Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 21 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4719: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (17): Segundo ataque ao Olossato
Caros editores,
Não sei quem está de serviço, mas sei que de certeza merecia estar de férias. Aqui vai mais um episódio da história da CCaç 2402, para ser lida por aqueles que não estão na praia a tomar banho.
Um abraço a todos,
Raul Albino
CCaç 2402 - Segundo Ataque ao Olossato
Edifício da administração da companhia destacada no Olossato (nesta altura a CCaç 2402)
Relato sintético do ataque:
A 18 de Janeiro de 1970, pelas 17,00 horas, deu-se o segundo ataque ao aquartelamento do Olossato, efectuado por um numeroso grupo inimigo.
Mais uma vez o nosso Capitão Vargas Cardoso não estava presente, encontrando-se em Bissau, possivelmente a tratar de assuntos da Companhia ou em consulta externa. Estas coincidências não podiam ser acidentais. Era mais que certo que o inimigo tinha informadores bem colocados que transmitiam essas ausências do Comandante da Companhia, procurando o inimigo desencadear os seus ataques nesses períodos, esperando encontrar a guarnição enfraquecida ou pelo menos descoordenada. Nas ausências do nosso Capitão, ficava no comando o alferes mais antigo, nesse dia estava o Alferes Brito a assumir essa função.
O inimigo flagelou o quartel e povoação durante cerca de 50 minutos, utilizando fogo de Canhão S/R, Morteiros 82 e 60, Metralhadora Pesada, Lança Granadas Foguete e armas ligeiras automáticas, das direcções de Mabar, Cansambo e Maca.
As nossas tropas reagiram prontamente pelo fogo de Morteiro 81 e 60, Lança Granadas Foguete e Metralhadora Breda, bem como pela manobra de um grupo de milícias que saiu na perseguição do inimigo. Face a esta reacção o inimigo não conseguiu obter grandes êxitos, embora devido à surpresa ainda tivesse incendiado duas moranças da povoação, ferindo 7 nativos, ficando um deles em estado grave. O inimigo conseguiu ainda raptar 3 homens da população que se encontravam em trabalhos agrícolas.
O aquartelamento sofreu pequenos danos materiais.
O que este ataque teve de original, digno de referência:
Neste ataque ao Olossato deu-se um episódio interessante que vale a pena contar.
Já depois do ataque ter passado, entra-me espavorido no quarto o Alf Brito. Gritava-me ele:
- Anda depressa que está na sala do soldado uma granada de morteiro 82 que não rebentou. Como tu és especialista em minas e armadilhas, vai lá tu resolver o assunto!
Bom, lá fui com ele ver o que se passava e fiquei pasmado quando me deparei com uma granada de morteiro 82, em cima da mesa de ping-pong, com o focinho – parte da frente da granada que contem o detonador – partido, podendo rebentar a qualquer momento.
A espoleta poderia reagir ao mais pequeno toque, rebentando, ou pelo contrário, ter ficado irremediavelmente danificada. Esta granada partiu o focinho porque atingiu o telhado da sala do soldado, que era feito em telha de Marselha. A telha não teve resistência suficiente para provocar a detonação, pelo que a granada fez um buraco no tecto, partiu a parte dianteira e caiu desamparada em cima da mesa de ping-pong.
Mesa de ping-pong onde caiu a granada que não explodiu, danificando ligeiramente o tampo
Vendo aquilo virei-me para o meu colega Brito, que estava um pouco nervoso pela responsabilidade de estar na situação de comandante do quartel, e disse-lhe:
- Olha, eu como especialista de explosivos, fui instruído para em situações de material instável – como era o caso desta granada – esse material deva ser destruído no próprio local, não devendo ser removido por se desconhecer em que estado ficou a munição. Isso, de facto, é uma incumbência minha ou de qualquer outro especialista desta área, mas como não é isso que com certeza tu queres, pois a sala do soldado ia pelos ares, o que tu pretendes é que a granada vá lá para fora para ser então neutralizada, não é?
Tinha-se reunido à nossa volta um conjunto de mirones, militares e nativos, a observarem a situação, cheios de curiosidade temerária. Então continuei:
- Levar a granada para a rua, é uma coisa que não requer especialização e tu próprio o podias fazer. Basta pegar nela ao colo, fazer votos para que não nos rebente nos braços e levá-la lá para fora para a rua, para o especialista tratar do assunto.
O nervosismo dele aumentou, especialmente devido à plateia que ali se reuniu a escutar o nosso diálogo. Aí eu acrescentei:
- OK! Eu levo a granada, mas afasta-te com toda essa gente, porque se a granada explodir que provoque o mínimo de baixas.
Cada vez mais nervoso, ia-me dizendo a tudo que sim. Afastou o pessoal que nos rodeava e qual não foi o meu espanto quando eu, já com a granada no colo, me apercebi que o meu colega Brito não se descolava de mim um segundo, acompanhando-me sempre até ao local onde depositei a granada, alheio aos meus conselhos para se afastar.
Em suma, se a granada explodisse morríamos os dois inutilmente, porque ele, possivelmente depois do que eu lhe disse, não estava bem com a consciência se me deixasse correr aquele risco sozinho.
Devo confessar que eu, no lugar dele, tinha-me afastado mesmo.
2. Comentário de CV
Raul, tenho a certeza absoluta que farias exactamente o mesmo que fez o teu camarada Brito. A solidariedade em tempo de guerra não se compadece com as regras de segurança.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4345: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (16): Emboscada nocturna no Olossato
Guiné 63/74 - P4718: Efemérides (23): Em 20 de Julho de 1969, eu estava no Uíge em pleno oceano, a caminho de Farim... (Carlos Silva, BCAÇ 2879)
Partida, no T/T Uíge, do pessoal do BCAÇ 2879 e do BCAV 2876, com destino à Guiné... Nesse dia a Apolo 11 ia a caminho da Lua (um pouco mais longe que a distância entre Lisboa e Bissau, cerca de 400 mil Km, em números redondos...), aonde chegaria (e alunaria) a 20, domingo... com regresso à Terra, a 24, quinta-feira...
O T/T Uíge, com o pessoal do Batalhão dos Cobras (onde ia incluído o nosso camarada e amigo Carlos Silva) levou um pouco mais de tempo que a Apolo 11... Chegou a Bissau e desembarcou, na sexta-feira, dia 25, diz a história do BCAÇ 2879. Não sei se, ao longo da viagem, os nossos camaradas se aperceberam do feito, que era para a humanidade, este "passo de gigante", parafraseando a célebre frase mstrong, as primeiras palavars do primeiro homem a pôr a pata na lua ("That's one small step for man; one giant leap for mankind": Como há alguém chamou a atenção, o astronauta queria dizer: a small step for a man, um pequeno passo para um homem, ele, Neil Armstrong, mas um salto de gigante para o Homem, a humanidade, a espécie humana: one giant leap for mankind... Tal como os portugueses, há mais de 500 anos, dobrando o Bojador e indo muito para além da dor, do sangue, suor e lágrimas dos pequenos/grandes heróis anónimos que foram os nossos antepassados). (LG)
Foto: © Carlos Silva (2009). Direitos reservados (Com a devida vénia...)
Navio Uíge> c. 20 de Julho de 1969 > De pé, da esquerda para a direita: Alf Sampaio, Cap Vasco Lourenço, Alf Carmo Ferreira, da CCaç 2549; Cap Covas de Lima, da CCaç 2547; de cócoras, da esquerda para a direita: Alf João Casanova e Alf Gil André, da CCaç 2548; Alf Carvalho, da CCaç 2549; e Alf João Rebelo, da CCaç 2548. Foto do Alf Gil André.
Foto (e legenda): © Carlos Silva (2009). Direitos reservados (Com a devida vénia...)
1. Resposta do Carlos Silva à pergunta, "Camaradas, onde é que vocês estavam em 20 de Julho de 1969 ?" (**)... O Carlos é o autor do sítio Guerra na Guiné 63/74, por Carlos Silva... (A página mais completa sobre as unidades que passaram pela Região de Farim, nomeadamente entre 1969 e 1971). Foi Fur Mil na CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71)...
É também conhecido como o Régulo de Farim, um grande amigo da Guiné e dos guineenses. Advogado, é um dos fundadores e dirigentes, com o Carlos Fortunato, da Ajuda Amiga - Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento. (**)
Luís: Aqui vai a resposta à tua pergunta:
Lisboa, sábado, 19-07-69
Embarque do Bat Cav 2876 e do meu Bat Caç 2879
Domingo, 20-07-69, Uíge, em pleno Oceano
Uma das fotos do VL [Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549,] também está no último livro dele, Interior da Revolução.
Também podes ver no Blogue, num dos Postes do Bat Caç 2879, [o Batalhão dos Cobras] (**)
Um abraço
Carlos Silva
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. nota histórica sobre a Gare Marítima Rocha Conde de Óbidos, "o nosso pórtico de entrada na Guiné", no sítio do IPPAR - Instituto Português doPatrimónio Arquitectónico:
"Projectada a partir de 1934 e construída entre 1945 e 1948, a Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos insere-se no programa de modernização dos serviços do Porto de Lisboa.
"Concebida numa estrutura de betão armado, apresenta um primeiro andar reservado aos passageiros e o piso térreo destinado aos serviços do cais. Composta por dois corpos, a Gare apresenta um vestíbulo principal e uma ampla nave. O terraço-varanda prolonga-se na direcção nascente para além das linhas do edifício.
"Como acontecera com a Gare Marítima de Alcântara, também aqui Pardal Monteiro chamou José de Almada Negreiros para animar com pinturas murais as paredes do do grande vestíbulo. Modernamente desenhada, esta Gare apresenta fachadas rasgadas por envidraçados pontuados com pequeno óculos. Aqui as linhas curvas conjugam-se em harmonia com os valores ortogonais de estruturas numa volumetria proporcionada e com sentido de escala. Sandra Vaz Costa, 2001" (...)
(**) Vd. poste de 20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4713: Efemérides (17): 20 de Julho de 1969... O dia em que o primeiro homem pisou a Lua (Rui Felício, CCAÇ 2405, Samba Cumbera)
Último poste da série Efemérides: 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4673: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (15): Ingoré e Gandembel na feira de Custóias, Matosinhos (José Teixeira)
(***) Vd. postes de:
8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2417: Tabanca Grande (51): Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem 1969/71) Guiné 63/74 - P1976: Tabanca Grande (27): Carlos Silva, mais um 'apanhado do clima' (CCAÇ 2548, Jumbembem)
Vd. também poste de 23 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4402: Convívios (133): BCAÇ 2879 e Outras Unidades (Farim, 1969/71), convivem em Castelo Branco, 30 de Maio (Carlos Silva)
(****) Vd. postes da série História do BCAÇ 28769, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras:
15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim: O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)
20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva)
24 de Janeiro>Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim : O Batalhão dos Cobras (3) (Carlos Silva)
30 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2491: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (4) (Carlos Silva)
1 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2496: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (5) (Carlos Silva)
10 de Fevereiro > Guiné 63/74 - P2520: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (6) (Carlos Silva)
11 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2525: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (7) (Carlos Silva)
Guiné 63/74 - P4717: Efemérides (22): 20 de Julho de 1969, domingo, dia de ronco com manga de chocolate... (José Teixeira, CCAÇ 2381, Buba)
1. Mensagem do José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70 (*):
Luís: Boa noite. Aguçaste-me o apetite para ir consultar o meu diário e deu nisto.
Efectivamente, foi dia 'di ronco, cum manga di sakalata'.
Quanto ao pato que originou este 'encontro', viu-o passar à distância. Outros se banquetearam.
O Texto do encontro com o colega, já passou no blogue e a parte descrita no Diário também, nas primeira série. A ligação ao dia em que o homem pisou a lua, só hoje constatei.
Abraço fraterno .
Resposta à pergunta 'Camarada, onde estavas no dia em que o primeiro homem pisou a Lua ?' (**)
Do meu Diário > Buba, 22 de Julho de 1969 (*)
Domingo, dia 20, saí para o mato pela tarde a patrulhar a estrada nova e emboscar o IN em seguida. De certeza que fomos seguidos pelo IN, que nos deixou montar a emboscada e abriu fogo de seguida. A nossa reacção foi rápida e os indivíduos calaram-se. Uma granada caiu bem perto de mim mas não feriu ninguém, aliás, nenhum dos meus camaradas foi ferido pelo IN. Apenas o homem do morteiro 60 se feriu na mão com o morteiro. Retirámos silenciosamente sem mais novidades e chegámos a Buba pelas 20 horas onde toda a gente esperava ordens para avançar em nosso auxílio.
Este pequeno ataque não foi pera doce para mim. Quando notei que o camarada do morteiro estava ferido(Tinha a mão rasgada por não ter utilizado o prato e o morteiro ao disparar enterrou-se na terra escorregando-lhe pela mão), passei mensagem que não havia feridos graves e dispus-me a tratá-lo para evitar a hemorragia.
O Comandante na sua pressa de se afastar da zona de perigo, mandou retirar e quando nos apercebemos estávamos a 300/400 metros dos companheiros de luta, com o IN na retaguarda o qual também não se tinha apercebido da nossa situação. Iniciámos uma fuga a alta velocidade. Valeu-os o colega do lança-rockets que se apercebeu e fez passar algumas granadas por cima de nós obrigando o IN a manter-se em defesa.
Tarde de Domingo com sorte...
Trinta e sete anos depois do regresso reencontrei o camarada Nuno Rosa. Para além da grande alegria pelo encontro, selada com um forte e comovido “aperta costelas”, surgiram logo de imediato as estórias do costume. Lembras-te daquele ataque … e daquele… das formigas que nos acordaram de noite … das malditas abelhas… etc, etc.
Algumas das estórias já estavam no sótão da memória, provavelmente cheias de pó. Outras, continuam activas a bailar no consciente, só que há pormenores que nos escaparam. Assim as estórias tomam outra dimensão, talvez mais realista e sobretudo, após este desfiar de flashes por vezes bem dolorosos, acabam por se deslocarem para o sótão, até ao descanso eterno do “guerreiro”.
Estávamos em Buba, no fim do Verão de 1969. O Joaquim Agostinho, com 26 anos devorava etapas na Volta A Portugal. Era o ciclista prodígio, o fora de série que tinha sido descoberto em Torres Vedras. Como o grosso do pessoal da CCaç 2381 era Ribatejano, não se falava de outra coisa na caserna. [Vd. vídeo no You Tube]
Era domingo, mais propriamente dia 20 de Julho. Logo após o almoço, depois de um sábado passado em patrulhamento para os lados da bolanha dos passarinhos, surge nova ordem de mobilizar para um patrulhamento para os lados de Sinchã Cherno e emboscar algures na estrada que se andava a construir até Aldeia Formosa (Quebo), muito perto do local onde cerca de um mês antes tínhamos sofrido uma emboscada, junto a um campo de minas, uma das quais roubou a perna ao Miguel. Este, logo após o acalmar do fogo levantou-se e ... descobriu que estávamos a pisar um campo, onde foram levantadas 27 minas A/P e localizados buracos, tipo campas abertas com cruzes e com papéis escritos do género: "Tugas é isto que vos espera”; “Ida para a vossa terra”, etc.
Houve uma, a primeira. A que ele descobriu, roubou-lhe uma perna. Ali muito pertinho da “curva do Vilaça” ( Quem andou por lá na época, sabe de que curva estou a falar)
Bolsa de enfermeiro às costas, cantil cheio. Os efeitos da velhice não só dava, em resultado das experiências vividas, para um redobrar de atenção e um poder de reacção e desenrasque maior, como também, em certas ocasiões para um aventureirismo exagerado com graves riscos para a pele.
Naquele dia, partimos à desportiva, bem dispostos, bem bebidos, quando muito, chateados pelo quebrar da rotina, pois em Portugal ao domingo não se trabalha.
No primeiro local seguro (?) que encontrámos, montámos tenda, quer dizer, a emboscada, e preparámo-nos para ficar ali o resto da tarde. De repente ouve-se um tiro muito perto e o ruído de algo a cair de uma árvore. Como velhinhos ficámos quietos na expectativa, apenas redobrámos de atenção, e eis que surge um dos furriéis com um magestático pato bravo, com seis/sete quilos, que o mesmo tinha abatido a tiro de G3.
A isto chama-se brincar em serviço, pelo que, levantámos de imediato a emboscada e partimos para outro sítio algures mais à frente.
Sem saber que estávamos a cair para a boca do lobo, lá nos colocámos de novo em posição de combate. Agora sim, um pouco abandalhados. O homem que levava o prato do morteiro 60 não ficou junto ao homem que o levava e o municiador do lança-roquetes trocou o lugar por mim. O Nuno com o seu colete de roquetes estava preocupado, pois faltava-lhe o municiador, o qual também trazia uma fornada de granadas. Ao comentar a sua preocupação eu respondi-lhe:
- Não te preocupes que se os turras atacarem eu minicio-te.
O IN que estava emboscado um pouco à frente, deixou-nos pousar e aproximou-se com cuidado (Creio mesmo que se avançássemos mais uns cem metros, tínhamos caído no seu campo de mira).
De repente o ambiente aqueceu com o IN a cair em cima de nós com toda o seu potencial de fogo, ao qual se segui a nossa resposta rápida. Uma das primeiras roquetadas IN foi rebentar numa árvore por cima da minha cabeça. Os seus estilhaços barreram as folhas das árvores e este vosso camarada procurou de imediato um lugar mais seguro. O roqueteiro bem olhou para trás, à minha procura, mas eu tinha voado para junto de uma árvore, mais segura.
Acabado o desafio, um autêntico Porto/ Benfica de que resultou um empate, ambos os contendores pensaram em fugir, o que foi a minha sorte.
Chega-me a informação de que há um ferido. Logo me aproximo e verifico que o homem do morteiro não hesitou em enviar umas morteiradas, colocando o cano do morteiro na terra mole, de que resultou ter ficado com um rasgão na mão, pois o morteiro ao enterrar-se pelo impacto, pela terra dentro deixou marcas. Passo a palavra de que há um ferido ligeiro e logo ali me disponho a fazer o tratamento como era o meu dever, ficando connosco outro camarada, com G3, mas sem munições.
O alferes é que não esteve com meias medidas e decidiu retirar de imediato. Acabado o tratamento, logo verifico que estávamos sozinhos. Duas hipóteses, ou ficar quietos, aguardar algum tempo e depois regressar a Buba, ou correr atrás dos camaradas que iam a 300/400 metros algures na mata!
Como já era fim de tarde, resolvemos procurar seguir os colegas, que entretanto, para mais rapidamente se afastarem, seguiam já na estrada que se avistava ao longe. Até porque ouvíamos ruídos e vozes por perto (penso que era o IN a afastar-se, caso contrário podiam ter feito ronco e apanhar-nos à mão ou enviar-nos para casa no sobretudo de madeira).
O nosso roqueteiro, o Nuno Rosa, relembrou-me agora, que na altura teve um pressentimento de que estava a ser seguido e olhou para trás. Três dos seus camaradas vinham lá longe. Então ajoelhou, colocou as últimas granadas, pois, como bom ex-comando, nunca gastava todas as munições que levava, e, bateu a mata que ficava à nossa retaguarda, impedindo o IN de qualquer veleidade.
Os outros camaradas continuaram apressadamente o seu caminho com o alferes à frente e o Furriel a sonhar com o arroz de pato, que nunca mais largou.
Assim ficaram quatro homens desarmados, no meio da mata; um morteiro sem granadas, um roqueteiro sem roquetes , um atirador sem munições e um enfermeiro sem arma (há muito que a dera a guardar ao quarteleiro) num fim de tarde domingo que toda a gente queria calmo e pacífico.
Quando em 2005 tive oportunidade de voltar à Guiné, estive muito próximo deste lugar, mas confesso que nada me veio à memória.
Obrigado, Nuno, por teres partilhado esta aventura comigo.
Quarenta anos depois, verifico que nesse dia o mundo esteve em festa. Uma festa bem diferente da que eu vivi, que nem pato tive para comemorar e só muito mais tarde soube que os americanos tinham imitado os portugueses de antanho e como, para descobrir já não havia mares, foram aos ares e encontraram a Lua.
Zé Teixeira
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 14 Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi.
Vd. último poste do Zé Teixeira > 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4673: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (15): Ingoré e Gandembel na feira de Custóias, Matosinhos (José Teixeira)
(**) Vd. poste de 20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4713: Efemérides (17): 20 de Julho de 1969... O dia em que o primeiro homem pisou a Lua (Rui Felício, CCAÇ 2405, Samba Cumbera)
Guiné 63/74 - P4716: Em busca de... (80): CCP 121 - Apelo vindo do Brasil (Cassiano Rocha da Costa, natural de Castro Daire)
Guiné 63/74 – P4715: Agenda Cultural (22): “Os tempos de guerra-De Abrantes à Guiné", 23 de Julho, Biblioteca Municipal António Botto, em Abrantes
Camaradas,
No próximo dia 23 de Julho (quinta Feira), pelas 21 horas, vai ter lugar na Biblioteca Municipal António Botto, em Abrantes, a apresentação do meu livro “Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné”.
Ficam assim convidados os tertulianos que quiserem estar presentes.
Para mais esclarecimentos o meu e-mail é:
Um Abraço,
Manuel Traquina
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(*) Vd. poste anterior, desta série em:
15 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 – P4687: Agenda Cultural (21): Djumbai Storias di Mindjeris, 19 de Julho, no Anteneu Comercial de Lisboa (Instituto Marquês Valle Flor)
Guiné 63/74 - P4714: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (7): As profecias do velho Marabu de Sumbundo
Querido Pepito, queridos amigos da AD e da Guiné-Bissau, irmãos e irmãs: para quê mais palavras, se esta imagem vale por mil palavras ? Metaforicamente falando, está aqui a tua Guiné, a vossa Guiné, a nossa Guiné, a aprender a andar, a cair e a pôr-se de pé, como jovem nação que é... É a minha leitura, ou sugestão de leitura, se mo permitem: sem cinismos, sem paternalismos, com a com + paixão com que eu, à distância de milhares de quilómetros, vos vejo, e às vossas boas obras... Força, amiga, força, irmã!... Que o caminho se faz caminhando, parafraseando o grande poeta espanhol António Machado ("Caminante no hay camino, se hace camino al andar", poema popularizado pelo cantor catalão Joan Manel Serrat) (*).
Numa sociedade patriarcal e machista, como a sociedade fula do tempo da guerra colonial, seria de todo improvável poder encontrar uma aprendiz de biciclista...
Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento. Direitos reservados (Com a devida vénia...)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > 3 de Março de 2008 > No regresso a Bissau, o Nuno Rubim, o capitão fula, aqui de costas, contempla pela última vez o antigo aquartelamento e parte mantenhas com habitantes locais (que agora residem em Mejo)... Dois deles deslocavam-se de bicicleta, um meio de transporte, ainda hoje, um luxo que não está ao alcance da maioria da população...
Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
1. O nosso irmãozimnho de Fajonquito continua a deliciar-nos com o seu talento de escritor e a frescura das suas memórias de infância e adolescência, passadas na zona leste da Guiné-Bissau, junto à fronteira com o Senegal, em contacto com os diabos brancos (entre meados de 1960 e 1974, em Cambaju e Fajonquito) ...
Há dias o Cherno Baldé mandou-nos mais dois textos, datados de Novembro de 2006, de que publicamos hoje o último, o Velho Marabu de Sumbundo... No próximo texto, escrito recentemente, ele fala-nos das suas aventuras de menino e moço em Fajonquito (1970-1975
O VELHO MARABU DE SUMBUNDO... ou a história de uma revelação fantástica
por Cherno Baldé
No período decorrido entre os anos de 1972/75, vivendo em Fajonquito para onde mudámos no ano de 1968 na sequência da transferência do meu pai (**), acompanhava este com frequência, em deslocações às aldeias vizinhas, durante os fins-de-semana.
Nessa altura, o meu pai tinha sempre consigo uma bicicleta como meio de transporte para esses casos. Eram, na maioria dos casos, bicicletas usadas que ele raramente montava, não só pela idade que não permitia muito esforço físico, mas também a necessidade ou a obrigatoriedade de falar e cumprimentar cada pessoa com que nos cruzávamos. Eram mantenhas prolongadas que nunca mais acabavam, durante as quais cada um tentava sondar o outro sobre assuntos dos mais variados de seu interesse, coisas de adultos no mundo rural de Fuladu de então. Eu, ao lado, ouvia e ouvia, era quase sempre o mesmo discurso que, na minha opinião de criança apressada, não servia para nada.
Não foi uma única vez, foram várias vezes que ele me levou consigo. Nunca percebi bem, porque razão nos levava consigo nessas andanças. A bicicleta e eu não tínhamos quase nenhuma utilidade prática, éramos simples objectos de decoração da sua importância cuja presença nem sequer era notada. Ele raramente falava comigo, limitando-se a monologar consigo mesmo durante a caminhada, e as pessoas com que nos cruzávamos nunca me dirigiam a fala sequer, salvo quando nos cruzávamos com um grupo de mulheres mais tagarelas. Elas sim, elas sempre se dirigiam a mim depois de cumprimentar o meu pai, perguntando da minha mãe ou dos meus irmãos.
Na sociedade Fula, as mulheres estavam mais próximas das crianças e formavam assim um grupo que raramente penetrava no espaço fechado e reservado dos homens. Altivos e soberbos, estes, aparentemente, não tinham em muita conta as mulheres, as quais pertenciam, juntamente com as crianças não circuncisas, ao mundo dos não iniciados e que, pelo seu comportamento leviano e infantil, só mereciam indiferença.
Uma vez, acompanhei-o à aldeia mandinga de Sumbundo, distante cerca de 13 km de Fajonquito, a nordeste]. O trajecto que levava para lá chegar passava por várias aldeias, Canhámina, Sintchã Coli, Djambur, Fanca, Sare Wali e Walikunda, dependendo das voltas que quisesse fazer.
Daquela vez foi com alguma surpresa, para mim, que entrámos na aldeia de Sumbundo. A primeira vista, parecia diferente das outras aldeias vizinhas, era uma aldeia enorme e densamente povoada, e ao contrário das aldeias dos Fulas, a presença de gado bovino nas imediações era diminuta, quase nula, mas em contrapartida haviam muitas cabras e burros à solta e à volta das casas, pastando ou amarrados junto das suas casotas de palha.
O meu pai era muito conhecido na zona devido às suas actividades comerciais e também pelas ligações antigas que a nossa família tinha com aquela gente. Por isso, passou ainda por todas as moranças da aldeia antes de se dirigir a casa do velho Marabu (***). Quando entrámos, o velho estava sentado ao pé da cama na pele de um carneiro. Dispensaram vários minutos para os habituais salamaleques de velhos conhecidos. Passaram depois para outros temas. Eu assistia silencioso sem compreender o sentido da conversa, sentado ao lado do meu pai, absorto nas minhas cogitações. O barulho das crianças e os gritos das mulheres ocupadas nos seus afazeres domésticos entrava casa adentro sem incomodar todavia os dois homens concentrados nos seus assuntos.
Finalmente, o meu pai, visivelmente satisfeito, e voltando a si, olhou longamente para mim, o que ele fazia raramente, percebi então que a consulta tinha chegado ao fim, todavia dirigindo-se ao velhote, informou-o que eu estava na escola a aprender a leitura e a escrita dos brancos mas que ele não estava sossegado pois queria que eu fosse, também, à nossa escola tradicional a fim de aprender o Alcorão.
O velho Marabu percebeu a aflição (o dilema) do meu pai e também aquilo que ele queria dizer naquelas poucas palavras e olhou meigamente para mim e concentrou-se nos seus instrumentos. Tirou um papel branco duma sacola aos seus pés, meteu-o numa pasta que tinha a seu lado e embrulhando-o com um pano pô-lo em cima da pele de carneiro. Pegou no seu rosário e durante alguns minutos, com o olhar posto no vazio e manobrando o rosário com os dedos da mão direita, fazia as contas deste deslizar uma a uma, murmurando algumas palavras ininteligíveis.
Sem dar muita importância à questão inicialmente posta, disse ao meu pai que ambos eram conciliáveis, isto é, uma e outra coisa eram boas, pois tanto fazia que eu fosse à escola europeia ou à corânica, ou ainda às duas ao mesmo tempo, estava predestinado a sair-me bem. Só mais tarde, reflectindo no assunto, vim a perceber a importância de que revestiram aqueles poucos minutos para o futuro da minha vida.
As palavras de um reputado Marabu tinham um peso enorme nas decisões dos homens dessa época. Olhando nos olhos do meu pai de forma prolongada, acrescentou ainda que eu era pessoa dotada de uma “cabeça larga” e faria 77 anos de vida nesta terra. O significado de “cabeça larga” entre nós podia ser interpretado de variadas formas e estava ligado a conotações tanto positivas como negativas. O “cabeça larga” podia ser uma pessoa que tinha acesso ao mundo invisível, que podia ver aquilo a que aos seres normais estava vedado ou ter acesso a acontecimentos futuros, a fenómenos que ainda não tinham acontecido, mas também podia ser associado ao domínio da feitiçaria e consumo da carne humana. Ah, o homem se desacreditou completamente, pensei comigo.
Esta revelação a que o velho Marabu parecia dar maior relevância na sua tentativa de vasculhar o meu futuro não foi bem recebida por meu pai, pois este deu sinais em como que já queria se despedir. Antes de dar a mão a meu pai, o Marabu desembrulhou calmamente a pasta que continha o papel branco, retirou de lá a folha e deitou-a em cima da pele de carneiro à sua frente, como que para dar força às suas palavras. Curiosamente, vimos que o papel que antes era completamente branco e limpo, agora, inexplicavelmente, estava toda manchada de tinta, representando uma curiosa grafia em letras árabes num dos lados.
O meu pai não disse mais nada, levantou-se acto contínuo e disse-me para o anteceder na saída. Ele era assim mesmo, ouvia aquilo que lhe apetecia ouvir e detestava o resto. Aquela manobra de prestidigitação do velho parece que não tinha despertado nenhuma curiosidade nele, ou porque lhe era por demais familiar ou porque não queria ouvir detalhes que pudessem ofuscar e/ou desfazer a magia da energia positiva do momento.
Já passavam das cinco horas da tarde quando nos pusemos a caminho de casa. Esta era sempre a melhor parte, para mim, pois no regresso vínhamos sempre montados na bicicleta e agora não havia muita conversa no caminho, cumprimentava as pessoas sem descer da bicicleta e às vezes nem sequer parava pois já o sol estava a esconder-se lá para oeste e não havia tempo a perder, ele pedalava, pedalava, e eu lá atrás gozava com o prazer da corrida e da brisa que soprava no meu rosto de criança feliz escondida no grande bubu do meu pai.
No entanto, para dissipar qualquer dúvida não resisti à tentação de perguntar-lhe sobre o significado das palavras do velho Marabu, aliás, queria deixar bem claro a meu pai que o velho se tinha enganado pois que eu era completamente cego, quer dizer não era nenhum “cabeça larga” como tinha sugerido o Marabu. Mas, quando o fiz, ele limitou-se a sossegar-me dizendo que aquele velho mandinga já não estava bem da bola por isso não valia a pena se martirizar com suas alucinações de velhice.
Mais tarde, na minha vida de homem já maduro, esta consulta trivial sem importância voltaria várias vezes na minha cabeça, pensando nas palavras que ouvi e naquela magia ou arte fenomenal que se me deu assistir e ver com os meus olhos de criança. E, sempre que depois me acontecia por premonição ver numa visão ou em sonhos factos que depois se confirmavam passado algum tempo, lembrava-me das palavras do velho Marabu que me atribuía capacidades extraordinárias e questiono a mim mesmo se não seriam estas visões que o Marabu tinha vislumbrado através do seu rosário mágico.
Os 77 anos de vida que ele me deu ainda estão por se confirmar, mas já constituíram para mim uma importante fonte de confiança na minha longevidade. Todavia, se antes me parecia ser uma boa idade para morrer, com o tempo e a pressão da idade, estou tentado a mudar de opinião e, penso, que o velho Marabu talvez, se tenha equivocado, afinal, 77 anos é tão pouco tempo para viver.
Voltando à questão da cabeça larga, no dia 17 de Dezembro de 2006, passados mais de 20 anos de separação, veio visitar-me um antigo colega de infância, que actualmente reside na cidade senegalesa de Ziguinchor, de nome Algássimo Baldé. Na nossa conversa amena, na presença da minha esposa, Geralda, relembrou-me duas coisas que teria dito a seu respeito e que na sua opinião se tinham confirmado.
- Primeiro, disse-me ele, você me tinha dito que mais tarde eu seria calvo, estou aqui hoje à tua frente para te mostrar a minha cabeça completamente calva. Segundo, você me tinha dito que eu era pessoa muito trabalhadora mas que tinha pouca sorte, infelizmente, isto também se revelou verdade, trago aqui comigo um extracto de um jornal que conta a história de como os rebeldes daquela zona nos assaltaram e me roubaram numa única noite todos os bens que tinha acumulado durante mais de 20 anos de trabalho árduo e meticuloso. Depois de passar por ser um dos mais ricos da zona da baixa Casamança (área de Ziguinchor), agora sou obrigado a trabalhar de motorista de táxi para dar sustento a minha família. E durante todo o percurso que fizemos, eu e mais outros prisioneiros, levando em cima das nossas cabeças o espólio desses bandidos, não pensei em outra coisa que suas palavras. Parecia ouvir o martelamento das tuas palavras como se fosse ontem “Você é pessoa muito trabalhadora mas tem pouca sorte na vida”.
Eu nem podia acreditar naquilo que ouvia, e nem sequer me lembrava de ter feito aquelas vaticinações incríveis que ele tinha gravado na sua cabeça para sempre. Seriam os sinais evidentes da luz que o Marabu tinha visto na minha infância? Não sei dizer.
Bissau, Novembro de 2006
[Fixação / revisão de texto / bold a cores: L.G.]
___________
Notas de L.G:.
(*) Vd. poste de 26 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3243: Blogpoesia (26): 35 anos de Guiné-Bissau: A minha contribuição para a tua festa, meu irmão, minha irmã (Luís Graça)
(**) Vd. postes da série Memórias do Chico, menino e moço:
19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão
24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo
25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio
30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói
6 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968
13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4679: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (6): Uma gesta familiar, de Canhámina a Sinchã Samagaia, aliás, Luanda
Vd. também postes de:
18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...
7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4650: (Ex)citações (32): A Tabanca Grande ou... Global: de Contuboel, Fajonquito e Bissau com amizade (Cherno Baldé)
(***) Marabu: sacerdote muçulmano, que leva uma vista ascética, e é venerado, em vida e depois da morte, como um homem sábio e santo...
segunda-feira, 20 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4713: Efemérides (21): 20 de Julho de 1969... O dia em que o primeiro homem pisou a Lua (Rui Felício, CCAÇ 2405, Samba Cumbera)
Na Guiné portuguesa, seis anos depois do início da guerra colonial, em Samba Cumbera, a sudoeste de Galomaro, na zona leste, um tuga, o Alf Mil Rui Felício, tem os olhos pregados na lua e mantém uma conversa filosófica com o seu amigo Samba, chefe da tabanca e homem sábio...
Onde é que estacam os meus camaradas da Guiné nesse dia ?
Eu (e a malta da minha CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, saímos de Contuboel, a caminho de Bambadinca, sector L1:
"A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5). Durante a sua primeira comissão (1969/71), actou sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulado Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...) (...).
"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21 [de Julho de 1969], três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá] (...).
"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos]" (...) (*).
Nesse dia, em todo o TO da Guiné, apenas terá morrido um homem, não em combate, mas por doença, o Sold Morna Nalé, diz o obituário da Liga dos Combatentes... (LG)
Foto: Apollo 11 > Wikipédia (Copyleft)
1.Reprodução de um texto de Rui Felício, ex-Alf Mil CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (Subsector de Galomaro, Zona Leste), na altura destacado em Samba Cumbera, com o seu 3º Grupo de Combate :
O dia em que o homem foi à lua (**)
por Rui Felício
Era domingo… Durante todo o dia a rádio ia noticiando a chegada do homem à Lua… A célebre frase do astronauta afirmando que o passo que acabara de dar em solo lunar era um passo de gigante para a humanidade (***), era escutada repetidamente nos pequenos transistores que nos mantinham ligados ao mundo.
Claro que não havia televisão na Guiné e, mesmo que houvesse, jamais seria vista em Samba Cumbera, pequena tabanca onde a luz nos era fornecida através de garrafas de cerveja cheias de petróleo, nas quais se embebiam torcidas de desperdício que, depois de acesas, nos enchiam os pulmões de fuligem e fumo.
Mas nos confins da mata, longe de toda a civilização, a importante notícia precisava de ser partilhada e divulgada... Os soldados se encarregariam de o fazer à sua maneira, junto das bajudas.Por mim, preferia meditar sobre o assunto, silenciosamente... Afinal os nossos avós jamais imaginariam que alguma vez o homem pudesse chegar à Lua, apesar de Júlio Verne, o visionário do século anterior, já o ter previsto…
E, longe das mais modernas evoluções da ciência e da tecnologia, os naturais da Guiné que nasciam e morriam na sua aldeia da selva sem nunca sairem do pequeno perímetro onde viviam, muito menos sonhariam com essa utópica possibilidade de o homem chegar à Lua.
Como muitas vezes fazia, depois de jantar, sentei-me numa cadeira de fula, onde descansava semi deitado, olhando o céu, nessa noite muito limpo e estrelado…Bem alto, a luz branca da lua, em quarto crescente, derramava-se pela orla da floresta e pelos cones de capim dos telhados das tabancas, desenhando sombras fantasmagóricas pelo terreno limpo do centro da aldeia.
E mantive-me assim deitado, o olhar fixo na lua, tentando prescrutar o mais pequeno sinal da presença do homem que eu sabia estar ali vagueando, em qualquer lugar do Mar das Tempestades…
Não sei quanto tempo assim me mantive, absorto, atento e quieto… Despertei e voltei à realidade com a voz do meu simpático amigo Samba, Chefe da Tabanca de Samba Cumbera, que me perguntava se podia sentar-se a meu lado, para o qual arrastara uma cadeira semelhante à minha…
Era um homem de grande cultura árabe, que conhecia muito da história do islamismo, que sabia com um estranho rigor a exacta direcção de Meca, que lia e escrevia árabe, que conhecia em pormenor toda a história dos Fulas e da razão de ser da sua permanência na terra da Guiné… Para onde, dizia, foram empurrados em sucessivas lutas tribais com os seus rivais Mandingas…
As nossas conversas eram normalmente muito agradáveis e, posso dizer, sempre aprendi mais com ele do que ele comigo…Temos a tendência e o preconceito de avaliar os outros, pelos nossos parâmetros e pela nossa cultura, catalogando-os de bárbaros e analfabetos só porque não têm o conhecimento e a instrução, medidos pelos nossos padrões.
Aprendi que no meio daquela gente, existiam homens com conhecimento mais vasto e aprofundado que muitos dos nossos soldados… O Samba era um deles…Perguntou-me porque estava tão pensativo e quieto… Respondi-lhe que aquela noite era muito especial para o mundo, porque estava se passando algo que nunca antes tinha acontecido…
Franziu o rosto, comentando que, pelo meu ar, não devia ser coisa boa… Sorri, dizendo-lhe que era exactamente o contrário…E, embora sabendo de antemão a resposta, perguntei-lhe apenas como forma de iniciar a revelação do que estava acontecendo:
- Sabes que neste preciso momento um homem como nós caminha na lua que está ali em cima diante dos nossos olhos?
A reacção foi inesperada e contrária a tudo o que eu teria imaginado:
- Alfero! Não é um homem como nós, não! É o profeta Maomé que, juntamente com Alá dali nos vigia a todos, para nos proteger, nos ensinar o caminho justo e para nos castigar quando dele nos desviamos…
E prosseguiu:
- Como é possivel que homem grande e instruido como o Alfero, só hoje soubesse isso? Não entendo mesmo!...
Pensei durante uns segundos se devia argumentar, puxar dos meus galões de homem civilizado, e demonstrar-lhe a minha superioridade, provando-lhe que não era nada daquilo que ele dizia. Desisti de o fazer…
Afinal, ambos nos estávamos alimentando de sonhos… e, cada um à sua maneira, sentiamo-nos felizes pela beleza insubstituível de um luar africano em noite calma e limpída…Independentemente de quem lá estava caminhando naquele momento…
Rui Felício,
Ex-Alf Mil Inf,
3º Gr Comb
CCAÇ 2405
(Dulombi, 1968/70)
P.S. - Passados dias, com a chegada de um jornal de Lisboa, mostrei-lhe as fotografias do astronauta pisando a Lua. E, então expliquei-lhe o que realmente se tinha passado naquela noite… Pelo seu ar meio trocista, ainda hoje não sei se o convenci… Mas como ele também não me convenceu que por lá andavam Alá e o Maomé, ficamos quites, cada um na sua... em paz! (****)
2. Comentário de L.G.:
Camaradas, é uma efeméride como muitas outras... Era domingo e o Rui Felício estava em Samba Cumbera, a sudoeste de Galomaro, destacado com o seu pelotão... Numa pobre tabanca, fula, em autodefesa. Escreveu este belo texto (e até agora o único, creio eu, publicado no nosso blogue,na I Série), em que se fala da nossa chegada à lua...
Eu tinha acabado de chegar a Bambadinca... Alguns dias depois, a 24, ainda em farda nº 3, a malta da CCaç 12 apanha o seu primeiro enxerto de porrada... A vida era simples, na Guiné, longe do Vietname, a menos de 400 mil km da lua...
E vocês onde estavam nesse dia, camaradas ?
Um Alfa Bravo para todos. Boas férias para quem está de partida...
Luís Graça
PS - Fiz questão de recuperar o texto do baixinho de Dulombi...
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969)
(**) Vd. poste de 19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL [640]: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua
Vd. também poste de 12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXV: Paulo Raposo e Rui Felício, dois novos camaradas (CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)
(***) O astronauta Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar a Lua... Ficou célebre a sua frase: "Este é um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade". Os outros dois tripulantes da nave Apolo 11 eram Edwin Aldrin e Michael Collins.
(****) Vd. último poste da série Efemérides 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos
Guiné 63/74 - P4712: Notas de leitura (12): Cronologia da guerra colonial, de José Brandão (Beja Santos)
O autor, ex-operário metalúrgico, ex-dirigente sindical e ex-membro da comissão política do PS, nasceu em 1948, em Algés, Oeiras, fez a guerra colonial em Moçambique, como radiotelegrafista (1969/71). Foi, desde 1972, um operacional da ARA- Acção Revolucionária Armada, organização criada pelo PCP, e que sabotou, na Metrópole, diversos objectivos militares, afectos ao esforço de guerra no Ultramar, no âmbito da sua luta contra o regime de Salazar-Caetano e a guerra colonial (*).
Foi preso em 27 de Março de 1973 pela PIDE / DGS. É autor de diversas publicações. Cite-se algumas das mais recentes: Suicídios Famosos em Portugal, Edições Europress, Novembro 2007, Portugal Trágico – O Regicídio, Âncora Editora, Fevereiro 2008; A Vida Dramática dos Reis de Portugal, Ministério dos Livros, Setembro 2008.
Tem colaboração dispersa pela imprensa escrita (por exemplo, no Expresso). Anima o blogue Gostar de livros.
O nosso camarada Beja Santos ofertou-nos um exemplar desta publicação, Cronologia da Guerra Colonial, com o objectivo de, em cojunta com outras publicações, vir um dia destes a serem leiloada, num dos nossos encontros, permitindo a angariação de fundos para a manutenção do blogue. O nosso muito obrigado (LG).
1. Texto do Mário Beja Santos, datado de 4 de Dezembro último:
Comentário: Aqui está o que de essencial se passou nas três frentes da nossa guerra em África, ao longo de treze anos, com os seus eventos registados mês a mês e a relação de todos os mortos(combate, acidente ou doença)nesses teatros de operações.
Observa o coronel Ricardo Ferreira Durão:
«Depois do 25 de Abril ainda morreram nos três teatros de guerra 530 militares, 159 dos quais em resultado directo de acções de combate... Portugal manteve entre 1961 e 1973 uma média anual de 105 mil homens envolvidos nas três frentes. Os efectivos tiveram os valores mais elevados em 1973, quando atingiram o total de 148 mil homens».
José Brandão, que se tem notabilizado pela divulgação histórica e colabora no site http://www.vidaslusofonas.pt/ , oferece, com esta iniciativa, um excelente instrumento auxiliar de estudo e uma ferramenta para radiografar os mais significativos feitos militares, em paralelo com a evolução política, nacional e internacional, integrando, com todo o rigor, a presença dos feitos dos movimentos de libertação. (**)
___________
Notas de L.G.:
(*) Algumas das acções de sabotagem e outras levadas a cabo pela ARA:
26 de Outubro de 1970 - Bomba no navio Cunene, ao serviço da guerra colonial.
20 de Novembro de 1970 - Acções contra: (i) Escola Técnica da PIDE/DGS ; (ii) Centro Cultural dos EUA; (iii) material de guerra destinado às guerras coloniais, no Cais da Fundição, em Lisboa.
8 de Março de 1971 - Explosão de engenhos na base aéra de Tancos que destruiu ou danificou 28 aviões e helicópteros.
Junho de 1971 - Sabotagem da central de telecomunicações nacionais e internacionais, em Lisboa, durante a conferência ministerial da NATO.
Junho de 1971 - Corte da rede eléctrica de alta tensão em Sacavém e Belas em simultâneo com o corte das telecomunicações.
3 de Outubro de 1971 - Assalto ao Paiol na Serra da Amoreira.
27 de Outubro de 1971 - Sabotagem do Quartel General do Comiberlant, três dias antes da sua inauguração.
12 de Janeiro de 1972 - Sabotagem de Material de Guerra que seguia para a guerra colonial no navio Muxima.
Agosto de 1972 - Cortes de torres da rede eléctrica de alta tensão em Lisboa (Alhandra e Belas), no Porto e Coimbra, no dia da 'eleição' do Presidente da República Almirante Américo Tomaz.
Fonte: Wikipédia > Acção Revolucionária Armada
(**) Vd. último poste desta série > 15 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3133: Notas de leitura (11): A Guiné do século XVII ao século XIX (Beja Santos)
Há vários postes desta série, com numeração duplicada, por lapso dos editores.
Guiné 63/74 - P4710: Blogoterapia (119): As Fantas, as Marias, as Natachas, ou o amor em tempo de guerra e de diáspora (Cherno Baldé)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (1970/72) > Um despojo de guerra, uma fotografia de uma bajuda, certamente de etnia mandinga, oferecida a um tal Soncó, tendo no verso a data de 2 de Fevereiro de 1971. Foi apanhada, a foto, pelo Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63, no acampamento temporário, do PAIGC, em Belel, a norte do Enxalé, a sul do Oio, no limite do Cuor, e do Sector L1. (*)
Guiné 63/74 - P4709: Da Suécia com saudade (12) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (12): O meu tecto mais não é que o soalho do vizinho
1. Mensagem de Joseph Belo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2381 - Os Maiorais, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 17 de Julho de 2009:
Caros Camaradas e Amigos!
Afastado, por razões profissionais, das leituras assíduas da nossa Tabanca Grande, ao procurar pôr-me em dia fiquei surpreendido com o teor radicalista e excludente de alguns contributos e comentários.
As terríveis experiências de um passado que nos une não serão mais fortes que alguns egos? A original ideia do fundador do blogue foi de... inclusão! De todas as cores de pele, e não só! Daí o êxito da iniciativa, num somatório único de documentação histórica-vivida.
Recordo um pequeno trabalho do poeta sueco Nils Ferlin:
"Dançam no andar de cima! O prédio está acordado apesar de já passar da meia-noite. E, bruscamente, compreendo que o tecto - O MEU TECTO - mais não é que o soalho do vizinho"
José Belo.
2. Resposta de Luís Graça com a mesma data:
José:
São de um grande conforto, para mim, o Carlos, o Eduardo e o Virgínio, as tuas palavras. Reconfortantes e oportunas. E como é poderosa a mensagem do teu poeta sueco: não há fronteiras, não há paredes, o meu tecto é o teu soalho... Que lindo! És um grande camarada... Vamos publicar na tua série habitual... Saúde para ti. Saudades da malta do blogue.
Um Alfa Bravo.
Luís
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Nota de CV:
(*) Vd. último poste da série de 20 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4221: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (11): Custa a acreditar que o Gen Almeida Bruno nos trate assim
Guiné 63/74 - P4708: Blogoterapia (118): CCAÇ 2317 - Sofrer e morrer em Gandembel (Manuel Tavares Oliveira)
Sim, Alferes Reis, foi um sofrimento desde o momento em que saímos de Guileje para Gandembel, antes de lá chegarmos, mais ou menos a um quilómetro, tivemos a morte num fornilho do nosso Alferes Leitão e, a partir daí , iniciámos o que viria a ser um constante confronto, com curtos intervalos.
Um que me lembro e não posso tirar do meu pensamento, foi aquele que o inimigo conseguiu encostar à rede uma bateria de canhões e disparou sem interrupção. Eu, que estava entregue ao morteiro 120, não pude de forma alguma fazer mais que o primeiro disparo e, este, fi-lo porque o morteiro estava sempre com uma munição.
Também me lembro que foi nesse dia que o Fur Ferreira foi ferido pelo soldado básico, que não conseguiu segurar a G3, caindo para trás com o dedo no gatilho.
Alferes Reis, não é fácil esquecer a forma como o Fur Alves ficou sem as pernas, nessa missão de abastecimento de água em que eu também estava presente.
Aqui mais uma vez não consigo esquecer-me dos nossos sofrimentos numa guerra estúpida.
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Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4647: Estórias avulsas (41): Fotos de Gandembel e Ponte Balana (Manuel Oliveira)
e
11 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4669: Tabanca Grande (161): Manuel Tavares Oliveira, um sobrevivente de Gandembel / Balana, ex-1º Cabo da CCAÇ 2317 (1968/1969)
(**) Vd. poste 19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (117): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)
domingo, 19 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4707: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (10): Mina bailarina
Caro Carlos Vinhal:
Na postagem desta estória pedia-te que, no poema, respeitasses os parágrafos
para não desvirtuar a intenção do autor ao destacar as duas sílabas "mina"
sempre só numa linha.
Um abraço e até para a semana.
Fernando Gouveia.
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
Foto 1 - Bafatá. A tabanca da Roccha em primeiro plano. Da rotunda à direita partia a Av. Principal que terminava junto do mercado e da piscina. Ao fundo vê-se a igreja. 1969.
10 – Mina Bailarina
Foto 2 - Bafatá vista da estrada para Geba. Aqui andava-se livremente, sem minas, apesar de essa tabanca, a uns escassos 10 Km, ser atacada regularmente. 1969.
Cabe desde já referir que o título desta pequena e simples estória se deve, não a uma mina bailarina antipessoal nem tão pouco à potente mina anticarro que faz parte da estória, mas sim ao título de um belíssimo poema bastante mais carregado de significado, de um nosso camarada Coronel na reserva, com quatro comissões na guerra colonial que, entre outras coisas, se dedica à poesia.
Terminarei com esse poema, “Mina Bailarina” incluído no livro “Incursões” da autoria de Bernardo Branco (pseudónimo) e com capa de José Rodrigues.
Se em qualquer guerra se pode considerar: a frente e a retaguarda, cada uma completando a outra, então direi que pertencia à retaguarda.
Já referi várias vezes que, desde a mobilização para a Guiné e até ao regresso à metrópole, tive sorte, sorte e mais sorte, contrariamente ao que infelizmente se passou com muitos camaradas.
Por sorte não fui comandar um Pelotão de Reconhecimento como aconteceu com a maior parte dos meus colegas do Pel Rec Inf de Mafra. Fui sim destinado às Informações, nomeadamente a Oficial de Informações do Comando de Agrupamento de Bafatá.
Entrando directamente na estória que hoje aqui me traz, começo por dizer que as minhas funções no Comando de Agrupamento eram na prática, e principalmente, receber, triar e registar de várias formas todas as notícias (informações) que iam chegando, normalmente via mensagens rádio referentes quer ao IN, quer às NT.
Abrindo aqui um parênteses, referirei que durante os dois anos em que lá exerci essas funções, nunca em caso algum tive qualquer contacto com elementos da PIDE, o que sempre achei estranho. Ainda bem que assim foi, mas não posso deixar de referir que essa indiferença por parte da PIDE era talvez um prenúncio da sua decadência, bem como do regímen que a sustentava.
Um dos registos que a toda a hora tinha que fazer era a actualização de todas as acções IN no mapa da zona leste à Esc 1/50.000, que ocupava toda uma parede da sala onde trabalhava. Havia sinais autocolantes em mica vermelha que iam sendo colocados nos locais dessas acções. Decorrido um certo tempo esses sinais eram substituídos por outros cor-de-laranja. Assim, num simples relance de olhar, podia-se detectar onde, de momento, havia mais actividade IN.
À tarde de determinado dia (do ano de 1969) chegou uma mensagem referindo a detecção e levantamento de uma mina anticarro, por uma coluna que se dirigia para um destacamento (não lembro o nome) algures no sector de Bambadinca.
Seria mais um sinal que iria colocar no mapa, mas não foi só isso. Tendo reparado que havia mais sinais cor-de-laranja de minas no mesmo itinerário e puxando da memória e dos arquivos, depressa cheguei à conclusão que todas as vezes que esse destacamento era atacado (de 2 em 2 meses, suponho), no dia seguinte a respectiva coluna de reabastecimento detectava e levantava uma mina anticarro.
Não foi difícil tirar a conclusão final: Esse aquartelamento iria ser atacado, nesse dia, ao anoitecer como era costume.
De imediato fui ter com o Cor Hélio Felgas, meu comandante, e dado que o conhecia muito bem, levei logo comigo o bloco das mensagens.
- Meu comandante, este destacamento vai ser atacado hoje. Ouviu as minhas explicações. Sem dizer uma palavra, estendeu a mão para o bloco das mensagens e escreveu:
- Prevê-se ataque IN esse hoje tome providências.
Ao anoitecer chegava uma mensagem referindo o ataque. De imediato o Cor Felgas mandou outra a perguntar quais as providências tomadas.
Não me recordo se houve ou não mais uma punição para um comandante de destacamento, caso naquele dia não tenha saído do arame.
E a propósito de mina, nada melhor para terminar que a bela e também dramática poesia que se segue.
MINA BAILARINA
Filão que paga as contas
e o rodopio.
Há muito que o mineiro
salva o salário na folha corrente
e o saldo positivo-negativo se exa-
mina.
Na febril valsa o operário,
no calafrio
em que o preço da fome se ensina,
aperta nos braços de inúmeros moldes
cruzes onde o sangue pinta o papel que deter-
mina.
Vêm assim ao de cima
as escórias do túnel
que o filão de extropiados elimina e ilu-
mina
e nas contas do fabricante
há um acordo que exter-
mina.
E só depois da valsa assassina
alimentar a dança
é que os mandantes do baile que ful-
mina
se apressam a mudar a música,
sem que de uma vez por todas rebentem
com o filão que os recri-
mina.
A próxima estória andará à volta de uma Operação de Páras, que acertou no alvo, resultado de um interrogatório a um elemento IN e onde mostrarei vários livros escolares IN e outros objectos capturados.
Até para a semana camaradas.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4675: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (9): Férias na Metrópole. Não há duas sem três...