mais um para cada um dos ausentes)
Alberto Branquinho


NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (21)

POEMA À VOLTA DO UMBIGO *

Eu, me, mim, migo
falo com os meus botões
centrado no meu umbigo
não falo disto e daquilo
dos problemas do mundo
falo somente de mim
das minhas recordações
pois só estou tranquilo
a pensar assim comigo
a falar do meu umbigo
que é tema bem profundo.

É por isso que vos digo
se não falarem de mim
é coisa que me aterra
e vos digo em segredo
mesmo não estando em guerra
tenho medo:
o Eu está em perigo.
----------------------

* Este umbigo, mais uma vez, não é o meu.


2. Comentário de CV

Caro Alberto Branquinho
Como já te disse em mail pessoal, espero(amos) que após o fim anunciado desta série, dês continuidade a uma outra, porque não podemos perscindir da colaboração de camaradas como tu.

Colaborações esporádicas da tua parte não são suficientes. Ficamos à espera de uma colaboração contínua e regular, tua.

Foi e é um prazer ler-te.

Um abraço
CV
__________

Nota de CV

(*) Vd. poste de 3 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4138: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (20): Vultos na noite

Guiné 63/74 - P4242: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (2): Curiosidades, humor, histórias do Gasparinho (José Afonso)

1. Continuação do texto anexo à mensagem de José Afonso, ex-Fur Mil da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, com data de 22 de Abril de 2009, sobre a sua Companhia e seu Comandante, Capitão Salgueiro Maia.


CURIOSIDADES / CCAV 3420 (Bula, 1971/73)

[Fixação / revisão de texto / subtítulos: L.G.]

Quando a Companhia de Cavalaria embarca em Lisboa, leva já consigo a sua 1.ª receita: um jogo de Matraquilhos que em 6 dias de viagem esteve sempre ao serviço. Trabalhava de dia e noite sem parar. Foi um bom Fundo de Maneio. Quando chegámos a Bula, o mesmo jogo foi posto em frente do alçado da caserna dos soldados da Companhia, continuando ali a dar a receita pretendida.

Talvez vendo a fonte de receita que ali tínhamos, o Comandante do Batalhão pede a Salgueiro Maia que mande retirar dali os respectivos Matraquilhos, pois estavam em local central do Batalhão e não davam muito bom aspecto.

Não se tendo conseguido nessa altura demover a tomada de posição do Comandante do Batalhão, lá tiveram que ir os Matraquilhos para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard. Aqui a receita era insignificante já que os homens eram muito menos, e também nem sempre o pessoal da Companhia ou Batalhão se deslocava cerca de 300 metros para jogar matrecos.

Salgueiro Maia tinha de arranjar maneira de os matrecos regressarem à origem. Como o Batalhão tinha falta de padeiros e os dois da Companhia estavam emprestados ao Batalhão, Salgueiro Maia vai dar a volta ao Comandante, dizendo que, com a falta de pessoal que tinha, necessitava dos padeiros da Companhia para alinharem para o mato. Levava já na manga a hipótese de deixar os padeiros onde estavam e, como contrapartida, os Matraquilhos regressarem ao Batalhão e colocados nas traseiras da caserna.

A esta proposta o Comando do Batalhão cedeu e uma vez mais Salgueiro Maia venceu.





Uma heli-evacuação

Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate,  é solicitada a evacuação por Via Aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira, que ao ver o soldado Santos sem roupa diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.


As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião


Em Abril de 1972 aos elementos da Companhia que estavam no período de descanso, Salgueiro Maia pede voluntários para ir ao Km 13 da Estrada Bula – S. Vicente onde o 1.º Pelotão da Companhia estava emboscado e necessitava de apoio devido a um grupo de Balantas, que vinha do Senegal onde tinha ido roubar vacas, ter caído no campo de minas e algumas vacas andarem na estrada. Assim vão elementos da CCAV 3420 até ao local.

São apanhadas 2 vacas que são carregadas numa GMC. Satisfeitos os elementos da Companhia, com Salgueiro Maia à frente entram em Bula, gritando:
- Queremos carne.

À entrada do Batalhão está o Comandante que manda parar a coluna de 4 viaturas. Quando se pensava que ia dar um louvor aos voluntários, houve-se uma reprimenda do Comandante por a tropa vir a fazer muito barulho e, dá ordens para que a coluna entre na sede do Batalhão (a CCAV 3420 era uma Companhia de Cavalaria independente mas de reforço ao Batalhão de Infantaria). Toda a actividade mais perigosa era desempenhada pela 3420.

Contrariando as ordens do Comandante, Salgueiro Maia manda avançar a coluna para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard 2641 que ficava aí a 300 metros do Batalhão pois, era ali que as vacas iriam ser comidas. Ao regressar ao Batalhão o Comandante dá ordem a Salgueiro Maia para que entregue as vacas porque diz ele que todo o material capturado ao IN tem de ser entregue ao Batalhão. Salgueiro Maia diz então que as vacas não foram capturadas, mas sim oferecidas e que foi o pessoal da Companhia que as foi buscar estando de descanso e o Batalhão não mandou sair nenhumas forças.

Mais diz Salgueiro Maia:
- As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião.

O Fur Mil Afonso de calções... à POP

Um dia no Destacamento de Capunga aparece um helicóptero a sobrevoar a Zona e, de seguida, faz-se para pousar no minicampo de futebol. Desconhecia-se quem vinha nele, pois não havíamos sido informados. O furriel Afonso, que na altura estava a comandar o Destacamento, dirigiu-se tal como estava para receber quem nele vinha. Está vestido como normalmente se anda nos destacamentos. De chinelos, sem bivaque, de t-shirt e calções que já tinham sido calças, agora transformados em calções que, com as vezes que tinham ido a lavar e como não tinham baínhas, se encontravam todos desfiados.

Vinha no helicóptero o Coronel, Comandante do COP de Teixeira Pinto e o Comandante da Companhia 3420. Ao ver o Furriel naquela figura, o Coronel pergunta se está apresentável... Antes que o furriel Afonso diga alguma coisa, Salgueiro Maia olha para o Coronel e diz:
- Não vê, meu comandante,. que está com uns calções à POP!

O Velhinho, antigo refractário

Havia na Companhia um soldado que quis fugir à tropa e, então deu o salto para França. Mas, quando o irmão foi nomeado padre e disse a 1.ª Missa, não resistiu e, porque era de Monção, atravessou a fronteira para assistir à missa. Com a informação da Pide, o nosso amigo, foi preso e acabou por ter que fazer a tropa pelo que apareceu na Companhia já com os seus 30 anos. Era por isso conhecido como o Velhinho. Este era um elemento do 3.º Grupo de Combate que nas operações gostava de ir sempre à frente com a HK21 e faca de mato à cintura e dizia para o Capitão:
- Se um dia apanho um turra morto, o capitão vai deixar-me cortar uma orelha para fazer um porta-chaves e os testículos para fazer uma bolsa.

Era homem para isso, só que não estava autorizado a fazê-lo.


Guardando as costas dos senhores da guerra do ar condicionado


Havia determinadas datas em que se fazia a chamada Guerra de Bissau. Datas como Natal e Páscoa, datas do aniversário do PAIGC e datas em que Bissau sofreu alguns ataques.

Assim fazia-se deslocar tropa para os sítios donde o IN alguma vez atacou Bissau ou para zonas de onde era possível atacar. Assim, 2 Pelotões da CCav 3420 por duas vezes foram mandados para Nhamate. Foi o 1.º pelotão por 2 dias duma vez e o 3.º de 19 a 24 de Novembro de 1971.



Fizemos Bula – Binar - Nhamate a pé, para ali passar 5 dias. Em Nhamate, estava a Companhia de Artilharia 3330, não só aqui como nos destacamentos de Manga, Unche e Changue mas era em Nhamate a sua sede de comando.

Achamos estranho quando no primeiro dia, ao pôr-do-sol, toca o clarim para a formatura do arriar da Bandeira. É formada a secção em frente mas o engraçado é que depois da bandeira descida, em vez de o Furriel mandar direita volver, manda meia volta volver. E, nesta posição, de costas para o pau da bandeira, cantava-se:
- E viva a Pátria, viva o nosso General! 

Ao mesmo tempo mandavam como que um coice e gritavam:
- PUM!!!

Histórias do Gasparinho

O Comandante desta Companhia inicialmente foi o célebre Capitão Gaspar, mais conhecido por Gasparinho, que como foi promovido a Major foi para a COP de Mansabá. Na altura que estivemos ali, o Capitão Gaspar, já não estava mas as histórias contadas são hilariante e nem parecem ser reais. Eis algumas delas:

1 - Semanalmente de Nhamate ia uma coluna a Binar buscar os reabastecimentos. Era uma longa picada que deveria ser picada devido à hipótese de haver minas na zona. Isso não se fazia. Ou se montava uma HK21 na primeira viatura e se varria a picada à rajada ou então o Capitão Gasparinho picava-a à rajada de G3, tendo para isso sempre ao lado um homem que assim que acabava um carregador de imediato lhe passava outra G3. Era como ele dizia o reconhecimento pelo fogo.

2 - Em Junho de 1971, Bissau é atacado por foguetões de 122 mm. À Companhia do Capitão Gaspar é dada ordem para ocupar a Ponta Cuboi com um Pelotão, evitando outra possível flagelação de Bissau. Era difícil a esta Companhia dividir-se por 4 locais e a Companhia também não tinha rádios para o pessoal a destacar.

O Capitão Gaspar pedia muitas vezes através de mensagem algum material de que necessitava. Como já era demais conhecido em todas as Repartições de Bissau, quase nunca lhe era dado um sim. Desta vez pediu rádios AVP1. Responderam-lhe que Teixeira Pinto tinha sido o homem que havia pacificado a Guiné e conseguiu fazê-lo sem rádios. Resposta por mensagem:
- Então mandem-me o Teixeira Pinto.

Teixeira Pinto não veio mas o Capitão teve de cumprir a missão. Depois do Pelotão ter saído para Ponta Cuboi, enviou nova mensagem para Bissau:

Em referência às vossas mensagens, informo missão cumprida. Solicito autorização contratar 40 guardas-nocturnos a fim de garantir segurança às minhas posições.

O Pelotão de Ponta Cuboi fazia rotação entre os 4 da Companhia e patrulhava a zona 24 horas por dia. Ao sair para este patrulhamento, o Pelotão saía de modo muito original, com os homens equipados e armados em coluna de dois, cantando em coro, ao ritmo da marcha:

Cá vai a 30
Com arquinhos e balões
Vai P’rá Ponta Cuboi
Ver passar os foguetões!


3 - A Companhia de Nhamate necessitava de uns botes para um dos destacamentos patrulhar um rio. Claro que se pedem uns novos a Bissau pois os que existem metem água. Como sempre, a mensagem chega com um não. Mas, como o Capitão Gasparinho não era de desistir, manda nova mensagem dizendo que estava em época das chuvas, o quartel era subterrâneo, as casernas estão inundadas e o 1.º sargento não sabe nadar. E, assim sendo, que mandassem com urgência pelo menos um bote.

4 - Em Nhamate, como em toda a Guiné de vez enquanto aconteciam pequenos tornados, anunciando que pouco tempo depois iria chover torrencialmente. Uma das vezes voaram as chapas que cobriam algumas casernas do destacamento de Nhamate. Então o Capitão Gasparinho envia uma mensagem a todas as Unidades, com grau de urgência relâmpago, nos seguintes termos:

- Solicito e informem se viram passar as minhas chapas de zinco!

(O grau de urgência relâmpago obrigava a cessarem todas as comunicações rádio, pois era normalmente utilizado para pedir evacuações aéreas, quando havia vidas em perigo)

5 - Durante o período do Natal, o General Spínola visitava todas ou quase todas as tropas aquarteladas na Guiné, mesmo aquelas estacionadas em sítios mais perigosos. Deslocava-se quase sempre de Heli e um Heli-Canhão de apoio. Nestas deslocações toda a zona onde ele circulava e os sectores envolventes tinham instruções para toda a rede de rádios estar em escuta permanente. Como estava prevista a ida a Bula, o Comandante do Batalhão de Bula, ordenou que a Companhia do Capitão Gaspar informasse a sede do Batalhão logo que os hélis sobrevoassem Nhamate e se deslocassem para Bula.

Considerando a importância da missão, o Capitão Gaspar achou conveniente ir pessoalmente para o rádio e, assim, logo que ouviu barulho dos hélis a aproximarem-se chamou o comando do Batalhão de Bula ao rádio e informou:

- Informo Vexa (vossa excelência) que Sexa (sua excelência) passou na mecha !!! Terminado.

No dia seguinte todas as unidades do Teatro de Operações da Guiné receberam a seguinte mensagem:

- A partir desta data é expressamente proibido o uso de abreviaturas SEXA e VEXA.

São muitas e muitas as histórias do Capitão Gaspar ou Gasparinho, não só as passadas na Guiné mas também as de Moçambique. O Furriel de Transmissões desta Companhia deve ter um rol delas para contar pois por ele passavam todas as mensagens ou, pelo menos, tinha acesso a elas como responsável. E foi ele um dos que nos contou algumas quando por apenas 5 dias ali estivemos, não estando já lá o Capitão Gasparinho.

6 - E para terminar este rol de aventuras do Capitão Gasparinho, só mais uma história que, segundo consta, chegaram a vender-se cópias a 20$00 em Bissau. Era uma nota enviada de Nhamate em Março de 1971, ao Comandante de Engenharia de Bissau, com conhecimento do Comando Operacional n.º 3, às Repartições de Operações, População, Assuntos Civis e Acção Psicológica e ao Comandante de Batalhão de que dependia a Companhia.

O assunto da nota era o Quartel de Nhamate ou, mais propriamente “O ABARRACAMENTO.”

1 - Exponho a V. Ex.ª um dos assuntos mais vitais para a continuidade militar e humana de Nhamate.

2 - Passo a descriminar:

a) Depósito de Géneros: quando chover fico sem pão pelo menos 15 dias. Julgo que não é muito agradável.
Informo V. Ex.ª que não como pão.
Gordo, estou eu.
E os outros géneros?
E os autos subsequentes?
Só problemas.

b) Casernas: barracas de lona, todas oficialmente dadas incapazes. Na Birmânia, viveu-se assim um ou dois meses. Os quadros vivem-no há dez anos e os milicianos (os meus, de certeza) dão o litro até ao fim.

Os soldados dão tudo. Há que tudo lhes dar na medida do possível.

c) Cantina: e o tabaco? Desde Napoleão e Fredy da Prússia que o tabaco era uma das bases da eficiência do Exército.

Como combater ou trabalhar sem o velho cigarrinho? E os outros Géneros?
V. Exª. mais experiente meditará sobre o assunto.

d) Caserna de cimento: É único exemplar. Vou demoli-lo. Não tenho materiais. Solicito auxílio da Engenharia.

e) Messe: Desde o início das chuvas não necessita de garrafas de água. Basta as mesmas estarem abertas para que se encham com a água da chuva que cai na referida messe; Ponchos e gabardines: já temos.

f) Chapas de Zinco: ao mínimo vento já voaram no Quartel.

g) Gabinete do Comandante e 1.º Sargento: Com as chuvas, eu e o 1.º Sargento só temos como solução entrar no gabinete de escafandro, visto estar 2 metros abaixo da superfície do solo.

h) O meu pessoal só poderá transitar em canoas balantas. E, alguns não sabem nadar.
Conclusão: Siga a marinha!

3 - Este quartel tem de ser revisto por um oficial de Engenharia, senão começo a construir um novo com os materiais dos Reordenamentos, contra a norma, o que é aborrecido, contende com a disciplina e eu não gosto.

4 - Agradecendo a boa atenção de V. Ex.ª, gostaria de aqui ter como convidado um Sr. Oficial de Engenharia por vários dias, a fim de concordar ou condenar as minhas asserções supras.

Cumprimentos

__________

Nota de CV:

Vd. postes de:

26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (José Afonso)

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)

Guiné 63/74 - P4241: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (1): Uma visão redutora do inferno de Gandembel (Alberto Branquinho)

1. Mensagem, de 23 do corrente, do nosso camarada Alberto Branquinho, colaborador assíduo deste blogue, membro da nossa Tabanca Grande, jurista, autor de Cambança (2005) (*), ex-Al Mil, CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel, Canquelifá, 1967/69):


Caro Editor, camarada Carlos Vinhal

O texto que a seguir envio é uma reacção "a quente". Aí vai, antes que decida rasgar.

Um abraço
Alberto Branquinho
CART 1689



REFERÊNCIAS AVULSAS QUE PODEM CONSTRUIR IMAGENS REDUTORAS

Lendo o nº. 9 (ano de 1968) do livro "Os anos da guerra" de [Carlos] Matos Gomes e Aniceto Afonso, vendido em 22 de Abril com o Correio da Manhã, GANDEMBEL merece-lhes referência a pág. 9 e 45 por:

- ter sofrido flagelações com canhões sem recuo, metralhadoras pesadas, LGF e morteiros ENTRE 14 e 20 DE MAIO DE 1968.

PERGUNTO:
- E entre 7 de Abril (data do início da construção de Gandembel) (**) e 14 de Maio ? E depois de 20 de Maio ?

Ficaram, portanto, todos a saber que antes de 14 de Maio e depois de 20 de Maio foi só PAZ E SOSSEGO ! (apesar de os ataques se verificarem várias vezes em alguns dias).
Como a minha CART 1689 saiu de Gandembel em 15 de Maio, não vou acreditar, pelo que sofremos, que esse sofrimento tenha cessado em 14 de Maio. Aliás há notícias de todos esses meses, até ao seu abandono, neste mesmo blogue.

Mas, ATENÇÃO:

- Sempre houve MAIS UM ATAQUE - está na página 72, como legenda de uma gravura. Foi no dia 23 de Agosto E SÓ NESSE DIA. Não há mais (no livro).

E falam, também, na detecção de minas entre Aldeia Formosa e Gandembel em 22 de Agosto. E numa emboscada!!

Horrível !! Pensarão os leigos que lerem. Que dois dias horriveis !...Quando, afinal, foi assim durante tanto tempo !

Além desta emboscada é também referida uma outra (vá lá, já são duas !), com vários fornilhos, entre Guileje e Gandembel. Com vários mortos, incluindo um oficial. Foi em 5 de Junho (v. pág.51).

PERGUNTO:
- E as outras emboscadas (tantas!) com fornilhos e vários mortos e feridos, incluindo uma em 15 de Maio, entre Aldeia Formosa e Gandembel (bem perto!), em que, também, morreu um oficial ? E tantas, tantas outras, porque, como é óbvio, era necessário abastecer Gandembel e "eles" não queriam deixar abastecer.

Melhor teria sido não fazerem estas referências AVULSAS (sem dizerem que são meros exemplos), pois elas transmitem uma IMAGEM REDUTORA da realidade que se viveu a quem não está informado e que, por vezes, tem que informar outros. Como foi o caso do jornalista da "Visão". Que se viveu em Gandembel e em outros lugares de guerra.

Alberto Branquinho
CART 1689
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Notas de L.G.:

(*) Referência encontrada em Richard C. Ramer Old & Rare Books> RECENT PORTUGUESE PUBLICATIONS BULLETIN 54 December 2006 PART XVIII: Fiction

(...) 204. BRANQUINHO, Alberto. Cambança: passagens da morte e da vida em maré baixa. Lisbon: SeteCaminhos, 2005. 8°, orig. illus. wrps. ISBN: 972-602-066-3. $20.00

Short stories based on the author's experiences fighting the colonial wars in Guiné. The author, a lawyer born in 1944, has published Pre/texto (1973) and Sobre/vivências (2004).

**) Vd., entre outros postes, os da série Construtores de Gandembel/Balana:

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2689: Construtores de Gandembel / Balana (2): O papel da CART 1689 (8 de Abril a 15 de Maio de 1968) (Idálio Reis)

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2692: Construtores de Gandembel / Balana (3): Nunca falei em protagonismo pessoal, mas sim da CART 1689 (Alberto Branquinho)

29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2700: Construtores de Gandembel / Balana (4): Estive lá 120 dias, com o meu Pel Caç Nat 55, até ao fim (Hugo Guerra)

1 de Abril de 2008 > Guíné 63/74 - P2708: Construtores de Gandembel / Balana (5): Ponte Balana não era dos piores sítios do Tombali... (Idálio Reis)

[Por lapso, a numeração dos postes desta sértie passou do 5 para o 7]

3 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2715: Construtores de Gandembel / Balana (7): As minhas andanças com o Pel Caç Nat 55, no tempo da CCAÇ 2317 (Hugo Guerra)

8 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2735: Construtores de Gandembel / Balana (8): Vamos reconstruir as plantas dos aquartelamentos (Nuno Rubim)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)

1. Mensagem de José Afonso, ex-Fur Mil da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, com data de 22 de Abril de 2009: 

 Pois, amigo Luís, há muito que não dava notícias sobre a minha passagem pela Guiné, de Julho de 1971 a Outubro de 1973, relatando alguns episódios passados com a CCav 3420, de Salgueiro Maia. 

 Assim envio-te alguns excertos dum trabalho que estou fazendo sobre a História da 3420, valendo-me de documentos da Companhia, do conhecimento dos factos por em muitos deles ter sido interveniente.

 Estou tentando ilustrar essa história com fotos dos vários locais por onde passámos. Sobre Salgueiro Maia (vd. foto a seguir), que dizer mais além de tudo quanto foi dito? Vale neste momento lembrar a resposta à entrevista dada ao Centro de Documentação da Universidade de Coimbra, entrevista transmitida após a sua morte e que a uma pergunta que lhe foi feita sobre se nunca havia sido convidado para desempenhar nenhum cargo politico, ele soube dizer que sim, mas que para aceitar teria de fazer outro 25 de Abril, pois que os nossos políticos tinham mais preocupação em ser bem reformados a ser bem formados. 

 Nos anexos que envio, junto a cópia do cartão que me enviou em resposta a um telegrama que lhe enviei a felicitá-lo pela intervenção no 25 de Abril.

 
ERA UMA VEZ … 


 Assim começam todas as histórias e a minha também, para não fugir à tradição. Certamente estão a pensar que vão ter uma história de Natal, mas enganam-se: esta história é um sumário de muitas histórias, começadas em Março de 1971 em Santa Margarida, e continuada em Bula, Mansoa, Cacheu, Capunga; Pete e Ponta Consolação. 

 A minha história refere a existência de uma colecção de cracks, são eles “OS MAIS…” dos PROGRESSISTAS

 A abrir, o camarada “BIGODES”, assim chamado por ter possuído em tempos um farfalhudo bigode, estilo Gengis Khan, e ter uma maneira de viver que o faz andar sempre de pelos eriçados; não é mau tipo apesar de não topar o Lino nem os turras; nas horas vagas faz versos que até costumam rimar. 

 Vem depois o "VELHINHO", a instituição mais respeitável de Capunga City; é sapateiro remendão, mata vacas, esfola porcos etc. Tem um ar de Golias de trazer por casa, usa os calções mais Pop em todo Teatro de Operações. Há tempos por causa de um macaco; bem, ia sendo o fim da macacada.

 A seguir temos o “CAJADO”, rapaz esbelto, guerrilheiro de todas as panelas, usa faca na liga, que já fez manga de ”mortos”. Passa a vida a refilar com todo o mundo, nunca se sabe bem porquê. 

 Continuemos com o “MOUCO” que em tempos o foi, até um certo dia! Bem não falemos de coisas tristes. Pois o Mouco é homem que trabalha com o morteiro 81, a arma mais técnica que a Companhia possui; é só olhar para o seu aspecto de homem conhecedor de mort. 81, por não se impressionar com o barulho das granadas a sair do tubo. O Mouco é um homem desiludido: passou 17 meses a convencer o pessoal de que é Mouco e ninguém acreditou. 

 Temos a seguir o “TERRINAS”, o homem mais trabalhador da Companhia, e o mais comedor, também conhecido por “RUÇO”; será por isso que é o homem mais procurado pelas bajudas de Pete? É um trabalhador nato, domina todos os ofícios mas considera-se com pouco valor comparado com o da sua noiva. É um homem feliz. 

 Temos ainda o clarim “MATA”, não toca a lavar mas quase. Há 17 meses que toca o clarim que faz uivar todos os cães das redondezas, e não consegui ainda deixar de nos mimosear com as suas fífias. É um homem calmo no tipo dos barmam dos bares do Texas, talvez por isso seja “o homem do tosco”. É especialista em convencer os “gaseados”, para não arranjarem problemas. 

 Vem agora o “RATO” o homem que não gosta de andar de Jeep e que está perto de lerpar o cabelo, porque não fez ainda o “Menino Jesus” para o presépio de Pete. Gosta pouco de beber e é sem dúvida o mais crava da Companhia. Passa o mês a cravar, no fim deste, paga a quem deve e, como fica sem dinheiro volta ao princípio. Bem esperamos que com o 13.º mês o rapaz acerte a escrita. 

 Ao falar do Rato temos que falar no “BARBEIRO”, a alma gémea do Rato, que é o único no género, pois só corta cabelos quando está sem patacão. É o protótipo do soldado do futuro, pequeno para criar pouco alvo; com um capacete onde ele cabe quase todo, cheio de granadas à volta do corpo parece o homem dos pneus Michelin. Com o dinheiro ganho a cortar os cabelos já poderia ter ido à Metrópole, mas como é possuidor das maiores sedes do CTIG, só foi à cerveja; passa a vida a dizer para lhe darem ferramenta nova, pois não tem dinheiro para a comprar. 

 Temos agora o “BARTOLO”, especialista em sopa de nabos, e que afina quando lhe dizem que é triste 
que deixem entrar miúdos para a tropa, ou que ele vai fazer de Menino Jesus no Presépio. 

 Já me esquecia do “GRÁCIO”. Este é o das mil e umas maneiras para conseguir ir a Bula, ou jogar futebol. É sempre voluntário quando a coisa dá para o torto, mas fora disso anda sempre a tentar desenfiar-se. 

 Estes são “OS MAIS”, e por hoje ficamos por aqui, mas, há muitos mais, desconhecidos de que daremos público conhecimento oportunamente. Esta foi a prenda de NATAL publicitária para os crack

Aos simples mortais desejamos um BOM NATAL e um MELHOR ANO NOVO. Em resumo: QUE A COMISSÃO NÃO NOS PESE

. __________ 
UM PROGRESSISTA, 

CAPITÃO SALGUEIRO MAIA 

JORNAL DE 24 de DEZEMBRO DE 1972.

COMENTÁRIO 

 Os Progressistas assistiram estupefactos aos acontecimentos no campo do Sporting num dos últimos domingos. Era visível em todos a consternação e incredulidade. Seria possível? Um árbitro a comer no toutiço ainda por cima daquela maneira? Fizeram-se mesas para comentar o caso e a opinião foi unânime, aqui no campo dos PROGRESSISTAS nunca sucedeu nem pode suceder tal coisa. E, no entanto, todos nós somos profissionais e desejamos ganhar o nosso campeonato. Mas entre nós cada jogador para além do elevado grau de tecnicismo que possui, dispõe também de uma correcção impecável. 

 Mas concretizemos para ver que não falamos de cor: antes de entrarmos em campo, uma das equipes, formada por oficiais e sargentos do QP já vai a ganhar entre 3 a 5 bolas à outra, a dos furriéis. Ora desta maneira já não há aquela ansiedade que estraga e destrói o verdadeiro desporto. Uma equipe ganha e a outra já sabe que perde até porque quando por qualquer motivo imprevisto começa a reduzir a diferença, o nosso Capitão acaba logo com o jogo porque entretanto já se está a fazer noite e a qualidade dos jogadores perde-se. 

 E há exemplos admiráveis de jogadores natos de correcção estrema: é o Monteiro fazendo triangulações e passo dobles; é o Almeida, autêntica locomotiva em ataques furiosos e que terminam algumas vezes no chão por placagem sempre serena do nosso Capitão; é o 1.º Beliz guarda-redes magnífico que com alguns empurrões e muita ciência acaba por dominar a situação; o sargento Pascoal sempre à frente, à espera da bola e nunca consegue terminar nenhuma avançada e, sou eu cuja importância é tão grande no desenrolar do jogo que noutro dia o nosso capitão até me disse: - Saia daí que você está a atrapalhar tudo! 

 Temos ainda o sargento Carreteiro muito bom em discussões futebolísticas mas, uma negação na defesa; o furriel Sancho “el ninho d’ouro”, o máximo que se pode exigir em técnica, pena que ande constantemente com os calções a cair-lhe, não fosse isso, o rapaz daria que falar; também o que nos vale é não haver por estes lados uma “liga dos costumes”. 

 Bem ainda não falamos do “Seringa” que quer que os golos dos furriéis sejam golos quando o nosso capitão considera que, como ninguém pediu autorização para marcar, o golo seja anulado! 

 Depois temos o alferes Mendonça “El Olívia Palito” que cada vez que entra no jogo, arranja um paludismo para os dias seguintes. Esclareço que cada falta ao prélio é paga com um garrafão de verde. 

 Pois é assim. Cá os PROGRESSISTAS não vão em agressões ao árbitro. E, para mostrarem bem que isso nunca sucedeu nem poderá suceder, continuarão a fazer como até aqui. Jogar com delicadeza e quanto a árbitro, “Cá Tem”. 

 Se quer praticar bom brutibol, se quer desenvolver as nódoas negras e os joelhos descascados, se enfim quer ser um homem, então frequente às terças, quintas e domingos, no extraordinário complexo desportivo do estádio “ERVA” em Pete. (BIGODES) 9 de Novembro de 1972 

__________ 

  O TEMA É CRITICA 


 Antes de mais quero dizer a quantos lêem o Jornal dos PROGRESSISTAS que não sou crítico de rádio ou televisão. Sou crítico em exclusivo deste jornal, de que é propriedade a CCav 3420, comandada pelo Capitão de Cavalaria: Fernando José Salgueiro Maia 

 A crítica que vou fazer é sobre a nossa equipa de futebol, já que no último jornal se falou muito de futebol, mas ao que parece o autor do artigo não falou daquilo que devia falar. 

 Falando no valor individual de cada elemento, começo já pelo guarda-redes, o nosso sargento Carreteiro, sem dúvida, bem constituído e com grande poder de elevação mas, pareceu-me que é altura de ser substituído e, o melhor substituto é o Bartolo do depósito de género ou o Paulo, o cozinheiro. A defesa central tem um elemento com longa experiência adquirida ao longo de 4 comissões que já fez no ultramar. 

Trata-se do 1.º sargento Beliz que, quanto a mim parece ter uns quilos a mais mas, como o campeonato está ainda em princípio parece-me ter possibilidades de recuperação. 

Quanto ao sargento Pascoal, é pedra base na equipe, porque consegue estar os 90 minutos no mesmo sítio à espera que a bola lhe venha ter aos pés. Dos furriéis, Sancho e Moreira, prefiro nem falar. 

Quanto ao furriel Gomes consegue ser superior em todos, mas em bigode; temos ainda os furriéis Monteiro, Almeida e Marques. O primeiro em vez de pensar no futebol anda mas é a pensar como pode acontecer faltar o frango aos domingos. 

Estou mesmo a ver que qualquer dia o Santos cozinheiro fica sem os seus frangos que parecem andar a mais cá no destacamento. O segundo é um elemento também muito habilidoso mas muito rafeiro, entrando sempre em falta, mas suponho eu, que um jogador com a sua classe não precisa de fazer tantas faltas sobre o adversário. 

 Temos ainda o Marques, o jogador mais disciplinado que entra em campo, é bom também em técnicas Resta apenas falar no trio da avançada que é composto pelos jogadores: Alferes Simões, Alferes Mendonça e Capitão Maia e, ao que me parece ser este ultimo, o capitão da equipe porque para além de dar ordem para terminar o jogo quando está a perder, está constantemente a dizer aos espectadores para que saiam para fora do arame farpado. 

 Quanto ao alferes Mendonça que nem mesmo a tomar leite em pó com flocos de cereais, não consegue dar um pontapé certeiro. O alferes Simões, é um jogador de cabeça e que joga sempre à vontade, talvez por daqui a uns meses ir no “gosse” para a Metrópole. O capitão Salgueiro Maia, parece-me ter medo da disputa de bolas de cabeça. Talvez seja derivado, a trazer sempre o cabelo curto, não deixa, no entanto de ser um bom extremo esquerdo e cheio de dinamismo e iniciativas que, por vezes são perigosas para o guarda-redes. 

 Resumindo e fazendo um balanço colectivo, parece-me que toda a equipa precisa de preparação física adequada e, essa preparação podia ser dada da seguinte maneira: Juntar todos os jogadores em grupos de 4 e fazerem talvez uns blocos de cimento pelo menos, sempre contribuíam para o bem estar de todos e, ainda para uma “GUINÉ MELHOR” 

 Eu peço desculpa quanto à crítica. Não foi feita para prejudicar ninguém mas sim, para que o jornal em vez de 4 folhas comece a ter 6, se possível. Para isso, precisamos de mais colaboradores. (SOLDADO JOÃO RIBEIRO) SETEMBRO de 1972

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Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)

1. Mensagem de João Seabra, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Piratas de Guileje (Guileje, 1972/73), com data de 18 de Fevereiro de 2009:

Caro Luís,

Pedindo desculpa por o fazer tão tardiamente, volto à vexata quaestio de Guileje/Gadamael.

Já tinha dado a entender que a minha colaboração não seria muito fluente, por razões que expliquei: os nossos amigos do QP (Coutinho e Lima, Miguel Pessoa, Martins de Matos, Nuno Rubim) estão na reserva – e eu não sei o que me estará ainda reservado.

Nunca gostei da expressão "cerco de Guileje" (se bem que, em certo sentido, possa ser apropriada) e – em texto de 2005 publicado no P63/74 de 27/1 – exprimo-me assim "Guileje foi isolado mediante a interdição dos seus acessos rodoviários a Gadamael e à água potável …". E, acima, refiro que Guileje era um destacamento "dependente, para o seu aprovisionamento de complicadas colunas rodoviárias múltiplas, de e para Gadamael, com uma pontualidade que poderia servir de exemplo à CP…".

Convém que estas afirmações sejam melhor explicitadas – nomeadamente no que se refere às colunas Guileje/Gadamael/Guileje aproveitando, para expressar uma sincera homenagem a duas unidades da FAP que muito admiro: a BA 12 (especialmente aos pilotos de Fiat G-91) e o BCP 12 e para fazer alguns comentários à última mensagem de António Matos Martins (*).

Numa próxima oportunidade enviarei uma mensagem, a qual – para alívio geral – será, espero, a última sobre este tema.

Em anexo, vai então um ficheiro, cujo interesse para publicação – de uma vez só ou fraccionadamente – deixo ao teu critério: é o Pastelão II, o qual, como é da praxe, é maior e mais temível do que o primeiro.

Abraço
João Seabra


Força Aérea, o BCP12 e a Coluna Guileje/Gadamael/Guileje (*)


A. Eu e a Força Aérea na Guiné


Refere António Martins de Matos, numa das suas mensagens, que a FAP na Guiné é (foi) muitas vezes esquecida e injustiçada.

Mas não por mim, certamente.

Sempre tive o maior respeito por este Ramo, por todas as suas acções de apoio, de projecção de forças helitransportadas, etc., desempenhadas, muitas vezes, em situações-limite, e com meios insuficientes.

Mas ao respeito acresce uma genuína e profunda admiração – que não é de agora – quando se trata de voo de combate.

E à admiração junta-se alguma inveja da minha parte, quando leio os textos do Miguel Pessoa e do Sr. Tenente-Coronel J. Pinto Ferreira: que capacidade para transmitir, clara e concisamente, tanta informação relevante, pontuando aspectos técnicos e acontecimentos trágicos com notas do mais fino humor!

Tal admiração que já vinha do antecedente, torna-se agora superlativa, ao tomar conhecimento cabal do esforço e da perícia exigidas aos 6 (seis!) técnicos pilotos de Fiat G-91 existentes na Guiné nos meses de Abril, Maio e Junho de 1973.

O que fica dito é evidentemente extensivo ao António Martins de Matos, apesar das nossas divergências em relação às concretas questões de que agora se trata.

E é justamente ao António Martins de Matos que eu peço para – em relação ao seu propósito de não escrever mais sobre este tema – abrir a seguinte excepção:
- Escreve-se no P3737 de 14/1/2009 (1) que "o ataque a Gadamael foi sustido depois de se ter bombardeado Kandiafara",

- Interessa-me (e interessará a muita gente) saber em que dia (ou dias) se verificou tal bombardeamento, quais os meios e armas utilizados, e, supondo que o respectivo resultado não foi fotografado ou filmado, quais as notícias que há a tal respeito, de que fontes, se foram observadas explosões secundárias, por quem e em que circunstâncias.

Se o António Martins de Matos não quiser (ou não puder) satisfazer a nossa curiosidade, servindo-se da sua Caderneta de Serviço Aéreo, ou de outros elementos, apelo para o Miguel Pessoa nos mesmos termos e para os mesmos efeitos.

B. Factos, argumentos, especulações, opiniões, interpretações e juízos de valor

Ao ler o P3872 (2) de António Martins de Matos (AMM), lembrei-me do último de uma série de e-mails que enviei, no ano passado, ao Nuno Rubim, que estava de partida para o Simpósio sobre o Guileje, prestando-lhe uma série de informações que ele me pediu, e lá encontrei o seguinte trecho:

"Não dê como bom tudo o que lhe conto, sem exame crítico e confronto com outras fontes".

Neste aspecto o trabalho do historiador tem certas semelhanças com o tratamento de informações militares.

No meu caso especial – além de eventuais falhas de memória e lapsos de percepção – há dois factores que podem afectar o meu discernimento:

- a minha lealdade ao Coronel Coutinho e Lima;
- a minha admiração sem limites pelo BCP 12.

Aliás, do lado do PAIGC também avultam certas, por assim dizer, liberdades poéticas, como, por exemplo, a do assalto a Guileje.

Vendo recentemente o filme “As Duas Faces da Guerra”, ouvi o Sr. Presidente da República de Cabo Verde dizer que uma coluna de Guileje para Gadamael tinha sido esmagada.

Portanto, este vosso amigo, a bem dizer, deveria ter contemplado todas estas peripécias – não do alto, como AMM – mas junto do Altíssimo.

Além disso, há também aqui uma motivação pessoal muito importante: se, na altura própria não discordei da decisão do Coronel Coutinho e Lima, seria asqueroso que agora o fizesse.

Não há, no que antecede, qualquer honestidade especial ou probidade intelectual a louvar. Aliás, na minha primeira intervenção, e antes de a tal ter sido perguntado, “aos costumes disse logo que me considero amigo do Coronel Coutinho e Lima”.

Dito isto, entendo que se se procura o registo do que efectivamente aconteceu – prescindindo do testemunho dos que estiveram em Guileje (de um lado e do outro) em Maio de 73 – o melhor é desistir já.

Os depoimentos de quem tem interesses especiais nas questões a resolver, não podem, nem devem, ser postos de parte. Devem, isso sim, ser ponderados com especiais cautelas, em função da sua consistência interna, e do confronto com outros elementos de prova.

Dirá AMM que não foi isso que disse. Mas é isso que vai pressuposto ou sugerido quando afirma que “devem ser os que não estiveram em Guileje que podem fazer uma análise crítica dos acontecimentos, pela simples razão que poderão fazer esse estudo com a cabeça e não como coração”.

Vai aqui implícito – mas não demonstrado – que quem não esteve em Guileje, por esse simples facto, está isento de “paixões demagógicas e de ideias pré-concebidas” (não gosto da expressão, mas é certo que está consagrada).

E, à cautela, ainda considera, dentro da vasta classe dos que “não estiveram em Guileje”, uma categoria residual: a dos que não pensam, porque se pensassem, pensariam como ele (AMM).

Sucede que é virtualmente impossível que alguém tenha estado na Guiné em 1973 não tenha qualquer ideia pré-concebida sobre os acontecimentos de Guileje.

Mais que não seja, porque a retirada, não autorizada pelo Comandante-Chefe, de uma guarnição de um destacamento, cria logo uma fortíssima aparência desfavorável, propícia a toda a espécie de pré-conceitos, pré-juízos, ou mesmo juízos sumários (que são naturais e não têm nada de censurável).

Veja-se, a este propósito, o Post 3881 de 12 Fevereiro (3), pelo Vasco da Gama, que afirma com toda a franqueza, que teve receio pela vinda da CCAV 8350 para o Cumbijã, achando melhor falar previamente com os seus homens a tal respeito.

Se se tratasse de submeter, agora, o sucedido em Guileje a qualquer tipo de julgamento – nem que fosse o célebre julgamento da história - aceitaria de bom grado a minha exclusão do júri, em nome da necessária distinção entre parte e julgador (mas teria sempre o direito de ser ouvido).

Mas como, segundo AMM, “não se trata de encontrar culpados ou inocentes”, não me considero desqualificado para o debate.

Dito isto, reconheço as minhas limitações, e não só aceito como agradeço a quem me quiser corrigir.

Afinal, corrigir os ignorantes é uma das obras de misericórdia espirituais (suponho até que vem logo a seguir a consolar os aflitos).

Àcerca da célebre distinção entre facto e opinião, diria que é muito mais árdua do que parece.

Aliás, diria mesmo que, em se tratando de condutas humanas – mesmo as mais triviais (bola na mão ou mão na bola, quem é que promoveu o contacto, etc.) – há sempre um vasto campo para a opinião.

Ensina-me até a minha experiência profissional, que é muito raro que duas, ou mais, pessoas que presenciaram o mesmo acontecimento o descrevam da mesma maneira (e, se o fizerem, é melhor desconfiar).

Ademais os factos são estabelecidos mediante provas, e no exame crítico das provas avultam sempre juízos de valor (portanto matéria de opinião), mais que não seja sobre o respectivo valor de convicção ou valor probatório.

Aliás, basta ligar a televisão para perceber que é muito frequente que as pessoas que mais estridentemente protestam, reportar-se só a factos, (por oposição a opiniões) terem a irresistível tendência para enunciarem, principalmente, conclusões destituídas de premissas ou fórmulas passe partout.

Finalmente, gostaria de acentuar o óbvio: os factos precisam de ser interpretados, só assim se apura o seu sentido e alcance ou, se quiserem, o seu significado.

Já em matéria de alcance de armas, pode-se aplicar a velha máxima, segundo a qual o material tem sempre razão (salvo avaria ou deterioração das munições).

No livro a Retirada do Guileje, há várias alusões a um canhão 85mm, a armas novas, a projécteis muito rápidos, a situações em que o lapso de tempo entre a saída e o impacto é de 3 ou 4 a 5 segundos, ou mesmo em que há o impacto primeiro e só depois se ouve a saída.

Confortavelmente instalado, e 36 anos depois, resolvi fazer uma busca apressada pelo WordWide Equipement, e lá encontrei as seguintes armas de artilharia de campanha:

a. O canhão (ou peça) soviético de 85 mm D44 (fotografia em anexo)

- Alcance em tiro indirecto: 15,65 Km
- Velocidade do projéctil à saída do cano: 1030 m/s
- Peso da granada: 10 Kg.
- Não é um canhão sem recuo. Tem um recuperador hidráulico.
- Foi produzido entre 1945 e 1953.

b. A peça de 130 mm M-46 modelo 1954, soviética (fotografia em anexo)

- Alcance em tiro indirecto c/projéctil Frag-HE OF-44: 22,5 Km
- Velocidade do projéctil à saída do cano: 930 m/s
- Peso da munição completa: 33 Kg

É hoje minha convicção que estas armas terão sido intensivamente utilizadas contra a nossa posição de Guileje, uma delas (a peça 85 mm) muito mais frequentemente do que a outra, e muito plausivelmente faziam fogo a partir da Guiné-Conacri. Suponho até que uma parte muito substancial do fogo IN teria essa origem.

A distância de Guileje ao ponto mais próximo da fronteira é de 7,5 Km; de Guileje a Kandiafara, em linha recta, é de 17,4 Km; e de Kandiafara a Gadamael, também em linha recta, 21,8 Km (Google Earth).

Mas lá está: é preciso mudar de armas.

Quer isto dizer que eu concordo com a tese de AMM? Não concordo.

Por um lado não atribuo o relevo que ele dá à questão de saber se o fogo de artilharia do IN vinha de dentro do nosso território ou da fronteira. Pelo contrário: acho que é uma questão relativamente secundária – por motivos que explicarei numa próxima oportunidade.

Por outro lado, entendo que houve fogo de outras armas:

- morteiro pesado 120 mm, se bem que utilizado de noite e em muito menor grau do que se verificou em Gadamael;

- canhão sem recuo B10 de 82 mm, arma muito portátil (no fundo tem certas semelhanças, de princípios de funcionamento, com alguns LGF, mas mais pesado e com maior alcance);

- morteiro 82 mm, o qual fazia parte da dotação dos bigrupos do IN.

Todas estas armas faziam, obrigatoriamente, fogo do lado de cá da fronteira.
As peças de artilharia de campanha são mais difíceis de regular do que os morteiros. As acima referidas estavam perfeitamente reguladas para Guileje: ao contrário do que sucedia em flagelações anteriores, a percentagem de impactos dentro do perímetro do aquartelamento excedia os 90%, melhorando de dia para dia.

Já em Gadamael o IN nunca conseguiu regular capazmente o tiro destas peças: ao fim de 24 horas de experiência, já sabia que os projécteis supersónicos caíam, na sua maior parte, na margem oposta do braço do rio Cacine que por lá passava, ou, quando muito, junto ao arame, pelo lado poente.

Já o morteiro pesado 120mm aí (em Gadamael) foi utilizado com grande intensidade e precisão, seguindo todas as movimentações mais significativas de pessoal dentro do quartel.

Não me pareceu que o GRAD 122 mm (Katiusha) tenha sido utilizado contra Guileje.

Foi-o todavia em Gadamael com uma certa precisão. Como é que sei? Vi restos dos respectivos projécteis, designadamente numa enorme cratera na parte inferior da pista.

Evidentemente que valem sempre – para o que antecede como para o que se segue – as prevenções anteriormente feitas para os meus eventuais lapsos de memória e erros de percepção.

Quem assim o entender, poderá conjecturar que a operação sobre Guileje foi cuidadosamente planeada, e que Gadamael terá sido um, por assim dizer, alvo de oportunidade, para o qual se aproveitou um poderoso dispositivo já reunido.

Também se poderá fazer suposições sobre o que ainda sobrava para Guileje, senão ocorresse a retirada: entre 31 de Maio e 2 de Junho houve tantos impactos dentro de Gadamael, como em Guileje durante quatro dias.

Em Gadamael, fiz uma observação muito mais aprofundada do tiro de armas pesadas do IN e dos seus efeitos do eu em Guileje.

Aliás em Guileje adquiri uma aversão especial e duas coisas: abrigos (preferi valas bem feitas e visão desimpedida para as orientações do fogo IN, e clara percepção dos seus efeitos acústicos) e itinerários obrigatórios.

Escusado será dizer que valas bem feitas (bons parapeitos, estreitas e profundas, em linha quebrada com um homem em cada segmento), era coisa que não existia em Guileje. E muito menos em Gadamael, onde, inicialmente, as valas, que não chegavam para toda a gente, eram largas e com cerca de 50cm de profundidade (quando muito), em segmentos de linha recta de grande extensão, de tal modo que, cada granada que lá caísse, enfiava logo três ou quatro pessoas.

C. O BCP 12

Quando a CCP 122 (transportada pelo rio Cacine) chegou a Gadamael, vindo da península do Catanhez (no dia 2JUN73 e não no dia 3, como saiu por lapso em meu escrito anterior), trazia consigo um conhecido meu: o Alferes Miliciano Pára Afonso, que andou no Liceu D. João de Castro com um dos meus irmãos.

Fomos conversando, e ele apresentou-me ao Comandante da sua Companhia, o Capitão Pára Terras Marques e, posteriormente, ao Comandante da CCP 123 Capitão Pára Cordeiro (morto estupidamente num acidente ocorrido num salto de grande altitude).

Se bem me recordo, a CCP 122 tomou posição ao longo do lado poente da Tabanca, paralelamente à pista. A sensação que eu tive, nos primeiros contactos, foi a de que aquela tropa já tinha sido puxada até aos limites, principalmente na complexa ocupação da península do Catanhez e, eventualmente, em outras operações.

No primeiro dia, constatei que a CCP 122 levava, talvez, vinte minutos a tentar sair do aquartelamento: a qualidade do fogo inimigo era tal, que dirigiam flagelações para os pontos onde se tentavam as saídas, orientados por um posto de observação avançada, situado (como se veio a descobrir) num local imediatamente a sul do braço do rio Cacine que passava por Gadamael, e numa quota relativamente mais alta, porque o quartel desenvolvia-se em declive suave até ao rio.

Muitas vezes, os bigrupos e as Companhias só se conseguiam agrupar já fora do arame. Notei que as tropas - pára-quedistas – devido ao seu treino e mentalidade eminentemente ofensivos – reagiam, às vezes, um pouco temperamentalmente ao facto de se verem batidas passivamente, no aquartelamento, pelo fogo das armas pesadas do IN.

De qualquer modo, diria que passavam muito mais tempo fora do que dentro do aquartelamento, tendo sempre em Cacine, em recuperação, uma das Companhias.

Pois bem: o dispositivo do IN em torno de Gadamael foi, ao longo de três ou quatro semanas de operações, literalmente empurrado pelo BCP 12, desde o arame de Gadamael até bem para lá da fronteira com a Guiné-Conacri.

O fogo do IN foi perdendo não só intensidade como, sobretudo, qualidade (à medida que lhe era negada a observação avançada), e as, por assim dizer, bases de fogos que tivesse a veleidade de manter, dentro do alcance de Gadamael, seriam inevitavelmente cercadas e aniquiladas.

Evidentemente que a FAP desempenhou aqui um importante papel: o seu apoio de fogo às operações do BCP 12 foi intensíssimo.

Contra ela o IN reagia com tudo o que tinha disponível, além do Strela (sobre cujo uso só posso conjecturar), recordo-me distintamente de ouvir insistente fogo de anti-aérea convencional, provavelmente de quádruplas.

Efectivamente os Fiat G91 estavam, nessa altura, pintados de cinzento metálico. Julgo até recordar-me de um dos seus indicativos rádio: "Níquel" (mas também posso estar a divagar).

Suponho que havia todo um histórico de colaboração profissional entre o BCP 12 e os pilotos de Fiat-G91, que tornava a combinação muito eficiente.

A este propósito, o António Martins de Matos tem toda a razão: o apoio de fogo pela FAP tem toda a sua eficácia muito condicionada à colaboração das forças terrestres, e compreendo a exasperação de um piloto que só obtém indicações vagas.

Em 21 de Junho de 73, a CCP 121, comandada pelo então Tenente (hoje Major General) Hugo Borges, aproveitando o barulho da chuva torrencial, conseguiu cercar um importante acampamento do IN 8 Km a sudeste de Gadamael – tendo conseguido entrar dentro das valas deles e aberto fogo a partir daí.

Não consigo descrever os metros cúbicos de armamento e munições capturados, parte dele transportado em Zebro do DFE n.º 22 para Cacine, e o restante, por terra, para Gadamael.

Foi esta mesma Companhia que, em 23 de Maio, saiu de Binta e chegou a Guidage, sofrendo quatro mortos embora a coluna, e os elementos dos DFE n.ºs 1 e 4 que a acompanhavam, terem tido de voltar para trás.

Nem esta Companhia, nem o Batalhão, tiveram qualquer condecoração, individual ou colectiva, por estas acções.

Segundo a verdade oficial da época, salvaram Gadamael o Capitão (Major General) Manuel Soares Monge, e o Coronel (Major General) Rafael Durão.

O primeiro destes oficiais é, sem dúvida, uma pessoa inteligente e sensata, e a sua influência junto do General Comandante-Chefe terá, certamente, contribuído para que tenham sido, tardiamente, tomadas as decisões que se impunham sobre Gadamael.

Como escrevi ao Nuno Rubim, compreendo que aos responsáveis, actuais e passados, da Guiné Bissau não lhe apeteça organizar um simpósio sobre a temática compreensiva de Guileje e Gadamael.

Mas que os nossos responsáveis, à época das ocorrências, tenham votado ao esquecimento o desempenho do BCP 12 em Gadamael, é triste. Muito triste.

Uns dias antes do sucesso da CCP 121, a CCP 122 teve a infelicidade de cair em forte emboscada, onde sofreu, parece-me, cerca de quinze feridos, os quais vieram aos ombros dos seus companheiros até ao aquartelamento, e daí foram evacuados por sintex ou Zebros para Cacine.

Foi portanto com grande surpresa que li o P3783 (4) de António Martins de Matos, onde refere ter o Major Raul Folques, ferido, dito por rádio: “Ó Tigres, não se vão embora que estes… querem deixar-me aqui, sozinho”.

Como também me surpreende, a referência, na operação Ametista Real, a desaparecidos (três, segundo Matos Gomes, treze segundo Almeida Bruno) – mas aqui a surpresa resulta certamente da ignorância das circunstâncias concretas.

Especulando com meras aparências, poderia dizer que o BCP 12 tinha uma, por assim dizer, técnica de combate diferente.

Não quero deixar passar a oportunidade sem homenagear a memória do Sr. Tenente Coronel (Coronel Pára) Sílvio Araújo e Sá, Comandante do BCP 12 e do COP5 desde 5/6/73.

Admito que a extremidade do esforço a que teve de submeter a sua unidade, lhe tenha proporcionado inimizades dentro dos seus subordinados.

Para mim, no entanto, constituiu uma grande novidade: um Comandante perfeitamente lúcido (numa altura em que os mais altos responsáveis andavam à deriva, a começar pela General Comandante-Chefe), que tinha uma noção precisa da situação, e os meios indispensáveis para sobre ela actuar.

Convém salientar que o BCP 12 actuou em Gadamael abordando o IN, e o seu dispositivo, nas circunstâncias e nas oportunidades que entendia, e que eram as escolhidas pelo seu perspicaz oficial de operações Major (Coronel) Moura Calheiros, sem quaisquer restrições impostas pelo uso de itinerários obrigatórios ou constrangimentos de abastecimento e rotação de pessoal, o que tudo fluía, à vontade, pelo Rio Cacine.

Fica então aqui este testemunho de um não-pára-quedista, que eu entendo dever prestar, porque, tanto quanto os conheço, se nos dirigirmos à maior parte deles, é difícil arrancar-lhes mais que cinco palavras: - “Fez-se o que foi preciso”.

D. A Coluna Guileje-Gadamael-Guileje

1. Como já referi, Guileje dependia, em absoluto, de colunas de reabastecimento de e para Gadamael, cujo processo de execução se passa a sumariar:

a. Saíam de Guileje dois pelotões da respectiva Companhia e uma secção de milícias picando a estrada;

b. À frente ia a milícia, a qual, a partir da ramificação, para Guileje, da estrada Gadamael-Gadembel (ponto B do extracto de carta em anexo, e de ora em diante o cruzamento) flanqueava a estrada, isto é: seguia um itinerário paralelo, a 30 ou 40 metros da mesma, do lado da fronteira;

c. O pelotão da frente da nossa Companhia (determinado por escala), prosseguia pela estrada, indo estacionar perto de um pontão sobre o rio Bendugo, cerca de 5 Km adiante do dito cruzamento, no limite da Zona de acção da Companhia;

d. O pelotão de trás instalava-se no cruzamento;

e. Do lado de Gadamael adoptavam-se disposições idênticas;

f. Estabelecida a segurança lateral do lado da fronteira, partiam: uma coluna (carregada) de Gadamael para Guileje, e outra de Guileje para Gadamael para ir aí carregar;

g. Ambas as colunas levavam embarcado um pelotão das respectivas Companhias;

h. A coluna de Guileje levava ainda uma autometralhadora Fox (c/duas metralhadoras pesadas Browning 12,7 e 7,9) e uma viatura descoberta White com uma Breda 7,9 mm;

i. A coluna de Gadamael para Guileje levava uma viatura White;

j. A estrada era muito apertada, a mata, de ambos os lados, muito fechada, e o único sítio onde as duas colunas se podiam cruzar era, justamente, perto do pontão sobre o rio Bendugo: a que chegasse primeiro, esperava pela outra;

k. A coluna de Gadamael descarregava em Guileje e regressava;

l. A coluna de Guileje carregava em Gadamael e regressava;

m. Concluídas estas extraordinárias manobras (que se iniciavam pelas 7.00h), os pelotões de segurança apeados regressavam aos aquartelamentos respectivos (o que sucedia pelas 15.00h)

n. Durante a execução das colunas estava estacionada (parece-me) na pista de Guileje, uma DO-27 armada com rokets e foguetes. A partir de Abril as colunas deixaram de contar com protecção aérea por este meio.

Estas manobras, que envolviam cerca de 80% do efectivo de cada Companhia, não tinham, para o Comando-Chefe, a consideração de actividade operacional.

Entre Junho e Outubro todas as linhas de água que passavam por esta estrada transbordavam, e Guileje ficava isolada de Gadamael durante 4 meses. Razão pela qual, durante o mês de Maio, as colunas se efectuavam dia-sim, dia-não, seguindo sempre os mesmos horários e rotinas.

Tal frequência, comprometia, inevitavelmente, a actividade de patrulhamento das duas Companhias envolvidas.

No caso particular do ano de 1973, era necessário pôr em Guileje todos os abastecimentos necessários para 4 meses de isolamento, e ainda os obuses 14 cm que chegavam, levar as peças 11,4 cm, que partiam, e respectivas munições, o que poderia determinar que as colunas viessem a ser diárias.

2. Combates do dia 18 de Maio de 1973

Na semana anterior, por ordem do Major (Coronel) Coutinho e Lima, saí com o meu pelotão para tentar regular o tiro de um morteiro 10,7 cm (o outro foi requisitado, com as respectivas munições para Cufar), para o chamado cruzamento (ponto B da carta em anexo).

Após várias tentativas e aproximações, julguei aperceber-me de dois ou três impactos, senão no cruzamento, pelo menos lá perto.

Aproximei-me para tentar o reconhecimento dos pontos de impacto, mas não consegui, por a mata ser muito densa.

No dia 18 de Maio de 1973, às 7.00h, saíram de Guileje, por esta ordem:

- uma secção de milícias reforçada;
- o pelotão do alferes Manuel Reis, destinado a estacionar no Bendugo;
- o meu pelotão, destinado a estacionar no cruzamento.

Como se verá, com início a 200 ou 250 metros do cruzamento, o IN tinha instalado, na estrada, 16 a 18 potentes fornilhos, os quais, por serem accionados à distância por um dispositivo eléctrico, podiam ser enterrados a profundidade que evitasse a sua detecção pelas picas – trabalho de sapadores especiais.

Tinha chovido durante a noite, e o sargento de milícias deparou-se com uma pegada (livro a Retirada de Guileje), ou com um troço de fio eléctrico (segundo me contaram outros milícias), e começou a sondar com a pica.

Foi logo abatido, eventualmente por um atirador especial.

Imediatamente todos (ou grande parte) dos fornilhos foram accionados (prematuramente) por controlo remoto, seguindo-se uma fortíssima acção de fogo do inimigo (várias metralhadoras ligeiras e LGF RPG7), causando imediatamente 4 feridos graves e alguns ligeiros, além do morto já referenciado.
O morteiro 10,7cm do aquartelamento fez dois ou três tiros, tendo suspendido o fogo por indicação do alferes Manuel Reis porque as granadas quase caíram em cima do nosso pessoal.

Refira-se que havia um único especialista em armas pesadas de infantaria, o Furriel Mil Neves, que estava incluído no GC do Alferes Manuel Reis, estando o tiro de morteiro 10,7 , nesse dia, cometido ao 1.º Sargento encarregado do material Dias Ferreira.

E porque é que o Manuel Reis levou o único especialista em morteiros pesados da Companhia? Provavelmente porque não tinha outro Furriel disponível.

Enquanto isto se passava, eu estava situado no pontão do rio Mangojá, e pensei abrir fogo de morteiro 60mm.

Acabei por não o fazer, por não ter confiança, nem em mim próprio, nem no atirador habitual, para fazer tiro indirecto a tão curta distância, temendo um acidente por fogo amigo.

Entretanto o Manuel Reis recuou, trazendo os feridos graves, e cedeu-me a vez. Já tinha levado a sua dose (e que dose!).

Ficaram junto da cratera do 1.º fornilho, o cadáver do sargento da milícia e várias armas.

Pedi via rádio, que transmitissem ao Capitão Quintas que pretendia que me enviassem a Fox, a White, um unimogue e dois morteiros 60 mm e respectivos pratos.

Com cerca de 12 homens do meu pelotão (e dois do pelotão do Manuel Reis que se voluntariaram, vindo um deles a morrer) saímos da estrada para a esquerda (em relação ao sentido da nossa marcha) em linha pelo resto da lala do rio Magojá, fazendo fogo para a orla do mato denso com tudo o que tínhamos (dilagramas, LGF 8,9 etc.).

Reentrámos na estrada no local onde estavam o cadáver do Sargento de milícias e as armas abandonadas, e avancei até à cratera aberta pelo 3.º fornilho.

Entretanto, chegou à estrada (pontão sobre o rio Mangojá) não o que eu tinha pedido (Fox e Unimogue) mas a coluna completa, com a Fox em 2.ª posição.

Voltei a correr para trás, soltando todas as improprérios que me vieram à cabeça.

Enfim, tristes figuras.

Conseguimos que a Fox passasse para a frente, e tomasse posição imediatamente antes da cratera do 1.º fornilho.

O pelotão da CCaç 3520 (Companhia de Cacine) que estava de reforço a Guileje, apeou-se no ponto A, do extracto de carta anexo, e aí ficou.

Na coluna vieram mais quatro milícias entre as quais o velho Adulai Sila ou Adulai caçador (morreu em Gadamael) cuja presença me acalmou.

Entretanto, passou por mim disparado um corrécio – Furriel Mil Op Esp Marques dos Santos, transferido para o COP5 na sequência de uma punição - transportando um morteiro 60mm sem prato e uma caixa das respectivas granadas, que me ultrapassou em cerca de 20 metros (ainda lhe gritei: - Pára aí!).

Seguiu-se nova e violenta acção de fogo do IN (metralhadoras ligeiras e RPG7).

Na altura eu estava em pé na estrada (que estupidez!), com um LGF 8,9 nas mãos, que um milícia (Tala Camará) tentava municiar.

O dito milícia levou um tiro que lhe entrou por debaixo da clavícula esquerda e lhe saiu por cima da omoplata do mesmo lado, mas só carne limpa.

Saltei para dentro da cratera do 3.º fornilho, arrastando-o comigo.

As Browning 12,7 e 7,9 da Fox (que enfiavam a estrada), responderam ao fogo IN, enquanto este durou.

O 1.º Cabo Rabaço, do pelotão do Manuel Reis, que estava duas ou três posições atrás de mim (com o lança rockets de 37 mm), foi atingido por estilhaços do RPG7, sendo que, ao que julgo lembrar-me, um deles se terá cravado entre duas vértebras. Morreu no quartel, 3,5 horas depois, por falta de evacuação.

O Furriel Marques dos Santos escapou miraculosamente, mas deixou, no ponto onde retrocedeu, o morteiro 60 e respectiva caixa de granadas.

Nunca pensei que 20 metros fossem uma distância tão grande. Enfim, eu e o Adulai Sila lá fomos, em sprint, buscar o morteiro e as granadas, e só à volta o IN reagiu pelo fogo.

Lembro-me que mergulhei para a cratera do 3.º ou 4.º fornilho de tal maneira que parti a coronha da G3.

Enquanto isto, não consegui restabelecer o fogo do morteiro 10,7. Um obus 14 terá feito 55 a 70 tiros, tendo os projécteis caído in the middle of nowhere, alguns, muito para sudeste do cruzamento (já me referi em escrito anterior, aos problemas de falta de regulação do tiro desta arma).

Retirámos para a aquartelamento, tendo a Fox de fazer mais de 100 metros em marcha atrás.

Da parte do inimigo não me parece que tenham praticado um grande feito de armas.

Perante pouco mais de uma dúzia de espontâneos, vagamente comandados por um atarantado alferes, tinham a obrigação de nos abater ou capturar a todos.

Não me parece que uma Fox imobilizada fosse grande obstáculo para uma dúzia de RPG2 e RPG7.

Tudo visto, não apanharam uma arma sequer.

Não houve apoio aéreo por falta de condições meteorológicas (nuvens baixas?).

A Repoper recomendou que, de futuro, se coordenassem as colunas com as condições meteorológicas adequadas.

O que o Coronel Coutinho e Lima poderia fazer talvez (e digo-o sem raiva) – lançando cartas de Tarot.

Ainda por cima, atenta a minha rudimentar instrução militar, confesso que não saberia como lidar com um ATAP, na modalidade de bombardeamento a picar, com bombas de 750 libras, lançadas dos 5000 pés.

Provavelmente, teríamos que nos dirigir para o ponto A da carta anexa, e depois ir reconhecer o resultado.

E nem quero imaginar o que seria, se o ATAP fosse dirigido a partir do aquartelamento.

Quanto ao efectivo que nos emboscou, estimo-o em um bigrupo (40 homens, fora os sapadores especiais) talvez um bigrupo reforçado (70 homens) das FAN (forças armadas nacionais) e não das FAL (forças armadas locais).

Como?

a. Considerando a intensidade do fogo de metralhadoras ligeiras Degtyarev: não seriam menos do que 4 ou 5 destas armas.

b. O fogo de RPG7 foi intenso, sempre enfiando a estrada. Nas imediações do ponto B a mata é densíssima e é impossível usar esta arma. Onde a mata abre, e é possível dispará-la é no cruzamento propriamente dito. Calculo portanto que o dispositivo inimigo teria uma extensão de 200 a 250 metros.

Evidentemente que só poderia ter a certeza se mandasse parar a guerra com um apito, e passasse revista à subunidade inimiga (podia ser que encontrasse algum tão mal ataviado como o Vasco da Gama).

E como é que eu sei que havia 16 a 18 fornilhos e não menos?

A bem dizer não sei: só fui até à 6.ª cratera. Penso todavia, ter visto mais duas à frente.

O Comandante Fefé Cofre do PAIGC refere 18 fornilhos comandados por “cordão que ia até aos abrigos dos sapadores” (“As Duas Faces da Guerra”, testemunho a considerar com as reservas já enunciadas).

Posto isto, pode-se conjecturar sobre o que deveríamos ter feito.

Envolver o IN?

Com o efectivo disponível, não sei quem é que envolveria quem. Ademais o IN deveria ter-se prevenido contra essa manobra, quer com minas e armadilhas (aproveitando os seus sapadores) quer com uma equipa de reserva por detrás do seu dispositivo.

Sondar, mais profundamente, a zona de morte da emboscada? Até onde? Até ao 10.º fornilho? Até ao 18.º?

Uma coisa tenho eu por certa: se não fosse o Sargento da milícia Jan Samba, e a nossa coluna apeada tivesse entrado mais 200 (ou 100) metros, o Coronel Coutinho e Lima poderia ter-se apresentado, no seu briefing com o General Comandante Chefe, levando – a crédito das suas modestas pretensões – uma carnificina satisfatória.

Uma curiosidade:

36 horas antes destes acontecimentos, a estrada tinha sido toda picada, tinha-se realizado colunas nos moldes descritos e – no local onde o IN montou o seu dispositivo – esteve instalado um Gr Comb nosso.

É caso para dizer que quem vai ao mar perde o lugar. E também para introduzir um tema que, ao que parece, o António Martins de Matos não leva em devida consideração: O IN tinha o irritante hábito de se movimentar.

Outra curiosidade:

O milícia Tala Camará (não confundir com outro, o Tala Uri Camará), veio para Portugal, em meados da década de oitenta. Falando muito mal o português, foi ao Depósito de Adidos (onde fui desmobilizado) e apareceu em casa dos meus sogros, cuja morada eu tinha indicado como meu domicílio na disponibilidade, procurando por mim.

João Seabra

Canhão (ou peça) soviético de 85 mm D44

Peça de 130 mm M-46 modelo 1954, soviética

Extracto de Carta

Fotos: © João Seabra (2009). Direitos reservados.

__________

Notas de CV:

Vd. postes de:

(1) 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

(2) 11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3872: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (21): Resposta de António Martins de Matos a Nuno Rubim

(3) 12 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3881: Considerações sobre o P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Vasco da Gama)

(4) 23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

(*) Vd. postes da série Dossiê Guieje / Gadamael 1973:

24 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3789: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (2): Esclarecimento adicional de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3790: Dossiê Guileje / Gadamael (3): "Um precedente grave" (Diário, Mansoa, 28 de Maio de 1973) ... (António Graça de Abreu)

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

1 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3982: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (7): Ferreira da Silva, ex-Capitão Comando, novo comandante do COP 5 a partir de 31/5/1973

15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4035: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (8): Amigo Paiva, confirmas que fomos vítimas de ameaças e pressões (Manuel Reis)