1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 3 de Junho de 2012:
Caro amigo Vinhal
Um abraço com desejo que a saúde e o bem-estar te assistam.
Por saber que o trabalho dá saúde e promove o bem-estar, espero contribuir para tal enviando-te mais um apontamento de “Viagem…”se calhar merecedor de “rodinha” para alguns eventuais leitores mais emocionáveis, talvez até “Eleitos” no mesmo ou noutros cenários e a quem desde já peço desculpa por eventualmente interferir em campos guardados na memória.
Saúde e um abraço para todos
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (53)
Bula - guerra das minas (3)
Acontecia
BUMMM!!!
O estrondo de um rebentamento ali muito próximo deixou-nos expectantes…
Os dias iam-se acumulando vagarosamente no depósito dos passados e no dos a ultra-passar, estes com recortes de dor e sofrimento para uns, de mágoas e tristezas para outros, de inseguranças e receios para uns outros, julgo de esperança para todos.
Eram dias encimados em dias, que se iam transpondo na fragilidade de um “arame suspenso” e em tensão de alto risco, esticado e sem rede de segurança por sobre uma arena também ela potenciada de riscos sérios.
A “barra de equilíbrio” usada para ir dando passos e conseguir transpor esse arame, era basicamente feita de serenidade, atenção e contenção, ingredientes que dada a natureza humana, nem sempre sendo conseguidos vinham a causar a perda de equilíbrio que provocava o desastre, podendo o mesmo também acontecer e sem se conhecer o porquê, ou pura e simplesmente o “arame” rebentar e sem aviso, o BUMMM… do rebentamento inesperado ali ao lado deixava-nos expectantes do e a quem tinha acontecido!
Os dias negros em que situações destas aconteciam, continuo a falar por mim, em que o estropiamento de um companheiro acontecia e nos marcava, tinham que ser arrumados não no depósito dos passados mas no dos a ultrapassar e fechados com as chaves da Fé e da Esperança, único modo de se ir conseguindo enfrentar e viver os vindouros.
A acontecer o desastre, esperava-se ao menos ficar com a articulação do joelho, de modo a acabar por do mal, o menos, poder andar sem muleta! Daí e nestas lides eu usar sempre as minhas botas em couro de meio cano alto e ajustadas, que acreditava poderem vir a contribuir na protecção e nesse sentido.
Botas que usava nas minas
Dizia-se até que na desdita (aos “felizardos” certamente) seriam aplicadas próteses na Alemanha, que imitavam a carne e que até permitiam correr e jogar futebol. Para as caneladas deveria ser óptimo, este incentivo de truz!!!!
Em confrontos nas matas daquela terra já tinha presenciado e vivido diversas situações em que companheiros ficaram feridos com gravidade e de morte. Foram momentos difíceis que houve que ultrapassar mas que se não esquecem e ficam para sempre na memória pormenores (?) subjectivos gravados com nitidez, de imagens que se vão esbatendo ao longo do tempo.
Honestamente, por maior que fosse o choque sentido não era de me deixar abater e de deixar transparecer emoções ou constrangimentos na presença dos feridos, fosse qual fosse a sua gravidade. Achava e continuo a achar que esse tipo de reacções, naturais e comuns é certo, provocavam um efeito negativo no ferido e até em expectantes, podendo levar inclusive a laxismos e desorientações que não podiam ter lugar nessas ocasiões, pelo
que e a meu ver, em especial quem exercia funções de comando deveria conseguir controlo sobre essas emoções
Nesses momentos de dor e incerteza para o ferido, julgo até que agravada de solidão em ausência da família, a hora deveria ser de tentar interromper esse estado de espírito, de incentivar não demonstrando preocupação em demasia, quiçá “chistando” até com o acontecido ou com as consequências.
Recordo a propósito uma “converseta” sic ou quase, com “eleito” estropiado:
- Oh Faria, dá-me água...
- Bai -te f…Queres água p’ ra quê? Entra-te pela boca e sai-te pela perna…”!??! (segundo o que parecia saber, naquelas situações não deveriam beber?)
Usei-o a meu ver com resultados positivos. Se o ferido fosse eu, não gostaria de sentir a meu lado a imagem do “carpidor” que olhava o desgraçadinho do coitado, do que pena, do que está f…! Quereria era sentir iniciativa, confiança, segurança, naturalidade, despacho. Bom, mas como disse era assim que pensava e sentia e como tal adoptava esse tipo de conduta que poderia ser criticável, bem sei. Ainda hoje assim acontece.
À excepção da morte ocorrida no Balanguerez (P7172) provocada por um RPG directo, digo com sinceridade, o que sentia em presença dos feridos pelas minas era diferente, bastante diferente e mais intenso do que os acontecidos nas matas, em combate. Eram ferimentos ”feios” que impressionavam pelo estado e aspecto.
A vista do membro estraçalhado, à mistura com aquele odor a sangue e carne queimada a explosivo era realmente perturbador e continuo a falar por mim, difícil de encarar e esquecer, desencadeava um turbilhão de emoções. Na verdade para se conseguir controlar e manter o equilíbrio emocional em presença, havia que fazer um grande esforço de “alheamento” e contenção para não deixar transparecer essas emoções.
Posteriormente e a mais das vezes, podia-se extravasar toda essa contenção. O bar não fugia, a viola repousava pelo quarto, o abraço, palavras de amizade e apoio aconteciam!
No quartel a ambulância era esperada e recebida com ansiedade, curiosidade, comoção e até por descontrolo emocional causador de distúrbios psíquicos (?), como chegou a acontecer causando para a vida feridas nunca bem cicatrizadas.
Já o disse, para mim foram os tempos mais desgastantes e dos mais difíceis porque passei nessa guerra, que por Graça acabou por me poupar e ao que sinto até ver, não me deixou feridas mal cicatrizadas do corpo ou psicológicas.
Luís Faria
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9850: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (52): Bula - A guerra das minas (2) - Os "eleitos"
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Guiné 63/74 - P10005: (Ex)citações (185): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (2) (José Manuel Pechorro)
1. Segunda parte da mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 1 de Maio de 2012, respondendo às perguntas formuladas por Luís Graça no seu comentário deixado no Poste 9960*.
11 de Maio de 1973, Sexta-feira
A noite foi fria e cheia de humidade. Pelas 06h05, e vindos da neblina matinal recolheram ao aquartelamento os dois Alf Atir Inf Mil José Manuel Levy da Silva Soeiro e José Manuel Nogueira Pacheco, e um cabo africano da CCaç 3 (que nunca os abandonou…), vindos do Cufeu. Pernoitaram escondidos na mata, aguardando pelo dia seguinte.
O Alf Pacheco, doente, com ataque de paludismo e esgotado, chegou a dizer aos outros dois para o abandonarem… Andou perdido, somente acompanhado pelo 1.º cabo africano, até conseguir encontrar-se com o seu camarada José Soeiro. Os mortos, da CCaç 19 serão comidos pelos abutres:
Quem não se lembra deles? O jagudi (necrosyrtes monachus), sempre em bandos. Atrevidos, estavam sempre presentes na tabanca à espera das sobras… e não só pois eram grandes larápios.
Foto cortesia de http://pt.wikipedia.org
A coluna devia regressar hoje a Farim, mas não aconteceu devido à forte pressão exercida pelos soldados e graduados da CCaç 19, e alguns civis. Intuindo o perigo de ficar Guidage, apenas com mais 2 GComb brancos, como reforço. Os referidos ameaçaram seguir com a coluna, como é natural a população ia atrás. Alguns populares chegaram a fazer as malas e andaram com as trouxas à cabeça.
Foi enterrado entre o arame farpado e a vala, próxima da caserna do 1.º Pelotão o Soldado Manuel Geraldes da BCaç 4512, que ontem morreu na coluna.
O cantar do BUM! BUM! Pelas 19h15 nova flagelação com morteiro 82, durante 10 minutos; 1 ferido ligeiro. Repetem pelas 20 e 21 horas, na população 1 ferido ligeiro. Resto sem consequências.
As bases dos fogos situam-se a 2,5/3 km de distância, nas zonas: FACÃ – SAMOGE e BISSAKAL (Senegal), de FAJONQUITO e QUENHATO. Está bem dirigido, cai na zona dos espaldões dos obuses, dentro do quartel e tabanca. Devem ter postos de observação que vão regulando o tiro por meio de rádios. Flagelam de Bissakal, respondemos ao fogo, imediatamente atacam de Quelhato (lado oposto), etc, não nos deixando quase sair da vala ou dos abrigos. As NT no entanto têm-se portado bem.
Hoje chegou a vez do aquartelamento de Binta. Foi flagelado com morteiro 82 e RPG`s. Do lado de lá do rio. Pelas 19 horas sem consequências. Segundo se comentou, e salvo erro, nesta flagelação os nossos soldados ao tentarem responder com os nossos morteiros 81, encontraram os mesmos com terra no seu interior, impedindo que as granadas picassem e emergissem dos canos!... BIGENE continua a ser atingido com canhões sem recuo e de vez em quando com foguetões. Aqui em Guidage ouvem-se, são uns atrás dos outros. De noite tornam-se nítidos os clarões das saídas e as trajectórias, tendo por fundo o céu estrelado.
Em homenagem aos soldados da CCaç 19, uma foto do soldado mais velho da companhia que transitou da CCaç 3, em Guidage. Por mais que tente não consigo lembrar o seu nome.
Do blogue SPM0018 do ex-Fur Mil João Félix Dias. Com a devida vénia
Pergunta: Tu saíste alguma vez do aquartelamento? Em princípio, não... Como 1.º cabo cripto, não podias correr o risco de ser apanhado à mão (o que para o exército seria um cenário pior do que seres... morto)
Resposta: Até Abril de 1973 ia-se buscar água em bidons, colocados em cima de viaturas, para as necessidades do aquartelamento à nascente da bolanha de Guidage. A maioria das praças deslocava-se a esta nascente na bolanha, entre o Senegal e a pista de aviação para tomar banho. Com uma lata das conservas de fruta, apanhava a água que brotava limpa, ensaboava e tirava o mesmo atirando água para a cabeça e resto do corpo...
Dizia-se que a nascente já era Senegal! Até esta data íamos todos os dias lavar-nos lá... Depois passamos a ter o furo e água canalizada no quartel!
Zona perigosa, nas flagelações diurnas o IN flagelava esporadicamente este local. Numa destas flagelações, num Domingo e na hora da sesta, ficaram feridas gravemente duas bajudas (raparigas solteiras) que lavavam roupa. Uma delas com o pé estropiado... Evacuadas por via aérea para Bissau.
Em 26.3.1972, de Domingo
Pelas 20h30 Guidage sofre ataque de 40 a 50 elementos, que se dividiu em 2 locais de ataque, um dentro da Guiné e outro no Senegal, do lado de lá da bolanha. Comandou Fai Sissé. Utilizou 2 metralhadoras pesadas, morteiro 82, Rpg`s 7 e 2, e armas ligeiras PPSH e Klaschnikov. Procurou alvejar os obuses e o posto de comando durante 20 minutos. Consequências: NT sem baixas e do IN desconhecem-se.
No dia seguinte, Segunda-feira 26, uma força armada de cerca de 15 militares atravessou a bolanha para fazer reconhecimento aos locais do fogo atacante, fui com eles! Por mais que tente não consigo recordar os nomes. O nosso Cap Inf Afonso José Carmona Teixeira pediu voluntários, assistindo perguntei se também poderia ir, respondeu sorrindo que sim.
Nesta foto, de óculos o Cap Inf Afonso José Carmona Teixeira da CCaç 19 e de bigode O Cap Carlos Ricardo da CCaç 3. Janeiro ou Fevereiro de 1972.
Foto recebida do Fur Mil João Félix Dias da CCaç 3.
Detectamos onde estiveram, avistamos as cápsulas das munições e um ou outro equipamento que esqueceram ou foram obrigados a deixar…
Os guerrilheiros com armas ligeiras dispararam com os pés enterrados na água da bolanha, fugindo ao nível da maioria do nosso fogo que lhes passou por cima…
Pela primeira e única vez atravessei a bolanha, para o Senegal, com água pelo peito e com a G3 nas mãos, no meio da coluna, atrás ou à frente do Furriel. Em certo local, sendo o mais baixo do grupo fiquei com àgua perto do pescoço. Imprudência ou insensatez a minha!…
Morei com os meus pais na Ribeira de Santarém, no verão quase todos os dias ía tomar banho no Rio Tejo…
Não foi a única saída do aquartelamento. Num determinado Domingo, já perto das 16h30 / 17 horas, com o capim muito alto e verdejante que chegava aos taipais da viatura, integrei um grupo de 6 elementos (2 brancos e 4 negros), que foi buscar dois porcos do mato (javalis), abatidos por um soldado mandinga caçador nativo da CCaç 19, que nos indicou o caminho…
Fomos de Berliet, e andamos cerca de 6 kms, ou mais! No percurso interroguei o Soldado se ainda faltava muito, respondendo: “É já ali. É já ali…” O ruído da viatura, a distância do quartel e a nossa força muito diminuta, só com a G3 na mão… Cheguei a ter receio de sermos detectados pelos guerrilheiros… Admirei a perícia do condutor (o Braima Djaura?), que atingiu velocidade excessiva, desviando-se das árvores… Regressamos mesmo a acabar o dia, já a escurecer.
Foi na região entre Quelhato e o Fajonquito … Também não recordo o nome dos que foram nesta acção. Saí porque o soldado disse ao nosso Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas, a quem pedi autorização para sair, afirmou que os porcos estavam muito perto a cerca de 500 a 1000 metros e em zona de onde nunca tínhamos sido atacados. A companhia comprou o resultado da caça e a sua carne revelou-se bastante saborosa…
Um abraço a todos,
José Pechorro
Ex-1.º Cabo Op Cripto
CCaç 19
1971/73
Uidage - Guiné
____________
Nota de CV:
(*) Vd. postes de:
29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)
e
5 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10000: (Ex)citações (184): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (1) (José Manuel Pechorro)
11 de Maio de 1973, Sexta-feira
A noite foi fria e cheia de humidade. Pelas 06h05, e vindos da neblina matinal recolheram ao aquartelamento os dois Alf Atir Inf Mil José Manuel Levy da Silva Soeiro e José Manuel Nogueira Pacheco, e um cabo africano da CCaç 3 (que nunca os abandonou…), vindos do Cufeu. Pernoitaram escondidos na mata, aguardando pelo dia seguinte.
O Alf Pacheco, doente, com ataque de paludismo e esgotado, chegou a dizer aos outros dois para o abandonarem… Andou perdido, somente acompanhado pelo 1.º cabo africano, até conseguir encontrar-se com o seu camarada José Soeiro. Os mortos, da CCaç 19 serão comidos pelos abutres:
Quem não se lembra deles? O jagudi (necrosyrtes monachus), sempre em bandos. Atrevidos, estavam sempre presentes na tabanca à espera das sobras… e não só pois eram grandes larápios.
Foto cortesia de http://pt.wikipedia.org
A coluna devia regressar hoje a Farim, mas não aconteceu devido à forte pressão exercida pelos soldados e graduados da CCaç 19, e alguns civis. Intuindo o perigo de ficar Guidage, apenas com mais 2 GComb brancos, como reforço. Os referidos ameaçaram seguir com a coluna, como é natural a população ia atrás. Alguns populares chegaram a fazer as malas e andaram com as trouxas à cabeça.
Foi enterrado entre o arame farpado e a vala, próxima da caserna do 1.º Pelotão o Soldado Manuel Geraldes da BCaç 4512, que ontem morreu na coluna.
O cantar do BUM! BUM! Pelas 19h15 nova flagelação com morteiro 82, durante 10 minutos; 1 ferido ligeiro. Repetem pelas 20 e 21 horas, na população 1 ferido ligeiro. Resto sem consequências.
As bases dos fogos situam-se a 2,5/3 km de distância, nas zonas: FACÃ – SAMOGE e BISSAKAL (Senegal), de FAJONQUITO e QUENHATO. Está bem dirigido, cai na zona dos espaldões dos obuses, dentro do quartel e tabanca. Devem ter postos de observação que vão regulando o tiro por meio de rádios. Flagelam de Bissakal, respondemos ao fogo, imediatamente atacam de Quelhato (lado oposto), etc, não nos deixando quase sair da vala ou dos abrigos. As NT no entanto têm-se portado bem.
Hoje chegou a vez do aquartelamento de Binta. Foi flagelado com morteiro 82 e RPG`s. Do lado de lá do rio. Pelas 19 horas sem consequências. Segundo se comentou, e salvo erro, nesta flagelação os nossos soldados ao tentarem responder com os nossos morteiros 81, encontraram os mesmos com terra no seu interior, impedindo que as granadas picassem e emergissem dos canos!... BIGENE continua a ser atingido com canhões sem recuo e de vez em quando com foguetões. Aqui em Guidage ouvem-se, são uns atrás dos outros. De noite tornam-se nítidos os clarões das saídas e as trajectórias, tendo por fundo o céu estrelado.
Em homenagem aos soldados da CCaç 19, uma foto do soldado mais velho da companhia que transitou da CCaç 3, em Guidage. Por mais que tente não consigo lembrar o seu nome.
Do blogue SPM0018 do ex-Fur Mil João Félix Dias. Com a devida vénia
Pergunta: Tu saíste alguma vez do aquartelamento? Em princípio, não... Como 1.º cabo cripto, não podias correr o risco de ser apanhado à mão (o que para o exército seria um cenário pior do que seres... morto)
Resposta: Até Abril de 1973 ia-se buscar água em bidons, colocados em cima de viaturas, para as necessidades do aquartelamento à nascente da bolanha de Guidage. A maioria das praças deslocava-se a esta nascente na bolanha, entre o Senegal e a pista de aviação para tomar banho. Com uma lata das conservas de fruta, apanhava a água que brotava limpa, ensaboava e tirava o mesmo atirando água para a cabeça e resto do corpo...
Dizia-se que a nascente já era Senegal! Até esta data íamos todos os dias lavar-nos lá... Depois passamos a ter o furo e água canalizada no quartel!
Zona perigosa, nas flagelações diurnas o IN flagelava esporadicamente este local. Numa destas flagelações, num Domingo e na hora da sesta, ficaram feridas gravemente duas bajudas (raparigas solteiras) que lavavam roupa. Uma delas com o pé estropiado... Evacuadas por via aérea para Bissau.
Local da Nascente.
Foto ©: Adquirida ao 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, Alentejano
Em 26.3.1972, de Domingo
Pelas 20h30 Guidage sofre ataque de 40 a 50 elementos, que se dividiu em 2 locais de ataque, um dentro da Guiné e outro no Senegal, do lado de lá da bolanha. Comandou Fai Sissé. Utilizou 2 metralhadoras pesadas, morteiro 82, Rpg`s 7 e 2, e armas ligeiras PPSH e Klaschnikov. Procurou alvejar os obuses e o posto de comando durante 20 minutos. Consequências: NT sem baixas e do IN desconhecem-se.
No dia seguinte, Segunda-feira 26, uma força armada de cerca de 15 militares atravessou a bolanha para fazer reconhecimento aos locais do fogo atacante, fui com eles! Por mais que tente não consigo recordar os nomes. O nosso Cap Inf Afonso José Carmona Teixeira pediu voluntários, assistindo perguntei se também poderia ir, respondeu sorrindo que sim.
Nesta foto, de óculos o Cap Inf Afonso José Carmona Teixeira da CCaç 19 e de bigode O Cap Carlos Ricardo da CCaç 3. Janeiro ou Fevereiro de 1972.
Foto recebida do Fur Mil João Félix Dias da CCaç 3.
Detectamos onde estiveram, avistamos as cápsulas das munições e um ou outro equipamento que esqueceram ou foram obrigados a deixar…
Os guerrilheiros com armas ligeiras dispararam com os pés enterrados na água da bolanha, fugindo ao nível da maioria do nosso fogo que lhes passou por cima…
Pela primeira e única vez atravessei a bolanha, para o Senegal, com água pelo peito e com a G3 nas mãos, no meio da coluna, atrás ou à frente do Furriel. Em certo local, sendo o mais baixo do grupo fiquei com àgua perto do pescoço. Imprudência ou insensatez a minha!…
Morei com os meus pais na Ribeira de Santarém, no verão quase todos os dias ía tomar banho no Rio Tejo…
Foto ©: Retirada do sítio Luís Graça & Camaradas da Guiné, com a devida vénia
Não foi a única saída do aquartelamento. Num determinado Domingo, já perto das 16h30 / 17 horas, com o capim muito alto e verdejante que chegava aos taipais da viatura, integrei um grupo de 6 elementos (2 brancos e 4 negros), que foi buscar dois porcos do mato (javalis), abatidos por um soldado mandinga caçador nativo da CCaç 19, que nos indicou o caminho…
Fomos de Berliet, e andamos cerca de 6 kms, ou mais! No percurso interroguei o Soldado se ainda faltava muito, respondendo: “É já ali. É já ali…” O ruído da viatura, a distância do quartel e a nossa força muito diminuta, só com a G3 na mão… Cheguei a ter receio de sermos detectados pelos guerrilheiros… Admirei a perícia do condutor (o Braima Djaura?), que atingiu velocidade excessiva, desviando-se das árvores… Regressamos mesmo a acabar o dia, já a escurecer.
Foi na região entre Quelhato e o Fajonquito … Também não recordo o nome dos que foram nesta acção. Saí porque o soldado disse ao nosso Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas, a quem pedi autorização para sair, afirmou que os porcos estavam muito perto a cerca de 500 a 1000 metros e em zona de onde nunca tínhamos sido atacados. A companhia comprou o resultado da caça e a sua carne revelou-se bastante saborosa…
Um abraço a todos,
José Pechorro
Ex-1.º Cabo Op Cripto
CCaç 19
1971/73
Uidage - Guiné
____________
Nota de CV:
(*) Vd. postes de:
29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)
e
5 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10000: (Ex)citações (184): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (1) (José Manuel Pechorro)
Guiné 63/74 – P10004: Convívios (447): Almoço do Pel Rec 888, decorreu no dia 2 de Junho de 2012 em Montemor-o-Novo (Armando Fonseca)
1. O
nosso Camarada Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje
e Aldeia Formosa,
1962/64), enviou-nos a seguinte mensagem:
Almoço do
Pelotão de Reconhecimento 888
Caros amigos da Tabanca
Grande as minhas saudações, especialmente para os editores a quem dedico um
cumprimento especial.
Aproveito este meio para
participar que decorreu em Montemor-o-Novo no dia 2 um almoço de convívio entre
alguns dos antigos combatentes do Pelotão de Reconhecimento 888, que prestou
serviço em Aldeia Formosa e arredores.
Este evento teve ainda a
participação de outros antigos combatentes, inclusive eu, que embora não
fizessem parte do Pelotão se juntaram pelos mesmos locais com o mesmo fim.
Este evento teve ainda o
fim de homenagear um antigo combatente que faleceu devido a doença prolongada e
se encontra sepultado no cemitério local. Antes do almoço foi rezada missa por
alma do eis cabo Reis seguido de uma romaria até ao cemitério.
Junto envio fotos de seis
combatentes e suas digníssimas esposas, assim como de alguns familiares do cabo
Reis.
Despeço-me com um grande abraço
para toda a Tabanca e até à próxima.
Armando Fonseca (O
Alenquer)
___________
Nota de
M.R.:
Vd. último
poste desta série em:
4 DE JUNHO DE 2012 > Guiné 63/74 -
P9996: Convívios (264): O XIX Encontro da CCS/BCAÇ 2912 foi no dia 26 de Maio
de 2012 no RI14 de Viseu (António Tavares)
Guiné 63/74 - P10003: Parabéns a você (432): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM (Guiné, 1972/74)
Para aceder aos postes do nosso camarada Belarmino Sardinha, clicar aqui
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 5 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9997: Parabéns a você (428): Manuel Traquina, ex-fur mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)
terça-feira, 5 de junho de 2012
Guiné 63/74 - P10002: Tabanca Grande (343): Nelson Henriques Cerveira, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAV 8320/73 (Bissorã e Bissau, 1974)
1. Mensagem do nosso camarada Nelson Henriques Cerveira*, ex-Fur Mil
Enf.º da CCS/BCAV 8320/73, Bissorã e Bissau, 1974, com data de 23 de
Maio de 2012:
Boa tarde caro amigo Carlos Vinhal
Fico muito honrado com o teu convite para pertencer ao blogue, podes contar comigo para falar sobre a curta experiência que tive na antiga província da Guiné.
Quanto às perguntas que me fazes apenas te posso esclarecer um pouco no que diz respeito à da nossa desmobilização.
Quanto ao facto de o Comandante nomeado ter sido um Major e depois ter assumido o Comando um Capitão, nada mais te posso acrescentar.
No que diz respeito à nossa desmobilização posso-te narrar os fatos acontecidos no dia 24 de Abril.
Nesse dia, a meio da tarde, aterrou numa parada do Campo Militar de Santa Margarida, em frente aos alojamentos dos oficiais e sargentos do nosso Batalhão e em frente, do outro lado da avenida principal do campo, ao quartel General do Campo Militar, um helicóptero, saindo do mesmo dois oficiais generais e dois oficiais superiores, que se dirigiram ao quartel general do acampamento, onde permaneceram em conversação com o comandante do Campo Militar por cerca de hora e meia, tendo-se depois retirado no mesmo helicóptero.
Cerca das 8 horas e 30 minutos, desse mesmo dia, foi-nos dado ordem para formar todo o Batalhão na parada do Quartel-General. Aí foi-nos informado pelo comandante do campo militar que tínhamos sido desmobilizados, tínhamos de entregar até à meia-noite todo o armamento que nos tinha sido distribuído e que íamos de licença no dia seguinte, tendo que nos apresentar no dia 1 de Maio para recebermos novas instruções.
Posso ainda informar que no dia seguinte, 25 de Abril, tivemos conhecimento que um Batalhão que estava a tirar IAO e estava mobilizado para Angola, teve o seu regresso da semana de campo adiado do dia 24 de Abril para dois dias mais tarde. Como deves saber, saíram do Campo Militar de Santa Margarida duas companhias de caçadores comandadas respectivamente pelo Capitão Miliciano Luís Pessoa e pelo Tenente Andersen, que depois de terem forçado o oficial de dia do aquartelamento de Cavalaria, aliás sem qualquer oposição da parte deste, a entregar-lhes as chaves de várias Chaimites, foram ocupar as antenas do Rádio Clube Português em Porto Salvo e defender a ponte Marechal Carmona em Vila Franca de Xira.
Tudo leva a crer que a intenção era desarmar e imobilizar os Batalhões do campo militar mobilizados para as ex-províncias ultramarinas, para assim impedir a sua participação no golpe militar de 25 de Abril.
Agora deixo a pergunta no ar. Será que havia conhecimento por parte de algumas instâncias superiores do golpe militar de 25 de Abril?
Com um abraço e saudações me despeço.
P.S. Não tenho nenhuma fotografia minha do tempo da Guiné, como já referi anteriormente perdi toda a documentação incluindo fotografias da minha estadia nessa província ultramarina.
Assim que me for possível envio-te uma fotografia minha atual.
Saudações amigas.
Nelson Cerveira
2. Comentário de CV:
Caro camarada Nelson Cerveira, sê, mesmo sem as fotos da praxe, bem vindo à Tabanca Grande, Caserna virtual onde se podem alojar os ex-combatentes da Guiné que querem deixar aqui registadas as suas memórias, tanto em texto como em fotos.
Como aconteceu com outros camaradas, tiveste a boa sorte de ir para a Guiné com a missão de fazer o espólio de uma guerra há muitos anos mantida à custa de muitas mortes e muito sangue derramado pela juventude de Portugal e dos naturais de um lado e do outro da barricada.
Gostávamos que sem hesitações nos contasses como tu e os teus camaradas viveram aqueles tempos coincidentes com o fim do império. A descrição da retirada de Bissau e embarque das derradeiras forças portuguesas estacionadas na Guiné é de facto clarificadora do ambiente que se viveu naquela hora de tensão. Ainda bem que correu tudo bem.
Tens aqui audiência garantida, pelo que podes começar desde já a escrever.
Feita a tua apresentação, resta-me deixar-te um abraço em nome da tertúlia e dos editores. A partir de hoje contas com mais 561 amigos e camaradas que compõem a tertúlia deste Blogue.
O camarada e amigo
Carlos Vinhal
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9962: O Nosso Livro de Visitas (137): Nelson Cerveira, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAV 8320/73 (Bissorã e Bissau, 1974)
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9981: Tabanca Grande (342): Manuel Joaquim Santos Carvalho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2366/BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70)
Boa tarde caro amigo Carlos Vinhal
Fico muito honrado com o teu convite para pertencer ao blogue, podes contar comigo para falar sobre a curta experiência que tive na antiga província da Guiné.
Quanto às perguntas que me fazes apenas te posso esclarecer um pouco no que diz respeito à da nossa desmobilização.
Quanto ao facto de o Comandante nomeado ter sido um Major e depois ter assumido o Comando um Capitão, nada mais te posso acrescentar.
No que diz respeito à nossa desmobilização posso-te narrar os fatos acontecidos no dia 24 de Abril.
Nesse dia, a meio da tarde, aterrou numa parada do Campo Militar de Santa Margarida, em frente aos alojamentos dos oficiais e sargentos do nosso Batalhão e em frente, do outro lado da avenida principal do campo, ao quartel General do Campo Militar, um helicóptero, saindo do mesmo dois oficiais generais e dois oficiais superiores, que se dirigiram ao quartel general do acampamento, onde permaneceram em conversação com o comandante do Campo Militar por cerca de hora e meia, tendo-se depois retirado no mesmo helicóptero.
Cerca das 8 horas e 30 minutos, desse mesmo dia, foi-nos dado ordem para formar todo o Batalhão na parada do Quartel-General. Aí foi-nos informado pelo comandante do campo militar que tínhamos sido desmobilizados, tínhamos de entregar até à meia-noite todo o armamento que nos tinha sido distribuído e que íamos de licença no dia seguinte, tendo que nos apresentar no dia 1 de Maio para recebermos novas instruções.
Posso ainda informar que no dia seguinte, 25 de Abril, tivemos conhecimento que um Batalhão que estava a tirar IAO e estava mobilizado para Angola, teve o seu regresso da semana de campo adiado do dia 24 de Abril para dois dias mais tarde. Como deves saber, saíram do Campo Militar de Santa Margarida duas companhias de caçadores comandadas respectivamente pelo Capitão Miliciano Luís Pessoa e pelo Tenente Andersen, que depois de terem forçado o oficial de dia do aquartelamento de Cavalaria, aliás sem qualquer oposição da parte deste, a entregar-lhes as chaves de várias Chaimites, foram ocupar as antenas do Rádio Clube Português em Porto Salvo e defender a ponte Marechal Carmona em Vila Franca de Xira.
Tudo leva a crer que a intenção era desarmar e imobilizar os Batalhões do campo militar mobilizados para as ex-províncias ultramarinas, para assim impedir a sua participação no golpe militar de 25 de Abril.
Agora deixo a pergunta no ar. Será que havia conhecimento por parte de algumas instâncias superiores do golpe militar de 25 de Abril?
Com um abraço e saudações me despeço.
P.S. Não tenho nenhuma fotografia minha do tempo da Guiné, como já referi anteriormente perdi toda a documentação incluindo fotografias da minha estadia nessa província ultramarina.
Assim que me for possível envio-te uma fotografia minha atual.
Saudações amigas.
Nelson Cerveira
2. Comentário de CV:
Caro camarada Nelson Cerveira, sê, mesmo sem as fotos da praxe, bem vindo à Tabanca Grande, Caserna virtual onde se podem alojar os ex-combatentes da Guiné que querem deixar aqui registadas as suas memórias, tanto em texto como em fotos.
Como aconteceu com outros camaradas, tiveste a boa sorte de ir para a Guiné com a missão de fazer o espólio de uma guerra há muitos anos mantida à custa de muitas mortes e muito sangue derramado pela juventude de Portugal e dos naturais de um lado e do outro da barricada.
Gostávamos que sem hesitações nos contasses como tu e os teus camaradas viveram aqueles tempos coincidentes com o fim do império. A descrição da retirada de Bissau e embarque das derradeiras forças portuguesas estacionadas na Guiné é de facto clarificadora do ambiente que se viveu naquela hora de tensão. Ainda bem que correu tudo bem.
Tens aqui audiência garantida, pelo que podes começar desde já a escrever.
Feita a tua apresentação, resta-me deixar-te um abraço em nome da tertúlia e dos editores. A partir de hoje contas com mais 561 amigos e camaradas que compõem a tertúlia deste Blogue.
O camarada e amigo
Carlos Vinhal
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9962: O Nosso Livro de Visitas (137): Nelson Cerveira, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAV 8320/73 (Bissorã e Bissau, 1974)
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9981: Tabanca Grande (342): Manuel Joaquim Santos Carvalho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2366/BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70)
Guiné 63/74 - P10001: Memórias de Manuel Joaquim (6): Um acidente epistolar: "Furriel Mil Paulo Gabriel Péri Éluard"
1. Mensagem de Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 1 de Junho de 2012:
Meus caros Luís, Carlos e Eduardo
Aqui vai mais um texto das minhas memórias de guerra.
A importância que lhe dou é capaz de ser muito maior do que a que realmente tem, já que aborda um acontecimento de cariz muito pessoal.
Como sempre, sem qualquer espécie de reserva da minha parte, deixo ao vosso critério a sua publicação.
Um grande abraço
Manuel Joaquim
Um acidente epistolar: “Furriel Milº Paulo Gabriel Péri Éluard”
Olhava para a carta da namorada, carta já “mastigada” em segunda leitura, carta linda, substantiva, essencial mas… era a única carta recebida naquele dia!
- Oh Henriques, há p’raí malta que recebe cartas c’mó cara…!
- Eh pá, se calhar são de gajas que arranjam na Plateia!
- O quê?!
- Sim pá, a Plateia publica pedidos de correspondência, traz sempre manga deles, não sabias?
- Ah!…então se calhar é isso!!!
Fiquei a pensar, a remoer o assunto. Sentia falta de contactos novos com o “mundo” que tinha deixado, precisava de dialogar e de desabafar com outras personagens para além das do meu círculo pessoal. Surgiu-me uma ideia: e se eu enviasse para a Plateia um pedido de correspondentes femininas? O género sexual não teria importância mas, não sei explicar, naquela altura precisava de vozes femininas. Talvez porque, de machos, estava bem rodeado!
Pelo conteúdo das páginas da revista, seria difícil encontrar nas suas leitoras quem eu pretendia, mulheres com alguma cultura e que, ao mesmo tempo, se interessassem pela vida política e social do país e também por este tipo de contactos. Não estava com muita confiança nos resultados. Mas… por que não tentar?
Olho para a mesa-de-cabeceira, fixo a capa do livro "Poèmes", uma compilação de poemas de Paul Éluard (1), cuja poesia era minha companhia quase diária e… sonhei com a hipótese de arranjar uma correspondente com quem pudesse partilhar tal poesia.
“EUREKA! Surgiu-me uma ideia excitante e desafiadora, a de usar um pseudónimo “éluardiano” que também fosse a chave que me facilitasse a escolha das possíveis futuras correspondentes.
Naquela altura “funcionavam” na minha cabeça dois belíssimos poemas de Éluard, cujas palavras tão sonoramente belas eu tentava decorar para recitar mentalmente. De um, “Liberté”, bastante longo, decorei partes que às vezes recitava de viva voz. O outro era “Gabriel Péri”. Estes dois poemas, digo-o do alto dos meus 70 anos, foram peças importantes na minha estruturação emocional e cívica, são belas tatuagens que transporto na alma desde os meus 20 anos e que não apaguei nem quero apagar.
(Obs: para os conhecer, procurar na Net «eluard liberte» e «eluard peri»)
E a ideia foi avante! Com os nomes de Paul Éluard e de um seu poema de homenagem a um resistente francês ao nazismo, Gabriel Péri (2), compus o meu pseudónimo.
Em carta enviada à revista Plateia, um tal furriel miliciano Paulo Gabriel Péri Éluard, SPM 2838, pede correspondentes do sexo feminino. Fiquei a aguardar com alguma expectativa, mais curioso até do que outra coisa. Alguém iria achar algo estranho naquele nome, para além de o achar de origem estrangeira? Alguém iria descobrir a “chave”?
Não demorou muito para, durante cerca de um mês, o “tal” furriel receber uma mancheia de cartas todas as semanas.
De todas elas seleccionou apenas três, as de quem, à primeira vista, poderia corresponder ao tipo pré-definido. Das outras, algumas foram recuperadas por camaradas interessados, as restantes foram eliminadas.
As três “meninas” que reservei para mim eram, duas delas, professoras primárias e a outra identificou-se como estudante universitária. Esta foi a única a quem o “meu” nome surpreendeu e confundiu. Fiquei radiante!
Dizia ela, a propósito: - Que coincidência o seu nome ter tanto a ver com o poeta francês Paul Éluard! Será pseudónimo? Se não o é, então é espantosa a coincidência!
Fiz uma festa! Entusiasmado, agarrei-me ao Poèmes numa leitura mais atenta e aprofundada pois iria ter pela frente alguém que conhecia P. Éluard, imaginando eu que a sua poesia seria o lastro de muitas das nossas mensagens futuras. Estudante universitária a conhecer tal poeta ao ponto de identificar o seu poema Gabriel Péri, era cá das minhas!
Atirei-me ao trabalho de elaborar uma resposta, em grande. De água na boca e pensando já num futuro relacionamento, cultural e politicamente gratificante, fiz “explodir” o pseudónimo para aparecer, entre os estilhaços, o plebeu e “proletário” Manuel Joaquim. Atirei-me de cabeça à resposta a dar-lhe. Falei de poesia e do seu valor na resistência às forças políticas de opressão, à imagem da de Paul Éluard. Abri-me ideologicamente, discorrendo sobre aquela guerra e sobre a minha posição nela, numa onda de pacifismo e de revolta, brandindo a espada contra o regime político que a sustentava e que me tinha enviado para tal sítio! Isto tudo sobre citações de Éluard cuja poesia era para mim, na altura, o combustível que alimentava as minhas chamas “de amor, de sonho e de revolta” (assim alguém tinha caracterizado essa poesia)! Que prazer poder falar com quem gostava de tal poeta!
Enviada a carta, “fiquei em pulgas” à espera da resposta. Esperei pouco tempo, talvez tenha vindo na volta do correio. E ali estava ela, uma volumosa carta! Respirei fundo e abri-a com entusiasmo, ávido pelo seu conteúdo. Primeiros parágrafos atenciosos, palavras de simpatia para com os militares mobilizados nos campos de batalha, e neste tom continuava a escrita de tal modo que comecei a estranhar. As palavras começaram a parecer-me vagas e insípidas, a afastarem-se cada vez mais do que eu esperava nelas. Vai uma, vão duas páginas e no decorrer da leitura sentia o meu inicial entusiasmo a esvair-se aos poucos até que cheguei a um ponto em que “não me atirei ao chão” porque não calhou! Tinha começado o discurso!
Fiquei de “boca aberta”, espantado, enquanto ia lendo o discurso. Discurso, sim, uma espécie de “direito de resposta” a alguma ofensa minha. Era um discurso que se queria demolidor da minha maneira de pensar, muito paternalista e ainda por cima com ares de admoestação. Não digo que me ameaçava mas atirava-me à cara a doutrina política do governo como sustentação ideológica da guerra do ultramar, apelava à minha “dignidade de combatente pela Pátria” atento à responsabilidade histórica que as Forças Armadas tinham na preservação de um Portugal indivisível, quer dizer, toda a cassete ideológica do regime político de então!
Perplexo com o que lia, fiquei algo amedrontado e expectante. Seria aquilo um aviso, teria a minha carta sido intercetada? Não podia ser, eu era uma peça insignificante para se darem a tal trabalho. Alguém conhecedor da poesia de P. Éluard quis “brincar” comigo? Perante o pseudónimo que usei, alguém sob a capa dum pseudónimo feminino (ou não) e dizendo-se apreciador do poeta, aproveitou a ocasião para me desancar?
É verdade que nas universidades havia, na altura, uma franja de extrema-direita salazarista, muito culta e militante (conheci alguns, mais tarde) onde podia haver amantes de poesia. Mas gostarem de P. Éluard, da sua poesia tão marcadamente ideológica, de esquerda? Ná …!
Tudo era possível. Mas ainda hoje acho que o mais certo foi eu ter “batido” mesmo numa jovem “torre” da direita ideológica universitária, culta e militante, com força para encher uma dezena de páginas a discorrer politica e ideologicamente sobre as minhas ideias e na defesa do regime político de então.
Perante esta “ensaboadela”, paralisei. Nem dava para responder por carta, poderia tornar-se perigoso, nem que fosse só para dizer que o “sabão” não se adaptava à minha “sujidade” porque não me tinha “lavado” nada. Não respondi, de vez! E, interessante, do outro lado sucedeu o mesmo, um silêncio total após o recado dado.
Mas no fim de tudo, o resultado desta minha procura de correspondentes foi-me muito gratificante. Mantive correspondência com as minhas duas colegas durante todo o restante tempo de comissão. Também me identifiquei, falei-lhes no significado do meu pseudónimo, dei-lhes conta do meu modo de ver e sentir a vida e a guerra. Foram excepcionais no nosso convívio epistolar, nunca me faltando o seu carinho e apoio emocional para me ajudarem a suplantar aquela dura prova.
Conheci as duas, pessoalmente. A uma delas, na altura do meu regresso, encontrei-a na sua casa de Bissau para onde tinha ido há pouco para junto de um irmão. Não mais a vi depois. À outra também a perdi de vista mas o nosso relacionamento pessoal durou ainda cerca de dois anos após a minha desmobilização. Espero que tenham sido muito felizes, que estejam vivas e de boa saúde e que, de mim, mantenham boas e gratas recordações como as que eu delas retenho.
E os poemas de Paul Éluard cá continuam a fazer-me companhia: ( Excerto do poema Gabriel Péri. Segue-se a minha tradução:)
… … … Il y a des mots qui font vivre / Et ce sont des mots innocents / Le mot chaleur le mot confiance / Amour justice et le mot liberté / le mot enfant et le mot gentillesse / Et certains noms de fleurs et certains noms de fruits / le mot courage et le mot découvrir / Et le mot frère et le mot camarade / Et certains noms de pays de villages / Et certains noms de femmes et d’amis / Ajoutons-y Péri / … … …
… … … ..Há palavras que fazem viver / e são elas palavras inocentes / A palavra calor a palavra confiança / Amor justiça e a palavra liberdade / A palavra filho e a palavra gentileza / E alguns nomes de flores e alguns nomes de frutos / a palavra coragem e a palavra descobrir / E a palavra irmão e a palavra camarada / E alguns nomes de países de lugares / E alguns nomes de mulheres e de amigos / Juntemo-lhes Péri / …
(1) Paul Éluard (1895-1952): poeta, herói da Resistência francesa contra a ocupação da Alemanha nazi, militante do PCF.
(2) Gabriel Péri (1902-1941): jornalista e político, herói da Resistência francesa contra a ocupação nazi, preso pelos alemães e fuzilado. Militante do PCF.
____________
Notas de CV:
Capa da Revista Plateia retirada do Blogue Dias que Voam, com a devida vénia.
Vd. poste de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9396: Memórias de Manuel Joaquim (5): Raios e Carícias
Meus caros Luís, Carlos e Eduardo
Aqui vai mais um texto das minhas memórias de guerra.
A importância que lhe dou é capaz de ser muito maior do que a que realmente tem, já que aborda um acontecimento de cariz muito pessoal.
Como sempre, sem qualquer espécie de reserva da minha parte, deixo ao vosso critério a sua publicação.
Um grande abraço
Manuel Joaquim
Um acidente epistolar: “Furriel Milº Paulo Gabriel Péri Éluard”
Olhava para a carta da namorada, carta já “mastigada” em segunda leitura, carta linda, substantiva, essencial mas… era a única carta recebida naquele dia!
- Oh Henriques, há p’raí malta que recebe cartas c’mó cara…!
- Eh pá, se calhar são de gajas que arranjam na Plateia!
- O quê?!
- Sim pá, a Plateia publica pedidos de correspondência, traz sempre manga deles, não sabias?
- Ah!…então se calhar é isso!!!
Fiquei a pensar, a remoer o assunto. Sentia falta de contactos novos com o “mundo” que tinha deixado, precisava de dialogar e de desabafar com outras personagens para além das do meu círculo pessoal. Surgiu-me uma ideia: e se eu enviasse para a Plateia um pedido de correspondentes femininas? O género sexual não teria importância mas, não sei explicar, naquela altura precisava de vozes femininas. Talvez porque, de machos, estava bem rodeado!
Pelo conteúdo das páginas da revista, seria difícil encontrar nas suas leitoras quem eu pretendia, mulheres com alguma cultura e que, ao mesmo tempo, se interessassem pela vida política e social do país e também por este tipo de contactos. Não estava com muita confiança nos resultados. Mas… por que não tentar?
Olho para a mesa-de-cabeceira, fixo a capa do livro "Poèmes", uma compilação de poemas de Paul Éluard (1), cuja poesia era minha companhia quase diária e… sonhei com a hipótese de arranjar uma correspondente com quem pudesse partilhar tal poesia.
“EUREKA! Surgiu-me uma ideia excitante e desafiadora, a de usar um pseudónimo “éluardiano” que também fosse a chave que me facilitasse a escolha das possíveis futuras correspondentes.
Naquela altura “funcionavam” na minha cabeça dois belíssimos poemas de Éluard, cujas palavras tão sonoramente belas eu tentava decorar para recitar mentalmente. De um, “Liberté”, bastante longo, decorei partes que às vezes recitava de viva voz. O outro era “Gabriel Péri”. Estes dois poemas, digo-o do alto dos meus 70 anos, foram peças importantes na minha estruturação emocional e cívica, são belas tatuagens que transporto na alma desde os meus 20 anos e que não apaguei nem quero apagar.
(Obs: para os conhecer, procurar na Net «eluard liberte» e «eluard peri»)
E a ideia foi avante! Com os nomes de Paul Éluard e de um seu poema de homenagem a um resistente francês ao nazismo, Gabriel Péri (2), compus o meu pseudónimo.
Em carta enviada à revista Plateia, um tal furriel miliciano Paulo Gabriel Péri Éluard, SPM 2838, pede correspondentes do sexo feminino. Fiquei a aguardar com alguma expectativa, mais curioso até do que outra coisa. Alguém iria achar algo estranho naquele nome, para além de o achar de origem estrangeira? Alguém iria descobrir a “chave”?
Não demorou muito para, durante cerca de um mês, o “tal” furriel receber uma mancheia de cartas todas as semanas.
De todas elas seleccionou apenas três, as de quem, à primeira vista, poderia corresponder ao tipo pré-definido. Das outras, algumas foram recuperadas por camaradas interessados, as restantes foram eliminadas.
As três “meninas” que reservei para mim eram, duas delas, professoras primárias e a outra identificou-se como estudante universitária. Esta foi a única a quem o “meu” nome surpreendeu e confundiu. Fiquei radiante!
Dizia ela, a propósito: - Que coincidência o seu nome ter tanto a ver com o poeta francês Paul Éluard! Será pseudónimo? Se não o é, então é espantosa a coincidência!
Fiz uma festa! Entusiasmado, agarrei-me ao Poèmes numa leitura mais atenta e aprofundada pois iria ter pela frente alguém que conhecia P. Éluard, imaginando eu que a sua poesia seria o lastro de muitas das nossas mensagens futuras. Estudante universitária a conhecer tal poeta ao ponto de identificar o seu poema Gabriel Péri, era cá das minhas!
Atirei-me ao trabalho de elaborar uma resposta, em grande. De água na boca e pensando já num futuro relacionamento, cultural e politicamente gratificante, fiz “explodir” o pseudónimo para aparecer, entre os estilhaços, o plebeu e “proletário” Manuel Joaquim. Atirei-me de cabeça à resposta a dar-lhe. Falei de poesia e do seu valor na resistência às forças políticas de opressão, à imagem da de Paul Éluard. Abri-me ideologicamente, discorrendo sobre aquela guerra e sobre a minha posição nela, numa onda de pacifismo e de revolta, brandindo a espada contra o regime político que a sustentava e que me tinha enviado para tal sítio! Isto tudo sobre citações de Éluard cuja poesia era para mim, na altura, o combustível que alimentava as minhas chamas “de amor, de sonho e de revolta” (assim alguém tinha caracterizado essa poesia)! Que prazer poder falar com quem gostava de tal poeta!
Enviada a carta, “fiquei em pulgas” à espera da resposta. Esperei pouco tempo, talvez tenha vindo na volta do correio. E ali estava ela, uma volumosa carta! Respirei fundo e abri-a com entusiasmo, ávido pelo seu conteúdo. Primeiros parágrafos atenciosos, palavras de simpatia para com os militares mobilizados nos campos de batalha, e neste tom continuava a escrita de tal modo que comecei a estranhar. As palavras começaram a parecer-me vagas e insípidas, a afastarem-se cada vez mais do que eu esperava nelas. Vai uma, vão duas páginas e no decorrer da leitura sentia o meu inicial entusiasmo a esvair-se aos poucos até que cheguei a um ponto em que “não me atirei ao chão” porque não calhou! Tinha começado o discurso!
Fiquei de “boca aberta”, espantado, enquanto ia lendo o discurso. Discurso, sim, uma espécie de “direito de resposta” a alguma ofensa minha. Era um discurso que se queria demolidor da minha maneira de pensar, muito paternalista e ainda por cima com ares de admoestação. Não digo que me ameaçava mas atirava-me à cara a doutrina política do governo como sustentação ideológica da guerra do ultramar, apelava à minha “dignidade de combatente pela Pátria” atento à responsabilidade histórica que as Forças Armadas tinham na preservação de um Portugal indivisível, quer dizer, toda a cassete ideológica do regime político de então!
Perplexo com o que lia, fiquei algo amedrontado e expectante. Seria aquilo um aviso, teria a minha carta sido intercetada? Não podia ser, eu era uma peça insignificante para se darem a tal trabalho. Alguém conhecedor da poesia de P. Éluard quis “brincar” comigo? Perante o pseudónimo que usei, alguém sob a capa dum pseudónimo feminino (ou não) e dizendo-se apreciador do poeta, aproveitou a ocasião para me desancar?
É verdade que nas universidades havia, na altura, uma franja de extrema-direita salazarista, muito culta e militante (conheci alguns, mais tarde) onde podia haver amantes de poesia. Mas gostarem de P. Éluard, da sua poesia tão marcadamente ideológica, de esquerda? Ná …!
Tudo era possível. Mas ainda hoje acho que o mais certo foi eu ter “batido” mesmo numa jovem “torre” da direita ideológica universitária, culta e militante, com força para encher uma dezena de páginas a discorrer politica e ideologicamente sobre as minhas ideias e na defesa do regime político de então.
Perante esta “ensaboadela”, paralisei. Nem dava para responder por carta, poderia tornar-se perigoso, nem que fosse só para dizer que o “sabão” não se adaptava à minha “sujidade” porque não me tinha “lavado” nada. Não respondi, de vez! E, interessante, do outro lado sucedeu o mesmo, um silêncio total após o recado dado.
Mas no fim de tudo, o resultado desta minha procura de correspondentes foi-me muito gratificante. Mantive correspondência com as minhas duas colegas durante todo o restante tempo de comissão. Também me identifiquei, falei-lhes no significado do meu pseudónimo, dei-lhes conta do meu modo de ver e sentir a vida e a guerra. Foram excepcionais no nosso convívio epistolar, nunca me faltando o seu carinho e apoio emocional para me ajudarem a suplantar aquela dura prova.
Conheci as duas, pessoalmente. A uma delas, na altura do meu regresso, encontrei-a na sua casa de Bissau para onde tinha ido há pouco para junto de um irmão. Não mais a vi depois. À outra também a perdi de vista mas o nosso relacionamento pessoal durou ainda cerca de dois anos após a minha desmobilização. Espero que tenham sido muito felizes, que estejam vivas e de boa saúde e que, de mim, mantenham boas e gratas recordações como as que eu delas retenho.
E os poemas de Paul Éluard cá continuam a fazer-me companhia: ( Excerto do poema Gabriel Péri. Segue-se a minha tradução:)
… … … Il y a des mots qui font vivre / Et ce sont des mots innocents / Le mot chaleur le mot confiance / Amour justice et le mot liberté / le mot enfant et le mot gentillesse / Et certains noms de fleurs et certains noms de fruits / le mot courage et le mot découvrir / Et le mot frère et le mot camarade / Et certains noms de pays de villages / Et certains noms de femmes et d’amis / Ajoutons-y Péri / … … …
… … … ..Há palavras que fazem viver / e são elas palavras inocentes / A palavra calor a palavra confiança / Amor justiça e a palavra liberdade / A palavra filho e a palavra gentileza / E alguns nomes de flores e alguns nomes de frutos / a palavra coragem e a palavra descobrir / E a palavra irmão e a palavra camarada / E alguns nomes de países de lugares / E alguns nomes de mulheres e de amigos / Juntemo-lhes Péri / …
(1) Paul Éluard (1895-1952): poeta, herói da Resistência francesa contra a ocupação da Alemanha nazi, militante do PCF.
(2) Gabriel Péri (1902-1941): jornalista e político, herói da Resistência francesa contra a ocupação nazi, preso pelos alemães e fuzilado. Militante do PCF.
____________
Notas de CV:
Capa da Revista Plateia retirada do Blogue Dias que Voam, com a devida vénia.
Vd. poste de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9396: Memórias de Manuel Joaquim (5): Raios e Carícias
Guiné 63/74 - P10000: (Ex)citações (184): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (1) (José Manuel Pechorro)
1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 1 de Maio de 2012:
Respostas às perguntas formuladas pelo Luís Graça no seu comentário deixado no Poste 9960* (1)
Comentário de Luís Graça
Camarada:
Talvez nos possas ajudar a compreender melhor certas coisas que por aí aparecem escritas...
Naturalmente que respondes só ao que quiseres (e puderes..., se bem que a guerra, dizem, já tenha acabado há 38 anos).
Pergunta: Por exemplo, quantos mortos teve a CCAÇ 19? E quantas dessas baixas mortais ocorreram no período de 8 de maio a 8 de junho em que costumamos (alguns...) balizar a batalha de Guidaje?
Resposta: Ficaram enterrados em Guidage 23 corpos, 8 brancos metropolitanos e 15 negros naturais da Guiné. Alguns foram mortos ou ficaram feridos: no quartel, na estrada, ou no ataque a Kumbamory, acabando por morrer no aquartelamento alguns dos feridos.
Os mortos da CCaç 19, foram sete:
Os 5 que ficaram no Cufeu e 2 no quartel, feridos graves do abrigo na madrugada do dia 25 de Maio 73:
- ANTÓNIO DOS SANTOS JERÓNIMO FERNANDES, Fur Mil AP, NM 0948627, CCaç 19
- ANTÓNIO TALIBÓ BAIO, Soldado At NM 82081071, CCaç 19, Morcunda – N. Sra da Graça – Farim.
Pergunta: Porquê só dois mortos no quartel ?
Resposta: Ocupavam as 4 casernas abrigo e os cerca de 5 abrigos que existiam. - Ser uma companhia amadurecida na guerra e habituada a flagelações e ataques ao quartel.
Pergunta: Havia malta da CCAÇ 19, nomeadamente camaradas nossos guineenses, entre os cadáveres espalhados nas imediações da bolanha do Cufeu, quando por lá passaram a 38.ª CCmds e depois a CCP 121/BCP12?
Resposta:
01,15 h da manhã, acordados com morteiro 82. Sem consequências.
É organizada uma nova coluna auto com 15 viaturas (a segunda), traz granadas de obus, morteiros, munições, e géneros alimentares. Transporta água para ceder aos soldados que dela precisem, o que não é fácil devido à posição estratégica e rigorosa que cada um ocupa no terreno e que pode ser distante… Este movimento saiu de Binta, ao amanhecer pelas 5,30 h.
Escolta:
2.º Gomb/1.ª CCaç/BCaç 4512 de Nema,
1 GComb da 2.ª CCaç/BCaç 4512 de Jumbémbem,
2 GComb da CCaç 14 de Farim,
1 GComb da CCaç Africana “Eventual” (milícia especial) de Cuntima,
2 GComb da 38.ª de Comandos (2.º e 4.º)
e 1 Sec/Pel Mort 4274.
Foi comandada pelo Cmdt do BCaç 4512, de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, acompanhados pelo Sr Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos (“Águia”), comandante do COP 3 e o seu adjunto Sr Fur Mil Infor e Op Inf do Cop3 Carlos Jorge Lopes Marques Pereira (“Lobo”). Bigene ficou sob o comando do Sr. Cap. Jaime Simões da Silva (Cmdt interino por morte do Maj Mariz).
Ao encontro da acção logística e para manter segurança, ao longo da via, saem de Guidage 4 GCOMB: 1 bi grupo da CCaç 3 e outro da CCaç 19 (Os pelotões dos Alf Mil Leitão e Luciano Diniz). O da CCaç 3 marcha nas bermas, seguindo atrás e executando a picagem da estrada, o da 19 até ao Cufeu. O bigrupo da CCaç 3 progredindo proponha-se fazer a picagem até ao contacto com a coluna!...
Estas colunas (apeadas e auto) avançam ao compasso da lentidão dos “picadores”, podem ser alvo fácil da guerrilha que por vezes está emboscada muito perto, podendo o confronto armado acontecer repentinamente. Os condutores esforçam-se por pisar o rasto do carro da frente. Acontecendo o mesmo com os soldados, pisam onde o da frente pisou… A tensão é grande! As minas no terreno podem não ser detectadas…
Entre o UJEQUE e o CUFEU accionam uma mina anti-pessoal, cerca das 9h40, causando 1 ferido grave e 1 ligeiro.
Pouco depois, na vanguarda a CCç 3, passada a ponte no Cufeu, avista o IN contra o qual investe, encurralando-o na bolanha que corta a estrada; causando baixas prováveis ao adversário. Foi por pouco tempo… São atacados por grupo estimado em 100 turras que passa ao assalto, mostrando boa preparação e fazendo bom uso dos RPG, morteiro 60 e armas ligeiras (armamento russo). Elementos das NT afirmam que foram alvejados com canhão sem recuo, o que é provável. Já com escassez de munições não resistem e debandam as nossas forças. Os 2 Cmdts brancos, os Alf Mil At Inf José Soeiro e o José Pacheco, bem tentaram desesperadamente deter o avanço adversário: Notou-se na conversação via-rádio…
Esfarrapados, cansados e abatidos, os militares foram chegando ao quartel de Guidage e a Binta.
Mais atrás, a CCaç 19 não vai em auxílio da 3. Separados em consequência do accionamento da mina. Aguarda emboscada e montando segurança que a coluna chegue até eles.
Acaba por receber ordem de retirada, a marcha forçada, para Guidage, mas foi tarde… Emboscados na beira da estrada, avistam o IN e hesitam se seriam os da CCaç 3… Deu-se um contacto muito forte, com grupo de cerca de 70 a 100 elementos (?). Sofreu 3 embates. Separados pela estrada. O último foi o mais violento, tendo os guerrilheiros avançando a descoberto, em terreno não favorável, procurando envolver-se com as NT para fugir ao bombardeamento da FAP, que procurava oportunidade para actuar, dificultada pela dispersão dos militares da CCAÇ 3, fugidos e perdidos na mata. Os nossos, executando tiros de precisão, alguns (principalmente os que morreram, pois acabaram envolvidos…) não aguentam o forte potencial de fogo adverso (morteiro 60, RPG e armas ligeiras) e dispersam, com baixas: 5 baixas africanos, que ficaram no terreno; 7 feridos graves e 16 ligeiros.
Os 5 mortos:
- Abdulai Mané, de Barro/ Bigene/ Farim, 1.º Cabo At, NM 820863/71, CCaç19/Cart 3521, enterrado em Guidaje;
- Jacom Turé, de Samba Condé/N.Sra. da Graça/Farim, Sold At, NM 82084271;
- Mamudu Lamine Sanhá, de Perim/ N.Sra. Fátima/ Catió, Sold Aux Enf, NM 82120372;
- Sadjó Sadjó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, Sold At, NM 82080371;
- Suleimane Dabó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, 1.º Cabo At, NM 82080471.
Obs: - Segundo o Braima Djaura, Soldado Condutor Auto, escondido, observou com o Soldado Mecânico Auto Ridel, após ter sido morto, o Mamudu Lamine Sanhá foi degolado e a cabeça colocada em cima de um tronco de árvore…
13 de Junho de 1973, terça-feira
A pedido dos Soldados da CCAç 19 e considerando não haver perigo o Maj Inf Carlos A.W. C. Campos ordenou o levantamento dos corpos dos 5 camaradas deixados para trás no Cufeu, foi um momento de grande emoção e foram dignamente enterrados junto das campas dos outros soldados anteriormente sepultados...
O 1.º Cabo Comando Amílcar Mendes, da 38.ª CCmds, numa postagem no sítio da Internet do Luís Graça, afirma que os 2 GComb da 38.ª C.Cmds enterraram 2 corpos que alegam pertencer à 19. Poderá tratar-se de 2 baixas do IN...
O PAIGC não se apercebeu da entrada em Guidage, ontem, vindos via corta mato, da zona de Samoge onde montavam patrulhamento e segurança, dos 2 GComb da CCaç 3 e pagou caro este facto, pensou estar a enfrentar apenas os 2 GComb da CCaç 19…
O IN retirou também, fortemente combalido: 10 a 12 a mortos que sofreu, e nove feridos. Segundo várias fontes de informação LERPOU o seu comandante (Solo Danfá?). Ao abandonarem a zona terão levado alguns dos seus mortos. Sentindo o aproximar da coluna fugiram também.
Viveram os contactos o 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Janeiro e o Soldado Trms Inf Carlos Alberto Valentão, este chegou esgotado ao aquartelamento. A aviação não acorreu rapidamente. Temos que ser compreensivos, a distância… Mas a nossa impaciência, leva-nos provavelmente a sair da realidade operacional… Foi requisitada para ajudar a CCaç 3 e acabou a tentar intervir, nos confrontos com a CCaç 19…
Foto ©: Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando/38.ª CComandos. Com a devida vénia
Foto ©: http://tantasvidas.blog.pt/2006/4/ do ex-Alf Mil Comando V.Briote) Com a devida vénia.
Entretanto a coluna de auxílio progrediu com andamento acelerado, sempre que possível. Pelas 14h05, entre o GENICÓ e CUFEU accionou mina anti-pessoal de que resultou 1 ferido grave e 3 ligeiros. Contornou abatizes, ao longo do percurso. Num fornilho, situado perto da ponte no CUFEU, sofreu um morto: o Soldado At NM 06471572 Manuel Maria Rodrigues Geraldes, da 2.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, de Vale Algoso, Vimioso …
Chegados os militares, do bi-grupo da CCaç 19 que sofreu os confrontos na estrada, a guarnição ficou abalada, alguns chegaram em estado de choque e em pânico, que se pegou a outros que estavam no aquartelamento… As minhas tentativas em tentar acalmar e dizer que o auxílio acabaria por chegar, não davam resultado…
Na CCaç 19 nota-se a falta de um Comandante do Quadro, um oficial miliciano não é a mesma coisa.
Valeu, em parte, a calma do Fur Mil do SIM António Hermínio Camilo Sequeira que procurou conter a quebra dos restantes. Tomou a iniciativa de entrar em contacto com o Comando-Chefe, expondo a situação e pedindo o auxílio de Tropa Especial, de preferência pára-quedistas. A emoção aumentou, entretanto, com o choro das mulheres pelos mortos, em conjunto na tabanca.
Muitos não crêem que seja possível à coluna auto passar no CUFEU. A falta de esperança levou alguns a levantar a hipótese do abandono do posto fronteiriço, seguindo a corta mato para Farim, durante a noite. Se tal se concretizasse, teria sido um “suicídio” ou passaríamos por um pesadelo.
No meu entender não estávamos em condições de fazer uma marcha destas, com um efectivo pouco numeroso, para transportar os feridos e proteger a população, na mata. Os observadores do IN, davam pelo acontecido e possivelmente o PAIGC caía-nos em cima…
Em virtude destas atitudes, queimei toda a correspondência, parte do arquivo e o material cripto que estava a aguardar a destruição (algum que guardava para trazer para a metrópole, por me parecer interessante…). Envolvi o dinheiro que dispunha em plástico e alguns apontamentos sobre os acontecimentos de Guidage… enchi os bolsos de munições, preparando-me para seguir atrás deles, caso se concretizasse! Temia que a coisa fosse repentina…
É ordenada a separação auto e o avanço veloz, ao bigrupo da 38.ª CComandos, para Guidage. Ao atingir a povoação esta imagina tratar-se de viaturas dos turras e foi mais um sobressalto!..
É o primeiro grupo da coluna auto a atingir GUIDAGE e a quebrar o cerco, através da estrada!
Foi com muita alegria que os vimos entrar e a esperança voltar aos nossos espíritos.
Foto ©: Adquirida ao 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro Alentejano
Estes comandos brancos estão equipados com material capturado ao PAIGC. Na estrada e na berma avistaram alguns dos nossos mortos e do PAIGC, não os levantaram por suporem serem do IN, ou estarem armadilhados…
Integrado na 38.ª, vinha um ex-companheiro e amigo de adolescência, de alcunha “Cachucho”, da Ribeira de Santarém. (Tomei conhecimento que outro companheiro de infância e do Cachucho, o Joaquim, também faz parte mas não veio por estar doente…).
Chegaram com uma viatura com o pneu rebentado por uma mina, um ferido grave decepado de um pé ao saltar da viatura e num Unimog que estacionou ao lado da antena do Posto de Rádio e próximo deste, com um morto envolvido num poncho.
Por volta das 18h, somos flagelados com morteiro 82, durou 10 minutos. Atingida a enfermaria que se encontrava a abarrotar de feridos. Não houve baixas. De realçar que as granadas alcançaram vários edifícios.
Pouco depois chegou a coluna, dando entrada para regozijo de todos, tropas e civis. Tendo havido gritos e vivas de contentamento. Foi uma festa-relâmpago.
O Ten Cor Cav António Correia de Campos (foto à direita), com um revólver à cintura, de galões, botas dos fuzos e bengala na mão, fez o percurso quase todo a pé.
No Posto de Comando, na presença dos oficiais, declarou que era ele que comandava o aquartelamento!
O Cmdt da coluna, do Batalhão de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, deitaram-se no dormitório do pessoal de transmissões, anexo ao Posto de Rádio, debaixo de chapa de zinco.
Um soldado condutor da Companhia de Transportes, de nome Dinis, é natural de Santarém. Saíu de Bissau para Farim e foi parar a Guidage… Foi meu colega na JOC. Passada a surpresa do encontro, perguntou-me onde poderia deitar-se em “sossego”? Disse-lhe que na minha cama não podia ser, pois estava no Centro Cripto. Indiquei-lhe o paiol, poderia deitar-se entre as caixas (cunhetes) de munições; tinha placa e paredes muito grossas em betão armado… mas rindo não ligou, dizendo que poderia ir pelos ares, talvez pensando que brincava… Eu falava a sério! Dormiu no banco da Berliett, na parada: Durante a flagelação das 22h40, cansadíssimo nem deu pelos rebentamentos, só acordando de manhã.
A CCaç 3 tem 6 homens desaparecidos: Os 2 alferes brancos José Manuel Levy da Silva Soeiro e o José Manuel Nogueira Pacheco; um 1.º cabo e 3 praças africanas negras.
A certa hora da noite um soldado da CCaç 19 atravessou a luz exterior e o arame farpado. Afirmou que foi apanhado pelos turras que o mandaram embora, depois de despido e completamente nú!… Não será um elemento do IN infiltrado nas nossas tropas? Não consigo lembrar o seu nome.
A escuridão é completa, para se andar é quase às apalpadelas…
Perto das 22h30 o Alf Mil Atir Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro, da CCaç 3 contacta via rádio que se encontra perto do quartel do lado de Quelhato. Informa que grupo IN se aproximou e montou base de artilharia e se preparava para flagelar Guidage… Cerca das 22h40 somos atacados e reagimos bem. O Alferes da CCaç 3 observador e camuflado na mata em contacto com o Ten Cor Cav Correia de Campos, que veio para fora do posto de comando com o rádio na mão demonstrando coragem, foram dirigindo o fogo da nossa artilharia para cima deles… Embora com muita dificuldade de comunicação em virtude estarem muito perto do IN e ao que parece com pilhas fracas ou sem antenas, que se soltaram, devido às correrias por entre o matagal… Parte do nosso fogo passou por cima dos guerrilheiros.
(Continua)
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)
Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9991: (Ex)citações (183): Comparandos os dois G, Guidaje e Guileje... (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)
Respostas às perguntas formuladas pelo Luís Graça no seu comentário deixado no Poste 9960* (1)
Comentário de Luís Graça
Camarada:
Talvez nos possas ajudar a compreender melhor certas coisas que por aí aparecem escritas...
Naturalmente que respondes só ao que quiseres (e puderes..., se bem que a guerra, dizem, já tenha acabado há 38 anos).
Pergunta: Por exemplo, quantos mortos teve a CCAÇ 19? E quantas dessas baixas mortais ocorreram no período de 8 de maio a 8 de junho em que costumamos (alguns...) balizar a batalha de Guidaje?
Resposta: Ficaram enterrados em Guidage 23 corpos, 8 brancos metropolitanos e 15 negros naturais da Guiné. Alguns foram mortos ou ficaram feridos: no quartel, na estrada, ou no ataque a Kumbamory, acabando por morrer no aquartelamento alguns dos feridos.
Os mortos da CCaç 19, foram sete:
Os 5 que ficaram no Cufeu e 2 no quartel, feridos graves do abrigo na madrugada do dia 25 de Maio 73:
- ANTÓNIO DOS SANTOS JERÓNIMO FERNANDES, Fur Mil AP, NM 0948627, CCaç 19
- ANTÓNIO TALIBÓ BAIO, Soldado At NM 82081071, CCaç 19, Morcunda – N. Sra da Graça – Farim.
Pergunta: Porquê só dois mortos no quartel ?
Resposta: Ocupavam as 4 casernas abrigo e os cerca de 5 abrigos que existiam. - Ser uma companhia amadurecida na guerra e habituada a flagelações e ataques ao quartel.
Pergunta: Havia malta da CCAÇ 19, nomeadamente camaradas nossos guineenses, entre os cadáveres espalhados nas imediações da bolanha do Cufeu, quando por lá passaram a 38.ª CCmds e depois a CCP 121/BCP12?
Resposta:
10 de Maio de 1973, Quinta-feira
01,15 h da manhã, acordados com morteiro 82. Sem consequências.
É organizada uma nova coluna auto com 15 viaturas (a segunda), traz granadas de obus, morteiros, munições, e géneros alimentares. Transporta água para ceder aos soldados que dela precisem, o que não é fácil devido à posição estratégica e rigorosa que cada um ocupa no terreno e que pode ser distante… Este movimento saiu de Binta, ao amanhecer pelas 5,30 h.
Escolta:
2.º Gomb/1.ª CCaç/BCaç 4512 de Nema,
1 GComb da 2.ª CCaç/BCaç 4512 de Jumbémbem,
2 GComb da CCaç 14 de Farim,
1 GComb da CCaç Africana “Eventual” (milícia especial) de Cuntima,
2 GComb da 38.ª de Comandos (2.º e 4.º)
e 1 Sec/Pel Mort 4274.
Foi comandada pelo Cmdt do BCaç 4512, de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, acompanhados pelo Sr Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos (“Águia”), comandante do COP 3 e o seu adjunto Sr Fur Mil Infor e Op Inf do Cop3 Carlos Jorge Lopes Marques Pereira (“Lobo”). Bigene ficou sob o comando do Sr. Cap. Jaime Simões da Silva (Cmdt interino por morte do Maj Mariz).
Ao encontro da acção logística e para manter segurança, ao longo da via, saem de Guidage 4 GCOMB: 1 bi grupo da CCaç 3 e outro da CCaç 19 (Os pelotões dos Alf Mil Leitão e Luciano Diniz). O da CCaç 3 marcha nas bermas, seguindo atrás e executando a picagem da estrada, o da 19 até ao Cufeu. O bigrupo da CCaç 3 progredindo proponha-se fazer a picagem até ao contacto com a coluna!...
Estas colunas (apeadas e auto) avançam ao compasso da lentidão dos “picadores”, podem ser alvo fácil da guerrilha que por vezes está emboscada muito perto, podendo o confronto armado acontecer repentinamente. Os condutores esforçam-se por pisar o rasto do carro da frente. Acontecendo o mesmo com os soldados, pisam onde o da frente pisou… A tensão é grande! As minas no terreno podem não ser detectadas…
Entre o UJEQUE e o CUFEU accionam uma mina anti-pessoal, cerca das 9h40, causando 1 ferido grave e 1 ligeiro.
Pouco depois, na vanguarda a CCç 3, passada a ponte no Cufeu, avista o IN contra o qual investe, encurralando-o na bolanha que corta a estrada; causando baixas prováveis ao adversário. Foi por pouco tempo… São atacados por grupo estimado em 100 turras que passa ao assalto, mostrando boa preparação e fazendo bom uso dos RPG, morteiro 60 e armas ligeiras (armamento russo). Elementos das NT afirmam que foram alvejados com canhão sem recuo, o que é provável. Já com escassez de munições não resistem e debandam as nossas forças. Os 2 Cmdts brancos, os Alf Mil At Inf José Soeiro e o José Pacheco, bem tentaram desesperadamente deter o avanço adversário: Notou-se na conversação via-rádio…
Esfarrapados, cansados e abatidos, os militares foram chegando ao quartel de Guidage e a Binta.
Mais atrás, a CCaç 19 não vai em auxílio da 3. Separados em consequência do accionamento da mina. Aguarda emboscada e montando segurança que a coluna chegue até eles.
Acaba por receber ordem de retirada, a marcha forçada, para Guidage, mas foi tarde… Emboscados na beira da estrada, avistam o IN e hesitam se seriam os da CCaç 3… Deu-se um contacto muito forte, com grupo de cerca de 70 a 100 elementos (?). Sofreu 3 embates. Separados pela estrada. O último foi o mais violento, tendo os guerrilheiros avançando a descoberto, em terreno não favorável, procurando envolver-se com as NT para fugir ao bombardeamento da FAP, que procurava oportunidade para actuar, dificultada pela dispersão dos militares da CCAÇ 3, fugidos e perdidos na mata. Os nossos, executando tiros de precisão, alguns (principalmente os que morreram, pois acabaram envolvidos…) não aguentam o forte potencial de fogo adverso (morteiro 60, RPG e armas ligeiras) e dispersam, com baixas: 5 baixas africanos, que ficaram no terreno; 7 feridos graves e 16 ligeiros.
Os 5 mortos:
- Abdulai Mané, de Barro/ Bigene/ Farim, 1.º Cabo At, NM 820863/71, CCaç19/Cart 3521, enterrado em Guidaje;
- Jacom Turé, de Samba Condé/N.Sra. da Graça/Farim, Sold At, NM 82084271;
- Mamudu Lamine Sanhá, de Perim/ N.Sra. Fátima/ Catió, Sold Aux Enf, NM 82120372;
- Sadjó Sadjó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, Sold At, NM 82080371;
- Suleimane Dabó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, 1.º Cabo At, NM 82080471.
Obs: - Segundo o Braima Djaura, Soldado Condutor Auto, escondido, observou com o Soldado Mecânico Auto Ridel, após ter sido morto, o Mamudu Lamine Sanhá foi degolado e a cabeça colocada em cima de um tronco de árvore…
13 de Junho de 1973, terça-feira
A pedido dos Soldados da CCAç 19 e considerando não haver perigo o Maj Inf Carlos A.W. C. Campos ordenou o levantamento dos corpos dos 5 camaradas deixados para trás no Cufeu, foi um momento de grande emoção e foram dignamente enterrados junto das campas dos outros soldados anteriormente sepultados...
O 1.º Cabo Comando Amílcar Mendes, da 38.ª CCmds, numa postagem no sítio da Internet do Luís Graça, afirma que os 2 GComb da 38.ª C.Cmds enterraram 2 corpos que alegam pertencer à 19. Poderá tratar-se de 2 baixas do IN...
O PAIGC não se apercebeu da entrada em Guidage, ontem, vindos via corta mato, da zona de Samoge onde montavam patrulhamento e segurança, dos 2 GComb da CCaç 3 e pagou caro este facto, pensou estar a enfrentar apenas os 2 GComb da CCaç 19…
O IN retirou também, fortemente combalido: 10 a 12 a mortos que sofreu, e nove feridos. Segundo várias fontes de informação LERPOU o seu comandante (Solo Danfá?). Ao abandonarem a zona terão levado alguns dos seus mortos. Sentindo o aproximar da coluna fugiram também.
Viveram os contactos o 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Janeiro e o Soldado Trms Inf Carlos Alberto Valentão, este chegou esgotado ao aquartelamento. A aviação não acorreu rapidamente. Temos que ser compreensivos, a distância… Mas a nossa impaciência, leva-nos provavelmente a sair da realidade operacional… Foi requisitada para ajudar a CCaç 3 e acabou a tentar intervir, nos confrontos com a CCaç 19…
Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha.
Soldado atingido numa perna amparado
Entretanto a coluna de auxílio progrediu com andamento acelerado, sempre que possível. Pelas 14h05, entre o GENICÓ e CUFEU accionou mina anti-pessoal de que resultou 1 ferido grave e 3 ligeiros. Contornou abatizes, ao longo do percurso. Num fornilho, situado perto da ponte no CUFEU, sofreu um morto: o Soldado At NM 06471572 Manuel Maria Rodrigues Geraldes, da 2.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, de Vale Algoso, Vimioso …
Chegados os militares, do bi-grupo da CCaç 19 que sofreu os confrontos na estrada, a guarnição ficou abalada, alguns chegaram em estado de choque e em pânico, que se pegou a outros que estavam no aquartelamento… As minhas tentativas em tentar acalmar e dizer que o auxílio acabaria por chegar, não davam resultado…
Na CCaç 19 nota-se a falta de um Comandante do Quadro, um oficial miliciano não é a mesma coisa.
Valeu, em parte, a calma do Fur Mil do SIM António Hermínio Camilo Sequeira que procurou conter a quebra dos restantes. Tomou a iniciativa de entrar em contacto com o Comando-Chefe, expondo a situação e pedindo o auxílio de Tropa Especial, de preferência pára-quedistas. A emoção aumentou, entretanto, com o choro das mulheres pelos mortos, em conjunto na tabanca.
Muitos não crêem que seja possível à coluna auto passar no CUFEU. A falta de esperança levou alguns a levantar a hipótese do abandono do posto fronteiriço, seguindo a corta mato para Farim, durante a noite. Se tal se concretizasse, teria sido um “suicídio” ou passaríamos por um pesadelo.
No meu entender não estávamos em condições de fazer uma marcha destas, com um efectivo pouco numeroso, para transportar os feridos e proteger a população, na mata. Os observadores do IN, davam pelo acontecido e possivelmente o PAIGC caía-nos em cima…
Em virtude destas atitudes, queimei toda a correspondência, parte do arquivo e o material cripto que estava a aguardar a destruição (algum que guardava para trazer para a metrópole, por me parecer interessante…). Envolvi o dinheiro que dispunha em plástico e alguns apontamentos sobre os acontecimentos de Guidage… enchi os bolsos de munições, preparando-me para seguir atrás deles, caso se concretizasse! Temia que a coisa fosse repentina…
É ordenada a separação auto e o avanço veloz, ao bigrupo da 38.ª CComandos, para Guidage. Ao atingir a povoação esta imagina tratar-se de viaturas dos turras e foi mais um sobressalto!..
É o primeiro grupo da coluna auto a atingir GUIDAGE e a quebrar o cerco, através da estrada!
Foi com muita alegria que os vimos entrar e a esperança voltar aos nossos espíritos.
Viatura a entrar em Guidage.
Estes comandos brancos estão equipados com material capturado ao PAIGC. Na estrada e na berma avistaram alguns dos nossos mortos e do PAIGC, não os levantaram por suporem serem do IN, ou estarem armadilhados…
Integrado na 38.ª, vinha um ex-companheiro e amigo de adolescência, de alcunha “Cachucho”, da Ribeira de Santarém. (Tomei conhecimento que outro companheiro de infância e do Cachucho, o Joaquim, também faz parte mas não veio por estar doente…).
Chegaram com uma viatura com o pneu rebentado por uma mina, um ferido grave decepado de um pé ao saltar da viatura e num Unimog que estacionou ao lado da antena do Posto de Rádio e próximo deste, com um morto envolvido num poncho.
Por volta das 18h, somos flagelados com morteiro 82, durou 10 minutos. Atingida a enfermaria que se encontrava a abarrotar de feridos. Não houve baixas. De realçar que as granadas alcançaram vários edifícios.
Pouco depois chegou a coluna, dando entrada para regozijo de todos, tropas e civis. Tendo havido gritos e vivas de contentamento. Foi uma festa-relâmpago.
O Ten Cor Cav António Correia de Campos (foto à direita), com um revólver à cintura, de galões, botas dos fuzos e bengala na mão, fez o percurso quase todo a pé.
No Posto de Comando, na presença dos oficiais, declarou que era ele que comandava o aquartelamento!
O Cmdt da coluna, do Batalhão de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, deitaram-se no dormitório do pessoal de transmissões, anexo ao Posto de Rádio, debaixo de chapa de zinco.
Um soldado condutor da Companhia de Transportes, de nome Dinis, é natural de Santarém. Saíu de Bissau para Farim e foi parar a Guidage… Foi meu colega na JOC. Passada a surpresa do encontro, perguntou-me onde poderia deitar-se em “sossego”? Disse-lhe que na minha cama não podia ser, pois estava no Centro Cripto. Indiquei-lhe o paiol, poderia deitar-se entre as caixas (cunhetes) de munições; tinha placa e paredes muito grossas em betão armado… mas rindo não ligou, dizendo que poderia ir pelos ares, talvez pensando que brincava… Eu falava a sério! Dormiu no banco da Berliett, na parada: Durante a flagelação das 22h40, cansadíssimo nem deu pelos rebentamentos, só acordando de manhã.
A CCaç 3 tem 6 homens desaparecidos: Os 2 alferes brancos José Manuel Levy da Silva Soeiro e o José Manuel Nogueira Pacheco; um 1.º cabo e 3 praças africanas negras.
A certa hora da noite um soldado da CCaç 19 atravessou a luz exterior e o arame farpado. Afirmou que foi apanhado pelos turras que o mandaram embora, depois de despido e completamente nú!… Não será um elemento do IN infiltrado nas nossas tropas? Não consigo lembrar o seu nome.
A escuridão é completa, para se andar é quase às apalpadelas…
Perto das 22h30 o Alf Mil Atir Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro, da CCaç 3 contacta via rádio que se encontra perto do quartel do lado de Quelhato. Informa que grupo IN se aproximou e montou base de artilharia e se preparava para flagelar Guidage… Cerca das 22h40 somos atacados e reagimos bem. O Alferes da CCaç 3 observador e camuflado na mata em contacto com o Ten Cor Cav Correia de Campos, que veio para fora do posto de comando com o rádio na mão demonstrando coragem, foram dirigindo o fogo da nossa artilharia para cima deles… Embora com muita dificuldade de comunicação em virtude estarem muito perto do IN e ao que parece com pilhas fracas ou sem antenas, que se soltaram, devido às correrias por entre o matagal… Parte do nosso fogo passou por cima dos guerrilheiros.
(Continua)
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)
Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9991: (Ex)citações (183): Comparandos os dois G, Guidaje e Guileje... (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)
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José Manuel Pechorro,
Luís Graça,
O assédio a Guidaje,
Ten Cor Correia de Campos
Guiné 63/74 - P9999: (In)citações (40): Deixem-me aliviar a angústia das notícias vindas da minha terra (Braima Djaura, ex-sold cond auto, CCaç 19, Gudiaje, 1972/74)
Citação: "Temos orgulho em ti, Pepito!... E parafraseando Italo Calvino, lembraremos aqui aos ditadores e aprendizes de ditadores no mundo que 'não é a voz que a dirige a história, mas sim o ouvido'... Não é a voz dos que gritam mais alto, porque têm momentaneamente o poder de comando, mas sim o ouvido daqueles que tendem a ser tratados como a maioria silenciosa... E já lá vai o tempo em que os ditadores morriam tranquilamente na cama e iam para o céu... LG
1. Mensagem, enviada ontem para o correio interno da Tabanca Grande, pelo nosso camarada Braima Djaló, ex-sold cond da valorosa CCaç 19 (Guidaje, 1972/74) (*):
Tenho estado permanentemente a ler o Blog Ditadura do Consenso. Na qualidade de guineense,ou natural daquela terra, envergonha-me, por vezes, saber de tantas barbaridades que muitos não percebem.
Recentemente li comentários de ex-embaxadores de Portugal, na Guiné-Bissau, comentários muito interessantes para perceber a realidade que vem de séculos.
A Guiné [sempre foi palco de ] interesses de domínio dos que vivem no Nomadismo, como designou o nosso amigo Pepito, “cafres”, a maioria se não todos vindos de Traves, outrora obrigados a vestirem-se decentemente de acorddo com as etnias onde queriam ser acolhidos… A prova claro disso são os cabecilhas do golpe [de 12 de abril de 2012] ... Injai, Sanha, Sambu, e tantos outros que infelizmente são ignorantes que nem mesmo a
linguagem mais vulgar da Guiné entendem.
Hoje querem ser influentes para ter melhor domínio do tráfico de droga, pelo que só podia ser em Jugudul [o local para] a improvisação de um aeroporto para o efeito.
Bom, meus amigos, sinto-me envergonhado pois a Guiné-Bissau tem 42 etnias, embora alguns comentadores falem em 30 ou 32 (vd. Boletim Oficial da Guiné, 1956 a 1961). Entendo por outro lado que a diminuição de número deve-se à Guerra de Ultramar. E, exactamente devido ao acolhimento acima referido, Injai não é sobrenome da etnia que ele representa, maioritária, com 30% da população, mas cuja condição era bem escondida na Guiné ao longo de anos, nas vestes e noutros costumes tipo Chalim-Minde Bissorã (**).
Pois bem, baseando na escrita do nosso camarada e grande amigo, LG, temos orgulho dos que hoje sofrem humilhações pelo amor da nossa Terra, em silêncio, mas por vezes o silêncio é o grito mais alto de uma dor injustificável, que o tempo justificará.
Desejo expressar a todos os amigos da Guiné-Bissau, e aos Bissau Guineenses, os meus agradecimentos, porque muitas vezes ao ler e conviver com e-mails de tantos amigos, isso faz me aliviar a angústia das notícias vindas da minha Terra.
Bem-haja a todos.
Ibrahim Djaura
[Lisboa]
_____________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 18 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9922: (In)citações (39): Integrar o Suleimane na Tabanca Grande foi de um grande significado simbólico e de homenagem a todos os guineenes que serviram na guerra da Guiné (Cherno Baldé)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas. Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 18 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9922: (In)citações (39): Integrar o Suleimane na Tabanca Grande foi de um grande significado simbólico e de homenagem a todos os guineenes que serviram na guerra da Guiné (Cherno Baldé)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas. Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.
(**) A frase tem um sentido obscuro, pedimos ao autor para nos explicar a referência a Chalim-Minde Bissorã... É um topónimo, uma povoação na região de Bissorã ? Se sim, não conseguimos indentificá-lo, nas nossas velhas cartas... Presumo antes que seja uma expressão idiomática, intraduzível em português...
Explicação posterior dada pelo Braima Djaura, em mail enviado hoje às 13h13:
Caro amigo, LG, realmente é uma linguagem pouco conhecida, mesmo na Guiné, pois é... Antigamente os balantas de Encheia e dos arredores de Bissorã vinham para a cidade de Bissorã seminus, ou seja, muito mal vestidos, sem pudor. Um Administrador de Circunscrição em Bissorã deu ordem para prender todos os que aparecessem na cidade dessa forma, ou seja, tapando apenas os orgãos genitais. E advertia-os para verem o exemplo dos Mandingas, com vestes razoáveis tipo batinas, de 4 a 5 metros de tecidos.
(**) A frase tem um sentido obscuro, pedimos ao autor para nos explicar a referência a Chalim-Minde Bissorã... É um topónimo, uma povoação na região de Bissorã ? Se sim, não conseguimos indentificá-lo, nas nossas velhas cartas... Presumo antes que seja uma expressão idiomática, intraduzível em português...
Explicação posterior dada pelo Braima Djaura, em mail enviado hoje às 13h13:
Caro amigo, LG, realmente é uma linguagem pouco conhecida, mesmo na Guiné, pois é... Antigamente os balantas de Encheia e dos arredores de Bissorã vinham para a cidade de Bissorã seminus, ou seja, muito mal vestidos, sem pudor. Um Administrador de Circunscrição em Bissorã deu ordem para prender todos os que aparecessem na cidade dessa forma, ou seja, tapando apenas os orgãos genitais. E advertia-os para verem o exemplo dos Mandingas, com vestes razoáveis tipo batinas, de 4 a 5 metros de tecidos.
Foi nesta altura que os gajos começaram a recorrer aos 3 metros de tecido, para os costureiros da cidade, pedindo que as vestes fossem feitas iguais às dos Mandigas de Bissorã e dos Fulas, pelo que tinham que dizer "Tchalim-Minde-Bissorã"... Foi nesta altura que os balantas começaram adotar nomes dos mandingas e fulas: por ex., Injai, Cumba, Sanha, e tantos outros sobrenomes, vindos daquelas etnias.
As vestes que até hoje usavam, nota-se ainda na Guiné: apesar das suas batinas, não passavam os joelhos abaixo, diferentes das dos mandingas e fulas; Isto é, uma história tribal da Guiné, significa que são tribos que vieram do nada nos Traves, hoje querem ser fluentes e dominadores. Nota-se que a maioria dos militares são desta tribo, parece ridículo, mas é verdade. Por outras razões, seria longa a explicação. Mas agora podemos perceber porque o Nino sempre foi duro com esta gente, ele sabia verdadeiramente quem eles são.
Espero que o meu amigo tenha percebido, Tchalim-Minde Bissoã significa igual à dos Mandingas de Bissoã, em dialecto dos batantas, ou "manojos", em mandinga. Cá estou eu, para quaisquer dúvidas.
Grande abraço
I. Djaura, ID
Guiné 63/74 - P9998: Em busca de... (191): Pessoal da 26ª CCmds, camaradas do João Gertrudes Luz, natural de Faro, sold cond comando (Brá e Teixeira Pinto, 1970/71), tragicamente desaparecido em 2007 (Anabela Pires, de regresso à Pátria)
Lourinhã > Casal Frade > Biofrade > 2 de junho de 2012 > Duas imagens da visita a uma das maiores empresas agrícolas, portuguesas, em modo biológico. Cicerone, o nosso amigo e conterrâneo Henrique Gomes (na primeira foto de cima, em primeiro plano, com o seu garrano, a esposa - de costas -, a Alice e a Anabela Pires)...
O Henrique Gomes é pai-fundador e líder desta exploração familiar (30 hectares, sendo 1 de estufa; vinte e tal trabalhadores permanentes), que tem, além disso, uma vertente educacional, proporcionando visitas de estudo e estágios...
O Henrique Gomes, que formou todos os seus cinco filhos, é também um veterano da guerra colonial (esteve em Moçambique, entre 1963/65, na "acção psicossocial"), um cidadão ativo, um líder associativo e um cristão empenhado que dá o exemplo pela palavra e pela ação... Tanto ele como a família (, incluindo o filho António Gomes, engenheiro agrónomo, dirigente da Louricoop, e um dos sócios da Biofgrade), estão ligados à Fundação João XXIII - Casa do Oeste, que tem uma série de projetos à Guiné-Bissau (dos que falaremos oportunamente, noutro poste). E aos 70 anos, o patrão Henrique ainda trabalha de sol a sol, o mesmo é dizer que trabalha por dois... É esta valorosa gente da nossa geração, bem como os seus filhos, que estão a mudar Portugal...
Ele e a esposa são um casal encantador e hospitaleiro. Afável e bem disposto, o Henrique é um excelente conversador, dando gosto ouvi-lo contar histórias, como a da origem do Casal Frade e da família Gomes...
Fotos (e legendas): © Luis Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. .
1. A Anabela Pires, nossa recente grã-tabanqueira, esteve este fim de semana,na Lourinhã, comigo e com a Alice (é amiga dela e antiga colega de trabalho, no Ministério da Agricultura). Fomos-lhes apresentar-lhe uma família de amigos nossos, que têm um exploração de agricultura biológica, um caso de sucesso no oeste (e em Portugal), a Biofrade.
Criada em 1991, como empresa familiar, a Biofrade é vários títulos pioneira e exemplar. Desde 1998, só produz e comercializa produtos de agricultura biológica, em 30 hectares (sendo um de estufa), para além dos muitos produtores em modo biológico, nacionais e estrangeiros com quem trabalha em parceria...
A Anabela, que tem estado em Alcobaça, na casa da irmã, ainda esteve para trazer com ela o nosso amigo comum, o JERO. Foi pena ele não estar disponível este sábado: seguramente que ficaria encantado, como eu fiquei, de ouvir contar ao meu amigo Henrique Gomes a história do Casal Frade, fundado por dois franciscanos, a seguir - pelas minhas contas - à extinção das ordens religiosas, em 1834. Fica para a próxima (a visita do JERO e a história dos dois frades que falavam com os lobos, sendo um deles o antepassado mais ilustre da família Gomes).
Aproveitámos as sugestões da semana gastronómica lourinhanense do polvo, para almoçar à beira mar, no restaurante Foz, na Praia da Areia Branca, com o mar e as Berlengas à vista. Falámos o tempo todo da Guiné, da AD, do Pepito, do projeto do ecoturismo, de Iemberém, do Cantanhez, dos daris (chimpanzés), das cobras, da pesca (a Anabela é uma grande pescadora de linha, andou no Rio Cacine e afluentes, de canoa, a pescar!), da Cadi, da Alicinha, da Anabelinha (também já lá tem uma afilhada, a cujo parto assistiu!), da desgraça atual da Guiné, dos fulas, dos nalus, dos balantas, dos felupes, de São Domingos, da miséria de Dacar e do Senegal (, país de pedintes e crava-turistas!)... e do sonho de voltar a Iemberém em 2013, se os novos senhores de Bissau...deixarem!
Recorde-se que a Anabela Pires esteve em Iemberém, na Região de Tambali, desde janeiro de 2012, como voluntária da AD, a trabalhar no projeto do ecoturismo do Cantanhez. Na sequência do golpe de estado de 12 de abril, acabou por ir para São Domingos e depois Dacar, no Senegal, por razões de segurança... Esteve lá mais de um mês, na casa de um amiga casada com um diplomata... Regressou há uma semana e picos a Portugal, na esperança de voltar à Guiné, em 2013, depois das "prometidas" (pelos golpistas!) novas eleições presidenciais...
Entretanto, ela tinha-me falado deste seu amigo, o João Gertrudes Luz, nosso camarada, tragicamente desaparecido em 2007, e da "dívida" que ela ainda tinha para com ele... Simbolicamente, com a publicação deste poste, fica saldada essa "dívida" em aberto, embora infelizmente tenhamos poucas notícias, no nosso blogue, da 26ª CCmds... Mas contamos, desde já, com os resultados das boas diligências dos nossos leitores, tabanqueiros e não tabanqueiros... Por certo que teremos resposta ao pedido da Anabela.
Um xicoração, Anabela, meu e da Alice. (LG )
2. Mensagem da Anabela Pires, com data de ontem:
Data: 4 de Junho de 2012 11:18
Assunto: João Gertrudes Luz, ex-combatente na Guiné
Luís, olá!
Junto envio a foto do meu falecido amigo João Gertrudes Luz, natural de Bordeira, Faro. Foi militar na Guiné em 1970/1971, na 26ª Companhia [de Comandos], era condutor
auto, comando, esteve em Brá e em Teixeira Pinto, hoje Canchungo.
Era casado com a minha saudosa colega Saudade Canteiro Luz e faleceram ambos em 6 de Agosto de 2007 num trágico acidente de viação. Deixaram dois filhos, o Cristovão José e o João Paulo e já têm uma netinha que faz amanhã [, 5 de junho,] 3 anos e que se chama Carolina Saudade. Seria a luz dos seus olhos se eles estivessem ainda entre nós.
O João falava-me muito do seu grande desejo de voltar à Guiné. Assim, quando eu fui para lá, levei comigo uma foto do João que os filhos me emprestaram e gostaria de ter ido a Cachungo para aí o recordar. Infelizmente não foi possível.
Gostaria muito de saber se na Tabanca Grande alguém foi camarada de armas do João e o que se recordam dele. Era muito divertido e por isso quem com ele esteve na Guiné deve ter boas recordações. No fundo procuro uma forma de lhe prestar uma singela homenagem e de lhe dizer que de alguma forma ele voltou à Guiné.
Obrigada
Anabela Pires
__________________
Nota do editor:
Último poste desta série > 31 de maio de 2012 >Guiné 63/74 - P9969: Em busca de... (190): Contactos de pessoal da CCAV 1662 (Manuel Fonseca)
Guiné 63/74 - P9997: Parabéns a você (431): Manuel Traquina, ex-fur mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)
Ver aqui mais postes referentes ao Manuel Traquina
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9986: Parabéns a você (427): António Azevedo Rodrigues, ex-1.º Cabo do Agrupamento 2957 (Guiné, 1968/70)
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Guiné 63/74 - P9996: Convívios (446): O XIX Encontro da CCS/BCAÇ 2912 foi no dia 26 de Maio de 2012 no RI14 de Viseu (António Tavares)
1. Mensagem de António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 31 de Maio de 2012:
XIX CONVÍVIO DA CCS/BCAÇ 2912
Passados 43 anos almocei num refeitório militar. Foi em 26-05-2012, no Regimento de Infantaria n.º 14, em Viseu, no XIX Convívio da CCS/BCaç 2912.
Como fui o segundo elemento a chegar ao quartel tive honras militares, ou seja, a sentinela saiu da Casa da Guarda e abriu a cancela da porta de armas, fez continência, saudou-me, inquiriu-me da minha presença e foi falar com o 1.º Sargento para saber onde estacionar o meu veículo. Recebidas as ordens, foi comigo estacionar o veículo na parada e heliporto do quartel. Depois de ter estacionado o veículo deparei-me com as cerimónias do render da guarda. Toques de clarim, marchas, apresentações ao Oficial de Dia. Todos os militares em sentido e eu sem saber o que fazer, há décadas que sou civil. Imobilizado assisti às cerimónias que há muito não via.
Quando vi os militares do RI 14 a movimentarem-se à vontade também o fiz e fui esperar, à porta de armas, os meus camaradas da CCS/BCaç 2912 e seus familiares. A maioria é repetente, nos convívios, mas este ano teve um “periquito” o ANACLETO, pintor de automóveis e professor na tropa. O RODOLFO, do Pel. Rec., outro dos professores numa das Tabancas da quadrícula do batalhão, sediado em Galomaro, apareceu este ano depois de um longo afastamento destes eventos.
A homenagem aos mortos (foto), com honras militares, visita à unidade, museu (do RI 14) e missa foram relevantes neste convívio guiado por elementos do RI 14.
Vencida a burocracia inicial, com cinco comparências do organizador do convívio, André Rodrigues, ao RI 14, todos os militares da Unidade estão de parabéns pela simpatia que nos dispensaram.
Almoçamos na ala Sul do Refeitório das Praças. Num quartel o RANCHO (Rancho à RI 14) não faltou e estava bom, como aliás todo o menu servido por militares homens e mulheres exemplarmente fardados e com aventais. Refeição ao nível dos melhores restaurantes do país. Os pratos eram em porcelana, impensável nos anos da Guerra Colonial.
Conversas não faltaram… As mulheres na tropa foi um dos muitos comentários ouvidos aos meus camaradas de 1970/72. A tropa actualmente não é obrigatória. É um trabalho bem remunerado!
Foi convidado, de um dos meus camaradas, um amigo que em 1963 fez a recruta no RI 14 e retive a sua afirmação: “ali havia uma maior quantidade de oliveiras… eram os tropas que apanhavam as azeitonas… muitas apanhei… “
António Tavares
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9995: Convívios (263): Encontro da Magnífica Tabanca da Linha (José Manuel M. Dinis)
XIX CONVÍVIO DA CCS/BCAÇ 2912
Passados 43 anos almocei num refeitório militar. Foi em 26-05-2012, no Regimento de Infantaria n.º 14, em Viseu, no XIX Convívio da CCS/BCaç 2912.
Como fui o segundo elemento a chegar ao quartel tive honras militares, ou seja, a sentinela saiu da Casa da Guarda e abriu a cancela da porta de armas, fez continência, saudou-me, inquiriu-me da minha presença e foi falar com o 1.º Sargento para saber onde estacionar o meu veículo. Recebidas as ordens, foi comigo estacionar o veículo na parada e heliporto do quartel. Depois de ter estacionado o veículo deparei-me com as cerimónias do render da guarda. Toques de clarim, marchas, apresentações ao Oficial de Dia. Todos os militares em sentido e eu sem saber o que fazer, há décadas que sou civil. Imobilizado assisti às cerimónias que há muito não via.
Quando vi os militares do RI 14 a movimentarem-se à vontade também o fiz e fui esperar, à porta de armas, os meus camaradas da CCS/BCaç 2912 e seus familiares. A maioria é repetente, nos convívios, mas este ano teve um “periquito” o ANACLETO, pintor de automóveis e professor na tropa. O RODOLFO, do Pel. Rec., outro dos professores numa das Tabancas da quadrícula do batalhão, sediado em Galomaro, apareceu este ano depois de um longo afastamento destes eventos.
A homenagem aos mortos (foto), com honras militares, visita à unidade, museu (do RI 14) e missa foram relevantes neste convívio guiado por elementos do RI 14.
Vencida a burocracia inicial, com cinco comparências do organizador do convívio, André Rodrigues, ao RI 14, todos os militares da Unidade estão de parabéns pela simpatia que nos dispensaram.
Almoçamos na ala Sul do Refeitório das Praças. Num quartel o RANCHO (Rancho à RI 14) não faltou e estava bom, como aliás todo o menu servido por militares homens e mulheres exemplarmente fardados e com aventais. Refeição ao nível dos melhores restaurantes do país. Os pratos eram em porcelana, impensável nos anos da Guerra Colonial.
Conversas não faltaram… As mulheres na tropa foi um dos muitos comentários ouvidos aos meus camaradas de 1970/72. A tropa actualmente não é obrigatória. É um trabalho bem remunerado!
Foi convidado, de um dos meus camaradas, um amigo que em 1963 fez a recruta no RI 14 e retive a sua afirmação: “ali havia uma maior quantidade de oliveiras… eram os tropas que apanhavam as azeitonas… muitas apanhei… “
António Tavares
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9995: Convívios (263): Encontro da Magnífica Tabanca da Linha (José Manuel M. Dinis)
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