sábado, 3 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10612: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte IV): As Nossas Tropas


1.  Texto do Manuel Serôdio, que vive em Rennes, Framça, enviado a 23 de outubro último:

Cher Luis, voici encore une page en continuation de la dernière. Je te demande, (si ça ne te gêne pas) de m'avertir chaque fois que tu reçois une nouvelle page, afin que je puisse envoyer une autre, sachant que c'est bien la continuation de la dernière. Merci. Cordialement  [  Caro Luis, aqui vai mais  uma página, em  continuação da última. . Peço-te (se nºao for muita maçada) para me avisares ssempre que receberes  o meu material, para que te possa envirar o seguinbte. Obrigado. saudações cordiais]


2. Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte IV): As Nossas Tropas (*)


Enquanto o inimigo evoluiu na sua organização e potencial de fogo, as nossas tropas continuaram na mesma, e o que é mais grave, as substituições de material, não se fazem ao ritmo que se impõe, apresentando-se o que agora existe, quando existe, em precárias condições de funcionamento. A mesma orgânica, cada vez mais fraca, não corresponde às necessidades existentes, e o armamento também não evoluiu como se impunha, não tendo hoje as nossas tropas com que contrabalançar o poder de fogo do inimigo. Basta ver o armamento de um bi-grupo inimigo, e compará-lo com o nosso, para imediatamente ressaltar a diferença.

Ao fim de 6 anos de luta, ainda não fomos capazes de dotar as nossas tropas com um lança-granadas tipo explosivo, como os que o inimigo dispõe, e em quantidade. Como é que as guarnições tipo Companhia ou Pelotão, resistem ao fogo dos canhões sem recuo, se estes ultrapassam o alcance do nosso morteiro médio?

Porque é que não se dota a Milícia com armamento eficaz? Só quem esteve em contacto com o inimigo, e lhes sentiu o potencial de fogo, pode apreciar as razões porque a maioria das Milícias se sentem complexadas.

Que dizer do material rádio, gasto e cansado, e que não é substituído?
Que dizer da falta de viaturas?
Que dizer da falta de explosivos?
Que dizer da falta de sobresselentes para tudo?
Que dizer da falta de equipamentos?
Que dizer da falta de artigos simples, como pás e picaretas?

Enfim, não nos alarguemos neste verdadeiro número de lamentações.

Da análise feita ao inimigo e às nossa tropas, resulta que os efetivos inimigos são superiores, que está melhor armado e ocupa áreas agricolamente ricas, onde pode subsistir perfeitamente, e ainda ajudar outras regiões. Que as operações levadas a efeito com várias Companhias,são frutuosas, na medida em que enfraquecem o inimigo, lhes causam perdas, e lhes destroem as instalações, mas que só a ocupação efetiva do terreno, e reordenamento das populações, são susceptíveis de terminar com a subversão.

Assim, para terminar com a subversão no sub-setor de Empada, torna-se necessário como mínimo o seguinte:

(i) Colocação de 1 Companhia de Caçadores em Gubia, com um destacamento em Paiunco, Ganafá ou Darsalame;

(ii) Construção de um novo aquartelamento na área de Cachobar em Ianguê, com elementos retirados de Gubia;

(iii) Uma Companhia de Intervenção para auxiliar a primeira fase de reordenamento da população;

(iv) Forçar as populações a reorganizarem-se em torno dos aquartelamentos, retirar 2 grupos de combate das áreas pacificadas, e construir um novo aquartelamento no cruzamento das estradas de Butumbali Beafada,dominando as bolanhas importantes da área, e forçando as populações a organizarem-se nas proximidades do aquartelamento;

(v) Estabelecimento em simultâneo de uma cobertura escolar e sanitária, conjuntamente com o dispositivo militar.

Este plano é concebido em linhas gerais, podendo se necessário, ser detalhado. Duas Companhias, uma das quais será recuperada no final da pacificação, é o mínimo que se julga necessário.

Caso não se queira resolver o problema, torna-se necessário reforçar a Companhia pelo menos com 2 grupos de combate, afim de poder atuar em profundidade, pois a atual dispersão não lhe permite grandes movimentos, e dotá-la de armamento suficientemente potente para inflingir ao inimigo em caso de ataque, perdas consideráveis.

Consideram-se,  neste caso, canhões sem recuo 10,6, e metrahadoras Breda, Brownig 12,7. Nas atuais circunstâncias, porque a própria formação da Companhia, que já é pequena, e se encontra dispersa por 3 aquartelamentos, quando a Companhia sai, muitos elementos têm que fazer serviço na véspera da operação, fazer esta, e no dia seguinte tornar a entrar de serviço, o que se torna extraordinariamente violento e contrapoducente.

É tudo quanto se afigura informar este Comando, esperando encontrar a compreenção e apoio, igual à vontade de bem cumprir, de que a Unidade se acha compenetrada.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10570: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte III): De Porto Gole a Cutia: Op Escudo Negro: conseguimos entrar no 'santuário' de Sará / Sarauol

Guiné 63/74 - P10611: Do Ninho D'Águia até África (23): O maldito dente (Tony Borié)

1. Vigésimo terceiro episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, desta feita recorrendo a tercetos para o contar.


Do Ninho D'Águia até África (23)

O Maldito Dente!

Resumo da história de um dente que o Cifra, teve que mandar extrair, pois estava de cor preta e já bastante afectado, por falta de limpeza, do tabaco, algum álcool, e da água “medicinal” da bolanha.
Acordou pela manhã, cheio de dores, cá vai a história, feita desta maneira, não é em quadras, nem sendo um poema, talvez sejam uns versos, frases completas, frases soltas, ou então é qualquer coisa original, os companheiros, antigos combatentes, passaram por lá, vão por certo rir um pouco, e compreender.
As personagens são sempre as mesmas, os seus companheiros e amigos, que com ele viveram dois anos em Mansoa, o Trinta e Seis, o Setúbal, o Curvas, alto e refilão, o Marafado, o Mister Hóstia, o Pastilhas e outros mais, que o Cifra, lembrará para sempre, pelo resto da sua vida, e dos quais, continuará a contar histórias, algumas já quando eram emigrados tal como ele, e viviam na diáspora, mas que o destino o fez encontrar de novo, do lado de cá do atlântico.

Na noite anterior, tinha bebido, 
Com outros colegas, também tinha comido, 
Já fora de horas, não tinha dormido.

Por volta das cinco, ainda acordado, 
Não dormi ainda, viro-me de lado, 
Este lado da cara, está muito inchado. 

Vejo o Trinta e Seis, não sei o que faço, 
Olha para mim, com cara de palhaço, 
Com a mão na cara, mostro o inchaço. 

Tenho aqui um dente, que me está a doer, 
Ele me responde, vendo-me sofrer, 
Vai ver o Pastilhas, e já a correr. 

O Curvas estúpido, alto e refilão, 
Diz lá de cima, como eu sendo um anão, 
Não sejas guloso, não roubes mais pão. 

Responder p'ra quê, calar simplesmente, 
Ele olha-me de novo, e diz de repente, 
A merda do “chiclet”, fod..-te o teu dente. 

O Setúbal correndo, a ver o que passa, 
Chega-se a mim, quase que me abraça, 
Podes ficar bom, com papas de linhaça. 

O Arroz com Pão, camisa suja, 
Olha para mim, diz-me que fuja, 
Tens uma cara, tal uma coruja.

O Mister Hóstia, com terço na mão, 
Olha p'ra mim, com grande aflição, 
Vou rezar por ti, uma boa oração.

Vem lá do fundo, o Marafado, 
Toca na cara, mas com cuidado, 
Deve doer, como está inchado. 

O furriel grita, que se passa afinal, 
Para mim olha, a cara está mal, 
A mão vai ao bolso, fuma um “especial”. 

O sargento da messe, comendo um biscoito 
Vem ver o que passa, mas não muito afoito, 
Pois a minha cara, está feita num oito. 

Volto-lhe as costas, vou à enfermaria, 
O raio do Pastilhas, está de mania, 
Pergunta logo, o que é que eu queria.

Abri a boca, num grande repente, 
Mostrando-lhe a dor, no maldito dente, 
Será que ele não vê, o que um homem sente.

O grande sacana, vai logo a correr, 
O frasco do álcool, tentar esconder, 
Não pensando sequer, no que estou a sofrer.

Ele estava certo, em o frasco esconder, 
Pois de outras vezes, tinha mesmo que ser, 
O frasco roubavam, para logo beber.

Com cara manhosa, e com uns gestinhos, 
Abre-me a boca, e com uns sorrizinhos, 
Tira essa merda, se não vais prós anjinhos.

Os dentes são negros, dá-me um sermão, 
És um javardo, não tens mais perdão, 
Lava esses dentes, com água e sabão. 

Consulta marcada, espera sentado, 
Não vais agora, espera um bocado, 
Sofre dois dias, p'ra seres embarcado. 

No carro dos doentes, vim prá capital, 
Depois de andar, vejo o Hospital, 
Não desejo a ninguém, todo este meu mal. 

Entro no Hospital, vejo o Honório, 
Traz braço ao peito, vou ao consultório, 
Está muita gente, parece um velório.

Ponho o meu nome, com a mão direita, 
Estão lá três listas, e quase outra feita, 
O cabo enfermeiro, verá o que ajeita. 

Estou com dores, não suporto mais, 
Começo a gritar, perturbando os demais, 
O cabo enfermeiro, vem ver os meus “ais”.

Diz que me cale, está lá mais gente, 
Tenho que esperar, e não ser exigente, 
Eu digo que sim, mas que tire o meu dente.

Vendo-me assim, diz com embaraço, 
Tem paciência, vou ver o que faço, 
Pois vou eu mesmo, tirar-te esse inchaço.

Leva-me para dentro, na frente da gente, 
Manda-me sentar, e diz sorridente, 
Pergunta qual é, e tira-me o dente.

Gritei com a dor, ficando aliviado, 
Lava com “borato”, com algum cuidado, 
Dentro de três dias, vais ficar curado.

Pedi-lhe o meu dente, que queria guardado, 
Era o primeiro, que me tinham tirado, 
Do cesto do lixo, toma lá um bocado. 

Tonto com dores, sem nenhum tino, 
Limpando a cara, sem qualquer destino, 
Nem vim à cidade, beber o meu “fino”. 

Com baba e ranho, então regressei, 
Talvez dormindo, nem eu próprio sei, 
Ao meu lado alguém grita, merda, cheguei.

Semanas depois, bastante contente, 
Decifrando mensagens, com cara dormente, 
Cuspia bocados, do que fora o meu dente. 

Meses depois, sem dores realmente, 
Ria-me sozinho, já menos deprimente, 
Colocando o cigarro, no lugar do meu dente.
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 Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2012 > > Guiné 63/74 - P10594: Do Ninho D'Águia até África (22): Uma história de amor em pleno conflito (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10610: Parabéns a você (489): Ten General António Martins de Matos, ex-Ten Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10601: Parabéns a você (488): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10609: Notas de leitura (425): A Guiné na História de Portugal, de Rui Ramos (António Graça de Abreu)


Capa da História de Portugal, publicada recentemente em fascículos pelo jornal “Expresso”,  com a coordenação do historiador Rui Ramos mais a colaboração de Nuno Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa: no seu 8º. volume fala na nossa Guiné.

O livro foi originalmente publicado pela Editora A Esfera dos Livros. Autores: Rui Ramos,  Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Monteiro; Título: História de Portugal; Colecção: História Divulgativa; Nr de páginas: +/- 1000 + 52 extratextos; PVP /c Iva: 39 €; ISBN: 978-989-626-139-9; Formato:
16 X 23,5; Encadernação: Cartonado;  An o: 2009.



1. Texto de António Graça de Abreu [, foto à esquerda]:

A nossa História vai sendo feita, com a distanciação e a ausência de paixões possíveis, respeitando-se a verdade dos factos, respeitando-se a verdade histórica.


É por esta causa que me tenho batido neste blogue, ao longo de mais de cinco anos. Não contra as diferentes e naturais opiniões divergentes de cada um, mas contra os falsificadores da História que, às vezes, brotam na terra do blogue como cogumelos no Outono, cogumelos envenenados, se bem me faço entender. Tenho por detrás de mim o meu humilde, limitado conhecimento e entendimento das coisas do mundo. E, já agora, um mestrado em História (1999) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 

A mais recente História de Portugal, publicada recentemente em fascículos pelo jornal “Expresso” com a coordenação do historiador Rui Ramos mais a colaboração de Nuno Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa; no seu 8º. volume fala na nossa Guiné. 

Não resisto a transcrever uns tantos parágrafos, enquadrados convenientemente no período que todos vivemos, o fim da ditadura, o ocaso do regime de Salazar e Marcelo Caetano.
A páginas 21 e 22-23 desta História de Portugal leio: 

Perante a recusa do Governo português em negociar com eles a independência, (os movimentos de libertação) optaram pela luta armada. Nunca, porém conseguiram sujeitar Portugal a uma guerra com a intensidade da que os franceses enfrentaram na Argélia (1954-1962) ou os norte-americanos no Vietname (1964-1972). A partir de países vizinhos actuaram em zonas fronteiriças, através de pequenos grupos cuja acção principal foi a minagem de estradas e pistas ou a realização de emboscadas. Na Guiné, onde devido à pequenez do território o raio de acção da guerrilha foi maior, os 6.000 militantes do PAIGC nunca terão tido sob seu controlo exclusivo mais de 25.000 dos cerca de 500.000 habitantes.[1] Sujeitos a uma vida dura – as suas baixas em relação ao exército português eram 20 vezes superiores[2] –  e avassalados por querelas tribais e ideológicas, foram muito susceptíveis a deserções e traições: na Guiné, a PIDE tinha informadores “no núcleo mais chegado à direcção do PAIGC e ao próprio secretário-geral.”[3] 

(…) O exército português seguiu os manuais de contra-guerrilha: actuou através de pequenas unidades de infantaria ligeira, procurou “africanizar” a guerra e tentou obter a simpatia da população, contribuindo para a melhoria do seu nível de “bem estar.”

(…) Em 1974, 50 por cento das forças portuguesas eram do recrutamento local. Na Guiné, mais de metade dos choques com o PAIGC já era da responsabilidade dos 9.000 homens das milícias nativas. Nesta colónia, entre 1969 e 1974, o exército furou 140 poços e construiu 196 escolas, 630 diques e 8.313 alojamentos e garantiu cuidados de saúde ao nível mínimo da Organização Mundial de Saúde (1 médico por 10.000 habitantes).[4]

(…) Em Portugal, a ditadura impediu debates públicos e a sociedade rural forneceu soldados obedientes e acolheu, com agrado, os seus prés. Como constataram militantes da oposição, na província a guerra foi aceite depois de se perceber que “não matava tanta gente como se julgava.”[5] Eis a verdadeira chave da guerra de África, obscura e pouco mortífera, demorou a impor a urgência de outras soluções.

Leio, a pags. 39:
Da Guiné, a 24 de Outubro de 1972, o comandante-chefe (Spínola) informava Caetano de que o PAIGC “atravessa uma grave crise”, encontrando-se “em situação de manifesta inferioridade”. 


(Mas)

Como confessou depois de 1974, Marcelo Caetano concluíra “realisticamente” que a “independência” (de Angola, Moçambique e Guiné) era “inevitável.”[6]

Leio a pags. 44:


Marcelo Caetano deu aos generais a oportunidade de protagonizarem grandes manobras e gerarem grandes expectativas. Kaúlza e Costa Gomes chegaram a anunciar o “fim da Guerra”. Spínola compôs uma personagem característica, com monóculo e pingalim, e começou a lembrar o presidente de uma república africana. Aos jornalistas pedia para lhe fazerem perguntas “de maneira a que os seus leitores percebam que onde digo Bissau deve ler-se Lisboa.”[7] 

O seu objectivo, tal como o de Kaúlza, era provavelmente a eleição presidencial de Julho de 1972. A reeleição de Américo Tomás terá derivado, tanto da vontade de Caetano em conservar equilíbrios como da apreensão que já lhe inspiravam os “senhores da Guerra.”

Em Setembro de 1972, o chefe do Governo cooptou Costa Gomes para chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, apesar da oposição do Presidente da República. Mas deixou Kaúlza e Spínola a remoer dissidências. Ambos exageraram as vantagens que tinham supostamente adquirido entre 1970 e 1972. Kaúlza prometia a vitória se lhe dessem mais 10.000 homens e Spínola se o autorizassem a negociar com a guerrilha – para melhor culparem Caetano pelo arrastar da guerra. Na Guiné, Spínola deixou correr o rumor de que o Governo, para concentrar recursos em Angola e Moçambique, admitia desguarnecer o território e até provocar uma “derrota calculada.”[8]

A partir daí, os oficiais da Guiné encararam todas as dificuldades – como o abate de cinco aviões entre Março e Agosto de 1973 por mísseis terra-ar – de um ponto de vista apocalíptico. O PAIGC não conquistou nenhuma posição e só em Janeiro de 1974 atingiu outro avião. Mas tudo mudara psicologicamente.



Agora o meu comentário, António Graça de Abreu. 

Previam-se, de facto, cenários apocalípticos para a Guiné. Que não aconteceram pela simples razão de que o PAIGC não tinha força, diante de 40.000 soldados portugueses, mais 9.000 tropas africanas, como NT. Os guerrilheiros eram 6.000, apenas 2 a 3 mil no interior da Guiné, Não se registou nenhum apocalipse até à manhã de 25 de Abril de 1974. Mas a guerra ia acabar, tinha de acabar. Não houve derrotas militares nem vitórias militares, mas sim o sinuoso fluir das vontades dos homens por dentro das lágrimas do tempo. 


António Graça de Abreu 
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[1] Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, , 1977, pag91/92.
[2] Luz Cunha, A Vitória Traída, Lisboa, 1977, pag. 72. 
[3] José Pedro Castanheira, Quem mandou matar Amílcar Cabral, Lisboa, 1999, pag.117 e 219-221. 
[4] John P. Cann, Contra Insurreição em África, 1961-1974, o Modo Português de Fazer a Guerra, Lisboa, 1998, pag.pags. 30-31, 136-138. 
[5] J. A. Silva Marques, Relatos da Clandestinidade, o PCP visto por Dentro, Lisboa, 1976, pags.85-86. 
[6] Marcelo Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, 1974, pag. 34 e O 25 de Abril e o Ultramar, Lisboa, 1977, pags. 13,15 e 64. 
[7] Avelino Rodrigues, C. Borga e M. Cardoso, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, Lisboa, 1974, pag. 246. 
[8] Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, 1977, pag. 142.

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10607: Notas de leitura (424): O meu serviço cívico na Guiné, em 1991 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10608: Convívios (480): Mais um Encontro da Magnífica Tabanca da Linha, a levar a efeito no próximo dia 15 de Novembro de 2012, em Alcabideche (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 31 de Outubro de 2012:

Viva Carlos,
Aqui há tempos interpelou-me o nosso amigo Pires sobre a eventualidade de um novo encontro para o pessoal destas bandas. Fiz o que me competia, e pus-me em contacto com Sua Excelência o Sr. Comandante Rosales. Porque andou em fainas agricolas que a sua propriedade não dispensa, só agora foi possível concentrarmos atenções com vista ao evento.

Hoje, na Adega Camponesa, no Cabreiro, em Alcabideche, nas traseiras do novo hospital de Cascais, ficou tudo estabelecido. E estabeleceu-se da seguinte maneira:

No próximo dia 15 de Novembro, uma 5.ª feira, com hora de encontro marcada para as 12h30, realizar-se-á um almoço convívio entre os ex-combatentes na Guiné, não só para matar a fome, mas também para fazerem prova de vida, condição necessária para continuarem a receber as competentes reformas, e continuarem a manifestar alegrias por cada manhã que acordam com os pézinhos a mexer. 

Solicita-se também que contactem com aqueles que já manifestaram interesse por estas campanhas. São todos bem vindos, claro, e não se promete nada mais de especial do que um almoço diferente dos do quotidiano. Negociada a ementa, vai poder proporcionar-se alguma coisa que faça lembrar-vos os lautos almoços que se comiam na Guiné, principalmente nos resorts mais isolados, onde os gajos mais abonados se deliciavam com bianda e estilhaços.

Assim, haverá:
- entradas como de costume (a ver se no final também dão com a saída);
- sopa;
- filetes com... com? .... Bianda de feijão, pois claro!
- carne de porco à portuguesa;
- buffet de sobremesas;
-vinho, água, sumos, cerveja;
- café.

O preço, depois de uma grande zaragata, ficou fixado em 15,20 aéreos, mas o pessoal da FAP não tem descontos.

Façam o favor de confirmar as presenças até ao dia 13, tanto para o Sr Comandante - 914 421 882, como para este vosso escravo - 913 673 067.

Cá vos esperamos.

 A rogo do Sr Comandante, assino eu, identificado pelo Sr Carlos Vinhal
 JD
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10577: Convívios (479): Paraquedistas do Cartaxo, do 'antigamente' e do 'agora' , reuniram-se no 5 de outubro




Guiné 63/74 - P10607: Notas de leitura (424): O meu serviço cívico na Guiné, em 1991 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Agosto de 2012:

Queridos amigos,
Rasgam-se cartas cujo significado é nulo. Mas foi uma experiência excitante, este serviço cívico em Bissau, entregue aos cuidados da Avó Berta, lendo a “História do Cerco de Lisboa”, de José Saramago, no silêncio que as instalações da CICER proporcionava, fazendo planos para Conselho Interministerial de Defesa do Consumidor que nunca viu a luz do dia.
A despeito dos insucessos, houve um enorme entusiasmo pela obra. Era o tempo em que se criavam partidos, na esperança de reconduzir a Guiné ao nível dos países menos atrasados. Foi esse tempo que se cruzou na minha vida e só resta a sensação de que o dever se cumpriu, mesmo não tendo ficado nenhuma memória daquele projeto de cooperação.

Um abraço do
Mário


O meu serviço cívico na Guiné, em 1991 (2)

Beja Santos

No final de Outubro de 1991, registavam-se progressos nos preparativos de um serviço para os consumidores guineenses, e todos nós estávamos de acordo com o crisma proposto, Comissão Interministerial de Defesa do Consumidor. Antes de sair de Lisboa, os meus superiores tinham sido categóricos quanto ao nível da ajuda, para pôr de pé esta célula, pagar honrosamente ao coordenador e a um funcionário administrativo, senhas de presença para cerca de 6 reuniões anuais, pagamento de impressos e uma ou outra brochura, eu que não excedesse os 8 mil contos na proposta.

Obtivera por parte do ministro a cedência de um espaço, dentro do antigo Quartel-General, destinado a sala de reuniões e um gabinete para o coordenador e serviço de apoio, tudo numa decadência absoluta, levei lá um técnico da Soares da Costa que fez um orçamento realista para tornar aquele espaço acolhedor, funcional. É no meio destas atividades que recebi a visita de Quebá Soncó, o primogénito do régulo Malã, Cuor. Vinha convidar-me a assistir à tomada de posse do novo régulo, de nome Mamadi. Este estivera hesitante em aceitar, já tinha passado a fase de perseguição aos régulos, agora havia aceitação do poder tradicional, mas ficara por definir qual o poder efetivo que o PAIGC autorizava aos régulos. Também pelo Quebá soube que no Leste, um pouco à semelhança do que se passava por todo o país, se formavam novos partidos, o que estava a ganhar grande popularidade na região era o Movimento de Bafatá, inequivocamente tribalista, pois circunscrito a Fulas e Mandingas.

Fui a Missirá e houve grandes alegrias. E depois seguimos para a povoação de Geba, em franca ruína. O ponto mais tocante desta viagem foi a ida a Biana, no regulado de Badora, onde visitei o meu querido amigo Serifo Candé. Abraçou-me e disse-me: “Sabia que me vinhas buscar, sei que me vais dar trabalho em Portugal, estive nos Comandos, aqui tratam-me mal, embora esta seja a minha terra, tem paciência leva-me contigo”.

Felizmente que vivia absorvido pelo meu trabalho, este suavizava-me de todas aquelas dores antigas, persistentes. E apareceram dois juristas que iam dando apoio à elaboração dos documentos de competências e da regulamentação interna do Conselho. No início de Novembro, aparecia o primeiro programa televisivo “1 Milhão de Consumidores”, foi para o ar antes do episódio da telenovela “Sinhá Moça”, o grande êxito do momento, o conteúdo de 10 minutos prendia-se com as escolhas alimentares e a higiene dos alimentos, senti-me muito feliz por ver a minha proposta de texto do guião passada para crioulo.

Por esse tempo, comecei a questionar os quadros dos diferentes ministérios acerca de possíveis candidatos para o cargo de secretário coordenador do Conselho, indicaram-me uma jurista que era mulher do chefe de Estado-Maior da Armada e uma socióloga que vinha da Sorbonne (no entanto, fizeram-me o reparo que tinha sido companheira de um altíssimo dirigente que caíra em desgraça ao tempo do chamado golpe de Paulo Correia, de 1985, talvez o presidente Nino não apreciasse muito ver a dita senhora em tais funções…).

Prometera em 1990 trazer o Cherno Suane para Portugal, o seu processo seguia de vento em poupa na embaixada de Portugal, ele viria em Fevereiro de 1992, nacionalizou-se português e ficou como grande deficiente das Forças Armadas. Continuava os contactos com várias agências das Nações Unidas, organizações não-governamentais, todos me asseguravam que eu não alimentasse grandes esperanças nos apoios governamentais para o meu projeto, aliás essa tal defesa do consumidor iria colidir com interesses instalados. E as notícias que me chegavam de outros projetos eram francamente desanimadoras. Dizia-se à boca cheia que os soviéticos se tinham retirado do empreendimento da central elétrica porque as autoridades guineenses não honravam os seus compromissos, o Banco Mundial recusava-se a mandar mais um dólar pois não havia qualquer empenhamento na redução da dívida externa, que era escandalosa ao tempo.

O dia-a-dia era absorvente e os serões, com o trabalho trazido de Lisboa, atenuavam as saudades, a Joana estava com 20 anos e a encetar, com sucesso, o seu curso de Filosofia, a Locas, com 15 anos, com grandes problemas de entendimento e aproveitamento na área das Ciências.

Preparei os guiões para os próximos 6 programas televisivos, estava encantado por redescobrir o prazer em escrever para a televisão, dela vivia arredado há 11 anos, pois fora afastado da RTP em 1980. O adido para a cooperação da embaixada de Portugal, Domingos Machado, apoiava as minhas diligências para o reforço do projeto da defesa do consumidor. Com o Ministério da Educação pensou-se num curso destinado a professores sobre educação do consumidor, seriam módulos que eu iria organizar para sessões a realizar em Bissau, Bafatá e Bula. Nunca esqueci a reunião com a Diretora-Geral de Educação (que era esposa do ministro Mário Cabral), recebeu-me com os óculos presos com fita gomada, vendo-me o olhar pasmado explicou-me que não havia nenhum oculista em Bissau, estava à espera que uma pessoa amiga viesse até Lisboa.

À porta da Pensão Berta assisti a uma discussão acesa entre partidários do movimento de Bafatá e da Frente Democrática, novidade tão nova não podia haver na Guiné. Ao tempo, o grupo de críticos do PAIGC exprimia-se publicamente nos jornais. E por essa época, junto de um artista que trabalhava batik, de nome Dinis, encomendei para a Joana três peças em batik para aplicar num biombo de bambu.

Novembro caminha para o fim, já existe um plano para as obras das instalações onde funcionará o Conselho, o ministro aprovara uma minuta para o despacho presidencial, parecia ter encontrado um conjunto de quadros dos ministérios com vontade de ser atrelarem às atividades de defesa do consumidor, à cautela preparei um curso intensivo de 3 dias para haver compreensão dos diferentes direitos, dos aspetos legislativos básicos e do que poderiam ser ações eficazes de informação e a preparação de professores numa ótica de apreciação das necessidades básicas do povo guineense. Reencontrei Benício Costa, agora secretário-geral da Assembleia Nacional Popular, fora um aluno exemplar da Cristina até 1973, ano em que fugiu para se encontrar com o PAIGC em Conacri. Deu-me a grata notícia de que tinha estabelecido contato com amigos em Bolama para me dar a pernoita no fim de semana que eu pretendia lá passar.

Entretanto, inclinava-me para a candidatura da secretária coordenadora da socióloga, sentia-a verdadeiramente interessada, Cherno Suane andava entusiasmado com a vinda para Portugal, informava-me cheio de orgulho que iria trabalhar para a construção civil no Algarve, tinha informações que era uma terra com calor, até lembrava a Guiné.

No início de Dezembro, a convite do adido para a cooperação, visitei o complexo hortofrutícola do Quebo, o programa agrícola onde a cooperação portuguesa mais investia. Durante o almoço descobri que os professores de agronomia que ali trabalhavam pertenciam à Junta de Investigações Científicas do Ultramar, inevitavelmente falou-se de Ruy Cinatti e Teixeira da Mota. No regresso, felizmente perto de Bambadinca a viatura do adido para a cooperação pifou, quem veio salvar a situação foi um dos mecânicos que trabalhavam para o Fodé Dahaba. Mas o mais empolgante foi viajar por aquela estrada nova que passava perto de Mato de Cão, havia grandes mudanças, toda aquela região estava povoada, ainda saí da viatura para ver se chegava ao embarcadouro onde esperava as embarcações militares e civis, mas o tarrafo era enorme, limitei-me ao rumorejar do Geba, assim curti saudades.

Era um mercado cheio de vida, lá dentro e cá fora. Hoje é um escombro, nunca se redimiu dos incêndios que o assolaram no conflito político-militar de 1998-1999

É um dos locais mais charmosos de Bissau, em Novembro de 2010 ali voltei a cortar o cabelo. Tenho a certeza que não há barbearia mais portuguesa naquele ponto de África, ainda por cima dali se vê o Bissau Velho irreconhecível.
Fotos ©: Mário Beja Santos. Direitos reservados

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10589: Notas de leitura (423): O meu serviço cívico na Guiné, em 1991 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10606: Blogpoesia (301): Na ka misti tchora mas, Guiné (Luís Graça)


Lourinhã > Cemitério local > 1 de novembro de 2012 > O que é a morte ? "Sete palmas de terra e um caixão" !?... Lembremo-nos, hoje, dia 2 de novembro,  de todos os nossos  mortos na Guiné, em especial os que morreram durante a guerra colonial, entre 1961 e 1974, incluindo os insepultos, e ainda os nossos ex-camaradas guineenses que foram sumariamente executados a seguir à independência. Tenhamos também um pensamento de solidariedade para com todas as vítimas da violência na Guiné, as de hoje e as de ontem.

Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados





Videoclipe de Anastácio de Djens - N'cansa tchora guine - Produção: TVKlele. Um dos temas, o 4º, inseridos no álbum musical, não comercial, com videoclipes da TV Klele, distribuídos juntamente com a pasta do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, Guiné-Bissau, 1 a 7 de Março de 2008).

O álbum tem por título Guiné-Bissau, Terra de História e Cultura. A televisão comunitária TV Klele, do Bairro Quelélé, de Bissau, tem o apoio da AD - Acção para o Desenvolvimento. O tema musical deste videoclipe é fortíssimo. Mesmo não entendendo a 100% toda a letra (em crioulo de Bissau), não consegui ouvi-lo e vê-lo, pela primeira vez, em 2007,  sem me emocionar. Anastácio de Djens, que eu conheci por ocasião do Simpósio, em Março de 2008, era então uma das vozes mais belas e promissoras da nova geração musical guineense. Na altura escrevi: "Oxalá haja oportunidades de trabalho para ele desenvolver e dar a conhecer o seu grande talento, a sua voz, a sua sensibilidade, dentro e fora da Guiné-Bissau, país de grandes músicos e de grandes tradições musicais". 

Daqui de Lisboa, em dia de  cristão e não.cristãos lembrarem os seus mortos,  vai um grande abraço, amigo e solidário, para ti, Anastácio (de quem perdi o rasto), e para todos os jovens da tua terra que cantam e dançam a tua música. Um abraço também para a talentosa rapaziada da TV Klele. E, claro, para o Pepito, a malta da AD e todos os nossos amigos guineenses, grã-tabanqueiros ou (ainda) não... Eles são, todos eles, os melhores filhos da Guiné, os únicos que nos interessa conhecer... Os esbirros, os torcionários, os carrascos não são são guineenses, são apátridas, são iguais em toda a parte do mundo, em todos os tempos da história...

Vídeo (5' 25''): You Tube > TVKlele (2007) (com a devida vénia...)


Na ka misti tchora mas, Guiné (*) (**)

por Luís Graça

[No dia dos mortos
dedicado a todos os mortos da guerra colonial na Guiné, 
entre 1961 e 1974, 
de um lado e do outro,
e a todas as demais vítimas da violência 
que se seguiu,
desde a independência da Guiné-Bissau até hoje]

Quem disse que tu, Guiné-Bissau,  não tens futuro ?
Não fui eu, que pouco valho.
Não foi o dari,
que não tem seguro
de acidentes de trabalho.
Nem de saúde-doença.
Quem disse que o futuro não passa por aqui,
por esta terra verde e vermelha,
amarela e preta ?
Quem é que assim pensa ?
Não, não foi o macaco fantango,
que trabalha sem rede,

não tem cheta,
nem protecção social no desemprego,

muito menos na velhice.
Nem o desgraçado do macaco-cão
que vai à mesa do rico e do pobre
como se fora leitão 

da Bairrada,
frio ou quente.
Nem o mandinga, 

bom negro e melhor crente,
tocador de Kora,

Braima Galissá,
que se foi embora, 

ou o virtuoso do balafon,
o Kimi Djabaté,
todos em busca de outro tchon
livre do som da Kalash,

longe do poilão de Brá.

Quem disse que Deus, Alá,

e os bons irãs
não montaram morança nesta terra ?
Não foi o muntu.
Não foi o tucurtacar pangolim.
Não foi a rapaziada
do Bairro do Quelélé.

Não foi o fula nem o nalu.
Não foram as aves do Cantanhez,

que nunca tocaram o tambor da guerra.
Não foi o verde, o vermelho, o amarelo
da tua bandeira.
Não foi a estrela negra.

Não foi a Titina Silá
a guerrilheira.
Não foram os homens grandes do Gabu.
Não foi o tuga, 

nem foste tu 
nem fui eu.

Ah!, 

como está ainda bem longe, Cabral,
o ideal
por que lutaste e morreste,
uma vez, e outra vez,
tu e tantos outros combatentes da liberdade da pátria.
Nada que tu não saibas, Amílcar,
lá no Olimpo dos deuses e dos heróis,

ou no inferno dos que morrem de morte matada,
ou não soubesses já,
cá na terra dos homens,
que a História é fértil em exemplos de efeitos perversos,
de Revoluções que devoram os seus filhos,

de filhos que matam os pais,
de netos que renegam os seus avós,
de bisnetos que cortam o cordão umbical com os avoengos...


Tudo isto, para te dizer, Cabral
que eu ouvi os jovens do teu país cantar o teu hino,
no antigo acampamento Osvaldo Vieira (!),
nas matas do Cantanhez profundo,

(esse mesmo, o Vieira, 
que há quem diga que foi o teu Judas!),
com o mesmo fervor do que quaisquer outros jovens
noutras partes do mundo.

Pelo menos os teus sabiam a letra,
a letra escrita por ti,
e até a música que foi composta, 

eu não sabia,
por um obscuro músico chinês,
o Sr. Xiao He,
no tempo do Livrinho Vermelho
que muitos de nós leram
uns com paixão,  
outros com um sorriso de desdém...

Quem disse, afinal, que tu, Guiné, 

não tens futuro ?
Se não o foi macaco fidalgo,

nem a cobra verde enroscada no cocuruto
da palmeira de dendê,
foram os teus inimigos,
os de fora e os de dentro,
os teus filhos bastardos,

os que te beijaram como Judas beijou Cristo,
para depois te trairem e assassinarem,
te matarem como a um cão,
em Conacri, 
no chão francês.
Os teus torcionários, 
os teus esbirros,
os teus carrascos,
esses e os filhos bastardos de outras nações.
Os que dizem mal de ti, Guiné,

os que te usam e abusam,
os que te violam,
os que te querem comprar
a preço de saldo,

os agiotas,
e que te arrastam pela lama do tarrafo.
E que dizem que és um narco-Estado.

E que já nem tem soldados, rasos,
briosos e patriotas,
que te defendam até à última gota do seu sangue.
E que vives da caridade internacional.
E que já não tens fé, 

nem esperança,
nem voz,
nem lágrimas para chorar

os teus filhos, e são tantos!, 
que já morreram por ti,
ou que morreram contigo.

Que já não tens alma
nem salvação
nem pudor, 

Guiné.
E que tu, Cabral,  

pai fundador,
morreste como o Ché,
como o Cristo,
como o Luther King,
e está enterrado,
na antiga fortaleza colonial da Amura,
ao lado de heróis e de traidores,
na promiscuidade da história.
Que amargura!

Os teus jovens,
os teus músicos,

os teus poetas,
os teus artistas,
os teus artesãos,

os teus quadros na diáspora,
as tuas televisões comunitárias,
as tuas rádios locais,
o teu novo Lamparam,
o teu Bombolom digital,
e até os centros de saúde no mato,
são a prova da tua grande vitalidade,
engenho,
imaginação,
talento,
alegria,
nobreza,
criatividade,
espontaneidade,
afabilidade,
hospitalidade,
vontade de vencer o círculo vicioso
da pobreza,

e o parto da guerra e da violência,
monstruoso.
Do teu povo, Guiné,

virtuoso,
afável,
pobre mas nobre,
de Norte a sul,
dos Bijagós ao Quitafine,
de Iemberém ao Quelélé,

de Quinhamel ao Gabu,
de Lisboa a Paris.

Eu acredito em ti,
país-irmão,

povo-irmão.
Eu quero acreditar em ti,
Guiné,
eu quero remar,

na minha frágil piroga de cidadão do mundo,
de europeu e de português,
de igual para igual, 
contra a maré do cinismo,
inimigo tão mortal
como o mosquito do paludismo

ou o vibrião da cólera.

Eu acredito nas tuas mulheres,

que te levam às costas,
que suportam o teu céu,
e alimentam as tuas raízes,
essas mulheres empreendedoras e corajosas,
que montam fabriquetas de descasque de arroz,
ou que, em casa, fazem o seu óleo de palma
e cozinham a tua galinha de chabéu.

E ainda têm tempo 

para ir à pesca e ao mercado,
e com os restos do dendê fazer o sabão.
Que têm tempo para cuidar dos teus meninos.
E para lavar os seus pobres panos.
Essas mulheres que no Cacheu travam o avanço do Sará,
com as suas mãos frágeis cheias de sonhos.
Eu acredito,
no talento dos teus jovens, criativos,
Eu acredito ainda na força telúrica
e na generosidade dos homens e mulheres
que lutaram, por ti,
em Cassacá,
no Como,em Cadique,
no Boé,
no Morés,
em Gandembel,
em Guileje,
em Sara Sarauol,
no Fiofioli,
na Ponta do Inglês,
no Choquemone,
em Sinchã Jobel.
Com as armas na mão,

com as ideias na cabeça
e com sonhos no coração.
Para que tu fosses livre
e independente,
e fosses justa
e fraterna.
Uma Tabanca Grande,
grande como a bolanha de Bambadinca,
outrora verde e prenhe de arroz,
e aonde iam apascentar os búfalos.
Uma Tabanca Grande
onde cabe o Muntu e o Nalu,

os netos e os avós,
os fulas e os balantas,
os papéis e os bijagós,
os quatro pontos cardeais,
os homens grandes
e as mulheres grandes,

as tuas bajudas,
lindas como as as rosas das roseiras,
as tuas meninas
que um dia não precisarão da faca da fanateca.
Onde cabem os teus frondosos poilões
e as tuas vaidosas cabaceiras.

Onde caibam todos os teus lugares de culto,
as tuas balobas, 
as tuas igrejas 
ou as tuas mesquitas apontadas para Meca.



Para que os teus filhos, Guiné,
tenham a merecida paz,
todos os dias do ano,

todas as horas do dia e da noite,
a liberdade,
a justiça,

a tolerância,
o milho, o arroz e a mandioca,
o mafé e o chabéu
com que se mata a fome

e se sonha, acordado, 
e se dança,
de Farim a Bandim.
Enfim, a dignidade
a que os teus filhos têm direito
no seio da Mãe África
e do resto do mundo globalizado.

Ah!, 

a paz, 
a tão frágil paz
que leva tanto tempo a consolidar,
e o tão suspirado progresso que não chega,

a água potável que não chega,
a escola que não há,
o medicamento por desalfandegar,
o petróleo por jorrar,
... ou que é tão lento, 
tão desesperadamente lento,
ou só chega para uma meia dúzia de privilegiados,
a nomenclatura do poder e do dinheiro,

sem pátria, 
sem cor, 
sem rosto...

Mas para isso, Guiné. 

terás que fazer a ponte
com o passado,

a fonte 
da tua identidade.
Mas para isso não poderás ignorar
nem escamotear os marcos
(de sinal mais e de sinal menos)
do passado,
bem como as raízes das lianas
e dos poilões da tua guineidade.

Como te imploram os teus filhos,
não queiras chorar mais, Guiné!
N ka misti tchora mas!
Faz das tuas lágrimas
a força do macaréu
da tua revolta
e do teu ânimo
que te ajudarão a abrir a Picada do Futuro,
a construir o Novo Carreiro do Povo,
a Nova Estrada da Liberdade,

de Buruntuma a Fulacunda.
Que eu só desejo que seja
tão grande, larga e fecunda
como os teus rios míticos,
do Cacheu ao Cumbijã,
do Geba ao Cacine.
Ou tão límpidos e belos e selvagens
como o Corubal.

E que o Nhinte-Camatchol,
o grande irã dos nalus, 

te proteja,
Guiné, Tabanca Grande.

E o Deus dos cristãos, 
dos grumetes do Geba e da Amura, 
E o Alá dos fulas, mandingas e beafadas.
E os irãs dos balantas, manjacos, papéis, bijagós
e demais povos ribeirinhos, animistas,
que todos eles te inspirem 
e te protejam!


(*) Não queiras chorar mais, Guiné: Título pedido emprestado ao cantor Anastácio de Djens

(**) Sucessivamente revisto, aumentado e melhorado:

Iemberém, 1/2 de março de 2008 (visita ao Cantanhez)
Bissau, 28 de fevereiro e 3/7 de março de 2008 (Seminário Internacional de Guiledje)
Lisboa, 12/13 de abril de 2012 (Golpe de estado na Guiné-Bissau)
Alfragide, 10 de outubro de 2012
[a seguir ao episódio nº 25 da série "A Guerra",
realizado por Joaquim Furtado,
e que passou na RTP1],
Alfragide, 2 de novembro de 2012, dia (cristão) dos Fiéis Defuntos

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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10605: In Memoriam (132): A Cindinha, a esposa do bendandense Tony Teixeira, deixou-nos hoje, o seu funeral é amanhã, 6ª feira, dia 2, às 10h30, em Espinho, seguindo depois para Vidago, sua terra natal


Lourinhã > Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Almoço de aniversário da Alice > A Cindinha, esposa do nosso camarada António Teixeira (Tony).



Lourinhã > Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Almoço de aniversário da Alice > Da esquerda para a direita, a Alice Carneiro  (de costas), a Cindinha e, por detrás, dela o Pinto Carvalho e o Tony Teixeira. Na ponta direita, a Dina, esposa do nosso camarada, Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil pára em Angola (c. 1970/72)de quem já temos falado aqui no nosso blogue.


Lourinhã > Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Almoço de aniversário da Alice > Juntaram-se lá, na Tasca da Tia Augusta,  diversos casais para saborear uma boa caldeirada e uma saborosa sopa de navalheiras: eu e a Alice, a Joana e o Joana, o Pinto de Carvalho e a Zé, o Laurentino Marteleira e a Glória, o Jaime e a Dina, o Rogério e a esposa, o Tony Teixeira e a Cindinha (, um casal simpatiquíssimo de Espinho que tínha acabado de chegar, nessa semana, ao nosso convívío, pela mão do Pinto de Carvalho).



Lourinhã > Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Almoço de aniversário da Alice > A Cindinha e o Tony Teixeira.


Lourinhã > Abelheira > 17 de agosto de 2011 > A Cindinha, na casa de um outro casal amigo, da nossa tertúlia da Louirnhã, os Marteleira (Laurentino e Glória).


Lourinhã > Abelheira > 17 de agosto de 2011 > A Cindinha, na casa de um outro casal amigo, os Marteleira, da nossa tertúlia da Lourinhã.

Fotos: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados

1. Do nosso amigo e camarada Tony Teixeira recebemos esta dolorosa notícia: 

Enviado: quinta-feira, 1 de Novembro de 2012 1:25
Assunto: Notícia

Venho vos comunicar, que após um longo sofrimento, a Cindinha, minha mulher, partiu esta noite calmamente e com dignidade.

Quero aqui em meu nome e em nome dela, agradecer a todos os nossos amigos que acompanharam este longo caminho, que sempre estiveram ao nosso lado e que sempre nos acarinharam e deram força. Bem hajam.

O funeral será na sexta feira pelas 10,30 horas, na Igreja de Espinho, seguindo depois para Vidago, sua terra natal.

Tony


2. Às 9 da manhã de hoje, sexta-feira, transmiti à, pelo correio interno, à Tabanca Grande a triste notícia da morte da Cindinha, que foi comunicada pelo próprio António Teixeira:

Amigos e camaradas:

Mesmo "anunciada", a morte continua a ser um mistério e um momento de grande dor para quem fica do lado de cá: a família, os amigos... A Cindinha, que eu conheci há dois anos, nas férias de verão, na Lourinhã,  era uma senhora com uma enorme dignidade, que sabia a doença que tinha, e que era já uma réplica viva da "Pietá".

Eu e a Alice guardamos dela uma doce recordação. Conhecemos o casal através do Pinto Carvalho e da Zé, que também fazem parte da tertúlia de verão da Lourinhã. A caminho da Lourinhã, onde hoje vou fazer o "culto dos meus mortos", sou surpreendido com esta notícia do nosso amigo e camarada "bedandense" Tony Teixeira..  Quero transmitir-lhe a ele e à sua família a nossa solidariedade na dor e também a nossa admiração pela coragem e dignidade da sua companheira de uma vida. A Cindinha, que descanse em paz. Honraremos a sua memória.

Quanto à nossa Tabanca Grande, permitam-me que leve a notícia a todos e a todas, os/as amigos/as e camaradas da Guiné. Ao fim de 9 anos somos já uma "grande família" e a morte de um(a) de nós é também um poucochinho a morte de todos nós. 

Irei fazer quando regressar da Lourinhã um pequeno notícia para a série In Memoriam. A Cindinha merece, o Tony merece este gesto de ternura, solidariedade e compaixão da nossa parte.

 Luís Graça.



3. Mensagens de condolências que chegaram à nossa caixa de correio, vindas da nossa Tabanca Grande:

(i) José Vermelho (3h01)

Caro Luís Graça: Acabei de receber a seguinte mensagem enviada pelo António Teixeira. 
O Mário Bravo já me tinha dado, entretanto, a infausta notícia. (...).

(ii) António José Pereira da Costa (12h48)

Não conheci a Cindinha. Julgo que nunca foi ao blog.
De qualquer  modo leva-lhe o meu pesar.

Um Ab.


(iii) Rui Santos (13h06)

Meu amigo Luis Graça: Estas notícias não se agradecem, nem se esperam, mas sou obrigado a agradecer pois o infortúnio do Toni é para mim muito forte, e já lho comuniquei directamente.

Para ti um grande abraço, Rui Santos.


(iv) Fernando Sucio (15h06)

Os meus sentimentos, Tony, desejo-te muita coragem para enfrentares este doloroso momento.

(v) F. Gomes (15h34)

Embora não tenha conhecido a senhora, nem o marido, a dor de quem parte é sempre menor quando compartilhada. Infelizmente sei o que isso dói e quando não existem compartilhamentos, ainda dói mais.
Um abraço de solidariedade ao camarada Tony Teixeira e força daqui para a frente.


(vi) João José de Lima Alves Martins (18h31)

Luís Graça e Toni Teixeira:

Um grande abraço de solidariedade nestes momentos que são sempre dolorosos, mas pelos quais todos vamos passando ao longo das nossas vidas.

O bedandense 
João Martins.


(vii) Joaquim Pinheiro (22h14)

Cá do outro lado do Atlântico, os meus pesares!!!!
Joaquim Pinheiro da Silva e esposa

São Paulo / Brasil


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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10560: In memoriam (131): Nelson Fontes Ribeiro, ex-Alf Mil do COT 1 (Guiné, 1970/71)

Guiné 63/74 - P10604: Tabanca Grande (367): António Augusto Sousa Campos, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2586/BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano António Augusto Sousa Campos (ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2586/BCAÇ 2884, Pelundo, 1969/71), com data de 29 de Outubro de 2012, encaminhada para o Blogue pelo nosso camarada José Firmino:

Apresenta-se:
António Augusto Sousa Campos, natural de Ventosa, Vieira do Minho.

Depois de ter ficado apto para todo o serviço militar na inspeção de 03/06/67, assentei praça em 30/09/68 no CICA 2 na Figueira da Foz.
Terminada a recruta, fui transferido para RAP 3, também na Figueira da Foz, para a especialidade de condutor auto rodas, terminada a qual em 26/01/69 fui colocado no 2.º GCAM no Lumiar, em Lisboa.

Mas por pouco tempo, pois no dia 04/03/69 depois de mobilizado para a Guiné pelo RI 1 Amadora, fui incorporado no batalhão 2884 e integrado na companhia 2586 que estava instalada em Braancamp, Setúbal e ai fizemos o IAO

No dia 7 de Maio de 1969 embarquei para a Guiné no Niassa (aquele paquete de luxo) e desembarquei em Bissau em 12/03/69.

Niassa > Navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice, construído em 1955, na Bélgica, registado no Porto de Lisboa, e abatido em 1979. Dados técnicos: comprimento: mais de 151 metros; arqueação bruta: c. 10.742 toneladas; potência: 6800 cavalos ; velocidade normal: 16,2 nós; alojamentos para 22 em primeira classe, 300 em classe turística, no total de 322 passageiros; nº de tripulantes: 132; armador: Companhia Nacional de Navegação - Lisboa. 
Fonte: Navios Mercantes Portugueses

Fomos para o Adidos onde estivemos dois ou três dias, não me lembro bem. A minha companhia ficou instalada em Nhacra algum tempo, não muito, depois fomos para Có onde nos juntámos à 2584, durante mais algum tempo.

A nossa missão era manter a segurança aos trabalhos da estrada Có - Pelundo, mais tarde fomos instalados no Pelundo, definitivamente, primeiro nuns barracões no centro do Pelundo, depois no antigo quartel. Frente a nós ficou a CCS no quartel novo, o quartel velho foi todo remodelado por nós, ai estivemos até ao fim da comissão em Janeiro de 1971.

Foto de António Gomes de Oliveira - 1970 
Com a devida vénia a Imagem Digital

Navio Uíge - Com a devida vénia a Navios Mercantes Portugueses

Embarquei de regresso à metrópole, em 25/02/71, no navio Uíge, desembarquei em Lisboa em 03/03/71.

Depois do espólio feito, fiquei livre, com a minha missão cumprida!

Graças a Deus, ainda me encontro vivo para poder contar a minha história, o que já não acontece a muitos camaradas, do quais tenho muitas saudades e por quem peço a Deus sempre que posso.

É um enorme prazer fazer parte desta família, irmãos de armas e é sempre com muita alegria que nos encontramos todos em Maio no convívio do Batalhão 2884.

Até sempre, um abraço a todos.
António Campos
Soldado NM 16388768


2. Comentário de CV:

Caro camarada António Campos, bem-vindo à Tabanca Grande.

Foste apadrinhado pelo nosso camarada/tertuliano José Firmino do teu Batalhão, a que pertence, se não estou errado, o meu colega de trabalho Américo Pinto da Costa, que durante muitos anos organizou os convívios da malta da Companhia dele, se não mesmo do vosso Batalhão.

Não pondo de parte a prestimosa colaboração do camarada Firmino, podes (e deves) contactar directamente o Blogue utilizando o seu endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com assim como o de um dos co-editores, eu e/ou o Eduardo Magalhães Ribeiro.

Se tiveres algumas memórias do teu tempo de Guiné, escreve-as, junta algumas das tuas fotos e manda para nós, para as veres publicadas, logo partilhadas com os teus camaradas de outros TOs, outras Unidades e outros tempos. A experiência contada de cada um de nós é uma peça que fará parte de uma memória futura colectiva de ex-combatentes, neste caso daquela pequena ex-Província Ultramarina, hoje país soberano e independente.

Se tiveres alguma dúvida "operacional" ou sobre os princípios em que se rege o nosso Blogue, não hesites em nos contactar solicitando os esclarecimentos que achares necessários.

A terminar a tua apresentação deixo-te um abraço em nome da tertúlia.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10556: Tabanca Grande (366): Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2366 e ex-Cap Mil Grad, CMDT da CCAÇ 2381 - "Os Maiorais" (Guiné, 1968/70)

Guiné 63/74 - P10603: Blogues da nossa blogosfera (57): Amante da Rosa, de Carla Amante, calou-se de vez, mas continua em linha, oferecendo-nos histórias deliciosas como a do primo Constant que foi morrer a Bissau, vomitando coisa preta depois de ter comido coisa branca...



Imagem do  último poste do blogue Amante da Rosa, criado e animado pela Carla Amante da Rosa, filha do nosso grã-tabanqueiro Manuel Amante. Por razões pessoais, familiares e profissionais, a Carla interrompeu aqui, em 21/9/2009, o seu blogue, criado em 2006. Pessoalmente, gosto de lá ir,  de vez em quando, para "surripiar" um ou outra pequena pérola literária sobre Cabo Verde e a Guiné (, terra natal da Carla). Como, por exemplo, este poste que tomo a liberdade de reproduzir de seguida, com a devida vénia.


29.5.06 > "O Primo Constant" e outras recordações da Guiné

"O primo Constant morreu com os pés de fora da cama, de tão grande que foi. Vomitou, em soluços negros, o fígado liquefeito de alguma maleita misteriosa que ninguém da família soube pôr o nome mas que o jovem médico da tropa portuguesa chamou solenemente, ao fim de uma pequena indagação à sua vida passada, de “resquícios da acção do quinino num fígado combalido pelo consumo exacerbado de álcool”.


Mas, para o avô Lindorff, o primo querido não poderia ter morrido do “diagnóstico disparatento desse doutorzinho de merda” e acabou que oficialmente e para os anais da família a razão do seu falecimento se deveu a mandioca crua que tinha ingerido horas antes de começar a bolsar uma gosma negra, qual criança acabada de mamar Quando depois de meia hora e quatro águas gaseificadas percebeu que o refluxo apenas piorava, meteu-se na station e descondongou de Bafatá até Bissau, onde chegou ao anoitecer, com cor de sobra de baguitch bem pangado, pronto para se acabar de desfazer em suor e postas de sangue coagulado, tão perfeitinhas, que mais parecia que paria sanguessugas pela boca. Acabou-se no catre do Hospital Central, tão fino e mirrado que somente os pés desalmados fora da cama, testemunharam o que era seu a seu dono.

Em mil novecentos e setenta e oito, quando a avó Luzia me contou a “estória” da morte pela mandioca, na cozinha da casa de Bissau, tentando evitar que eu abarbatasse bocadinhos do tubérculo assassino, com a lucidez dos meus sete anos, perguntei-lhe como podia ele, que comeu coisa branca, morrer vomitando coisa preta. Ela acabou por concluir em voz alta, reflectindo se calhar pela primeira vez no assunto, que o fígado do primo depois de viver anos alagado em bebida, ressecara como uma pedra que estala ao sol quente do meio-dia, iniciando daí uma viagem ao mundo exterior, para ver se cá fora, ainda se poderia afogar em vinho de palma.

E a mandioca, perguntei de boca cheia, e a mandioca… e a mandioca… respondeu, e sem concluir a frase, enxotou-me para o quintal, onde ainda levei a boca, um último pedaço criminoso.
Mas agora, escrevendo sobre o assunto, ocorre-me que o vinho palma também é branco, enfim, loucuras da minha gente!".

Escrevi este texto em Março de 2004 e somente há tempos tive oportunidade de o dar a conhecer à minha avó Luzia que não perdoou o facto de eu não me ter esquecido da cena da cozinha... Se ela soubesse como as recordações que tenho da minha infância na Guiné me são queridas… Ainda me lembro da sensação de adormecer na carpete da nossa incrível sala de visitas, pintada a quatro cores, onde imperava a enorme estante de mogno cheia de readers digest dos anos 40 e 50 e de bibelots de ocasião, comprados ou nas visitas a Lisboa ou nos Armazéns do Povo. 
Num canto, entre a segunda janela e o cesto de revistas brasileiras, ficava a pata de elefante oca que eu, às escondidas, me divertia a calçar. Penduradas nas paredes, as cabeças de gazela empalhadas que o tio Carlos tinha mandado de Angola, muito tristes e carunchosas, com os seus olhos de contas de vidrinho e que ainda assim, velavam o meu sono nas horas quentes da sesta… 

Também não me esqueço dos sofás, de napa vermelha, muito ao estilo anos 50 e da ventoinha do tecto que era ligada quando havia visitas importantes. Vês avó? Se não me lembrar desses detalhes, então não serei eu…


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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10429: Blogues da nossa blogosfera (56): Novas da Guiné-Bissau