1. Em mensagem do dia 22 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (35)
Manuel Correia
O prefeito, Sr. Correia, era uma figura algo carismática, trágico-cómica, incontornável, meio caricata etc. etc. que passou vários anos no COA. Chegou lá na primeira metade da década de cinquenta do século passado, muito provavelmente no princípio de 1954; vindo de Santo Tirso, donde era natural; era um adepto indefectível do Clube Futebol da sua terra; veio ocupar o lugar deixado vago por um tal Sr. Fernandes que – não sei o motivo – deixou o COA naquela época.
Uns tempos depois, devido ao aumento do número de alunos, teve como ajudante, um rapaz – cujo nome “já se me varreu” - que seria filho dum GNR e creio que era ex-seminarista; não aqueceu o lugar; sentiu que a “barra” era pesada, pôs o chapéu… e foi-se.
O segundo auxiliar e aprendiz de prefeito foi um tal Areal; era alto e jovem, com ares de cinéfilo também oriundo de Santo Tirso. Embora ali permanecesse algum tempo mais que o anterior, a sua passagem pelo COA foi também efémera. Digno de registo, recordo apenas uma briga – troca de murros – entre ele e o Castanheira II (o Francisco?), no “beco” que conduzia ao internato.
Eis que de seguida surge o sr. Pinheiro, talvez da mesma idade do Sr. Correia, mas mais alto e menos corpulento. Aguentou-se ali pouco tempo, também.
Dele recordo que, durante um “estudo” da manhã, o Sr. Correia não estava presente no salão; o Sr. Pinheiro foi, automaticamente, promovido a chefe, assumindo o comando das operações; ele “passeava” calado por entre duas filas de carteiras duma ponta à outra do salão. Lentamente, o sussurro foi aumentando, chegando à barulheira; antes que se tornasse infernal, o Sr. Pinheiro tomou lugar sobre o estrado e, daquele “púlpito” emitiu, sem preliminares, o seu elevado pensamento matinal:
- Dizem os filósofos que o estudo da manhã é o melhor; e um estudo mais “profique”!
Talvez o “profique” fosse fruto da imaginação dos alunos; este dito foi parafraseado pelo Abrantes no nosso sarau.
Houve gargalhada geral! O homem perdeu o pio!
Os alunos estavam habituados aos berros (autênticos urros) e às agressões verbais – e também muitas vezes corporais – do Sr. Correia e não acataram aquele paleio meio pilhérico logo ao amanhecer. Em breve pôs-se na alheta.
O Sr. Correia aguentou-se no colégio durante vários anos, porque era um “democrata” e usava métodos bem ... convincentes. Passei pelo COA, várias vezes, em 1962 e ele ainda andava por lá. Era uma figura castiça, autoritário q.b. (mais do que isso); era cumpridor, em absoluto, das ordens emanadas da Direção. Para não deixar transparecer que apenas cumpria ordens, frequentemente, afirmava, categórico:
- Não é assim, porque, nós, a direção, decidimos que…
Adorava que os alunos reconhecessem a sua autoridade e agissem de acordo com a sua vontade. Que os alunos, sempre que lhe pediam o que quer que fosse, agissem com reverência ou mesmo com subserviência, mesmo quando pretendiam infringir as regras; ele bem conversado (engraxado) até colaborava, colocando em risco o seu lugar.
Sempre que eu pretendia dar uma volta pela vila, ouvir no exterior (na pastelaria do outro lado da Avenida), o relato de um jogo internacional de hóquei patinado, ou mais tarde, em 1961, ver na TV, o jogo do Benfica, na extraordinária final de Berna, eu solicitava “reverentemente” ao Sr. Correia que me autorizasse a sair e ele logo me facultava a chave do portão secundário, o do pequeno jardim que separava o internato da avenida, recomendando apenas: cuidado! Que o Senhor Almeida não te apanhe! Eu respondia eu sei onde ele se encontra (na leitaria); se houver azar... eu saltei o muro. Todas as minhas saídas foram sempre bem sucedidas, porque eram bem planeadas
Provavelmente, era eu quem lhe preparava mais judiarias, mas ele sempre nutriu muita consideração por mim.
Se um aluno lhe solicitava algo que ele não autorizava e o aluno apresentava argumentos, ele punha termo à conversa, sempre do mesmo modo:
- Faz o que te mando e conta ao diabo o que sabes!
Usava, segundo a situação, outras frases igualmente “convincentes”:
- Levas uma bofetada que até engoles os dentes da frente”!; “Levas uma sova que te mijas todo!”; “falta pouco para que faças o pino sem apoiar as mãos no chão!”
O homem sofria de hemorróidas! Dizem tratar-se duma complicação altamente dolorosa! “Altamente” encaixa bem no texto! É advérbio que usava a todas as horas.
Muitas vezes, antes de se deitar ouvíamo-lo gemer com dores na casa de banho; enchia o bidé com água fria e assentava lá o traseiro (era o vulgar banho de assento) e ali ficava durante meia hora ou mais, pelo menos até que o frio lhe atenuasse as complicadas dores
Quando se sentia aliviado daquelas dores impertinentes, dirigia-se à camarata. Sentava-se na cama e, por vezes, esta desarticulava-se… por obra e graça de determinado aluno que a “armadilhava”; outras vezes não conseguia estender as pernas, porque um dos lençóis estava cuidadosamente dobrado – Cama à francesa. Ele proferia, logo ali, umas tantas baboseiras e, com a ajuda dum qualquer aluno ainda acordado, rearmava a cama ou estendia o lençol para… dormir o sono dos anjos.
No salão de estudo, sempre que a “crise” (então não havia Troika) apertava, ele estendia o tronco sobre a secretária, mantendo os pés no chão; levantava a cabeça, esbugalhava os olhos grandes, salientes e escuros para ver o que se passava na sala e, com gritos de dor e raiva, mantinha a rapaziada em silêncio; ali permanecia naquela posição caricata durante quase duas horas ameaçando a terra, o mar e o mundo, usando (e abusando) algumas das frase já citadas. À sorrelfa, alguém sussurrava, cautelosamente:
- Foi assim que a Alemanha perdeu a guerr”!
Se, durante uma hora de estudo, um aluno, com uma requisição na mão, lhe pedia para ir à secretaria, ele replicava: -“fora no intervalo”! – Posso pedir um lápis? – “ Pedira no intervalo!”
O Alcides S. Costa e o Leonel C. Nunes, dois cómicos irreverentes (mais cómico o primeiro e mais irreverente o segundo) criaram a seguinte frase, alegando que o Sr. Correia era o autor: - “iria no intervalo, porque agora já não vara!” ele não foi certamente o pai de tal dito: foi invenção daqueles alunos, mas...
Nos primeiros tempos em que esteve no COA, ao domingo à tarde, ele acompanhava os alunos mais novos na visita a uma aldeia próxima; entrava numa tasca e bebia dois copos… os outros já não eram contados - estava embriagado.
O Tirsense estava colocado quase no topo a tabela classificativa da 2ª divisão (correspondia à Divisão de Honra dos dias de hoje); se ganhasse, no estádio Carlos Osório, o terreno da U.D.O, subiria à 1ª divisão. Perdeu! O Sr. Correia encontrou conterrâneos e bebeu uns copos... para afogar as mágoas; chegou enxaropado, cambaleante, ao COA; falava pelos cotovelos:
- A Oliveirense jogou alta e poderosamente; só assim conseguiria vencer a temida e possante equipa de Santo Tirso!
Quando tinha nas veias tanto álcool como sangue (o que a princípio era vulgar) ele cantarolava a seguinte quadra:
Se aquilo que a gente sente
Cá dentro tivesse voz...
Muita gente… toda a gente
Teria pena de nós!
Era um poeta… qual E.A. Poe! Sem Ofensa ao americano... nem ao Sr. Correia
Num dos últimos anos da década de cinquenta entrou para a primária (ou para o 1º ano?) um aluno de cujo nome já não me lembro; sei que era natural de Arrancada do Vouga (região de Águeda); bom conversador (para a idade), simpático, extrovertido e bom argumentador. Tinha uma pecha: todas as noites urinava na cama!
O Sr. Correia tinha o supremo cuidado de o acordar de madrugada mas quase sempre... já era tarde! Ele zurzia-o desalmadamente (creio que chegou a usar cinto dobrado) e obrigava-o, àquela hora, a tomar banho de água fria – autêntica barbaridade!
Outra vítima era um miúdo escuro, creio que venezuelano; o Sr. Correia batizou-o de Matateu. Sofreu a bom sofrer mas, pela calada, dava resposta adquada.
Penteava o cabelo para trás com uma risca sensivelmente ao meio. Se durante o dia, o pêlo desalinhava, ele cuspia abundante e “higienicamente”, nas mãos e esfregava-as na cabeça ; de seguida usava o pente para alinhar o cabelo. Era o seu fixador... eficiente e barato!
Podemos dizer, certamente: Paz à sua alma! Que a terra lhe seja leve! E que perdoe as minhas macaquices!
Janeiro de 2013
BT
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 29 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11023: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (34): Exame do 5.º ano, problema de matemática
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
Guiné 63/74 - P11038: Em busca de... (213): Camaradas de Buba, 1972/74 (Aníbal Silva, através da sua filha Nilza Gonçalves)
1. Mensagem de Nilza Silva, com data de 29d e janeiro último:
Boa noite,
Senhor Luís, sou professora,. Nilza Gonçalves, filha de um ex-combatente.
Aníbal Gonçalves da Silva (Anibal Silva) esteve em Buba, na Guiné, entre 1972-1974, era o número [mecanográfico] 1014733, pertencia aos rangers, à 1.ª companhia, 1.º pelotão. O seu furriel era o senhor Peixoto e o seu alferes era o senhor Gaudêncio Nunes, natural de Lisboa...
O meu pai não se lembra do número da companhia dele, só tem na sua memória o que já descrevi. No entanto, o meu pai gostava de encontrar os seus colegas combatentes... Já procurei em sites, mas é difícil.
Será que o senhor Luís pode-me ajudar a fazer esta "surpresa" ao meu pai ?
Obrigada, pela vossa atenção e saúde!
Nilza Gonçalves
2. Elementos apurados pelo nosso colaborador permanente José Martins, e já comunicados por email à Nilza Silva, à qual mandamos um xicoração e ao seu pai e nosso camarada um alfa barvo (ABraço).Caro Luis
Analisando o Dispositivo Grafitado (7º Volume), temos, em Buba, as seguintes unidades:
(i) Companhia de Caçadores [, CCAÇ] 3398 do BCaç 10/Chaves, que esteve em Buba, entre Julho de 71 e Agosto de 73, pelo que não deve ser esta; [Infelizmente não temos ninguém, no nosso blogue, a representar a CCAÇ 3398];
Será que o senhor Luís pode-me ajudar a fazer esta "surpresa" ao meu pai ?
Obrigada, pela vossa atenção e saúde!
Nilza Gonçalves
2. Elementos apurados pelo nosso colaborador permanente José Martins, e já comunicados por email à Nilza Silva, à qual mandamos um xicoração e ao seu pai e nosso camarada um alfa barvo (ABraço).Caro Luis
Analisando o Dispositivo Grafitado (7º Volume), temos, em Buba, as seguintes unidades:
(i) Companhia de Caçadores [, CCAÇ] 3398 do BCaç 10/Chaves, que esteve em Buba, entre Julho de 71 e Agosto de 73, pelo que não deve ser esta; [Infelizmente não temos ninguém, no nosso blogue, a representar a CCAÇ 3398];
(ii) Temos a 1ª Companhia do Batalhão Caçadores, [BCAÇ,] 4513/72 - mobilizado em Tomar - que esteve em Buba de Março até Junho de 71, em reforço operacional do BCaç 3852; esteve em Mampatá, em reforço, desde Maio de 73 e a partit de Agosto assumiu a responsabilidade;[ Temos aqui no nosso blogue, pelo menos dois camaradas deste BCAÇ 4513/72];
Se a unidade não é esta, então poder-se-á tratar não de Buba mas sim de Bula (?):
(iii) Em Bula esteve o Batalhão de Cavalaria [, BCAV] 8320/72 - mobilizado em Estremoz - que esteve na zona do seu batalhão que esteve no sector de Bula.
Tem história da unidade no Arquivo Histórico Militar (instalações do Museu Militar a Santa Apolónia).
Se houver mais novidades, avisa.
Abraço
Zé Martins
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Tem história da unidade no Arquivo Histórico Militar (instalações do Museu Militar a Santa Apolónia).
Se houver mais novidades, avisa.
Abraço
Zé Martins
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Nota do editor:
Último poste da série > 4 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10898: Em busca de ... (212): Notícias do Comandante da CCAÇ 728, um Tenente à data do desembarque (Liberal Correia)
Guiné 63/74 - P11037: Notas de leitura (454): "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2012:
Queridos amigos,
“A Pátria ou a Vida”, de Gertrudes da Silva, não tem paralelo em tudo quanto me foi dado ler sobre a nossa guerra. é bem provável que o autor tenha sido o comandante da CCAÇ 2781, que passou uma boa parte da sua comissão em Bissum-Naga.
Não há ali farronca, exaltação dos feitos, encómios sobre a obra feita. Entrega-se, de alma e coração, a esculpir caracteres, é um autor, ele próprio à procura de compreender e justificar quem observa, praças, sargentos e oficiais. Retrata um oficial do quadro que escapa ao protótipo idealizado para os seus pares. Aliás, não tece elogios aos seus superiores, mostra-os mesmo incapazes de perceber a natureza daquela guerra.
Um abraço do
Mário
A Pátria ou a Vida (2)
Beja Santos
“A Pátria ou a Vida”, por Gertrudes da Silva (Palimage Editores, 2004), é uma obra singular em toda a literatura da guerra colonial, garanto-vos. Trata-se de uma companhia acantonada em Bissum-Naga, os relatos bélicos estão absolutamente condicionados aos comportamentos e às vivências dos militares. A narrativa começa por destacar os diferentes grupos intervenientes, o João Benvinda, o furriel Antunes, o primeiro-sargento Cebola, o aspirante Costa. O capitão parece não ter nome, talvez para camuflar o autor da prosa, há sérios indícios de que é ele o responsável pelo que aqui se lê. Sabe-se que ele leva demasiado a rigor a vida da companhia, e mais:
“Não nos larga todo o dia e mesmo no fim da tarde nunca dispensa a reunião diária para avaliação do trabalho desenvolvido e preparação do que há a fazer do dia seguinte. Às vezes, vê-se mesmo que perde a noção do tempo e quase que saímos dali – os comandantes de pelotão – diretamente para a formatura da instrução noturna, sem comer nada de jeito”.
Afinal, o capitão tem um nome completo, forjado, Júlio dos Santos Parente, cursou a Academia Militar, tem raízes marcadamente rurais, era o Juca entre familiares. Sabe-se que fez uma comissão em Angola, andou depois por Mafra.
Após a apresentação por retratos, sabe-se que a partida para a guerra está para breve, o João Benvinda foi recebido pela família a chorar, o furriel Antunes também deu consigo a chorar quando se despediu dos seus, enfim, do capitão às praças todos deixam o mundo para trás contritos, entes queridos tolhidos por tanta dor. Chegados a Bissau, escrevem às suas famílias. O João Benvinda dá a saber à sua Amélia que há problemas na companhia por causa dos corrécios de Penamacor que transformaram a viagem numa polvorosa, com cenas de porrada, cabeças partidas e até facadas, numa mistura com vigarices, copos a mais e jogos da vermelhinha. Segue-se o IAO, marcham para Bissorã, aqui se ouve falar em Queré, Choquemone e Tiligi. A primeira operação torna-se no batismo de fogo. E parte-se para Bissum-Naga, temos a crua descrição do local:
“À volta de um grande terreiro que nem é quadrado nem é circular, aparecem regularmente plantadas quatro edificações, a definir, em ângulo obtuso, os quatro cantos do aquartelamento, ficando assim, para já, com este nome. São as quatro casernas-abrigos, uma para cada grupo de combate. Da mesma traça arquitetónica (e esta?!...) destes, e logo à direita de quem entra, está o abrigo do Comando, ali no desempenho das suas mais nobres funções. Na ala da direita, que mais correto será dizer que é do Poente, a configuração do recinto vai-se aprimorando com mais um alongado abrigo onde funcionam o posto de socorros e a messe de oficiais e sargentos. E agora, se ao entrar, que é pelo Norte, nos virarmos para o lado esquerdo, temos logo ali, em tosca simetria com o abrigo do Comando, o depósito de géneros, o posto de rádio, e aqui que ninguém nos ouve, o centro cripto. E o desenho do terreiro, serve de muita coisa, e também de campo de futebol e de parada, completa-se nos intervalos com construções mais ligeiras e desenterradas, dispostas como todas as outras ao longo e do lado de dentro da dupla fiada de arame farpado: é o conjunto do forno do pão e das cozinhas, do gerador e da ferrugem. Fora deste esquema estão o paiol, do lado de fora do alinhamento, mas dentro da rede de arame farpado que ali se alargou um pouco mais e, onde deu mais jeito, os sanitários e cantina. E entre o arame e o topo sul da tabanca, ali mesmo ao pé da porta de armas, o único edifício que, se calhar merece tal nome – a escola. E, para já, é tudo. É tudo, não. Porque deixávamos passar o que no conjunto até é o mais saliente – as quatro torres de vigia, de secção quadrangular, com seus telhados de zinco a quatro águas, sobressaindo, mais ou menos a meio das quatro casernas – abrigos”.
Ali estão, fazem furtivas incursões, as operações de ronco são encargo das forças especiais. Trata-se de uma escrita sem prosápia, um documento que preza, acima de tudo, as revelações do comportamento não embotadas pela dureza da guerra.
Segue-se uma descrição do dia-a-dia, com afazeres, incumbências e estados de espírito, desbobinam-se as pequenas chatices, as idas à água e os reabastecimentos de mês a mês. Depois, a guerra é reveladora do melhor e pior da condição humana, o Moura do 1º Grupo de Combate, um dos tais que viera diretamente de Penamacor, que talvez arrombasse carros ou andasse a furtar recheios, agora deu-lhe para o sentimento, trouxe uma gatinha do Cumeré, fez-lhe uma casota que prantou entre o abrigo e o arame farpado, afaga o bicho com as duas mãos, é nisto que chamam o pelotão que está de serviço interno para ir à pista, do avião saem dois senhores, o comandante de batalhão e o oficial de operações, o assunto que os traz é Tiligi, Queré, Inquida e Choquemone, afinal vão mesmo ao Insumeté, uma península, não rodeada de água por todos os lados menos por um mas que vai dar ao mesmo, se em vez de água pusermos bolanha. Vão com o pelotão de milícias, tudo vai correr nos conformes até à emboscada, infelizmente que não chegou na hora certa o apoio aéreo, andaram por ali a penar. O regresso foi penoso, no fundo uma operação sem história.
Aqueles combatentes são seres humanos, escrevem às namoradas com juras de amor, fala-se mesmo em casamento na situação em que a rapariga ficou grávida. O quartel aprimora-se, a escola funciona, os autóctones não prescindem dos seus festejos, os trabalhos de reordenamento vão de vento em popa. Segue-se uma incursão a Inquida, novo susto. O Moura perdeu a cabeça e quis abater o nosso capitão, tudo se resolveu a bem. O autor disserta sobre os santuários e estas incursões sem proveito nem glória. Dá-se um tremendo acidente, vem de Bissau o comandante-chefe e apostrofa nosso capitão em público. Descobre-se um negócio sórdido em que o pessoal turra do Tiligi, segundo constava, punham minas, que as milícias levantavam, auferindo os prémios. A verdade é que “Os tipos do Tiligi iam levantar os engenhos aos grandes campos de minas de Bula e logo que as tinham com eles, lá arranjavam maneira de fazer chegar tão preciosa informação aos seus conhecidos e provavelmente amigos do lado de cá. Estes, no retorno levavam-lhes metade dos respetivos prémios. Assim seria o trato. Entendeu-se que não havia nada a fazer a não ser acabar com esta mina das minas”.
É uma obra que deliberadamente não anda em permanência à procura dos urros, das fúrias, das emboscadas, das enormes flagelações, de tonitruantes atos heroicos. Não é um livro de guerra condimentado de feitos ou exaltação épica, versa homens na sua condição de combatentes que têm vida própria, estão providos de memória e vivem conjuntamente o mesmo penar, a retaguarda dos combatentes assoma à primeira linha, recorrente, é um caso inédito na especificidade desta literatura. Até porque o capitão sofre com a pesada humilhação pespegada pelo comandante-chefe, sai da companhia, o resto é rememoração, o capitão foi para Bula, aqui o capitão narrador descreve a localidade e é um pouco cruel ao retratar os seus pares. E regressam, fazem o espólio e partem para as origens:
“O Paredes já ali vai. Deixem-no ir também, que está mesmo aflitinho por pegar no pimpolhozinho que ainda avistou de raspão lá fora e por dar um apertado abraço à Amélia, que ainda não chegámos ao tempo de beijos de amor no meio da rua e à frente de toda a gente. Agora vai ali o furriel Antunes; sem pressas, como sempre. Assim que chegar a Mondim, e tal como as coisas por lá estão, com a mãe muito doente e o pai envelhecido e cansado da vida, vai provavelmente começar logo uma outra sobreposição e render o pai na condução da empresa. O alferes Costa também já lá vai. Mas já não é o mesmo. Agora passou e quase que nem nos falou. Seria do ferimento no Insumeté, das operações que teve de fazer – e dizem que estas coisas das anestesias deixam sempre as suas marcas numa pessoa, de coisas que se teriam passado por lá por Tite, quem sabe”.
Uma obra inqualificável, moldada pela ternura e os fios que a amizade tece na tal dureza da guerra.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11016: Notas de leitura (453): "A Mulher Portuguesa na Guerra", coordenação do Cor Alberto Reis Soares e "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
“A Pátria ou a Vida”, de Gertrudes da Silva, não tem paralelo em tudo quanto me foi dado ler sobre a nossa guerra. é bem provável que o autor tenha sido o comandante da CCAÇ 2781, que passou uma boa parte da sua comissão em Bissum-Naga.
Não há ali farronca, exaltação dos feitos, encómios sobre a obra feita. Entrega-se, de alma e coração, a esculpir caracteres, é um autor, ele próprio à procura de compreender e justificar quem observa, praças, sargentos e oficiais. Retrata um oficial do quadro que escapa ao protótipo idealizado para os seus pares. Aliás, não tece elogios aos seus superiores, mostra-os mesmo incapazes de perceber a natureza daquela guerra.
Um abraço do
Mário
A Pátria ou a Vida (2)
Beja Santos
“A Pátria ou a Vida”, por Gertrudes da Silva (Palimage Editores, 2004), é uma obra singular em toda a literatura da guerra colonial, garanto-vos. Trata-se de uma companhia acantonada em Bissum-Naga, os relatos bélicos estão absolutamente condicionados aos comportamentos e às vivências dos militares. A narrativa começa por destacar os diferentes grupos intervenientes, o João Benvinda, o furriel Antunes, o primeiro-sargento Cebola, o aspirante Costa. O capitão parece não ter nome, talvez para camuflar o autor da prosa, há sérios indícios de que é ele o responsável pelo que aqui se lê. Sabe-se que ele leva demasiado a rigor a vida da companhia, e mais:
“Não nos larga todo o dia e mesmo no fim da tarde nunca dispensa a reunião diária para avaliação do trabalho desenvolvido e preparação do que há a fazer do dia seguinte. Às vezes, vê-se mesmo que perde a noção do tempo e quase que saímos dali – os comandantes de pelotão – diretamente para a formatura da instrução noturna, sem comer nada de jeito”.
Afinal, o capitão tem um nome completo, forjado, Júlio dos Santos Parente, cursou a Academia Militar, tem raízes marcadamente rurais, era o Juca entre familiares. Sabe-se que fez uma comissão em Angola, andou depois por Mafra.
Após a apresentação por retratos, sabe-se que a partida para a guerra está para breve, o João Benvinda foi recebido pela família a chorar, o furriel Antunes também deu consigo a chorar quando se despediu dos seus, enfim, do capitão às praças todos deixam o mundo para trás contritos, entes queridos tolhidos por tanta dor. Chegados a Bissau, escrevem às suas famílias. O João Benvinda dá a saber à sua Amélia que há problemas na companhia por causa dos corrécios de Penamacor que transformaram a viagem numa polvorosa, com cenas de porrada, cabeças partidas e até facadas, numa mistura com vigarices, copos a mais e jogos da vermelhinha. Segue-se o IAO, marcham para Bissorã, aqui se ouve falar em Queré, Choquemone e Tiligi. A primeira operação torna-se no batismo de fogo. E parte-se para Bissum-Naga, temos a crua descrição do local:
“À volta de um grande terreiro que nem é quadrado nem é circular, aparecem regularmente plantadas quatro edificações, a definir, em ângulo obtuso, os quatro cantos do aquartelamento, ficando assim, para já, com este nome. São as quatro casernas-abrigos, uma para cada grupo de combate. Da mesma traça arquitetónica (e esta?!...) destes, e logo à direita de quem entra, está o abrigo do Comando, ali no desempenho das suas mais nobres funções. Na ala da direita, que mais correto será dizer que é do Poente, a configuração do recinto vai-se aprimorando com mais um alongado abrigo onde funcionam o posto de socorros e a messe de oficiais e sargentos. E agora, se ao entrar, que é pelo Norte, nos virarmos para o lado esquerdo, temos logo ali, em tosca simetria com o abrigo do Comando, o depósito de géneros, o posto de rádio, e aqui que ninguém nos ouve, o centro cripto. E o desenho do terreiro, serve de muita coisa, e também de campo de futebol e de parada, completa-se nos intervalos com construções mais ligeiras e desenterradas, dispostas como todas as outras ao longo e do lado de dentro da dupla fiada de arame farpado: é o conjunto do forno do pão e das cozinhas, do gerador e da ferrugem. Fora deste esquema estão o paiol, do lado de fora do alinhamento, mas dentro da rede de arame farpado que ali se alargou um pouco mais e, onde deu mais jeito, os sanitários e cantina. E entre o arame e o topo sul da tabanca, ali mesmo ao pé da porta de armas, o único edifício que, se calhar merece tal nome – a escola. E, para já, é tudo. É tudo, não. Porque deixávamos passar o que no conjunto até é o mais saliente – as quatro torres de vigia, de secção quadrangular, com seus telhados de zinco a quatro águas, sobressaindo, mais ou menos a meio das quatro casernas – abrigos”.
Ali estão, fazem furtivas incursões, as operações de ronco são encargo das forças especiais. Trata-se de uma escrita sem prosápia, um documento que preza, acima de tudo, as revelações do comportamento não embotadas pela dureza da guerra.
Segue-se uma descrição do dia-a-dia, com afazeres, incumbências e estados de espírito, desbobinam-se as pequenas chatices, as idas à água e os reabastecimentos de mês a mês. Depois, a guerra é reveladora do melhor e pior da condição humana, o Moura do 1º Grupo de Combate, um dos tais que viera diretamente de Penamacor, que talvez arrombasse carros ou andasse a furtar recheios, agora deu-lhe para o sentimento, trouxe uma gatinha do Cumeré, fez-lhe uma casota que prantou entre o abrigo e o arame farpado, afaga o bicho com as duas mãos, é nisto que chamam o pelotão que está de serviço interno para ir à pista, do avião saem dois senhores, o comandante de batalhão e o oficial de operações, o assunto que os traz é Tiligi, Queré, Inquida e Choquemone, afinal vão mesmo ao Insumeté, uma península, não rodeada de água por todos os lados menos por um mas que vai dar ao mesmo, se em vez de água pusermos bolanha. Vão com o pelotão de milícias, tudo vai correr nos conformes até à emboscada, infelizmente que não chegou na hora certa o apoio aéreo, andaram por ali a penar. O regresso foi penoso, no fundo uma operação sem história.
Aqueles combatentes são seres humanos, escrevem às namoradas com juras de amor, fala-se mesmo em casamento na situação em que a rapariga ficou grávida. O quartel aprimora-se, a escola funciona, os autóctones não prescindem dos seus festejos, os trabalhos de reordenamento vão de vento em popa. Segue-se uma incursão a Inquida, novo susto. O Moura perdeu a cabeça e quis abater o nosso capitão, tudo se resolveu a bem. O autor disserta sobre os santuários e estas incursões sem proveito nem glória. Dá-se um tremendo acidente, vem de Bissau o comandante-chefe e apostrofa nosso capitão em público. Descobre-se um negócio sórdido em que o pessoal turra do Tiligi, segundo constava, punham minas, que as milícias levantavam, auferindo os prémios. A verdade é que “Os tipos do Tiligi iam levantar os engenhos aos grandes campos de minas de Bula e logo que as tinham com eles, lá arranjavam maneira de fazer chegar tão preciosa informação aos seus conhecidos e provavelmente amigos do lado de cá. Estes, no retorno levavam-lhes metade dos respetivos prémios. Assim seria o trato. Entendeu-se que não havia nada a fazer a não ser acabar com esta mina das minas”.
É uma obra que deliberadamente não anda em permanência à procura dos urros, das fúrias, das emboscadas, das enormes flagelações, de tonitruantes atos heroicos. Não é um livro de guerra condimentado de feitos ou exaltação épica, versa homens na sua condição de combatentes que têm vida própria, estão providos de memória e vivem conjuntamente o mesmo penar, a retaguarda dos combatentes assoma à primeira linha, recorrente, é um caso inédito na especificidade desta literatura. Até porque o capitão sofre com a pesada humilhação pespegada pelo comandante-chefe, sai da companhia, o resto é rememoração, o capitão foi para Bula, aqui o capitão narrador descreve a localidade e é um pouco cruel ao retratar os seus pares. E regressam, fazem o espólio e partem para as origens:
“O Paredes já ali vai. Deixem-no ir também, que está mesmo aflitinho por pegar no pimpolhozinho que ainda avistou de raspão lá fora e por dar um apertado abraço à Amélia, que ainda não chegámos ao tempo de beijos de amor no meio da rua e à frente de toda a gente. Agora vai ali o furriel Antunes; sem pressas, como sempre. Assim que chegar a Mondim, e tal como as coisas por lá estão, com a mãe muito doente e o pai envelhecido e cansado da vida, vai provavelmente começar logo uma outra sobreposição e render o pai na condução da empresa. O alferes Costa também já lá vai. Mas já não é o mesmo. Agora passou e quase que nem nos falou. Seria do ferimento no Insumeté, das operações que teve de fazer – e dizem que estas coisas das anestesias deixam sempre as suas marcas numa pessoa, de coisas que se teriam passado por lá por Tite, quem sabe”.
Uma obra inqualificável, moldada pela ternura e os fios que a amizade tece na tal dureza da guerra.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11016: Notas de leitura (453): "A Mulher Portuguesa na Guerra", coordenação do Cor Alberto Reis Soares e "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P11036: Agenda cultural (254): "Tabatô" (curta) e "A Batalha de Tabatô" (longa metragem), dois filmes portugueses, do realizador João Viana, na seleção oficial do Festival de Cinema de Berlim, 7-17 de fevereiro de 2013 (Luís Graça)
Sitio, na Net, da produtora de cinema Papaveronoir, criada pelo realizador João Viana, que consegue cometer a proeza de pôr dois filmes na seleção oficial do Festival de Cinema de Berlim (Berlim, 7-17 de fevereiro de 2013), a curta Tabatô e a longa metragem A batalha de Tabatô...
1. “Tabatô” e "A batalha de Tabatô", do jovem realizador português João Viana, fazem parte da seleção oficial do Festival de Cinema de Berlim, um dos mais importantes a nível mundial, e que tem data marcada, de 7 a 17 de fevereiro deste ano.
(i) "Tabatô" integra a competição oficial de curtas-metragens. É a única película nacional a competir nesta categoria. Em 2011, “Rafa”, de outro português, João Salaviza, conquistou o Urso de Ouro em Berlim, nesta categoria. Por sua vez, Miguel Gomes venceu, no mesmo festival, os prémios da crítica e da inovação com a longa-metragem Tabu.
Rodado na Guiné-Bissau, "Tabatô" e conta a história do regresso de Mutar, um antigo combatente da guerra colonial, à sua terra natal, Tabatô, em que todos os habitantes são músicos. A mala que transporta consigo e a curiosidade da filha vão desencadear uma série de acontecimentos que culminam num final trágico.Pensada inicialmente como um documentário, a curta acabou por seguir o caminho da ficção.
João Viana, realizador reconhecido internacionalmente, nasceu em Angola em 1966, de pais portugueses. estudou cinema no Porto e licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Compete pela primeira vez em Berlim. Trabalha em cinema, nas áreas de argumento, realização e produção. Escreveu o argumento de "Olhos Vermelhos“ para Paulo Rocha e trabalhou com prestigiados cineastas como João de César Monteiro, Manuel de Oliveira, Werner Schroeter, entre outros. Realizou „A piscina“ (2004) e a curta metragem "Alfama“ (2011).A sua primeira curta, “A Piscina”, atingiu a marca de 60 presenças em festivais de cinema nos cinco continentes, com destaque para o de Veneza, tendo sido premiada em Portugal, Espanha, França e Itália. Em 2009 criou a sua própria produtora, a Papaveronoir.
Sobre Tabatô, João Viana explicou que “é um filme passado numa aldeia de músicos, no centro da Guiné-Bissau, uma aldeia assim mítica”, que ficou a conhecer através de um músico alemão.
(ii) "A Batalha de Tabatô"
Sinopse
O pai de Fatu volta a casa, na Guiné-Bissau, vindo de Portugal para assistir a seu casamento. A jovem ensina na universidade e seu futuro marido é um músico bem conhecido. O casamento deve realizar-se em Tabatô, uma aldeia onde todos são músicos. No caminho até lá, torna-se evidente que o pai sofre de stresse pós-traumático de guerra, na sequência da sua experiência como combatente, décadas atrás, da guerra colonial.
Narrativa pós-colonial a preto e branco e vermelha, este filme, visualmente fascinante, incorpora muitos elementos documentais na sua história: por exemplo, as referências às realizações históricas e às tradições culturais dos mandingas, da África Ocidental; ou o enfoque na tabanca de Tabatô e na vida real dos seus músicos; as imagens do cinema, cemitério, porto e bolanhas. O homem, já de certa idade, transporta relíquias da guerra na sua mala. Os jovens estão cansados dos frequentes golpes de Estado. Ambas as realidades marcam a atualidade do país. Quando o pai decide finalmente lutar contra os seus demónios e os músicos da aldeia acompanham o processo tocando os seus balafons trava-se uma batalha entre guerra e a paz, o passado e o futuro. [Fonte: Berlinale.de. Adapt. por LG]
Cartaz de A Batalha de Tabatô; Argumento e realização: João Viana; Produção: Papaveronoir; Género: Documentário; Duração: 90'; Intérpretes: Fatu Djebaté, Mamadu Baio, Mutar Djebaté.
Fonte: Papaveronoir
2. Comentário de L.G..
No meu dia de aniversário, 29 de janeiro transato, passei um serão agradável, com a família... O meu filho João Graça, médico, músico e nosso grã-tabanqueiro, fez-me uma deliciosa surpresa: imaginem que me trouxe um músico guineense, Mamadu Baio, da famosa tabanca de Tabatô, líder dos Super Camarimba, de que sou fã (, aliás, somos,. toda a família...).
Estivemos até à 1 da noite na conversa e a ouvir música afromandinga... Foi aí que soube da existência dos filmes do João Viana sobre Tabatô. O Mamadu Baio casou com uma jovem cooperante portuguesa, a Sílvia, professora, de Évora, que também veio jantar connosco. O João conheceu o Mamadu Baio em Bissau, em dezembro de 2009. É um jovem músico, talentoso, que precisa do nosso apoio, ajuda, carinho...
Está há um ano em Portugal, e a preparar o seu próximo CD. A sua tabanca, única na Guiné, de trovadores e músicos, chamava-se Dando, no nosso tempo, na antiga estrada Bafatá -Nova Lamego, a cerca de 12 km, a leste de Bafatá (vd. carta de Bafatá). Hoje é Tabatô. É seguramente a mais "internacional" das tabancas da Guiné-Bissau...
Do Mamadu Baio, vamos seguramente ouvir falar mais vezes. Dele e da Sílvia, os nossos dois próximos grã-tabanqueiros. Já aceitaram o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande. São ambos fãs do nosso blogue. A Silvia viveu cinco anos na Guiné-Bissau, como cooperante. E o Mamadu já fala razoavelmente bem o português: nunca foi à escola, como muitos jovens guineenses...
_____________
Nota do editor:
Último poste da série > 30 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11025: Agenda cultural (253): Mesa redonda: reflexões sobre o devir guineense. Auditório CIUL, Picoas Plaza, 17h45, Lisboa, 30 de Janeiro de 2013
Do Mamadu Baio, vamos seguramente ouvir falar mais vezes. Dele e da Sílvia, os nossos dois próximos grã-tabanqueiros. Já aceitaram o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande. São ambos fãs do nosso blogue. A Silvia viveu cinco anos na Guiné-Bissau, como cooperante. E o Mamadu já fala razoavelmente bem o português: nunca foi à escola, como muitos jovens guineenses...
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Nota do editor:
Último poste da série > 30 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11025: Agenda cultural (253): Mesa redonda: reflexões sobre o devir guineense. Auditório CIUL, Picoas Plaza, 17h45, Lisboa, 30 de Janeiro de 2013
Guiné 63/74 - P11035: Memória dos lugares (209): Fajonquito 2011 - Vestígios da tropa portuguesa (Cherno Baldé)
1. Mensagem do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, com data de 27 de Janeiro de 2013:
Caro Luís e Carlos Vinhal,
Junto envio algumas imagens no intuito de proceder a eventual decoração do ultimo texto enviado para publicação.
Um abraço amigo
Cherno Baldé
PS: - Tenho recebido, ultimamente, uma avalanche de pedidos de amizade via facebook, de antigos combatentes da Guiné, que muito me comoveram e aproveito para agradecer a toda a equipa de Editores e Colaboradores da Tabanca Grande, em especial ao Carlos Vinhal que, desconfio, deve estar a impulsionar esta euforia de manifestação de amizade que muito me honra.
Vestígios da caserna - abrigo do segundo pelotão no lado norte do quartel de Fajonquito. Na imagem, por baixo, ainda é visível o emblema da companhia.
CCAC 3549 - DEIXÓS-POISAR - 1972-74 (Foto de 2011)
Fajonquito > Aqui era um posto de vigilância, equipado com uma metralhadora no ângulo sudoeste do quartel, entre a pista dos aviões e o paiol de munições. As mangueiras são vestígios de antigas habitações da população mandinga que fugiu da aldeia no início da guerra.
Na foto: Cherno, filhos e uma sobrinha (filha de Algassimo, um amigo de infância).
Fajonquito > Aqui era o campo de futebol cinco, ao fundo vê-se a antiga casa comercial Ultramarina onde residia o Capitão da companhia e funcionava a messe dos oficiais.
Na foto: Cadijatu (sobrinha), Domingos, Yussuf e Abduramane (meus filhos).
Fajonquito > Em 1969, a CCAC 2435 de Capitão Carvalho reorganizou e construiu o sistema defensivo do aquartelamento de Fajonquito. Nessa altura, deslocaram a parte da população que vivia no lado Oeste para o lado Este, libertando espaço de tiro e de manobra táctica as tropas estacionadas no quartel.
Fajonquito > Antigo paiol de munições, situado no ângulo oeste do aquartelamento, construído pela CCAC 2435 em 1969 (as mangueiras testemunham vestígios de antigas habitações da população deslocada (fulas) ou fugida para o mato (mandingas).
Fajonquito > Poilão que, entretanto, cresceu majestoso no centro do antigo quartel entre a antiga casa do gerador (onde se vêem as barracas) e o campo de futebol de onze.
Bissau, Janeiro de 2012 > Domingos (Mohamed Ali) e Luís (Bubacar) no jardim da Praça dos Heróis Nacionais/ Império. Ao fundo estão os escritórios da CAON-FED, meu local de serviço, actualmente.
Bissau > A caminho do Carnaval 2012. A minha esposa, seus dois filhos mais novos (Ali e Buba) e Fatinha (sobrinha).
Notas do editor:
- Estas fotos faziam parte de um trabalho que o nosso amigo Chico nos mandou em formato Power Point. Conforme acordado com ele, depois de transformadas em JPEG, aproveitaram-se para ilustrar a série Memória dos Lugares.
Vd. último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11013: Memória dos lugares (208): Buruntuma, memorial da CART 1742 (1968/69) (Eduardo Campos)
Caro Luís e Carlos Vinhal,
Junto envio algumas imagens no intuito de proceder a eventual decoração do ultimo texto enviado para publicação.
Um abraço amigo
Cherno Baldé
PS: - Tenho recebido, ultimamente, uma avalanche de pedidos de amizade via facebook, de antigos combatentes da Guiné, que muito me comoveram e aproveito para agradecer a toda a equipa de Editores e Colaboradores da Tabanca Grande, em especial ao Carlos Vinhal que, desconfio, deve estar a impulsionar esta euforia de manifestação de amizade que muito me honra.
Vestígios da caserna - abrigo do segundo pelotão no lado norte do quartel de Fajonquito. Na imagem, por baixo, ainda é visível o emblema da companhia.
CCAC 3549 - DEIXÓS-POISAR - 1972-74 (Foto de 2011)
Fajonquito > Aqui era um posto de vigilância, equipado com uma metralhadora no ângulo sudoeste do quartel, entre a pista dos aviões e o paiol de munições. As mangueiras são vestígios de antigas habitações da população mandinga que fugiu da aldeia no início da guerra.
Na foto: Cherno, filhos e uma sobrinha (filha de Algassimo, um amigo de infância).
Fajonquito > Antiga casa do gerador, onde trabalhava o Morais, situada no centro do aquartelamento.
Na foto: Domingos, Cadijatu e Yussuf.
Fajonquito > Aqui era o campo de futebol cinco, ao fundo vê-se a antiga casa comercial Ultramarina onde residia o Capitão da companhia e funcionava a messe dos oficiais.
Na foto: Cadijatu (sobrinha), Domingos, Yussuf e Abduramane (meus filhos).
Fajonquito > Em 1969, a CCAC 2435 de Capitão Carvalho reorganizou e construiu o sistema defensivo do aquartelamento de Fajonquito. Nessa altura, deslocaram a parte da população que vivia no lado Oeste para o lado Este, libertando espaço de tiro e de manobra táctica as tropas estacionadas no quartel.
Fajonquito > Antigo paiol de munições, situado no ângulo oeste do aquartelamento, construído pela CCAC 2435 em 1969 (as mangueiras testemunham vestígios de antigas habitações da população deslocada (fulas) ou fugida para o mato (mandingas).
Fajonquito > Poilão que, entretanto, cresceu majestoso no centro do antigo quartel entre a antiga casa do gerador (onde se vêem as barracas) e o campo de futebol de onze.
Bissau, Janeiro de 2012 > Domingos (Mohamed Ali) e Luís (Bubacar) no jardim da Praça dos Heróis Nacionais/ Império. Ao fundo estão os escritórios da CAON-FED, meu local de serviço, actualmente.
Bissau > A caminho do Carnaval 2012. A minha esposa, seus dois filhos mais novos (Ali e Buba) e Fatinha (sobrinha).
Bissau, 2011 > Cherno Baldé repousando em casa.
____________Notas do editor:
- Estas fotos faziam parte de um trabalho que o nosso amigo Chico nos mandou em formato Power Point. Conforme acordado com ele, depois de transformadas em JPEG, aproveitaram-se para ilustrar a série Memória dos Lugares.
Vd. último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11013: Memória dos lugares (208): Buruntuma, memorial da CART 1742 (1968/69) (Eduardo Campos)
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Guiné 63/74 - P11034: Facebook...ando (22): José Guerreiro, natural de Portimão, em busca dos seus camaradas da CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar, 1972/74)
Foto nº 1
Foto nº 3
Fotos do José Guerreiro, natural de Portimão, publicadas na nossa página do Facebook, Tabanca Grande. Legendas: "Homens forçados a ir à guerra" (Foto nº 1); " A saida de Cabochanque para Bissau, em LDG, Maio de 1974" (Foto nº 2); "A nossa bandeira" (Foto nº 3).
Fotos (e legendas): © José Guerreiro (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas por L.G.).
1. Mensagem de José Guerreiro [, foto à esquerda]:
"A minha companhia era CCAÇ 4541, de 1972/74. Estive em Caboxanque, Cadique Jembarém e Cufar e depois fui para Bissau. Gostava de encontrar antigos camaradas. Um abraço a todos os combatentes"
O José Guerreiro tem conta no Facebool, desde 31/3/2010. Tem ainda pouca informação sobre o seu tempo na Guiné(1972/74). Perguntei-lhe se tinha mais fotos...
Fica aqui, desde já, apresentado na outra "montra" da Tabanca Grande, o nosso blogue... Já aqui publicámos, há uns meses atrás, um poste sobre a CCAÇ 4541/72 (**). Através de um sobrinho, apareceu-nos o Duarte Barros, camarada desta companhia, a divulgar os seus contactos.
Entretanto, o nosso colaborador José Martins forneceu-nos os seguintes elementos sobre a companhia (de que muito pouco sabíamos):
Companhia de Caçadores 4541/72:
Mobilizada no RI 15 – Tomar
Embarque em 21SET72 (avião) regresso em 25Ago74
Comandantes: Cap Mil Inf António Pais Dias da Silva, Cap Cav Fernando Emanuel de Carvalho Bicho, e de novo o primeiro comandante.
Ver: aguerracontinua.blogspot.com/
Ver também: Jorge Santos - Sargento Mor – Coimbra: 968 225 050 e Guilermino 914 679 512.
Mando um abraço ao Zé Guerreiro. Ele que contacte estes seus camaradas. E que apareça, aqui, para poder integrar de pleno direito a nossa Tabanca Grande. Queremos saber mais sobre ele e a sua companhia. Que nos mande um email.
Um abraço.
LG (**)
____________
Notas do editor:
(*) 26 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9949: Em busca de... (189): Contactos de pessoal da CCAÇ 4541/72 (Márcio Sousa/Duarte Barros)
(...) Olá, Luís Graça: O e-mail é do meu sobrinho, se responderes, ele comunica-me. Tenho em casa uma lista dos meus camaradas da Companhia de Caçadores 4541, mas não tenho os contactos e moradas. Gostava muito de contactar alguns via CTT, ou por telefone. Mobilizada no RI 15 – Tomar
Embarque em 21SET72 (avião) regresso em 25Ago74
Comandantes: Cap Mil Inf António Pais Dias da Silva, Cap Cav Fernando Emanuel de Carvalho Bicho, e de novo o primeiro comandante.
Ver: aguerracontinua.blogspot.com/
Ver também: Jorge Santos - Sargento Mor – Coimbra: 968 225 050 e Guilermino 914 679 512.
Mando um abraço ao Zé Guerreiro. Ele que contacte estes seus camaradas. E que apareça, aqui, para poder integrar de pleno direito a nossa Tabanca Grande. Queremos saber mais sobre ele e a sua companhia. Que nos mande um email.
Um abraço.
LG (**)
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Notas do editor:
(*) 26 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9949: Em busca de... (189): Contactos de pessoal da CCAÇ 4541/72 (Márcio Sousa/Duarte Barros)
Como tu estás muito atento a estas coisas, se te for possível mandares-me alguns contactos agradecia, principalmente do alferes Xavier. Porque nunca mais tive novidades do pessoal.
Duarte Barros,
Arcos de Valdevez
Duarte Barros,
Arcos de Valdevez
Guiné 63/74 - P11033: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (4): Quem vem lá?
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de Janeiro de 1971 a Outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.
Foto: © Morais da Silva (2012). Todos os direitos reservados.
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), com data de 26 de Janeiro de 2013:
Caros Luís Graça/Carlos Vinhal,
Envio a minha modesta contribuição para o gigantesco trabalho, que vocês magistralmente desenvolvem e administram.
FANTASMAS DO FUNDO BAÚ
4 - QUEM VEM LÁ???
Quando cheguei a Gadamael, para assumir o comando do 23° Pel Art, lá pelos meados de 1970, encontrei uma Companhia em fim de comissão (tinham acabado de evacuar Ganturé), logo em seguida veio uma Companhia de Infantaria, e se seguiram alguns agitados dias.
É desses tempos, tentando responder a perguntas de um Camarada Historiador, o que, diga-se de passagem, não consegui fazer a contento, que surgiram do "fundo do baú", alguns "causos", cuja "gravação" era um pouco mais nítida.
Foi num dia, o que na altura se entendeu como tentativa de invasão do quartel. Lembro que alguém informou que o IN estava no fim (começo) da pista, o Capitão duvidou, contudo, por segurança, mandou uma Panhard fazer um reconhecimento. É um facto conhecido, que o apontador foi morto e o condutor voltou "transtornado"; em seguida, desencadeou-se um dos piores ataques a Gadamael no período (aliás no P7142 e no P7186 tem foto da parede da messe com os estilhaços desse dia).
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Ex-edifício do comando, com vestígios de estilhaços
Foto e legenda: © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados
A outra suposta tentativa de invasão, penso "in the best of my recollection" (lá vem o recurso ao famigerado anglicismo), que o Comando já era do então Capitão de Artilharia Morais Silva, lembro ainda, que lá estavam os Comandos Africanos sob o comando do então Alferes Zacharias Sayeg. Julgo, que foi nessa data que fizemos disparo direto com o obus (10,5) para o fim da pista, num total do dia de cerca de 200 disparos, o que foi um erro meu, pois, entrei na "reserva estratégica" (que me perdoem os Artilheiros se não é este o termo exato); soube mais tarde por Oficiais lotados no comando da Artilharia, que por esse erro, o "Paizinho" pensou em me punir, o que não se concretizou.
Nesse dia, após uma violenta flagelação, com aproximação até à pista de pouso, aconteceu algo inusitado, que quase acabou em tragédia. Alguém falou que o IN tinha entrado no quartel no fim do ataque, então, o Capitão, serenamente, mandou todos para as valas, e ordenou que eu fizesse a volta no sentido contrário ao dele, e o encontrasse no Posto de Comando, assim, em tese, não haveria dentro do perímetro do quartel, ninguém em pé além de nós dois.
Como eu não tinha hábito de usar arma, havia um soldado do PelArt, Meta Camará, que além de excelente Artilheiro era atirador de elite (morreu com um tiro de um franco atirador numa viagem a Cacine), que normalmente me acompanhava, quando eu achava necessário. Disse a ele, sem deixar margem a dúvidas, que à minha ordem de fogo, ou se eu me atirasse no chão, deveria disparar a G3 da melhor maneira possível.
Eis senão quando, a meio caminho entre os obuses e o comando, junto à divisão com a tabanca (o trajeto fica bem claro na foto de Gadamael de autoria do Coronel Morais Silva) surgem dois vultos. Numa fração de segundo, que eu nunca soube precisar, decidi perguntar "quem vem lá", ... eram dois graduados da Companhia de Comandos, que provavelmente estavam na tabanca, e não ouviram a ordem do Capitão!!!
Eh, depois de mais de quarenta anos, fica assim...
forte abraço
Vasco Pires
____________
Nota do editor:
Vd. último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10941: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (3): A morte, em 24/1/1971, do cap inf op esp Fernando Assunção Silva, 1º comandante da CCAÇ 2796, e meu amigo
Foto: © Morais da Silva (2012). Todos os direitos reservados.
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), com data de 26 de Janeiro de 2013:
Caros Luís Graça/Carlos Vinhal,
Envio a minha modesta contribuição para o gigantesco trabalho, que vocês magistralmente desenvolvem e administram.
FANTASMAS DO FUNDO BAÚ
4 - QUEM VEM LÁ???
Quando cheguei a Gadamael, para assumir o comando do 23° Pel Art, lá pelos meados de 1970, encontrei uma Companhia em fim de comissão (tinham acabado de evacuar Ganturé), logo em seguida veio uma Companhia de Infantaria, e se seguiram alguns agitados dias.
É desses tempos, tentando responder a perguntas de um Camarada Historiador, o que, diga-se de passagem, não consegui fazer a contento, que surgiram do "fundo do baú", alguns "causos", cuja "gravação" era um pouco mais nítida.
Foi num dia, o que na altura se entendeu como tentativa de invasão do quartel. Lembro que alguém informou que o IN estava no fim (começo) da pista, o Capitão duvidou, contudo, por segurança, mandou uma Panhard fazer um reconhecimento. É um facto conhecido, que o apontador foi morto e o condutor voltou "transtornado"; em seguida, desencadeou-se um dos piores ataques a Gadamael no período (aliás no P7142 e no P7186 tem foto da parede da messe com os estilhaços desse dia).
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Ex-edifício do comando, com vestígios de estilhaços
Foto e legenda: © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados
A outra suposta tentativa de invasão, penso "in the best of my recollection" (lá vem o recurso ao famigerado anglicismo), que o Comando já era do então Capitão de Artilharia Morais Silva, lembro ainda, que lá estavam os Comandos Africanos sob o comando do então Alferes Zacharias Sayeg. Julgo, que foi nessa data que fizemos disparo direto com o obus (10,5) para o fim da pista, num total do dia de cerca de 200 disparos, o que foi um erro meu, pois, entrei na "reserva estratégica" (que me perdoem os Artilheiros se não é este o termo exato); soube mais tarde por Oficiais lotados no comando da Artilharia, que por esse erro, o "Paizinho" pensou em me punir, o que não se concretizou.
Nesse dia, após uma violenta flagelação, com aproximação até à pista de pouso, aconteceu algo inusitado, que quase acabou em tragédia. Alguém falou que o IN tinha entrado no quartel no fim do ataque, então, o Capitão, serenamente, mandou todos para as valas, e ordenou que eu fizesse a volta no sentido contrário ao dele, e o encontrasse no Posto de Comando, assim, em tese, não haveria dentro do perímetro do quartel, ninguém em pé além de nós dois.
Como eu não tinha hábito de usar arma, havia um soldado do PelArt, Meta Camará, que além de excelente Artilheiro era atirador de elite (morreu com um tiro de um franco atirador numa viagem a Cacine), que normalmente me acompanhava, quando eu achava necessário. Disse a ele, sem deixar margem a dúvidas, que à minha ordem de fogo, ou se eu me atirasse no chão, deveria disparar a G3 da melhor maneira possível.
Eis senão quando, a meio caminho entre os obuses e o comando, junto à divisão com a tabanca (o trajeto fica bem claro na foto de Gadamael de autoria do Coronel Morais Silva) surgem dois vultos. Numa fração de segundo, que eu nunca soube precisar, decidi perguntar "quem vem lá", ... eram dois graduados da Companhia de Comandos, que provavelmente estavam na tabanca, e não ouviram a ordem do Capitão!!!
Eh, depois de mais de quarenta anos, fica assim...
forte abraço
Vasco Pires
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10941: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (3): A morte, em 24/1/1971, do cap inf op esp Fernando Assunção Silva, 1º comandante da CCAÇ 2796, e meu amigo
Guiné 63/74 - P11032: Humor de caserna (29): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (2): Ela queria um canhão
1. Em mensagem do dia 17 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos mais este pensamento...
O Cifra já sabe que, depois de verem o título, vão pensar outra vez, que vai sair coisa, que não tem nada a ver com emboscadas e guerra, com tiros, granadas, mortos e feridos, mas desta vez tem a ver com “Canhões”, que são muito mais fortes e mortais, que todas essas armas ligeiras, que os militares de acção, usavam no conflito triste e horroroso porque passámos, e talvez vão dizer como costume, os que viverem no mundo que fale inglês:
- It’s good that story has some sense.
No mundo que fale francês, dizem:
- Il est bon que l’histoire a un sens.
No mundo que fale germânico, friamente, dizem:
- Es ist gut, dass die Geschichte einen Sinn hat.
No mundo que fala espanhol, entre dois ou três “zzz”, dizem:
- Es bueno que la historia tiene un sentido!.
Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a comer, e depois dizem:
Perceberam?. Não. Deixem lá, pois o Cifra, também não percebeu.
E nós portugueses, depois de encolher os ombros, dizemos:
- É bom que a história tenha algum senso.
Pois é verdade, depois de pensar, e sempre com receio que os amigos antigos combatentes, o Luís Graça, o Carlos Vinhal e os restantes editores deste grande blogue, e todos aqueles que têm a pachorra para ainda lerem estes escritos, não fiquem a pensar coisas que não são, pois os sentimentos do Cifra são só única e simplesmente bons, e tenta escrever uma linguagem decente, embora com alguns erros que o Carlos Vinhal, com toda a dedicação, corrige, mas não pode resistir a contar esta história, um pouco comovente, pois estes pais deram tudo e sofreram para que a sua filha fosse feliz, e finalmente o acaso trouxe-lhes a felicidade da sua extremosa e educada filha.
A sua mãe, quando soube que a trazia no ventre, era a mulher mais feliz do mundo, sempre teve os cuidados que uma mãe moderna e informada tem, nasceu numa clínica, não daquelas do Estado, mas numa daquelas com um nome sonante, para que no futuro constasse no seu bilhete de identificação, teve o carinho da sua extremosa mãe, do seu dedicado pai, e demais membros da família, assim como algumas “Babás”, que era como chamavam às dedicadas mulheres que se alugavam ao dia para tomarem conta de bebés ricos. Frequentou a escola privada de crianças quase bebés, foi para uma escola primária particular, depois um colégio com nome, em seguida a universidade, onde o seu pai era professor-doutor, fez um estágio de pós-graduação numa universidade no estrangeiro, para lhe dar nome, e para que constasse no seu currículo, tudo isto tinha esta jovem, mas não se sentia feliz.
Os pais, definhavam-se, e perguntavam o que teriam que fazer mais para que a sua adorada filha se sentisse uma pessoa normal e tivesse alguma alegria em viver neste mundo, pois não sabiam o que tinham feito de mal na educação dela.
Um dia, fazem uma viagem ao estrangeiro, a um país exótico, onde num daqueles programas de intretenimento que os hotéis vendem para que as pessoas não passem todo o tempo bebendo “martinis” e outras bebidas, lá “encurralados”, vão dar um passeio de barco, num rio da selva, onde dado ao evoluir das mentalidades revolucionárias, rebenta, nesse preciso momento, uma revolução armada, e são feitos prisioneiros de guerra. O pai e a sua extremosa mãe choravam, e para surpresa de todos, ela assim que viu um canhão, daqueles compridos, agarra-se a ele, e mostrou no seu rosto ser a rapariga mais feliz do mundo.
O que ela precisava para ser feliz era um canhão dos compridos, daqueles que não param de disparar, por muitas horas seguidas, que quando apontam, são certeiros e firmes, ajudam a viver e protegem quem os possui, há muitas guerras que começam ou acabam por sorte de quem tem o canhão maior e mais potente, ela, estudada e sabedora desse pormenor, juntou-se à guerrilha, passou a ser uma combatente no verdadeiro sentido da palavra, deram-lhe um canhão, dos bons, grande e comprido, ficou feliz, em outras palavras, assim que se via agarrada ao canhão, era a criatura mais feliz do mundo, como podem observar na fotografia em cima.
Finalmente, os seus pais estavam felizes, a sua filha encontrou aquilo que procurava há muito, que era um canhão, dos compridos, como aquele que a fotografia mostra.
Dizem que Deus escreve direito por linhas tortas.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 17 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10952: Humor de caserna (28): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (1): Cansada de guerra
O Cifra já sabe que, depois de verem o título, vão pensar outra vez, que vai sair coisa, que não tem nada a ver com emboscadas e guerra, com tiros, granadas, mortos e feridos, mas desta vez tem a ver com “Canhões”, que são muito mais fortes e mortais, que todas essas armas ligeiras, que os militares de acção, usavam no conflito triste e horroroso porque passámos, e talvez vão dizer como costume, os que viverem no mundo que fale inglês:
- It’s good that story has some sense.
No mundo que fale francês, dizem:
- Il est bon que l’histoire a un sens.
No mundo que fale germânico, friamente, dizem:
- Es ist gut, dass die Geschichte einen Sinn hat.
No mundo que fala espanhol, entre dois ou três “zzz”, dizem:
- Es bueno que la historia tiene un sentido!.
Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a comer, e depois dizem:
Perceberam?. Não. Deixem lá, pois o Cifra, também não percebeu.
E nós portugueses, depois de encolher os ombros, dizemos:
- É bom que a história tenha algum senso.
Pois é verdade, depois de pensar, e sempre com receio que os amigos antigos combatentes, o Luís Graça, o Carlos Vinhal e os restantes editores deste grande blogue, e todos aqueles que têm a pachorra para ainda lerem estes escritos, não fiquem a pensar coisas que não são, pois os sentimentos do Cifra são só única e simplesmente bons, e tenta escrever uma linguagem decente, embora com alguns erros que o Carlos Vinhal, com toda a dedicação, corrige, mas não pode resistir a contar esta história, um pouco comovente, pois estes pais deram tudo e sofreram para que a sua filha fosse feliz, e finalmente o acaso trouxe-lhes a felicidade da sua extremosa e educada filha.
A sua mãe, quando soube que a trazia no ventre, era a mulher mais feliz do mundo, sempre teve os cuidados que uma mãe moderna e informada tem, nasceu numa clínica, não daquelas do Estado, mas numa daquelas com um nome sonante, para que no futuro constasse no seu bilhete de identificação, teve o carinho da sua extremosa mãe, do seu dedicado pai, e demais membros da família, assim como algumas “Babás”, que era como chamavam às dedicadas mulheres que se alugavam ao dia para tomarem conta de bebés ricos. Frequentou a escola privada de crianças quase bebés, foi para uma escola primária particular, depois um colégio com nome, em seguida a universidade, onde o seu pai era professor-doutor, fez um estágio de pós-graduação numa universidade no estrangeiro, para lhe dar nome, e para que constasse no seu currículo, tudo isto tinha esta jovem, mas não se sentia feliz.
Os pais, definhavam-se, e perguntavam o que teriam que fazer mais para que a sua adorada filha se sentisse uma pessoa normal e tivesse alguma alegria em viver neste mundo, pois não sabiam o que tinham feito de mal na educação dela.
Um dia, fazem uma viagem ao estrangeiro, a um país exótico, onde num daqueles programas de intretenimento que os hotéis vendem para que as pessoas não passem todo o tempo bebendo “martinis” e outras bebidas, lá “encurralados”, vão dar um passeio de barco, num rio da selva, onde dado ao evoluir das mentalidades revolucionárias, rebenta, nesse preciso momento, uma revolução armada, e são feitos prisioneiros de guerra. O pai e a sua extremosa mãe choravam, e para surpresa de todos, ela assim que viu um canhão, daqueles compridos, agarra-se a ele, e mostrou no seu rosto ser a rapariga mais feliz do mundo.
O que ela precisava para ser feliz era um canhão dos compridos, daqueles que não param de disparar, por muitas horas seguidas, que quando apontam, são certeiros e firmes, ajudam a viver e protegem quem os possui, há muitas guerras que começam ou acabam por sorte de quem tem o canhão maior e mais potente, ela, estudada e sabedora desse pormenor, juntou-se à guerrilha, passou a ser uma combatente no verdadeiro sentido da palavra, deram-lhe um canhão, dos bons, grande e comprido, ficou feliz, em outras palavras, assim que se via agarrada ao canhão, era a criatura mais feliz do mundo, como podem observar na fotografia em cima.
Finalmente, os seus pais estavam felizes, a sua filha encontrou aquilo que procurava há muito, que era um canhão, dos compridos, como aquele que a fotografia mostra.
Dizem que Deus escreve direito por linhas tortas.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 17 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10952: Humor de caserna (28): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (1): Cansada de guerra
Guiné 63/74 - P11031: O Spínola que eu conheci (26): Talvez só um dos melhores generais dos exércitos europeus do seu tempo (António J. P. Costa / José Carlos Lopes)
Foto nº 41
Foto nº 42
Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)
1. Comentário do nosso camarada Tó Zé [António J. Pereira da Costa, cor art ref] ao poste P11024:
O Caco Baldé acaba por ser um nome carinhoso para materializar a popularidade o prestígio de um chefe. Sabemos bem que essa alcunha casa o monóculo (Caco) com um apelido frequente na Guiné (um espécie de Silva ou Oliveira) e nada mais.
Creio que realizou uma aprendizagem e aproximação lúcida à vida do seu tempo. O sue modo de pensar terá evoluído desde o 345 até à Guiné73 que só poderia desembocar no 25 de abril. Tenho para mim que era um dos melhores generais dos exércitos europeus. Ele tinha mais de 30.000 homens sob o seu comando e mais de meio milhão de civis à sua responsabilidade.
Se tomarmos como referência os países da NATO não vejo nenhum que tivesse algo para lhe ensinar, na prática (bem entendido). Exceptuando os americanos que, riquíssimos em meios, perdiam a guerra do Viet-Nam e os franceses que também não ganharam a da Argélia, todos andavam a "brincar aos soldados" em cenários hipotéticos em que o "insidioso, ardiloso e mauzinho In" vinha de Leste a correr pela Europa fora com uma foice numa mão, um martelo na outra e uma estrelinha no alto da cabeça.
Enquanto que ele tinha operações todos os dias (de todos os tipos e formas); logística (má e insuficiente) todos os dias; gestão de pessoal (insuficiente) todos os dias e todo o resto... e era tudo par ter efeitos ontem, porque amanhã já era outro dia com novos problemas. Depois veio o período mais conturbado que nenhum dos estrangeiros atravessou, mesmo os que poderiam ter tido intervenção na condução da política dos seus países. Andou mal. Poderia ter andado melhor. Talvez, mas os homens que não fazem asneiras normalmente também não fazem mais nada.
Um Ab.
António J. P. Costa (**)
__________
Notas do editor
(*) Vd. I Série > 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
Creio que realizou uma aprendizagem e aproximação lúcida à vida do seu tempo. O sue modo de pensar terá evoluído desde o 345 até à Guiné73 que só poderia desembocar no 25 de abril. Tenho para mim que era um dos melhores generais dos exércitos europeus. Ele tinha mais de 30.000 homens sob o seu comando e mais de meio milhão de civis à sua responsabilidade.
Se tomarmos como referência os países da NATO não vejo nenhum que tivesse algo para lhe ensinar, na prática (bem entendido). Exceptuando os americanos que, riquíssimos em meios, perdiam a guerra do Viet-Nam e os franceses que também não ganharam a da Argélia, todos andavam a "brincar aos soldados" em cenários hipotéticos em que o "insidioso, ardiloso e mauzinho In" vinha de Leste a correr pela Europa fora com uma foice numa mão, um martelo na outra e uma estrelinha no alto da cabeça.
Enquanto que ele tinha operações todos os dias (de todos os tipos e formas); logística (má e insuficiente) todos os dias; gestão de pessoal (insuficiente) todos os dias e todo o resto... e era tudo par ter efeitos ontem, porque amanhã já era outro dia com novos problemas. Depois veio o período mais conturbado que nenhum dos estrangeiros atravessou, mesmo os que poderiam ter tido intervenção na condução da política dos seus países. Andou mal. Poderia ter andado melhor. Talvez, mas os homens que não fazem asneiras normalmente também não fazem mais nada.
Um Ab.
António J. P. Costa (**)
__________
Notas do editor
(*) Vd. I Série > 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...
Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano de Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime. (...)
(**) Último poste da série > 31 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11030: O Spínola que eu conheci (25): "Na Guiné nada acontece por acaso", Com-chefe dixit... (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479/CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Paúnca, 1969/70)
Guiné 63/74 - P11030: O Spínola que eu conheci (25): "Na Guiné nada acontece por acaso", Com-chefe dixit... (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479/CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Paúnca, 1969/70)
1. Mensagem, com data de hoje, de Abílio Duarte, ex-fur nil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente a CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paúnca”) (Contuboel, Nova Lamego e Paúnca, 1969/70):
Assunto: General António Spinola - Caco Baldé.
Olá, Luis Graça,
Sobre a tertúlia do momento (*), quem era o Gen Spinola, tenho que dar o meu testemunho.(**)
Nunca esperei, ao ir para o Ultramar, ter tantas vezes contactos e próximos com o Com-Chefe, que até parecia que estava em todo o lado. Talvez por essa proximidade, e sem qualquer preconceito, me despertou uma grande admiração pela pessoa, como militar e Comandante. É evidente, que ele não podia agradar a todos, mas quem andava no mato, sentia a sua liderança.
A primeira vez que o vi, ao vivo e a cores, foi nos adidos em Bissau, onde ele foi fazer a recepção aos militares, que tinham chegado, no Navio Timor, onde estava a minha CArt 2479 / CArt 11 / CCaç 11.
Estávamos nós alinhados, na Parada, e subindo ele a pé desde a Porta de Armas, com os seu Estado Maior, onde se destacava o Cap Almeida Bruno, o General parecia um manequim da Casa Butler. Onde raio foi ele arranjar aquele camuflado?. Foi logo o nosso comentário.
Foi nesse primeiro discurso, pois ouvi vários, que ele, ao falar aos militares, entre várias frases de alento e incentivo, para as dificuldades que nos esperavam, teve aquela qu, na nossa Companhia, foi sempre referida por todos, " Na Guiné nada acontece por acaso ", e assim foi. Nada acontecia por acaso.
Depois visitou a nossa CArt em Contuboel, onde estávamos a dar instrução aos militares de origem guineense, por três vezes, incluindo um dia que estavámos a fazer instrução de tiro algures no mato e o General apareceu lá, sem mais nem menos, e aquilo, quer queiram ou não, impunha respeito.Vi-o depois em Bissau, aquando do Juramento de Bandeira dos militares que iriam formar a CArt 11 e a CCaç 12. Outro discurso, de envolvimento, em que o pessoal reconhecia a sua capacidade de oratória.
A prenda que tivemos, nesse dia à noite, foi que em vez de nos prepararmos para regressar ao Leste (Contuboel), fomos de prevenção fazer a segurança próxima ao Hospital Militar, pois constava que estava lá um ferido importante, chegou a correr o boato que era o General, mas não, era o cubano Capitão Peralta, e por isso ficamos quase uma semana em Bissau, ao monte nos Adidos.
Atravessei-me com ele novamente em Bissau, no Hospital Militar, quando lá estive para me tratar de doença tropical. Aparecia sempre. Depois ainda o vi mais duas vezes, em Pirada e Nova Lamego.
Há uma coisa, que lhe reconheço, e ninguém pode negar, ele foi comandante Militar numa Guerra, mas também o principal protagonista para o fim da mesma, ao escrever o livro "Portugal e o Futuro", e a controvérsia que esse livro criou, ajudou a acabar com a mortandade da juventude portuguesa, e não só. Por isto tudo, terá sempre a minha admiração e respeito.
Abílio Duarte
___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 30 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11028: Facebook...ando (22): O Spínola que eu conheci... Opiniões e depoimentos de Francisco Palma, Torcato Mendonça, J. Pardete Ferreira, José Basílio Costa, Bernardino Cardoso, Armando Ferreira Martins, Armandino Oliveira, Manuel Reis, João Guerreiro, José Tavares, Francisco Gomes
Assunto: General António Spinola - Caco Baldé.
Olá, Luis Graça,
Sobre a tertúlia do momento (*), quem era o Gen Spinola, tenho que dar o meu testemunho.(**)
Nunca esperei, ao ir para o Ultramar, ter tantas vezes contactos e próximos com o Com-Chefe, que até parecia que estava em todo o lado. Talvez por essa proximidade, e sem qualquer preconceito, me despertou uma grande admiração pela pessoa, como militar e Comandante. É evidente, que ele não podia agradar a todos, mas quem andava no mato, sentia a sua liderança.
A primeira vez que o vi, ao vivo e a cores, foi nos adidos em Bissau, onde ele foi fazer a recepção aos militares, que tinham chegado, no Navio Timor, onde estava a minha CArt 2479 / CArt 11 / CCaç 11.
Estávamos nós alinhados, na Parada, e subindo ele a pé desde a Porta de Armas, com os seu Estado Maior, onde se destacava o Cap Almeida Bruno, o General parecia um manequim da Casa Butler. Onde raio foi ele arranjar aquele camuflado?. Foi logo o nosso comentário.
Foi nesse primeiro discurso, pois ouvi vários, que ele, ao falar aos militares, entre várias frases de alento e incentivo, para as dificuldades que nos esperavam, teve aquela qu, na nossa Companhia, foi sempre referida por todos, " Na Guiné nada acontece por acaso ", e assim foi. Nada acontecia por acaso.
Depois visitou a nossa CArt em Contuboel, onde estávamos a dar instrução aos militares de origem guineense, por três vezes, incluindo um dia que estavámos a fazer instrução de tiro algures no mato e o General apareceu lá, sem mais nem menos, e aquilo, quer queiram ou não, impunha respeito.Vi-o depois em Bissau, aquando do Juramento de Bandeira dos militares que iriam formar a CArt 11 e a CCaç 12. Outro discurso, de envolvimento, em que o pessoal reconhecia a sua capacidade de oratória.
A prenda que tivemos, nesse dia à noite, foi que em vez de nos prepararmos para regressar ao Leste (Contuboel), fomos de prevenção fazer a segurança próxima ao Hospital Militar, pois constava que estava lá um ferido importante, chegou a correr o boato que era o General, mas não, era o cubano Capitão Peralta, e por isso ficamos quase uma semana em Bissau, ao monte nos Adidos.
Atravessei-me com ele novamente em Bissau, no Hospital Militar, quando lá estive para me tratar de doença tropical. Aparecia sempre. Depois ainda o vi mais duas vezes, em Pirada e Nova Lamego.
Há uma coisa, que lhe reconheço, e ninguém pode negar, ele foi comandante Militar numa Guerra, mas também o principal protagonista para o fim da mesma, ao escrever o livro "Portugal e o Futuro", e a controvérsia que esse livro criou, ajudou a acabar com a mortandade da juventude portuguesa, e não só. Por isto tudo, terá sempre a minha admiração e respeito.
Abílio Duarte
___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 30 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11028: Facebook...ando (22): O Spínola que eu conheci... Opiniões e depoimentos de Francisco Palma, Torcato Mendonça, J. Pardete Ferreira, José Basílio Costa, Bernardino Cardoso, Armando Ferreira Martins, Armandino Oliveira, Manuel Reis, João Guerreiro, José Tavares, Francisco Gomes
(**) Último poste da série > 29 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé)
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
Guiné 63/74 - P11029: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (3): Sargento da Guarda ao QG do CTIG
Messe de Oficiais do Quartel General em Sta. Luzia, hoje transformada em Hotel. Ainda dá para ver parte de uma mangueira das muitas que ladeavam os arruamentos.
Foto e legenda: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados
1. Em mensagem do dia 15 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou a terceira peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
3 – Sargento da Guarda ao QG do CTIG
Como é sabido, um militar quando se apresenta numa nova Unidade é, de imediato, integrado na escala de serviço da mesma pois, embora colocado na CSJD, pertencia à CCS/QG/CTIG e fazia diversos serviços dependentes desta, tais como: Sargento da Guarda, de Piquete, rondas nocturnas ao Cupilom (vulgo pilão), segurança nocturna à Pide/DGS, etc., etc., tudo serviços adequados a um bravo e experimentado Amanuense.
Assim, sou escalado para Sargento da Guarda ao QG do CTIG logo no segundo dia após a minha “hospedagem no Biafra” e logo após uma noite mal dormida à custa das ”bazucadas”.
No QG da RML já tinha feito alguns “Sargentos de dia”, mas Sargento da Guarda ao QG nunca tinha feito, de maneira que, atempadamente, verifiquei o estado do camuflado, botas, etc. e deixei tudo prontinho, com o camuflado pendurado aos pés da cama para que na manhã seguinte pudesse partir para a “guerra” sem grandes sobressaltos e fazer uma Guarda de Honra condigna ao homem (Brig. Banazol).
Na manhã do dia seguinte levantei-me a tempo de tratar da minha higiene pessoal, barbinha feita, uma última olhadela às “botifarras” e, toca a ataviar como deve ser que o acto é solene!
Vesti as calças e nada de anormal, calço as botas e idem aspas. Quando visto o blusão, começa um batalhão de baratas, composto por algumas 10 companhias a bater em retirada em todas as direcções, tiro o blusão apressadamente, atiro-o para o chão enojado e…, que faço agora? Outro banho, não dá tempo, o outro camuflado deve estar na “Lavandaria”…, bom, pego no blusão, sacudo-o violentamente várias vezes e lá vou eu receber o homem. E se me sai uma baratona daquelas pela braguilha quando o homem se perfilar em frente à guarda?! Vai ser giro vai!
Lá se efectuou o render da Guarda com a pompa e circunstância que é costume e sem nenhum percalço a salientar e, quando entro na casa da Guarda tenho lá uma nota do 2º Comandante – Cor. Tir. Galvão de Figueiredo - a informar que, nas férias do Comandante ele, 2º Comandante, dispensava os “salamaleques”. O homem está de férias! Desta já me safei! A 2ª vez que estive de Sargento da Guarda, o homem ainda estava de férias e a “coisa” também correu de feição. À 3ª, o homem já regressara e, então, a “coisa” correu mesmo à moda de “um desgraçado de um Amanuense periquito, magricelas e que nunca na vida tinha feito os salamaleques a que um oficial-general tem direito quando chega à sua Tabanca”.
Resumindo: após o render da Guarda e hastear da bandeira, fiquei ali pelo portão aguardando que o homem chegasse para que nada corresse mal.
Passaram as 9h00, as 9h30, as 10h00, eu de camuflado, botifarras, 40º à sombra, humidade à volta dos 90% (um homem não é de ferro, carago!), decido entrar na casa da guarda e pôr-me debaixo da ventoinha. Mas os pés também estavam a cozer! Desaperto os atacadores e alguns botões do blusão, sento-me na cama e deixo-me cair para trás. Já estão a ver o filme, né? Foi tiro e queda!
Estava eu muito entretidinho a sonhar com …. (Já não me recordo, esqueçam), quando sou abruptamente acordado por uns abanões e uma voz aflita que bradava:
- “esfuriel, esfuriel, comandanti!”
Saio disparado sem sequer me lembrar dos atacadores nem dos botões do camuflado.
O PM que estava ao portão avisa-me que o mercedes do homem estava parado lá ao fundo, à sombra de um mangueiro, há já algum tempo.
Ao lado do portão de entrada ficava a guarita da sentinela. Em frente à guarita havia um pequeno jardim em forma de semi-círculo.
Eu e o Cabo da Guarda (também europeu) atravessamos apressadamente o pequeno jardim e fomos formar à esquerda da sentinela e, aí chegados, vejo o resto do pessoal (todos africanos), em fila indiana e em passo de corrida cadenciado, contornar o jardim.
Meio aparvalhado, pergunto-me:
- “Onde é que estes gajos vão, carago!”.
Terminado o circuito, os “contornadores” formam à nossa esquerda.
Pensei: “Bom, já fiz merda!” - Lá se fizeram os “salamaleques” da ordem e, terminada a “sessão solene” lá regressamos a quartéis onde o Oficial de dia – um Capitão Miliciano - me pergunta:
- Então Furriel, o que aconteceu?
- Adormeci e dei barraca.
E ele:
- Também eu adormeci e o homem deitou a mão ao bolso da minha camisa que estava desabotoada e perguntou:
- O que é isto?!
E continuou:
- Olhe, ele disse para você lá ir ao gabinete.
Nessa altura, juro que me apetecia responder:
- “Que venha ele cá abaixo porque eu estou de Sargento da Guarda e não posso abandonar o posto!”
Claro que não o fiz porque iria criar mau ambiente na Unidade já que, muito provavelmente o homem iria responder:
- “Não, que venha cá ele que ainda agora acabei de subir e ele tem estado todo o dia ali alapado!”.
E o empurra para cá, empurra para, lá iria durar uma eternidade e, como não gosto de entrar nessas birras, acabei por ir. Contrariado, mas fui.
- Há quanto tempo está na CCS?
- Há cerca de dois meses meu Co…(fui logo interrompido!)
- Pois, vocês chegam aqui, pensam que isto é a bandalheira do mato, não perguntam nada, se perguntassem sabiam que eu às quintas tenho reunião e que chego sempre mais tarde, - rebéu béu, pardais ao ninho, etc. e tal,…blá blá blá blá !
Eu só abanava a cabeça em sinal de concordância tipo: “ya meu, ya meu, ya meu”.
Passados uns dias, quando volto a entrar de Sargento da Guarda, ao fim da tarde vem o Oficial de dia ter comigo e diz-me:
- Querem a sua presença no gabinete do 2º Comandante.
- “Porra, que foi que eu fiz agora?!” - Berrei eu com os meus botões e confesso que, nessa altura, pensei seriamente em pedir a demissão.
Quando entrei estavam lá o Cor. Galvão de Figueiredo, o Major Leal de Almeida (ex-Coordenador do Batalhão de Comandos Africanos e que, inicialmente, se recusou a participar na operação Mar Verde, acabando por ir a Conakry), um Alf. Milº de Op. Esp. em fim de comissão e que aguardava transporte para regressar à metrópole, um outro Fur. Milº de Transportes e um Cabo Escriturário.
Após uma pequena prelecção, o Cor. Galvão de Figueiredo informa-nos que na manhã seguinte teríamos de embarcar para o Sul. O Major e o Alf. Milº iriam de helicóptero e os outros embarcariam num pequeno cargueiro (vulgo barco turra).
No Sul havia “festa da brava” em Gadamael e eu dei comigo a magicar no que um desgraçado de um Amanuense ainda “pira” iria fazer para a “festa” na companhia de um Major Comando, um Alferes OE e um Cabo escriturário?!
Associei a “gentileza” à minha prestação na 1ª Guarda de Honra que fiz ao homem.
AM
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(Próximo capítulo – (4) Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de > 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10989: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (2): Colocado na CSJD/QG/CTIG
Foto e legenda: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados
1. Em mensagem do dia 15 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou a terceira peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
3 – Sargento da Guarda ao QG do CTIG
Como é sabido, um militar quando se apresenta numa nova Unidade é, de imediato, integrado na escala de serviço da mesma pois, embora colocado na CSJD, pertencia à CCS/QG/CTIG e fazia diversos serviços dependentes desta, tais como: Sargento da Guarda, de Piquete, rondas nocturnas ao Cupilom (vulgo pilão), segurança nocturna à Pide/DGS, etc., etc., tudo serviços adequados a um bravo e experimentado Amanuense.
Assim, sou escalado para Sargento da Guarda ao QG do CTIG logo no segundo dia após a minha “hospedagem no Biafra” e logo após uma noite mal dormida à custa das ”bazucadas”.
No QG da RML já tinha feito alguns “Sargentos de dia”, mas Sargento da Guarda ao QG nunca tinha feito, de maneira que, atempadamente, verifiquei o estado do camuflado, botas, etc. e deixei tudo prontinho, com o camuflado pendurado aos pés da cama para que na manhã seguinte pudesse partir para a “guerra” sem grandes sobressaltos e fazer uma Guarda de Honra condigna ao homem (Brig. Banazol).
Na manhã do dia seguinte levantei-me a tempo de tratar da minha higiene pessoal, barbinha feita, uma última olhadela às “botifarras” e, toca a ataviar como deve ser que o acto é solene!
Vesti as calças e nada de anormal, calço as botas e idem aspas. Quando visto o blusão, começa um batalhão de baratas, composto por algumas 10 companhias a bater em retirada em todas as direcções, tiro o blusão apressadamente, atiro-o para o chão enojado e…, que faço agora? Outro banho, não dá tempo, o outro camuflado deve estar na “Lavandaria”…, bom, pego no blusão, sacudo-o violentamente várias vezes e lá vou eu receber o homem. E se me sai uma baratona daquelas pela braguilha quando o homem se perfilar em frente à guarda?! Vai ser giro vai!
Lá se efectuou o render da Guarda com a pompa e circunstância que é costume e sem nenhum percalço a salientar e, quando entro na casa da Guarda tenho lá uma nota do 2º Comandante – Cor. Tir. Galvão de Figueiredo - a informar que, nas férias do Comandante ele, 2º Comandante, dispensava os “salamaleques”. O homem está de férias! Desta já me safei! A 2ª vez que estive de Sargento da Guarda, o homem ainda estava de férias e a “coisa” também correu de feição. À 3ª, o homem já regressara e, então, a “coisa” correu mesmo à moda de “um desgraçado de um Amanuense periquito, magricelas e que nunca na vida tinha feito os salamaleques a que um oficial-general tem direito quando chega à sua Tabanca”.
Resumindo: após o render da Guarda e hastear da bandeira, fiquei ali pelo portão aguardando que o homem chegasse para que nada corresse mal.
Passaram as 9h00, as 9h30, as 10h00, eu de camuflado, botifarras, 40º à sombra, humidade à volta dos 90% (um homem não é de ferro, carago!), decido entrar na casa da guarda e pôr-me debaixo da ventoinha. Mas os pés também estavam a cozer! Desaperto os atacadores e alguns botões do blusão, sento-me na cama e deixo-me cair para trás. Já estão a ver o filme, né? Foi tiro e queda!
Estava eu muito entretidinho a sonhar com …. (Já não me recordo, esqueçam), quando sou abruptamente acordado por uns abanões e uma voz aflita que bradava:
- “esfuriel, esfuriel, comandanti!”
Saio disparado sem sequer me lembrar dos atacadores nem dos botões do camuflado.
O PM que estava ao portão avisa-me que o mercedes do homem estava parado lá ao fundo, à sombra de um mangueiro, há já algum tempo.
Ao lado do portão de entrada ficava a guarita da sentinela. Em frente à guarita havia um pequeno jardim em forma de semi-círculo.
Eu e o Cabo da Guarda (também europeu) atravessamos apressadamente o pequeno jardim e fomos formar à esquerda da sentinela e, aí chegados, vejo o resto do pessoal (todos africanos), em fila indiana e em passo de corrida cadenciado, contornar o jardim.
Meio aparvalhado, pergunto-me:
- “Onde é que estes gajos vão, carago!”.
Terminado o circuito, os “contornadores” formam à nossa esquerda.
Pensei: “Bom, já fiz merda!” - Lá se fizeram os “salamaleques” da ordem e, terminada a “sessão solene” lá regressamos a quartéis onde o Oficial de dia – um Capitão Miliciano - me pergunta:
- Então Furriel, o que aconteceu?
- Adormeci e dei barraca.
E ele:
- Também eu adormeci e o homem deitou a mão ao bolso da minha camisa que estava desabotoada e perguntou:
- O que é isto?!
E continuou:
- Olhe, ele disse para você lá ir ao gabinete.
Nessa altura, juro que me apetecia responder:
- “Que venha ele cá abaixo porque eu estou de Sargento da Guarda e não posso abandonar o posto!”
Claro que não o fiz porque iria criar mau ambiente na Unidade já que, muito provavelmente o homem iria responder:
- “Não, que venha cá ele que ainda agora acabei de subir e ele tem estado todo o dia ali alapado!”.
E o empurra para cá, empurra para, lá iria durar uma eternidade e, como não gosto de entrar nessas birras, acabei por ir. Contrariado, mas fui.
- Há quanto tempo está na CCS?
- Há cerca de dois meses meu Co…(fui logo interrompido!)
- Pois, vocês chegam aqui, pensam que isto é a bandalheira do mato, não perguntam nada, se perguntassem sabiam que eu às quintas tenho reunião e que chego sempre mais tarde, - rebéu béu, pardais ao ninho, etc. e tal,…blá blá blá blá !
Eu só abanava a cabeça em sinal de concordância tipo: “ya meu, ya meu, ya meu”.
Passados uns dias, quando volto a entrar de Sargento da Guarda, ao fim da tarde vem o Oficial de dia ter comigo e diz-me:
- Querem a sua presença no gabinete do 2º Comandante.
- “Porra, que foi que eu fiz agora?!” - Berrei eu com os meus botões e confesso que, nessa altura, pensei seriamente em pedir a demissão.
Quando entrei estavam lá o Cor. Galvão de Figueiredo, o Major Leal de Almeida (ex-Coordenador do Batalhão de Comandos Africanos e que, inicialmente, se recusou a participar na operação Mar Verde, acabando por ir a Conakry), um Alf. Milº de Op. Esp. em fim de comissão e que aguardava transporte para regressar à metrópole, um outro Fur. Milº de Transportes e um Cabo Escriturário.
Após uma pequena prelecção, o Cor. Galvão de Figueiredo informa-nos que na manhã seguinte teríamos de embarcar para o Sul. O Major e o Alf. Milº iriam de helicóptero e os outros embarcariam num pequeno cargueiro (vulgo barco turra).
No Sul havia “festa da brava” em Gadamael e eu dei comigo a magicar no que um desgraçado de um Amanuense ainda “pira” iria fazer para a “festa” na companhia de um Major Comando, um Alferes OE e um Cabo escriturário?!
Associei a “gentileza” à minha prestação na 1ª Guarda de Honra que fiz ao homem.
AM
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(Próximo capítulo – (4) Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de > 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10989: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (2): Colocado na CSJD/QG/CTIG
Guiné 63/74 - P11028: Facebook...ando (22): O Spínola que eu conheci... Opiniões e depoimentos de Francisco Palma, Torcato Mendonça, J. Pardete Ferreira, José Basílio Costa, Bernardino Cardoso, Armando Ferreira Martins, Armandino Oliveira, Manuel Reis, João Guerreiro, José Tavares, Francisco Gomes
Guiné > Zona leste > Canquelifá > CCAV 2748 > 3
de fevereiro de 1971 > O General Antonio de Spínola, o “Caco Baldé” em
Canquelifá, com a malta da CCAV 2748, a
seguir uma noite de flagelação dura , seguida de remessa de 4 Foguetões 122 ás
4 da manhã. Aquilo era "festa" até ás tantas.
Foto (e legenda): : © Francisco Palma (2013). Todos os direitos reservados
1. Comentários, na nossa página no Facebook, Tabanca Grande, ao poste, 29 do corrente, Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé)
Torcato Mendonça > Foi meu Comandante Chefe. Sabia
comandar tropas e era respeitado. (29/1/20013)
José A. Pardete Ferreira > Foi um bom líder! Não era por
acaso que, quase diariamente, ao
regressar do mato, passava pelo Hospital para se inteirar do estado dos feridos
e dar umas palavrinhas a alguns. No entanto, a primeira vez que o vi, foi empoleirado numa Daimler que lhe servia de
Taxi, da pista do hélio até ao aquartelamento em Cacheu. Do discurso aos
soldados nem vos falo... (29/1/2013)
José Basílio Costa > Foi também o meu Comandante-Chefe e Governador
-Geral da Guiné durante a minha comissão de serviço entre Janeiro de 1971 e
Janeiro de1973. Embora polémico, por ser
muito militarista e disciplinado, era todavia um líder nato, respeitado pelos
soldados pelos quais se preocupava em relação às suas condições de vida nos
aquartelamentos, que visitava de helicóptero, por vezes mais do que um quartel
por dia, e muito temido pelos oficiais responsáveis por esses aquartelamentos
no mato, aos quais exigia responsabilidades quando notava que eles
negligenciavam as suas funções no teatro de operações.
Com a sua Campanha de Acção Psicológia do Programa
"Guiné para Todos", o Gen Spínola conseguiu atrair a simpatia e o
apoio de muitas populações e vários chefes tribais, provocando muitos
dissabores ao PAIGC.
Quando viu que a guerra tinha chegado a um impasse, a partir
do momento em que a Força Aérea se recusou a sair em missões ao mato, depois de
terem sido abatidos alguns aviões de combate pelos famosos mísseis russos Strela,
e percebendo a gravidade da situação foi a Lisboa fazer o ponto da situação ao
Chefe do Governo Marcelo Caetano, dizendo-lhe que a única solução era negociar
com o PAIGC uma retirada honrosa para Portugal.
Como Marcelo não aceitou o abandono da ex-colónia e perante
a recusa do Gen Spínola em continuar a fazer uma guerra perdida, demitiu-o do
cargo de Governador da Guiné, nomeando em seu lugar o Gen Bettencourt
Rodrigues! Passados uns meses publicou o livro "Portugal e o Futuro" que
deu muita polémica e que dava como hipótese para o ex-Ultramar uma solução
federalista, que na altura já não resultaria, dadas as pretensões das
ex-colónias em serem independentes e com fortes apoios internacionais, em
especial dos países do Bloco de Leste, a URSS e a China. Finalmente a partir do
25 de Abril, tornaram-se irreversíveis as independências há tanto tempo
reclamadas das nossas antigas colónias. (29/1/2013)
Bernardino Cardoso > Pois. Em Bula foi da pista do Héli, mais que
uma vez e n vezes… Foi de Panhard. E havia umas seis. A pista era fora do quartel, no topo da pista
de aviação. Uma das primeiras coisas que se sentiram com a sua chegada foi o
preço do Whisky velho que passou de 120 pesos para 90. 25% duma assentada.
Acabou com o "tacho" dum jeitoso que se abotoava com este
dinheirinho. (29/1/2013)
Armando Ferreira Martins > Bati-lhe uma grande palada, à
porta da Capela da BA12. (29/1/2013)
Armandino Oliveira > Eu o conheci em Mansabá, creio
que em 1968, em visita de posse, fiquei impressionado, pela sua postura: monóculo,
bastão, luvas pretas, mangas da camisa camuflada arregaçadas acima do cotovelo.
Confesso, me ví perante um general do exército alemão, na época das SS. (29/1/2013)
Armandino Oliveira > Como militar eu o considerava génio
e afoito, a ponto de, embora na posição hierárquica que tinha, não se escusar
de situações de risco. Todos os comandos tinham "pavor" dele. Soube
que ele teria tido treinamento militar, na época hitelariana, talvez por isso a
sua postura. O major Porto, do BCAV 1897, com quem estive em Mansoa e Mansabà (
1966-1968 ), também tinha uma postura semelhante, mas era um doce de ser
humano. (29/1/2013)
João Guerreiro > Com todo o respeito pelo Ser. General,,militar
com muita presença, só lamento ter um castigo na caderneta, na sua passagem por CContuboel,
70/72-Guiné. (29/1/2013).
José Tavares > Sou de 69-71. Vi-o várias vezes. Pessoalmente gostei
da frontalidade com que ele falava com os soldados em primeiro lugar EREC FOX 2640
(29/1/2013)
Bernardino Cardoso > 1968-69, Bula, Panhards Pel Rec 2024. Não
falei desse aspecto do Spínola porque está tudo dito a seu respeito. Era um
militar de grande craveira e que cativava o respeito e admiração de todos. Foi
a Bula várias vezes. Só referi aquela história do whisky para apontar a forma
determinada como entrou na Guiné e começou a arrumar a casa. Não foi só o
whisky. Foram muitíssimas outras coisas. (29/1/2013)
Francisco Gomes >
Buba 68/69. O gen Spínola fez uma visita ao aquartelamento. A primeira
atitude que teve foi dirigir-se aos soldados para saberem as condições em que
estávamos em ordem a alimentação, reabastecimentos, etc.. Só depois se dirigiu
aos oficiais e sargentos, o que
demonstrou que tinha apreço e humanidade pela tropa fandanga, tantas vezes
humilhada por oficiais superiores. Grande Homem, Grande Militar, com os cojones
no sítio. Participou numa coluna militar de Buba a Aldeia Formosa, com o seu
habitual camuflado, luvas, bengalim, monóculo e as respectivas divisas
vermelhas de oficial general... (30/1/2013)
Nota do editor:
Último poste da série > 28 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11020: Facebook...ando (21): Joaquim Ruivo, ex-1º cabo mec obus 8.8, BAC (Santa Luzia, Bissau, out 61/ fev 64): Tocando os "Olhos Negros", no seu bandolim...
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