sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10959: Tabanca Grande (382): Cândido Luís Carvalho Morais, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679 (Guiné, 1970/71)

1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2013, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis [foto à direita] (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), falava-nos assim do nosso camarada e novo tertuliano Cândido Luís Carvalho de Morais (ex-Fur Mil, também da CCAÇ 2679), aquando do envio de um texto*, deste último, para publicação no nosso Blogue:

Viva Carlos,
Hoje reservo-te uma surpresa.
Envio-te um texto da lavra do Cândido Morais, um camarada e amigo desde que nos conhecemos na Madeira.
O Morais [foto à civil à esquerda], que é voyeur do blogue, foi convencido a descrever pelo menos esta e outra situação, mas é um repositório de estórias com muito para contar.
É um tipo brilhante, de muito fácil contacto, linha direita, generoso e afectivo. Mas, se for preciso, também é teso. Prima pela inteligência e simplicidade, pelo que declaro com grande orgulho a nossa amizade.
Foi director de uma empresa de construção naval, mantém o culto do desporto, agora com particular atenção para o Kayak Clube de Perre, a sua terra, e já me ajudou em dois passeios para o meu grupo de montanhismo.

Assim, se não te importas, vou enviar-te sucessivamente, umas trocas de impressões prévias, e depois o texto e fotografias. Ele não pede ainda a aceitação na Tabanca Grande, mas cumpre a obrigação antecipadamente, isto é, conta-nos uma estória, e depois é que pede licença. E, já agora, se for preciso um fiador, conta comigo, que este é dos poucos por quem ponho as mãos.

Um grande abraço
JMMD


2. E ainda numa outra mensagem do dia 14, o José Dinis dizia-nos:

Viva Carlos, boa noite,
De facto enviei-te dois textos: um, o principal, da autoria do Cândido Luís Carvalho de Morais [foto à direita], residente em Perre, Viana do Castelo, que foi Fur Mil da mesma CCaç 2679, mas do 1.º Pelotão.
Pelas linhas dos textos anteriores deixei algumas impressões sobre ele, e adianto, se tivéssemos que eleger o melhor dos furriéis da Companhia, ele, muito provavelmente, seria o eleito. Foi ele que algumas vezes, e durante as minhas ausências, era incumbido do 2.º Pelotão.
Em geral, os pelotões aceitavam com grande à-vontade essas rotações, pois entre os milicianos havia o sentido da camaradagem, mas o Cândido tinha uma peculiar forma de relacionamento, que não prescindia da autoridade, mas era sempre transmitida com grande delicadeza.

Não estou a exagerar, estou a dar a minha avaliação, e não menosprezo os restantes furriéis, que também, e tão bem, contribuíram para que a Companhia não se desestruturasse e mantivesse um bom nível operacional e de relacionamento com a população.

Se pretenderes mais alguma coisa, faz o favor de mandar vir.
Um grande abraço
JD


Nesta foto, o autor da pintura Zé Tito Martins e o retratado Cândido Morais

Nesta foto a cópia e o original

Por ordem de grandeza: Dinis, Tito, Morais e Marino. A oportunidade está na bola, ou luz, ou mancha avermelhada, que deve representar um sinal transcendental, de que os meninos eram jovens, espertos, e divertidos, pelo que teriam ainda longas vidas para puxar pelo tutano.
Foto e legenda de JMMD


3. Comentário de CV:

Caro camarada Cândido Morais, o teu "padrinho" fala de ti de uma maneira que te deve provocar algum rubor. Tens aqui um amigo a valer que acreditamos não está a exagerar.

Julgo que irás partilhar com o Zé Dinis a série da História da CCAÇ 2679, o que será inédito no Blogue. Tens campo aberto para trabalhar, até porque as tuas histórias serão na maioria passadas contigo no teu 1.º Pelotão.

Temos cá um texto que sairá talvez segunda-feira pelo que podes começar a pensar já no próximo.

Resta-me enviar-te o abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

O teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 15 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10947: História da CCAÇ 2679 (59): Grande farra no Funchal (José Manuel Matos Dinis / Cândido Morais)

Vd. último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia

Guiné 63/74 - P10958: O cruzeiro das nossas vidas (20): Viagens de avião de ida para a Guiné, e volta, patrocinadas pelo Estado Português (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 11 de Janeiro de 2013:

Tal como solicitado e por vontade própria vou tentar contar as minhas viagens de avião para a Guiné "patrocinadas" pelo Estado Português em 1972 e logo no dia 19 de Junho desse mesmo ano em que fazia o meu vigésimo segundo aniversário. Vou ainda tentar usar um pouco de ironia para aligeirar a "aventura".

Inicialmente a minha companhia estava destinada a embarcar para a Guiné no dia 24 de Junho de 1972, que era dia de S . João no Porto, mas por "tralhas ou malhas" o embarque foi antecipado para o dia 19. Eu ainda hoje penso que foi por minha causa, pois que os nossos chefes da altura devem ter reparado na data do meu aniversário e resolveram me presentear com uma "Viagem" de Avião. Como na altura estava em moda o "Destino" Guiné-Bissau, eles, pimba... é mesmo para aí que vais Henrique. Vais num avião da Boeing, o 707 dos TAMs (Transportes Aéreos Militares).

Claro que quando soube do presente até comentei com a família :
- Ainda bem que vou de avião, porque de barco não podia ser, visto que enjoo no mar. Se tivesse que viajar de barco, ainda por cima em dia de aniversário, de certeza que me recusava e acabava por não ir á Guiné. Mas os nossos Governantes sabiam mesmo como nos convencer (ainda hoje sabem). Daí juntaram o útil ao "agradável" e lá me enfiaram no avião e para não me aborrecer, mandaram o resto da companhia comigo.

Então, no dia 19 de Junho pela fresquinha e depois do pequeno almoço, a Companhia formou em parada no RI 16 de Évora. Estavam lá todos os senhores importantes civis e militares, deram umas palavrinhas de circunstância (mau grado que se esqueceram de me dar os parabéns e ainda hoje tenho um trauma quando me cantam os "parabéns a você" que até já pensei pedir uma pensão vitalícia por "Trauma prá Guerra".

Tenham paciência, foi uma desconsideração, depois de tanto trabalho que tiveram a mudar datas por minha causa... mas enfim nem tudo pode ser prefeito. Mas como ia a dizer, depois da parada, a malta foi em viaturas do Estado (Mercedes, Berliet e outras), eu lá me desenfiei e fui com um amigo Alferes, mais a sua mulher, e também a minha Ni, no seu carrinho civil já que ele era de Lisboa. Grande Camarada o Alferes Coelho de qume nunca mais soube nada.

Resta dizer que a Ni foi comigo ao aeroporto porque eu tinha recebido o primeiro pré de Furriel dias antes, e vai daí telefonei para ela vir passar o fim de semana comigo, porque ela ainda não sabia que eu embarcaria no dia 19 e não a 24, como estava previsto. Foi só durante o almoço no dia 18, um domingo, e junto de mais alguns camaradas que ela ficou a saber que seria no dia seguinte a minha partida para a Guiné. Por isso acabou por ir até Lisboa e só até ao portão do aeroporto onde se despediu de mim.

Diga-se de passagem que a viagem de avião para a Guiné, em termos de despedidas, até foi bastante benéfico, pois assim se evitaram aqueles momentos de sofrimento com lenços a acenar, gritos de dor dos familiares e aquele lento zarpar que, quanto a mim, quem os viveu deve ter sido de muita dor e angústia. 

Então lá entramos no avião e aquilo era novidade para todos. Havia um misto de prazer e "cagaço" medo... misturado com a ânsia do desconhecido. O avião levantou voo e logo que foi possível desapertar os cintos vieram uns "rapazes" bem fardados com uns cestinhos de rebuçados de fruta e, de lugar em lugar, foram distribuindo um (sim só UM) rebuçado de fruta que era para a malta não enjoar. Eu claro que não enjoava pois que até poderiam me mandar para trás (fundo do avião) e isso eu não queria, é preciso não esquecer que fazia anos, não é?

Entretanto pelo caminho o avião fez uma paragem na ilha do Sal em Cabo Verde, mas a malta nem saiu do avião. Diziam eles (os chefes) que era para não nos perdermos e que a paragem foi só para os pilotos fazerem um chichi. Lá retomamos a viajem (ainda pensei: lá vamos comer mais um rebuçadinho, mas não, já não havia o perigo de enjoar).

Chegamos ao nosso destino ao fim dumas três horitas de viagem. Sobrevoamos a Guiné com a malta a espreitar pelas janelitas para admirar aquele emaranhado de rios e riachos que em boa verdade era mesmo lindo visto de cima.

Guiné-Bissau > Maio de 2007 > Vista aérea de braços de rio
Foto e legenda: © Fernando Inácio (2007). Direitos reservados.

O avião aterrou e aí é que foram elas... É que os nossos chefes não sabiam nada sobre o ambiente da Guiné e do seu clima na altura. Como eram bons chefes, exigiram que desembarcássemos com a farda n.º 2, com blusão e tudo. Claro, como éramos muito obedientes (que remédio), começamos a descer as escadas do avião e passados uns breves momentos a malta começou a cair no chão como "tordos" afogueados de calor.

O que valeu é que estavam lá uns "chefes" tipo comitiva de receção que mandou a malta despir imediatamente os blusões e arregaçar as mangas da camisa . Ainda ouvi um dizer entre dentes :
- Estes chefes piriquitos são mesmo burrinhos, querem matar a malta antes mesmo de irem à bolanha.

Bom (mal), mais uma vez nos meteram nos Mercedes e Berliets e ala, que se faz tarde, até ao Cumeré.

Ainda pensei que pelo nome era onde se "comia bem " e, como ainda estava em aniversário, vinha bem a calhar. Mas não, nada disso.

Em Julho de 1974, data do regresso.
O percurso e transporte até ao aeroporto de Bissalanca foi idêntico ao da chegada, só que... um... qual idêntico qual quê?

Para abreviar: não éramos mais piriquitos, não éramos mais os mesmos jovens da chegada... não...
Éramos muito mais maduros, sei lá... mais sofridos... hã... já passou.
Entramos no avião, não havia medo nem novidade, não havia rebuçados e os pilotos não parraam para mijar em Cabo Verde, e ao fim de duas horas mais ao menos, estávamos a entrar no Ralis em Lisboa para a desmobilização final e virar as costas "ÁQUILO".

Ainda me admirei um pouco com a "bandalheira" da tropa na altura, mas depressa o calor humano e o carinho dos meus familiares me envolveram de tal modo que tudo foi passando para trás.
Bem, tudo não. Ainda hoje não perdoo de, na parada em Évora, não me terem cantado os parabéns a você. Mas também como paga eu jamais passei cartão à tropa.

Um abraço a todos os Tertulianos Camaradas da Guiné
Henrique Cerqueira
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10949: O cruzeiro das nossas vidas (19): A minha viagem de avião da Guiné para o Porto, com escala em Lisboa (Maria Dulcinea)

Guiné 63/74 - P10957: Agenda cultural (249): No passado dia 15 de Janeiro, foi apresentado o livro Golpe de Mão's, de autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira, na Livraria Municipal Verney, em Oeiras (Miguel Pessoa)

1. A propósito da apresentação, no passado dia 15 de Janeiro, na Livraria Municipal Verney, em Oeiras, do livro "Golpes de Mão's", de autoria do nosso camarada José Eduardo Reis Oliveira, o outro nosso camarada Miguel Pessoa enviou-nos o seu trabalho de reportagem, efectuada aquando do acontecimento.

Os nossos parabéns ao José Eduardo (o nosso JERO) e o agradecimento ao sempre oportuno Miguel Pessoa.

OBS: - Esta reportagem pode (e deve) também ser lida no site da Tabanca do Centro que brevemente vai comemorar o seu 3.º aniversário.


____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10944: Agenda cultural (248): Abertura ao público do Arquivo Amílcar Cabral e realização do seminário "Amílcar Cabral: um projeto interrompido", Lisboa, Fundação Mário Soares, 2ª feira, dia 21

Guiné 63/74 - P10956: Notas de leitura (450): Guiné-Bissau: A Destruição de um País, por Julião Soares da Silva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2012:  

Queridos amigos,
O historiador guineense Julião Soares Sousa, Prémio Fundação Calouste Gulbenkian concedido ao seu trabalho sobre a vida e a obra de Amílcar Cabral, vem agora a terreiro com um diagnóstico das instituições da Guiné-Bissau, desde 1974 ao presente.

Rememora os diferentes ciclos políticos, as suas tensões e rupturas, até chegar a um manifesto, elencado iniciativas, susceptível de tirar a Guiné-Bissau da situação anticonstitucional em que se encontra, mercê de uma solução nacional que será a única solução para se obter a confiança e a harmonia entre todos os guineenses, que aspiram à paz e ao desenvolvimento.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: A destruição de um país

Beja Santos

“Guiné-Bissau: A destruição de um país” é o livro mais recente do historiador Julião Soares Sousa (edição de autor, Coimbra, 2012, email do autor juliaosousa@hotmail.com).

Trata-se de um contributo, como um apelo em matérias de interesse nacional, contra o subdesenvolvimento, a corrupção e toda a espécie de imoralidades que pautam a vida política, económica e social da Guiné-Bissau, adianta o autor. Tudo o que ele pretende é intervir construtivamente, diagnosticando as causas da crise e propondo linhas de rumo que permitam à Guiné-Bissau ir resolvendo os seus problemas mediante uma solução nacional que possivelmente a presente crise irá abrir as portas.

Na sua visão, a história da Guiné-Bissau entre 1974 e o presente, tem várias repúblicas e períodos de transição. Começando na I República, o historiador refere que a independência formal não foi pacífica com a instalação e o controlo do país por parte do PAIGC, numa lógica de partido/Estado e de um modelo de desenvolvimento estatizado. Houve logo uma caça aos inimigos internos e aos inimigos da revolução, concretamente os ex-comandos africanos, os régulos, membros de antigos movimentos nacionalistas e opositores declarados. O PAIGC foi confrontado com a fracassada tentativa de politização das massas urbanas, o partido isolou-se e entregou a administração do país à burocracia do país, totalmente impreparada, era abissal a distância entre a organização dos territórios libertados e o novo país. As perseguições davam ilusão de que o partido/Estado possuía as rédeas do poder. Fuzilaram-se ex-comandos; entre 1974 e 1980 mais de meio milhar de guineenses pereceu nas mãos da polícia política. O autor esclarece: “Foi na diáspora que alguns filhos da Guiné se (re)organizaram no sentido de combaterem o regime de partido único. Assim, em 1976, foi fundada (no exílio de Lisboa) a Organização Anticolonialista da Guiné-Bissau (OANG), por Viriato Pã, entre muitos outros quadros guineenses. Rapidamente, a OANG criou células clandestinas em Bissau, na região de Oio e em Farim, tarefa para a qual contou com o trabalho incansável de António Mendes Fernandes, Zinha Vaz, entre outros. Podemos mesmo afirmar que, em pouco tempo, a OANG penetrou na estrutura da sociedade guineense que quase minou o edifício em que assentava o poder despótico do monopartidarismo no pós-independência, se não fosse a sanha implacável da segurança do Estado e a prisão de grande parte dos elementos que constituíam a sua célula clandestina na Guiné, em meados de 1977”.

A I República (1975-1980) falhou no domínio económico, sobretudo não conseguiu adequar os incentivos à agricultura, não houve qualquer conversão desta bem como falhou a tentativa de instalação de unidades industriais ligadas ao sector primário. Ocorreu uma subida de custos devido à monopolização das importações e das exportações, os camponeses abandonaram os campos e avançaram para os grandes centros urbanos. Caiu de forma alarmante a produção agrícola sobretudo em 1979 e 1980. Falharam as prometidas reformas, caso do complexo Agro-Industrial do Cumeré, da fábrica de compotas de Bolama, entre outras. Mesmo com este caudal de desaires, observa o autor, é inegável que havia uma visão estratégica de desenvolvimento, apenas comparável aos governos de Carlos Gomes Júnior. O falhanço de muito projetos durante a administração de Luís Cabral deve-se, adianta o autor, à incúria, falta de profissionalismo e de patriotismo de alguns funcionários estatais e dirigentes políticos nacionais: “Ainda hoje passamos um atestado de incompetência a nós mesmos por sermos incapazes de criar e de manter uma fábrica de transformação do bauxite em alumínio destinado à exportação, como pretendia Luís Cabral, preferindo alienar a exploração a outros países e a empresas estrangeiras, sem um estudo sério do impacte ambiental”. Repertoria o conjunto de pequenas e médias unidades industriais que se pretenderam implantar durante a I República. Tratou-se de uma euforia estatizante mas onde também havia a lógica de transformar no país muitos dos recursos locais. O regime apostara no processo de industrialização em sintonia com a eletrificação dos principais centros urbanos, a criação de hospitais e não se pode negar que houve um grande esforço feito no domínio da educação. A par da ajuda externa, o Estado foi-se endividando devido às inúmeras despesas com as importações de bens de consumo. Até ao golpe de Estado de 1980, assistiu-se a um aumento da inflação para níveis incontroláveis, deu-se a centralização e a concentração do poder nas mãos de uma elite tendencialmente mais isolada e afastada da base sociológica de apoio.

O golpe de 14 de Novembro assentou neste profundo descontentamento, na tensão interna dentro do PAIGC devido a um projeto de revisão constitucional que na lógica dos golpistas acarretaria à absoluta personalização do poder e a marginalização dos guineenses no aparelho de Estado. Entrou-se na II República (1980-1994). Nino Vieira e o seu regime, desde muito cedo lançaram mão a falsos golpes de Estado, perseguições e sequestro de militantes e dirigentes de movimentos rivais. Houve assassinatos, como o que vitimou o líder da FGUIRIN, Aladje Baldé, nos anos 80 e os de Paulo Correia e Viriato Pã, e de muitos outros cidadãos nacionais. Os planos em vários sectores iniciados na I República foram postos em causa, ridicularizados e mesmo abandonados pelas novas autoridades. Caíram por terra projetos como a produção de mel e cera no Gabu, a fábrica de cerâmica de Bafatá, a fábrica de fundição e oficinas metalo-mecânicas, entre tantos projetos. Quanto aos projetos que o novo regime elaborou nunca foi capaz de os executar, muito do financiamento evaporou-se no mar de corrupção. A seguir houve que abraçar o Programa de Ajustamento Estrutural, era visto como a única saída possível para a resolução da crise económica e social.

Em simultâneo com a descrença total nas capacidades do Estado em fazer face à crise, emergiram novas revoltas que vieram acentuar a fragilidade do Estado. Constituiu-se a Frente Unida para a Libertação da Guiné (FULGUIBI), organização fundada em Lisboa e liderada por Bailo Djau. No Senegal, para além da FLING, a oposição contava com a FGUIRIN, liderado por Aladje Baldé, assassinado em 1982. Evocando tentativas de golpe, Nino chegou a convocar um congresso extraordinário, em 1981, com o objetivo de concentrar o poder. E na Constituição de 1984, Nino passou a acumular a chefia do PAIGC como secretário-geral, a do governo (depois de extinguir o cargo e de afastar Vítor Saúde Maria, acusado de estar planear um golpe de Estado). Segue-se o “caso 17 de Outubro”, de 1985 que irá culminar na prisão de 63 oficiais e civis, teremos mais fuzilamentos. O Estado ia sendo progressivamente confiscado, crescia o clientelismo, e Nino que se dizia avesso ao neoliberalismo veio a converter-se formalmente à democracia e ao multipartidarismo. Emigrados em Portugal fundaram a Resistência da Guiné-Bissau/Movimento Bafatá, uma peça importante para a abertura política que se iria consumar nos primeiros anos da década de 90. Não parou de crescer a degradação do nível de vida, foram aparecendo os partidos políticos enquanto descia a produção do arroz e se promovia a monocultura do amendoim que mais tarde dará lugar à monocultura do caju. E o autor observa: “O golpe de Estado de 1980 foi também um golpe contra o processo de industrialização em curso. Para isso concorreram o desprezo voltado ao plano industrial, a falta de divisas para a compra de equipamentos, a falta de quadros especializados e a ausência de uma rede energética para consumo das unidades industriais. E assim se caminha a passos largos para um tumultuoso conflito, aquele que eclodiu em Junho de 1998, a rebelião capitaneada por Ansumane Mané".

(Continua)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10938: Notas de leitura (449): Palavras de um Defunto... Antes de o Ser, por Mário Tito, o nosso camarada Mário Serra de Oliveira (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10955: Facebook...ando (20): Joaquim Ruivo , ex-1.º cabo mec obus 8.8, BAC 1 (Santa Luzia, Bissau, out 61/ fev 64): imagens de Bissau... antes da guerra


No RAL3 com o meu amigo Domingos Samúdio, no dia do embarque dele para a Índia. (Foi dos que foi feito prisioneiro, quando da invasão pelas tropas da União Indiana). [Possivelmente foi no 1º contingente militar a bordo do Nisssa, do dia 8 de março de 1961]

Pessoal europeu da BAC [, da esquerda para a direita] sargento Dores,  de Elvas, sargento mecânico Pereira,  de Portalegre, que segundo tive conhecimento teve uma morte muito trágica, em Cabinda, 1º cabo Carneiro,  de Elvas e eu Joaquim Ruivo,  de Brotas.



Porto de Bissau em 1962


Os cowboys americanos dos 'rodeos'  têm muito que aprender com esta  vaqueira manjaca!  [, Postal ilustrado da época, vendido como "recuerdo" turístico...]


Ainda cá não se usava minissaia, já estas faziam "topless" [, Postal ilustrado da época, vendido como "recuerdo" turístico...]



Peça de artesanato feita por um artesão da Guiné


Avenida principal de Bissau. ao fundo vê-se o Monumento ao Esforço da Raça


Bissau: monumento existente dentro da fortaleza da Amura


Bissau: desfile militar [, ao fundo a Praça do Império e o Palácio do Governador]


Bissau: praça do Império e palácio do Governador.


Bissau: Palácio do Governador e fanfarra

Fotos (e legendas): © Joaquim Ruivo (2013). Todos os direitos reservados


1. O nosso camarada Joaquim Ruivo, natural de Brotas, Évora, nascido em 1939, e vivendo em Vendas Novas, tem uma  página no Facebook. É um dos  mais recentes membros da nossa Tabanca Grande (*). É também um dos nossos camaradas mais veteranos. Foi 1º cabo mecânico de obus 8.8.

Através de uma seleção das suas fotos do seu álbum, fizemos  uma reconstituição do seu percurso na Guiné, desde a sua viagem em outubro de 1961 (passando pelo Mindelo, São Vicente), até à sua colocação na BAC 1 (Bateria de Artilharia de Campanha 1), em Santa Luzia, com passagem por Mansoa e Catió (nas vésperas da Op Tridente), e finalmente o regresso a casa, em fevereiro de 64 (*).

Hoje apresentamos mais algumas fotos que ele inseriu na página do Facebook da Tabanca Grande, com as respetivas legendas.(**) São fotos de 1961/62, ainda antes da guerra, que vai começar, segundo a nossa historiografia e a do PAIGC, em 23 de janeiro de 1963, com o ataque a Tite.

São imagens, ainda idílicas, de uma Bissau pachorrenta e exóticas, aos olhos dos primeiros militares, de farda amarela, que vão chegando da metrópole, para preparar a guerra que aí vem (ou já insidiosamente a decorrer...). . Seria interessante que o Joaquim Ruivo nos dissesse quando teve a noção de que já se estava em guerra...  É uma controvérsia que já tem anos, aqui nosso blogue (vd,, por exemplo, poste P3503).
____________

Notas do editor:

Guiné 63/74 - P10954: Parabéns a você (523): Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66)

____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10932: Parabéns a você (522): Maria Ivone Reis, ex-Cap Enf.ª Paraquedista

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10953: Convívios (489): Moledo, Lourinhã, 20 do corrente, festa de São Sebastião (Grupo de Veteranos de Guerra da Freguesia do Moledo)




1. Mensagem, de 12 do corrente, do ten cor J. J, Costa Pereira, presidente da direção do Núcleo de Combatentes de Torres Vedras,

Caros amigos Combatentes,

A solicitação da comissão de Veteranos do Moledo da Lourinhã,  venho divulgar a acção que vão realizar no próximo dia 20 de Janeiro.

Saudações associativas,

Costa Pereira
TC

2. Festa em honra do mártir São Sebastião, a realizar na freguesia do Moledo, concelho da Lourinhã, no dia 20 de janeiro de 2013, organizada pelo Grupo de Veteranos de Guerra  da Freguesia do Moledo (GVGFM)




Lourinhã > Modelo > Vista parcial do Monumento aos Combatentes do Ultramar, inaugurado em 2005. (Foto: Luis Graça, 2012)


Programa

8h00 - Içar da bandeira no Monumento aos Combatentes do Ultramar

9h15 -  Concentração junto à Igreja do Divino Espírito Santo do Moledo

10h15 - Missa em homenagem ao Mártir São Sebastião e por alma dos combatentes falecidos no ultramar

11h15 - Procissão e romagem ao  Monumento aos Combatentes do Ultramar, deposição de coroa de flores e chamadas aos mortos em combate do concelho e dos combatentes falecidos  da freguesia do Moledo

13h30 - Almoço de confraternização dos combatentes, familiares e população da freguesia

19h00 - Arrear das bandeiras


O almoço será confecionado,  com a colaboração dos combatentes,  pela Associação Recreio, Cultura e Desporto do Moledo e servida no respetivo salão de festas. Inscrições até ao dia 17 do corrente. 

Contactos: 
email do GVGFM - Grupo de Veteranos de Guerra da Freguesia do Moledo:
grupo.v.g.f.moledo@sapo.pt
telemóvel: 910 873 598 (das 15h00 às 21h00).

As marcações podem ainda ser feitas no local, pessoalmente,  na Associação Recreio, Cultura e Desporto do Moledo. 

Preço: 8 tiros (para maiores de 15 anos); 5 tiros (para os menores de 15).

Combatente, vem e traz os teus amigos! 

GVGFM
_____________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P10952: Humor de caserna (28): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (1): Cansada de guerra

1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos este pensamento voador, tão profundo, que tem que fazer parte da nossa série Humor de Caserna:





Vão por certo dizer que o Cifra, hoje, perdeu todo o seu juízo, está descarado, um autêntico desavergonhado, quase parecido com a menina Teresa, mas na nossa idade também temos que ter alguns momentos de boa disposição, e os leitores, ou leitoras, que vivem no mundo onde se fala inglês, vão pôr as mãos na cabeça e dizer:
- What the hell is these?

Onde se fala francês, vão fazer o mesmo gesto e dizer:
- Qu’est-ce que sont ces?

Onde se fala germânico, também farão o mesmo gesto, mas friamente dizem:
- Was zum teufel ist diese?

Onde se fala espanhol, também vão fazer um gesto parecido, e entre dois ou três “zzz”, dizem:
- Qué demonios es esto?

Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a comer, e dizem:


Perceberam? Não. Deixem lá pois o Cifra também não percebeu.

Nós os portugueses, encolhemos os ombros, e simplesmente dizemos:
- Que diabo é isto? Ou mesmo, este gajo está passado, “cá tem cabeça”?

Mas não, é o seu coração generoso que o obriga a escrever assim e podem reparar que não usa quase nenhuma palavra reles, ou rude, como usava o Curvas, alto e refilão, e pede que as digníssimas senhoras, queridas leitoras e visitantes do blogue do “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, ao Luís Graça, ao Carlos Vinhal, assim como os seus restantes editores, depois de lerem, o compreendam, e jura que não volta a fazer isto outra vez, a não ser que lhe peçam, mas tem que dizer o que lhe vai na alma, pois trata-se uma combatente “CANSADA DE GUERRA”. Os amigos, antigos combatentes, habituados a lutar e a verem corpos sofredores, nas bolanhas e savanas da Guiné, não lhes faz muita diferença, alguns até vão por certo rir-se baixinho, entre outras coisas.

O Cifra andou sempre a falar de guerra, e como era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, e está farto de repetir estas palavras, mas tem que as dizer, pois eram verdade, e agora o seus olhos, depois de verem este desenho, ficou cheio de ternura, o seu coração quase que não aguentava, pois esta pobre combatente, de uma guerra, que o Cifra não sabe bem onde, perdeu tudo, pois o Cifra soube mais tarde que sempre viveu perdida na guerra, mas nunca perdeu a coragem, pois no meio da desgraça, ainda arranjou forças para guardar a sua G-3, algumas pistolas, uma granada ou duas, algumas balas avulso, tudo com a intenção de vender no mercado negro, e que com toda a certeza a vai ajudar a comprar alguma roupa, e começar uma vida em família com alguma paz.

A coragem e a força de viver, são as últimas coisas a morrer, e ela, sozinha, com parte da roupa já rota, amargurada com a sorte que o destino lhe reservou, com uma mão a encobrir o seu cabelo rapado de um lado, pelo raspão de uma granada de morteiro, que felizmente não a atingiu, usando uma luva de rede para se proteger dos mosquitos horríveis que havia naquelas bolanhas, que atormentava alguns militares, e até mesmo os guerrilheiros que por lá andavam a lutar uns contra os outros, e se queriam meter em tudo o que era o seu frágil e desamparado corpo.

O Cifra, quando escrevia estas singelas palavras, em sua homenagem, os seus dedos tremiam de emoção, e sempre que deparava com o desenho, ao vê-la ali sentada, talvez num qualquer cemitério abandonado, ficava assim a modos, com vontade de a abraçar, para a proteger, dar-lhe algum carinho, até dar-lhe um casaco de camuflado, já roto e coçado, com alguns buracos, do Curvas, alto e refilão, ou uma camisa, nem que fosse uma daquelas camisas da farda amarela, também já rotas e coçadas que usava lá na Guiné, o coração do Cifra era só bondade, queria cobri-la, passe o termo, do frio e livrá-la das pessoas que fazem a guerra e colocam outras pessoas, como esta pobre combatente, a viver neste mundo, às vezes injusto e selvagem, sem “eira nem beira”, desesperada, carente de tudo!

E depois, vêm dizer que a natureza é justa.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10185: Humor de caserna (27): Recepção aos piras do BCAÇ 2927 em Bissorã, em fins de outubro de 1970 (Armando Pires)

Guiné 63/74 - P10951: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (6): A Cilinha em Bambadinca, talvez em finais de 68 ou meados de 69



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Uma foto, algo invulgar,  que me deixou agradavelmente surpreendido, recolhida  do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, especialidade essa que ele nunca exerceu (na prática, foi o homem dos reabastecimentos do batalhão: tudo o que chegava a Bambadinca, por terra, ar ou rio, e que não se  destinasse à Intendência, passava pelas mãos do Lopes, ou mesmo era dizer, era do pelouro do Lopes).

1. Na foto vê-se, acima das cabeças de um grupo de militares, a célebre Cilinha, a Cecília Supico Pinto (1921-2011), histórica fundadora e líder do Movimento Nacional Feminino (MNF), em visita ao setor L1, Bambadinca.  Ainda não descobriu em que data é que isso foi, mas  só pode ter sido no final do segundo semestre de 1968 ou no primeiro semestre de 1969. Quando estive em Bambadinca, com a minha companhia, em intervenção ao setor L1, de julho de 69 a março de 71, nunca dei conta da visita de nenhuma dirigente, metropolitana ou local, do MFN. Por sua vez, o comando e a CCS do BCAÇ 2852 foram para Bambadinca em finais de setembro de 1968, depois de dois meses en Brá. O BCAÇ 2852 foi substituir o BART 1904.

Telefonei ao camarada Lopes (, estivemos juntos em Bambadinca, de julho de 1969 a maio de 1970, ), e ele já não pode precisar em que data é que foi tirada a fotografia. Pessoalmente inclino-me mais para a hipótese de ter sido na época seca, ou seja, nos primeiros meses de 1969. Não estou a ver a senhora a andar na Guné na época das chuvas...

No lado esquerdo, vê-se um militar com os galões de major. O Lopes acha que era o major de operações Viriato Amílcar Pires da Silva que será substituído, em setembro de 1969, pelo célebre "major elétrico", o António Augusto Cunha Ribeiro.

Peço aos camaradas de então que me completem ou corrijam a legenda. 

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editada e legendada por L.G.)

2. Comentário de L.G.:

Pela consulta do livro de Sílvia Espirito Santo (Cecília Supico Pinto: o rosto do Movimento Nacinonal Feminino. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008, p. 117), pode concluir-se que  a Cilinha esteve na Guiné em 1969, e nomeadamente em Maio:

"O tempo, o treino e o reconhecimento transformaram-na num soldado - o soldado Pinto. Teve direito a um camuflado, a uma arma e, dada 'a relevância dos actos de bravura em combate', em Bula, ma unidade do brigadeiro Henrique Calado, foi promovida de soldado Pinto a primeiro-cabo Pinto.

"Apesar de ter anunciado que não queria mais promoções, e desejava 'passar à disponibilidade' como primeiro cabo, em Maio de 1969, em Olossossato, a Companhia de Caçadores [...]  2402 nomeou-a 'Capitoa honorária'. Essa foi a patente máxima da sua 'carreira' militar' " (....).

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10950: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (1): A chegada

1. Mensagem do nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de 11 de Janeiro de 2013, que assim começa a sua colaboração no nosso Blogue:

Julgo não estar muito longe da verdade se disser que meus pais foram, talvez, dos que mais contribuíram com “carne para canhão” para a guerra colonial. Efectivamente, tendo a minha mãe dado à luz 11 criaturas (8 rapazes, dos quais 2 morreram em criança e 3 raparigas), os 6 mancebos sobrevivos vieram a cumprir serviço militar nos 3 TO’s (Angola, Moçambique e Guiné).

Em 1971 a situação da Companhia Magro era a seguinte:

- Fernando de Pinho Valente (Magro), nascido a 10/05/1936 - Em serviço na Guiné como Cap. Milº de Artilharia, tendo cumprido já, entre 1956 e 1958, o serviço militar obrigatório como oficial miliciano;

- Rogério Alberto Valente Magro, nascido a 09/03/1944 - Na disponibilidade após ter cumprido serviço em Angola como Fur Milº Atirador de Infantaria, entre 1967 e 1969;

- Dálio Valente Magro, nascido a 10/12/46 - Em serviço em Moçambique como Alf. Milº de Engenharia – CENG 2686;

- Carlos Alberto Valente Lamares Magro, nascido a 17/07/48 - Em serviço em Angola como Cabo Especialista da FAP;

- Álvaro Valente Lamares Magro, nascido a 17/05/50, em serviço no HMR nº1 – Porto, como 1º Cabo Enfermeiro e já com guia de marcha para a Guiné, para onde “marchou” em Dezembro desse ano;

- Abílio Valente Lamares Magro, nascido a 06/11/51, a apresentar-se a Inspecção Militar.

Eu, o único que fazia jus ao apelido que ostentava, pois media 1,73m e pesava 53kg, e consciente dos contributos que os meus irmãos deram, estavam a dar e mais um já se perfilava para dar ao esforço de guerra, apresentei-me à Junta Militar de Inspecção com a confiança de quem podia afirmar: “Para esse peditório os meus irmãos já deram!”

Quando, com algum estrondo, me plantaram na papelada o carimbo que rezava: “Apurado para todo o serviço”, confesso que me perpassaram pela mente alguns impropérios que me dispenso de aqui relatar, limitando-me aos mais suaves e cujos destinatários eram os meus 5 irmãos, tais como: “aqueles gandas camelos andam lá no meio do mato armados em heróis do capim e estes bacanos julgam que é tudo da mesma cepa e tungas, bora lá fazer companhia aos maninhos!”

Muitas vezes ouvi falar em “carne para canhão”, mas em “ossos para canhão” é que nunca tal houvera visto!
Enfim, lá me apresentei em Abril de 1972 no RI 5 – Caldas da Rainha para frequentar o 1º ciclo do CSM, tendo depois frequentado o 2º ciclo no RAL 4 – Leiria, seguindo depois, já como 1º Cabo Milº para o QG/RML onde, passados 4 meses lá me passaram o “vaucher” para viajar até à Guiné.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé*

1 - A chegada

Após uma viagem atribulada de 10 horas a bordo de um DC 6 da FAP - ferrugento, rangendo por todos os lados e largando abundante quantidade de óleo por um dos motores, que nos obrigou a uma escala na ilha do Sal para "afinações" - eis que dou comigo a desfrutar alegremente do agradável clima daquela que era, na altura, a Província Ultramarina da Guiné Portuguesa.

Corria o dia 28 de Março de 1973 e, para me receber, encontrava-se no requintado Aeroporto de Bissalanca o meu irmão Álvaro que por aquelas bandas já se encontrava desde finais de 1971 e que eu, ao vê-lo fardado de calções, sapatos e meias até ao joelho, logo fiquei com a impressão de ter acabado de chegar a um qualquer Clube de Golf onde iria passar uns agradáveis momentos, apesar de já me começar a irritar a presença de tanto insecto voador de bico afiado.

Logo nos disponibilizaram transfer gratuito – o meu irmão mal teve tempo de me transmitir todos os conselhos, avisos e informações que pretendia transmitir – que nos levou até ao aldeamento turístico que nos estava destinado e que era conhecido localmente pelo nome de DAG.

Durante esta curta viagem pude constatar que, naquele “paraíso terrestre”, o top-less era livre e abundantemente praticado, levando-me a concluir que: “a coisa estava a compor-se!” e que o tal DAG seria, talvez, um Departamento de Actividades Giras.

Não, não era! Era o Depósito de Adidos da Guiné. Aí nos depositaram e foi também aí que comecei a ficar adido, para não dizer outra coisa!

E mais adido fiquei quando, uns dias depois, fui mudado para as instalações militares de Santa Luzia onde me aconselharam, amavelmente, um alojamento ao qual a tropa dava o sugestivo nome de Biafra e onde pernoitavam cerca de 20 “piriquitos” por caserna e onde as baratas, imensas e de avantajado porte, tinham ali o seu habitat natural.

Cada vez mais adido, mal dormi nessa noite com tanta “bazucada”! Tinha começado a minha guerra!

As “bazucadas” eram constantes e provinham da Messe de Sargentos, ali próxima, e traduziam-se no arremesso de garrafas de cerveja vazias para cima dos telhados de zinco das camaratas em condomínio fechado.

(*) Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné

AM

(Próximo capítulo - Colocado na CSJD/QG/CTIG)
____________

Nota de CV:

Vd. poste de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia

Guiné 63/74 - P10949: O cruzeiro das nossas vidas (19): A minha viagem de avião da Guiné para o Porto, com escala em Lisboa (Maria Dulcinea)

1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Maria Dulcinea (NI), (esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira) que esteve em Bissorã nos anos de 1973/74, com data de 11 de Janeiro de 2011:

Olá Luís Graça e restantes Camaradas da Guiné:
Esta estória que vou aqui narrar não terá nada de especial, no entanto e como para mim foi mais uma das aventuras vividas aquando da estada na Guiné com o meu marido e filho, mais propriamente em Bissorã, entre setembro de 1973 e Junho de 1974, vou partilhá-la com toda a tertúlia .


A minha viagem de avião da Guiné até ao Porto, com passagem por Lisboa 

Quando chegou o dia de regressar à metrópole e após o término da comissão de serviço do Henrique em Bissorã, foi necessário preparar a viagem até ao Porto.
Após todos os preparos lá chegou o dia tão esperado e as expectativas de tudo correr bem eram das melhores, só que, nem sempre as coisas são como nós queremos e então esse dia foi uma espiral de aventuras em que os principais protagonistas foram: eu, o meu filho, três periquitos numa caixa de sapatos e à mistura uma tripulação dos aviões da TAP. Mas eu explico.

No dia 29 de Junho de 1974 o Henrique lá nos acompanhou até Bissalanca para eu embarcar num voo da TAP rumo ao nosso Portugal. A dita aventura começou logo aí porque o avião que chegou de Portugal e que nos haveria de transportar, segundo informações, quando aterrou em Bissau, ao dar a volta na pista, embateu com a asa numa vedação, sendo necessárias longas horas de espera até chegar outro avião.

Aerogare e Torre de Controle do Aeroporto de Bissalanca, hoje Aeroporto Osvaldo Vieira.
Foto: Américo Dimas em Especialista da Base Aérea 12 - Guiné 65/74, com a devida vénia

Quem esteve na Guiné deve lembrar-se de que naquela altura o conforto do aeroporto era nenhum, mas isso não me afetava não fosse o caso de estar cheia de bagagem de mão, mais um filho de três anos completamente irrequieto. O pior foi ter de aguentar os periquitos com saúde dentro da caixa. É que os danados começaram a roer os buracos por onde respiravam e eu passava a vida a tapá-los com pedaços de pão e até lencinhos tive de usar.

Nós tínhamos programado os tempos e não aquele brutal atraso. Finalmente e após várias horas de espera lá embarcamos e o avião seguiu a sua viagem com toda a normalidade. Eu relaxei um pouco, até porque o pessoal assistente era do mais simpático possível, passando quase toda a viagem a levar o Miguel até à cabina de pilotagem. Enfim estava mesmo a ser uma viagem muito agradável, até que...

Vejo um comissário de bordo andando pela coxia de braço no ar com um periquito empoleirado no dedo e a perguntar de quem era aquela ave "rara". Se houvesse um buraco enfiava-me nele, porque eu levava as aves clandestinamente, mas dentro de um avião não há como escapar e lá me acusei do "crime".

O comissário todo sorridente lá me entregou o "passaroco" e eu confessei que tinha mais dois. Só que quando ia devolver o fugitivo à caixa de cartão verificamos que havia outro fugitivo. Bem, foi uma paródia geral pois era ver o comissário, hospedeiras e passageiros andarem pelo avião de "rabo" no ar até apanharem o danado do outro fugitivo.

Eu sou franca, com tanto canseira do embarque tinha-me esquecido de pôr mais tapulhos de pão nos buracos da caixa, mas passada a vergonha, até valeu pela distração de toda a gente. Aterramos em Lisboa todos felizes e contentes .

Novamente com bagagem de mão, Miguel a tiracolo, mais os "bandidos" dos periquitos dirigi-me para a zona de embarque de ligação ao Porto. Sentei-me num daqueles banquinhos com a minha "malta" e lá ia controlando as horas de embarque, sempre de olho nos piras e no Miguel, isto claro está num ambiente desconhecido para mim e de grande movimento e com a atenção a 80% nos meus companheiros de viagem.

Eu lá ia ouvindo pelos altifalantes a ordem de embarque para o Porto, mas olhava o relógio de pulso e achava que ainda não era o meu. Até que no momento disparou um "alarme " na minha cabeça e verifico que não havia mudado a hora da Guiné para Portugal. Então levanto-me que nem uma mola com a "prole" atrás de mim e dirijo-me à porta de embarque onde nesse preciso momento estava um cavalheiro fardado de piloto e eu muito aflita lhe perguntei se era aquele o avião que ia para o Porto . Ele disse :
- Sim minha senhora venha daí que sou eu que vos vou levar no meu avião. E já agora por que é que ainda não estão embarcados? Já lá está toda a gente à nossa espera.

Mais uma vês escapamos de boa e conclui que esta viagem seria para nunca mais esquecer. Mas como dizia o Henrique: "A Sorte Protege os Audazes". Não sei onde foi buscar aquilo mas que resultou lá isso resultou.

Resta-me aqui lembrar que os meus periquitos se chamavam: Papaias, Mangas e Caju.
O Papaias era do tipo papagaio verde e com peito amarelo. O Caju e a Mangas eram todos verdes mas com uma gravata lindíssima preta à volta do pescoço.
O primeiro a morrer foi o Papaias e os últimos foram o Mangas e o Caju que viveram cerca de vinte e cinco anos e eram grandes companheiros, tanto de nós próprios como dos pais do Henrique que se habituaram a eles como se fossem pessoas da família. Valeram bem o sacrifício que passei para os trazer.

Esta foi uma estória que provavelmente só nós daremos a devida importância, mas na realidade eu achei que a devia partilhar com toda a tertúlia pois foi mais uma das aventuras que acaba por nos ligar a todos de algum modo.

Um beijinho a todos os camaradas do "Blogue Luís Graça &Camaradas da Guiné"
Maria Dulcinea Rocha NI para todos os camaradas e amigos.
____________

Nota de CV.

Vd. último poste da série de 9 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10915: O cruzeiro das nossas vidas (18): O meu batismo de voo, em 28 de março de 1973, num DC 6 da FAP (Abílio Magro)

Guiné 63/74 - P10948: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (2): A caminho de Bissau




1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sua segunda "Carta de Amor e de Guerra" que se segue: 





CARTAS DE AMOR E DE GUERRA

2. A caminho de Bissau

Estava a gostar da viagem marítima, apesar das angústias me enovelarem os sentimentos, apesar das imagens dos meus entes queridos no cais de embarque não me saírem da cabeça, principalmente as de minha Mãe.

Chegados à Madeira, eu fui um dos muitos que saíram para dar uma volta pela cidade do Funchal. Aproveitei para inaugurar a minha correspondência de guerra pondo no correio um aerograma para a namorada.

Durante o passeio fui alertado para as más condições físicas e higiénicas em que viajavam os praças. Eu, passageiro alojado em classe turística com ar condicionado, tempo gasto a pensar mais nos meus problemas pessoais do que em qualquer outra coisa, não escalado ainda para qualquer serviço na Companhia, fiquei muito surpreendido com esta informação.

No dia seguinte, navio zarpado do Funchal, dirigi-me aos porões para confirmar o que me tinham dito. Quando descia pensei logo em voltar para trás, tão acre, pesado e gorduroso era o ar que respirava. Mas continuei e o choque que sofri com aquela miserável situação foi tão grande que, no momento, odiei todo o poder político e militar que se permitia tratar assim os seus soldados. Como é que era possível?

Num diálogo de circunstância com alguns soldados presentes percebi o seu descontentamento mas demorei pouco tempo, tal era o incómodo. Tentando disfarçar a vontade de vomitar, saí apressado e revoltado. Umas horas depois ainda sentia fortemente tais cheiros porque as partículas em suspensão no ar que respirara tinham ficado, certamente, coladas nas minhas fossas nasais. Fiquei tão marcado que, 47 anos passados, ainda me parece senti-los presentes.

A viagem que, apesar das circunstâncias, me estava a agradar ficou estragada, senti-me ultrajado como homem e como cidadão de um país cujos diversos “chefes” assim tratavam os seus soldados ao mesmo tempo que lhes cantavam hinos de louvor pela sua coragem e patriotismo!

“O Niassa atracado no cais do Funchal prenho de jovens para despejar na Guiné”
© Rumo a Fulacunda, blogue fotográfico de Henrique Cabral


Lisboa, 5/8/1965

Meu querido: (…) já quase deixava de esperar notícias de bordo (…). [resposta ao meu aerograma enviado do Funchal] As tuas palavras de hoje, meu amor, vieram colocar mais um sinal, mais um ponto positivo na minha vida que tem sido nestes dias tão monótona, tão sem interesse. Vieram acordar-me deste letargo em que mergulhei sem forças para dele sair, desde que os teus pais me deixaram.

Foram embora domingo à tarde. Parecia-me que a tua mãe ia mais bem-disposta, mais calma e mais conformada. Aqui passou o tempo mais ou menos animada, parecia-lhe, dizia-me ela à partida, que ainda estava junto de ti. Eu sentia o mesmo. Tens uma mãe encantadora, meu querido. Eu fiquei deveras maravilhada com ela, com as atenções que me dedicou. [ (*)ver nota ] É bastante justo o amor, a dedicação, a admiração que lhe votas, (…). Eu farei tudo para lhe amenizar a dor, a saudade pela tua partida. Devia ter recebido uma carta minha a participar-lhe que não ia lá passar o domingo como tinha prometido. (…) mas eu não posso, embora tenha a 2ª feira livre até às 14 horas para podermos assistir ao juramento e investidura do Presidente da República. [Em 9/ VIII/1965, Américo Tomás inicia o seu 2º mandato como PR (1965-1972).]

(…). Consegui na hora da despedida sorrir-te, pôr nesse sorriso toda a minha esperança e toda a confiança no belo futuro que havemos de ter mas, interiormente, a minha constituição física ressentiu-se com a excitação de que depois fui tomada. Já é natural o que agora me aconteceu, quando me excito, por isso evito as viagens porque experimento um mal-estar, uma indisposição horrível. (…).

Olha por ti. Não desanimes, (…) é preciso que no nosso espírito haja um apoio, uma segurança, alegria indestrutível. Tudo passará, (…). E tu regressarás. (…). Acredito-o. Haverá nestes anos muita dor, muitas saudades, momentos de desespero mas para vencermos tudo isso e o mais a que estamos sujeitos é preciso que tenhamos um ponto de apoio, qualquer coisa pela qual teremos de vencer tudo para a possuir. (…). Nós somos capazes de transformar em triunfo todas as dores, fracassos, decepções. (…), apesar de tudo e contra tudo o que se lhes oponha. (…). Com esta segurança, querido, com esta força que nos guia podem vir desgraças, desânimos, decepções que sempre fica na nossa alma uma réstia de luz, de paz e alegria, capazes de suplantar todas as dores.

(…) aguardemos confiantes a hora do encontro.

(…). Beijo-te e abraço-te, meu amor querido. Só e sempre tua, N.



 Foto da mãe Belmira da Piedade, Maio/1967, pouco depois do meu regresso da Guiné
© Manuel Joaquim.


*Memória de minha Mãe:

Foi uma “moira de trabalho” na lida doméstica e na agricultura das suas pequenas propriedades. Meu pai, como carpinteiro, passava muito tempo fora e, a certa altura, partiu e foi emigrante durante 17 anos.

Analfabeta, nunca descurou a educação e a instrução dos seus três filhos. Quando herdou de seus pais incentivou o marido a vender a herança para custear os estudos dos filhos, na altura só os meus pois os manos mais novos andavam na escola primária. Assim se fez mas o dinheiro não durou muito e meu pai teve de emigrar: Lourenço Marques, Joanesburgo, Paris.

Ela ficou a tomar conta dos filhos, a cuidar da terra e a gerir as verbas mandadas pelo marido. Passados dois anos, a vida militar começou a ameaçar os filhos. Fui o primeiro a sê-lo, era o mais velho, mas adiei a incorporação dois anos, concedida por razões académicas, e o meu mano “do meio” foi juntar-se ao pai em Joanesburgo. A certa altura teve a “feliz” ideia de ir a Lourenço Marques oferecer-se para cumprir o serviço militar. Dizia ele que assim ainda poderia ir a tempo de se safar da guerra que já se adivinhava próxima e, por pouco, não o conseguiu. Teve azar, apareceu-lhe a guerra em Mueda, tendo a “sorte” de receber dela um premiozinho que foi a hospitalização por ferimentos sofridos.

Entretanto o filho mais novo chega aos 18 anos, então com o pai já em Paris e resolveu juntar-se ao pai, pois claro. E por lá ficou durante anos sem poder vir ver a mãe. Como estava com o pai, ela não se incomodava muito com isso. Mas mais um filho na tropa é que não! Já lhes bastava terem lá dois! Em janeiro de 1964 fui incorporado e a minha “mãe coragem” ficou sozinha, menos nos meses de férias de meu pai, com um filho em França e os outros no serviço militar.

Tive a sorte de ter o Pai e a Mãe no meu embarque para a Guiné mas a Mãe, um mês depois, com o marido e os três filhos dispersos, tornou a ficar sozinha! E assim ficou uns meses, com dois filhos na guerra até um deles regressar de Moçambique.

Guardo bem nítida na memória a imagem que dela levei para a Guiné: debruçada sobre o varandim do cais, amparada por meu pai e pela minha namorada, chorava e gritava de braços estendidos em direcção do navio. Situação terrivelmente dolorosa que me fez refugiar no interior do “Niassa” donde vivi a separação olhando os meus entes queridos através dos vidros, com o ruído ambiente do salão abafando totalmente o do exterior, vendo as imagens do cais como que fazendo parte de um filme mudo com centenas de figurantes e onde meus pais e namorada entravam como intérpretes, sendo minha MÃE a personagem principal.

A minha emoção, contida, amarfanhava-me. E lembrei-me das palavras de um instrutor para motivar os recrutas a empenharem-se no treino operacional: “quando embarcarem podem ter a certeza de que não regressam todos!” Olhei aquela “massa” de militares que enchiam o navio, já a afastar-se de terra, e fiquei a pensar se não seria um dos que não iriam voltar. Olhei para fora e, pensando naquelas mães que já só adivinhava ao longe, lembrei-me do João Villaret recitando na TV “O menino da sua mãe”, um poema de F. Pessoa que eu, na altura, abominava politicamente. E fiquei a perguntar-me:
- Quantos de nós se tornarão “o menino da sua mãe”?


____________

Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 8 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10910: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (1): A separação e a partida

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10947: História da CCAÇ 2679 (59): Grande farra no Funchal (José Manuel Matos Dinis / Cândido Morais)

1. Neste episódio da série da História da CCAÇ 2679 é pré-apresentado o camarada Cândido Morais, ex-Fur Mil desta Companhia, que irá brevemente aderir à nossa tertúlia, apadrinhado por José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71) que até agora era o único contribuinte para esta narrativa.

São publicadas duas fotos e nelas inspirada sai esta história contada pelo nosso camarada Zé Dinis, que chegou ao Blogue em mensagem sua do dia 9 de Janeiro de 2013.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (59)

O Cândido Morais é a figura que nesta fotografia, com o pessoal a reluzir as "namoradas", se apresenta à direita da terceira linha, num grande plano do retrato.

Nesta fotografia do desfile, o Morais é o primeiro da direita atrás do aspirante, e não parece ostentar as divisas amarelas. Assim, este desfile pode ter sido o do final do IAO, pois o desfile para o embarque, num bailinho a passo trocado e a trocar olhares com as prostitutas que nos confortaram a noite da despedida, foi quando já se exibiam alferes e furriéis, de amarelos reluzentes.

Fotos: © de Cândido Morais (2013). Direitos reservados. Legendas de José Manuel M. Dinis


GRANDE FARRA NO FUNCHAL

Foi uma noite de grande farra no Funchal, e começou cedo, no Café Indiana, em frente à Sé, no passeio mais concorrido da cidade, onde fechámos o café Indiana, e as pessoas espreitavam para o interior, onde os furriéis, verdinhos e amarelados, serviam atrás do balcão, utilizavam a caixa do graxa, manipulavam bandejas e tiravam imperiais, tudo com muita espuma e exuberância.

A Indiana, numa foto dos anos 60, sita na cidade do Funchal, mesmo ao lado da Sé. (CV)

Depois, demandaram por um estabelecimento de serviços noturmos, requintado, com orquestra, gentis meninas, tudo abrilhantado com jogos de luzes que mentalmente preenchiam as lacunas do lugar de má recomendação. Aproximou-se o pessoal pelo declive empedrado, e tocou-se a campainha com insistência. O concierge entreabriu a porta, olhou-nos com surpresa, e pediu um momento. Passaram alguns minutos e fazíamos a farra na rua, quando o concierge reapareceu, perfilou-se na casaca negra, e apontou-nos o caminho, uns degraus acima do nível da porta.

Apresentava-se um esplendor: uma mesa comprida, pela reunião das mesas individuais, as assistentes abertas em decotes e sorrisos aguardavam-nos com evidente felicidade. enquanto dois empregados aguardavam ordens. E das ordens encarregou-se o Marino, que não pede meças a tomar decisões.

Enquanto os alarves cirandavam nas escolhas, o Marino convencia os clientes afastados do festim, com apreciável determinismo, a encarar com naturalidade a situação criada. A noite era nossa. Mas era ainda o Marino quem ordenava o serviço, champanhe, pois claro! Para começar, que a noite seria de calores.

E o cavaquinho arrancava os primeiros acordes para uma noite de gaúdio. Já havia quem fizesse a auto-avaliação física através de uns passos de dança superiormente desempenhados, que os artistas da 2679 não eram de uma Companhia qualquer.

A bem dizer, foi até entrar o dia, quando o pessoal se lembrou de defender a Pátria.

Desfilou-se na estrutura portuária, representaram os seus papéis a autoridade eclesiástica e o comandante militar. As hostes, em formatura, não os ouviram, antes procuravam localizar as namoradas, trocarem olhares de desejo e ansiedade, enquanto os imigrantes cubanos da 2679 se desfaziam em sinais e sorrisos com as elegantes e generosas assistentes da noite passada.

Só faltavam dois aninhos para o regresso e a continuação da libido.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10904: História da CCAÇ 2679 (58): Fisicamente recuperado (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P10946: Do Ninho D'Águia até África (44): O Canjura andava farto de guerra (Tony Borié)

1. Quadragésimo quarto episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 12 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (44)




O Canjura não era o Canjura Turé, esse era milícia e ajudava os militares, servindo de guia tradutor, era só o Canjura e andava farto de guerra, mesmo farto.

O Canjura era um africano já com uma certa idade, que andava por ali, ajudava nas obras do aquartelamento, por lá comia e andava vestido com a roupa que lhe dava o Cifra e outros militares. Fazia recados, quando era preciso limpar alguma zona, ou qualquer trabalho que não envolvesse muita força física, o Canjura era chamado. O Cifra acredita que todos os aquartelamentos no interior tinham o seu “Canjura”. Quando não ia dormir à sua morança, que estava em muito mau estado, pois não era sua mas de alguém que “foi no mato” e a abandonou, tendo o Canjura tomado posse dela, dormia debaixo de alguma viatura militar que estivesse a jeito no aquartelamento em obras.

Sabia o nome de quase todos os militares do Agrupamento a que o Cifra pertencia, pois foram dos primeiros a ocuparem o novo aquartelamento, fazia a saudação, colocando-se em sentido antes de falar, não importava que fosse soldado ou coronel, aquilo já era um vício, podia ver o Cifra dez vezes por dia, que fazia sempre a saudação, embora o Cifra lhe dissesse por um milhão de vezes para parar com aquilo, pois todos gostavam dele sem saudação, mas ele não ouvia. Perguntavam-lhe a idade e não sabia, onde nasceu e não sabia, se tinha família e não sabia, mas via-se a aflição no seu rosto, demonstrando sempre algum desespero com receio que o mandassem embora do aquartelamento, talvez já o tivessem mandado embora de outros locais. Andava farto de guerra e de fugir, isso era o que dizia ao Cifra, dizendo também que queria morrer em “chão balanta”, nem que fosse com um tiro ou numa explosão de uma granada de morteiro, mas queria ficar em “chão balanta”. Muitas vezes, quando lhe davam um cigarro, ria-se e aceitava, também aceitava cerveja e café. Na altura da refeição, lá estava à espera, às vezes com outros africanos, ele próprio controlando e não deixando ninguém avançar sem o Arroz com Pão, que era o cabo do rancho, dar ordem.


O Canjura era popular no aquartelamento, todos sabiam o seu nome e lhe davam roupa, botas, cigarros. Quando alguém não queria qualquer coisa, dizia-se: -
Dá ao Canjura!.

Às vezes andava melhor vestido que muitos militares. Um dia, nunca se soube quem mas desconfiava-se que tivesse sido alguém do comando do Batalhão de Artilharia “Águias Negras”, que estava estacionado no aquartelamento, nas instalações recuperadas do que tinha sido um antigo convento de padres de uma ordem religiosa francesa, o vestiu a rigor, com umas divisas de major, brilhantes, novas a luzir nos seus ombros. Era uma cópia, imitando o tal major “Petinga”, que era o oficial de operações especiais do Agrupamento, a que o Cifra pertencia, o tal que tinha dado uma enorme bofetada num prisioneiro, com as mãos amarradas, que caiu no chão desamparado, só porque este lhe disse que queria ser tratado como prisioneiro de guerra, e fizeram, talvez a troco de qualquer promessa de cigarros ou outra coisa qualquer, o bom do Canjura ir ao gabinete do tal major “Petinga”, bater à porta e apresentar-se, em sentido, com uma perfeita saudação.

Calculem a fúria do major ao abrir a porta do seu gabinete e deparar com o bom do Canjura, vestido tal e qual, parecendo mesmo uma cópia do major “Petinga”!
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10927: Do Ninho D'Águia até África (43): Lodo e tarrafo (Tony Borié)