PARABÉNS A VOCÊ
10 DE FEVEREIRO DE 2011
1. No dia do seu aniversário, aqui estão os editores e a restante tertúlia a felicitar o nosso camarada e amigo José Brás. Miguel Pessoa associou-se também à data colaborando com o seu habitual e original postal.
São nossos votos que o nosso aniversariante tenha um longa vida, com qualidade, para continuar a enviar regularmente os seus textos ao Blogue, assim como a publicar os seus livros. Lembremos o seu último, Lugares de Passagem, que parece ser difícil encontrar nas livrarias, mas que o Zé, que tem alguns exemplares, enviará a quem lho pedir.
Aconselhamos os nossos eventuais leitores a lerem os textos do José Brás publicados no nosso blogue. Para aceder, clicar aqui.
Caro José, porque mereces, desejamos o melhor da vida para ti.
Em nome de todos os camaradas e amigos do nosso blogue, deixo-te um fraterno abraço.
Carlos Vinhal
2. Segue-se agora um texto enviado pelo José Brás a propósito do(s) dia(s) do seu aniversário.
É ele quem faz anos, mas nós é que temos direito a prenda. Falando em prendas, diz-me o Luís Graça que já está aí nas bancas a 2.ª edição do livro de ficção Lugares de Passagem (Lisboa, Editora Chiado, 2010, 192 pp., preço de capa, 15€)... Duplos parabéns, Zé!...
Dez ou quinze de Fevereiro?
por José Brás
Dez de Fevereiro, no calendário dos santos católicos calha todos os anos a Santa Escolástica, mais conhecida como Santa Scholástica, virgem, nascida em 480 DC, irmã gémea de S. Benedito de Núsia, entre nós, nem sei porquê, também conhecido como S. Bento, fundador da Ordem dos Beneditinos.
Quinze de Fevereiro, continuando a busca na mesma relação de santos e santas, é festejado Santo Amaro ou Santo Maurus, com fama de ter andado sobre as águas para salvar Plácido, companheiro monge caído ao rio e arrastado na corrente quando se abastecia de água.
E vejam vocês como todas as coisas da vida se ligam em malha tão apertada e fora de explicações. Acontece que o irmão gémeo de Santa Escolástica, não foi nem mais nem menos que o educador de Santo Amaro, quer dizer, como o dia dez de Fevereiro se junta ao dia quinze pelos insondáveis caminhos da vida.
Dez ou quinze de Fevereiro de 1967.
Se querem que diga não sei. Sei apenas que foi num, ou no outro dia, de Santa Escolástica ou de Santo Amaro, que apanhei a maior cadela da minha vida e sorte tive eu que o PAIGC tivesse querido atacar Cumbijã nesse dia.
Eu explico, sou obrigado a destrançar isto, porque senão ninguém se entende e nem eu sou capaz de contar direito o que quero contar, isto é, marcar um princípio, um meio e um fim na história a fim de que eu próprio a entenda e, por tabela, talvez também, a entendam os meus amigos.
Se começasse pelo que me lembra melhor, contaria das tremuras bravas que me tomaram e com que comecei a tomar conta de mim, pouco a pouco retomando algum sinal da vida que o Furriel enfermeiro esteve quase a dar como acabada.
A enfermaria da Companhia, em Aldeia Formosa, que me recorde, era uma espécie de corredor, e digo assim por me parecer agora a esta distância dos factos a relatar, estreita e comprida.
Encostada à parede do lado direito de quem entrava, estava sempre montada uma marquesa, e era precisamente sobre ela que eu tremia, acho que de frio e de calor, uma coisa de cada vez e não sei se não as duas ao mesmo tempo.
Mas com isto, estou agora a meio da história sem ter ainda, sequer, esboçado o seu início como é necessário que faça.
Que tremia já vocês sabem, ainda que não saibam de quê.
Também já sabem da bebedeira monumental porque logo a seguir à conversa sobre os santos falei de uma valente cadela. E assim, sabem já que tremuras e cadela são, quase de certeza, efeito e causa, respectivamente e ainda que postos em tempos invertidos.
Agora, será necessário é explicar porque é que aparecem aqui os canonizados personagens e as dúvidas se é a um ou a outro que devo recorrer para fixar o exacto dia da bebedeira e das tremuras.
Acabemos com as voltinhas, então.
Dizem que nasci no dia dez de Fevereiro de 1943, com ajuda da Mulher João Granja, bruxa nas noites das Sextas na mata do Conde, e parteira, enfermeira, curandeira, nos outros dias quando os aldeões precisavam.
Acontece que em Fevereiro, como sabem, caminhos de aldeia, naqueles tempos, eram um lamaçal pegado, difíceis de fazer se a distância à sede da Freguesia se media em quilómetros.
A maior parte dos registos de nascimento não cumpriam o prazo da Lei e havia que recorrer à pequena mentira, atrasando o dia do nascimento na papeleta da cédula.
Foi o que aconteceu comigo, também, nascido de facto a dez e oficialmente a quinze, festejando os aniversários, uns anos a dez e outros a quinze, conforme dava jeito.
E é por isso que estou agora nesta enrascada de querer contar-vos a história e encalhando logo na possível falta de rigor em relação ao tempo exacto dos acontecimentos e ao patrocínio da Santa ou do Santo.
Seja como for, o que interessa mesmo é que era a primeira vez que tinha data de aniversário na Guiné, mais precisamente em Aldeia Formosa, hoje Quebo, 24 primaveras no lombo, já, umas melhores que outras, como toda a gente.
No dia anterior estivera numa molhada que podia ter acabado mal. Gerente do bar e da messe, já com algumas faltas num e noutra e sabendo de carregamento no cais de Buba para receber, o capitão aproveitou a coluna que sairia de Nhala no mesmo propósito e entregou-me dois Unimog e uma Secção reforçada para nos juntarmos.
Em Buba, levámos mais tempo a carregar do que o Pelotão de Nhala que se pôs na alheta e nos deixou sozinhos para fazer de noite a estrada de retorno.
Apesar de ser tempo seco, havia passagens de zonas em que era necessário descarregar e carregar as viaturas porque as rodas acertavam mal nos troncos, utilizar guincho e puxar.
A determinada altura, ia eu com a ponta do cabo agarrada no ombro, rebentam vários tiros na frente, já perto primeira da viatura. A minha arma estava no banco do Unimog e corri para lhe pegar.
Ouvi gritos e percebi que era a nossa malta que, preocupada, saíra de Aldeia Formosa à nossa procura, atravessara Nhala e nos encontrara.
Dormi e, de manhã acordei em festa, ou a pedir festa, quem sabe se apenas a outra parte de mim que reagia porque tinha de ser.
E comecei a beber.
Bebi de manhã, bebi ao almoço, bebi durante a tarde, bebi ao jantar, bebi com a minha Secção, bebi no bar, bebi na messe de sargentos e na de oficiais, bebi, cerveja e vinho e whisky, e conhaque e... o que vinha à boca.
Depois da tagarelice do pós jantar, peguei uma garrafa de Long John e levei p'rá cama.
E foi aí, noite dentro, que a grande contradição do desejo do PAIGC de atacar Colibuia, apareceu como bênção dos céus, vejam bem.
Mensagem urgente de Bissau, codificada, cabo cripto de férias em Santiago do Cacém e a necessidade de acordarem o Furriel de Transmissões para descodificar.
Não havia Furriel na sua cama, mas um corpo, apenas, disseram-me depois, ainda com a garrafa vazia deitada a seu lado como amante dedicada e paciente.
E foi esse corpo vazio de alma, quase, que levaram de charola para a enfermaria e que na enfermaria o Furriel Enfermeiro recuperou para a tremura violenta mas de bom sinal.
Ou era onze ou era dezasseis de Fevereiro, quando o enfermeiro decidiu que estava capaz de recolher ao meu mosquiteiro.
Foi uma semanada de ressaca, o corpo reagindo aos poucos, recuperando incapaz de cheirar álcool e em dificuldades com o prato.
Agora vejam vocês como o mundo é pequeno!
Santa Escolástica e Santo Amaro, gente que viveu de perto e conviveu na sombra dos mosteiros antigos e que se misturam na confusão das datas do meu aniversário.
A vontade do PAIGC de atacar Cumbijã, coisa que não aconteceu mas que originou a mensagem que provavelmente me salvou da morte quando festejava o nascimento.
E imaginem agora vocês que me dava na gana e punha o som dos tiros dos meus camaradas a saírem das armas do PAIGC, num ataque de apanhar gente à mão, coisa que não foi mas podia ter sido, e que se eu escrevesse que foi, os que não sabem que não foi, me admiravam a valentia, e os que sabem que não foi, me chamavam de mentiroso.
Logo no dia do meu aniversário!
Abraços a todos
José Brás
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Notas de CV:
(*) José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622 que esteve em Aldeia Formosa e Mejo nos anos de 1966/68
Vd. último poste da série de 6 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7730: Parabéns a você (214): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381 (Tertúlia e Editores)