quinta-feira, 27 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12905: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (13): O fadista regressa ao palco - I

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 26 do corrente:

Meu Caro Luís Graça,  Camarada.

Acontece que faço anos. Um número redondo. Muito redondo. Faço 69 anos de idade.
Decidi presentear-me a mim próprio com mais um episódio da série "Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista". Um episódio, também ele, com um número fetiche. O número 13.

Noutro anexo, envio uma fotografia aérea de Bissorã, para o caso de achares que, no texto original, a deves redimensionar.
 




2. Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (13):  O fadista regressa ao palco

[, foto à esquerda. o jovem aprendiz de enfermeiro, 1968, Hospital Militar Principal, Lisboa]

Tirando uns mal entendidos com a rapaziada do Morés, os dias corriam pachorrentos em Bissorã.

Desde logo porque o Rodrigues, quando à chegada lhe fui oferecer os meus préstimos, ficou-me muito agradecido mas respondeu que “a malta cá se arranja”. A malta era a CCAÇ 2444, mais conhecida pelos “Coriscos”, companhia da qual o Rodrigues, Felizardo Rodrigues, era furriel miliciano enfermeiro. O felizardo neste caso era eu, melhor dito, até, era a minha equipa, porque com uma companhia operacional a prescindir do nosso apoio, passámo-nos a ocupar, a tempo inteiro, das micoses, paludismos e gonorreias entre os nossos, e da saúde de toda a população em geral, coisa que caía muito bem dentro dos relatórios da “psico-social”.

O Dr. Oliveira, deixemos lá o alferes de lado que ele era médico, não era militar, começava as manhãs na nossa enfermaria e, depois do almoço, preenchia as tardes com umas consultas na enfermaria civil.
– Ó Pires, temos um problema, pá.

Temos, era um eufemismo por ele muito usado,  sempre que pretendia dizer que EU tinha um problema. Contou-me que com um elevado sentido de oportunidade, e aqui que o senhor das almas me perdoe, o senhor enfermeiro civil morrera pouco antes da nossa chegada.

Num ápice, quem passou a ter um problema,  foi o Maltez, meu soldado maqueiro, a quem eu mandei avançar ao reconhecimento. O Maltez era uma espécie de “pau para toda a obra”, de quem e de cujos méritos falarei em tempo mais oportuno.

A enfermaria civil era uma casa térrea mas arejada, com gabinete médico, área de internamento para 12 camas, e uma dependência onde funcionava a enfermaria do Rodrigues. Comecei logo por embirrar com esta separação. Isto é, enfermaria dos operacionais para um lado, a da CCS para o outro. E no caminho que vinha fazendo pelo meio da vila,  dei comigo a embirrar com tudo o resto.

Já o escrevi, em Bissorã não existia quartel. O quartel é, por definição, pelo menos na minha definição, um espaço delimitado em cujo interior se concentram homens, instalações e serviços. Bissorã era assim como que uma espécie de “cidade” abandonada pelos civis, cujas casas foram, convenientemente, ocupadas pelos militares.

E no meu fraco entender, isto em nada facilitava o tal “espirito de corpo” muito propagandeado nas directivas militares. Para me fazer entender, socorro-me de uma fotografia aérea de Bissorã, de autoria do Cap Carlos Oliveira, e que devidamente autorizado retirei do “website” leoesnegros.com.sapo.pt/



Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > Foto nº 1 > Vista aérea



Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > Foto nº 1 A > Vista aérea (parcial)


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > Foto nº 1 B > Vista aérea (parcial)

Foto: Cortesia da página do © Carlos Fortunato > CCAÇ 13, Leões Negros  > Guiné - Bissorã  [Edição: LG e AP]

Legendas [Armando Pires]:

1 – Caserna da CCAÇ 2444, depois da CCAÇ 13
2 – Sede da Administração de Bissorã
3 – Enfermaria civil
4 – Messe de oficiais
5 – Secretaria da CCS, Transmissões e espaldões de morteiros
6 – Casernas e refeitório da CCS
7 – Quartos de sargentos da CCS e bar
8 – Secretaria do comando do batalhão no r/c e quartos dos oficiais no 1º andar
 9 – Clube social e cinema de Bissorã
10 – Bar de sargentos da CCAÇ 2444, depois da CCAÇ 13
11 – Quartos de sargentos da CACÇ 2444, depois da CCAÇ 13
12 – Armazém de armamentos, enfermaria da CCS e Oficinas auto
13 – Messe de sargentos
14 – Campo de futebol.

Pois deu-se o caso que num certo fim de tarde, indo eu de 7 para 12 passei em 10 e ouvi uma viola a tocar.

Poupando-lhes a maçada de revisitarem a legenda, quero eu dizer que tendo saído do meu quarto para ir à enfermaria ver como marchavam as coisas, passei à porta do bar de sargentos da 2444 de cujo interior saiam uns acordes de viola, que por acaso até me soarem bem ao ouvido.
– Pode-se entrar, camaradas?

Entrei, apresentámo-nos, sai um Johnnie Walker com duas pedras de gelo a selar o momento, e dei comigo a pensar que o gajo da viola era o mesmo que, no dia da minha chegada, me ia “atropelando” com a mota.
– Ouve lá, pá, tu não és o João Rebola?

Claro que era ele, sim senhor, contei-lhe que tinha sido o Filipe a dizer-me quem ele era, que isso se passara logo no dia da minha chegada, quando, à saída dos quartos de sargentos da CCS, ele, João Rebola, que vinha de mota, desenhara uma perfeita “chicuelina” para evitar atropelar-me (P12023).

Gargalhada geral, venha de lá esse abraço, “agora tenho de ir lá acima à enfermaria ver como estão as coisas, mas hei de vir aqui mais vezes que talvez ainda façamos umas fadistices".

Lá na enfermaria estava tudo bem, o que nem era de estranhar dada a qualidade do pessoal da minha equipa, saí para ir jantar “à D. Maria” e tropecei, de novo, no João Rebola.
– Queres boleia, pá?

Primeiro: a D. Maria e o marido, o senhor Maximiano, um velho casal de cabo-verdianos, tinham um restaurante que era subvencionado pelo exército para funcionar como messe de sargentos. Segundo: o Rebola vinha a sair do quarto de sargentos da 2444, que era ali quase paredes meias com a minha enfermaria, e indo jantar à messe, tal como eu ia, convidou-me a fazer “a viagem” na sua motorizada.
– Tens medo de andar nisto, pá?
– Só não sei andar, mas medo de andar não tenho.
– Ó pá, mas se quiseres aprender eu ensino-te já. Isto é o mesmo que andar de bicicleta.

E foi assim que o João Rebola, antes de ser meu viola privativo, se transformou no meu instrutor de motorizada.




Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) >Guiné >  O furriel miliciano João Rebola na “nossa” motorizada.

Numa vertiginosa sucessão de factos ocorridos após “a decapitação” do comando do batalhão, o major Candeias, que foi direitinho a Bissau, foi substituído nas operações pelo, entretanto promovido a major, capitão Alcino, que era o comandante da CCS, chegando para ocupar o seu lugar o senhor capitão Luís Andrade Barros.

Foi este senhor capitão que me chamou e que manteve comigo uma cordial conversa a versar mais ou menos estes termos.
– Ó furriel Pires, o nosso comandante pretende estreitar os laços de amizade e de cooperação entre as nossas tropas e a comunidade civil de Bissorã, e propôs-me que realizássemos no nosso bar de sargentos, que tem espaço e excelente condições, uns serões sociais, animados com musica e jogos de mesa, eu pensei em fazermos umas sessões de bingo aos sábados à noite, e o nosso comandante até me disse constar entre os nossos oficiais que o senhor canta muito bem o fado…
"Olha para onde vens tu, ó Barros!", pensei eu, ao mesmo tempo que atalhei aquela espécie de música para encantar meninos, fazendo-lhe uma declaração definitiva.
– Pois é, meu capitão, mas fará o favor de dizer ao nosso comandante que comigo não há fados à capela.

O senhor capitão pôs um ar surpreendido, juro que até pensei que ele me ia dizer que os fados eram no bar, não eram na igreja do capelão Baptista, mas dois ou três segundos depois ficou-se por um pedido de esclarecimento, assim como “o que é que o nosso furriel quer dizer com isso?”.
– Meu capitão, quero dizer que., sem acompanhamento, sem guitarra nem viola, eu não canto.

O recado foi levado ao senhor comandante, a conversa decorreu em plena messe de oficiais, e quem encurtou razões à conversa foi o alferes miliciano Marcão, comandante do 2º grupo de combate da 2444, cujo anunciou que tinha no seu grupo um furriel que tocava muito bem viola.

O furriel de que o Marcão falava era, como me parece ser fácil de ver, o João Rebola.

Aqui também acho que é hora de encurtar parágrafos à história e dizer que as sessões de Bingo foram por diante, que o João Rebola trouxe consigo outro exímio violista, o soldado de transmissões Vilas Boas, e que depois de várias horas de necessários ensaios lá fizemos a nossa apresentação pública.

Todos os sábados à noite, o bar de sargentos da CCS enchia de tropa e civis para as sessões de bingo, e, modéstia à parte, rebentava pelas costuras quando chegava a hora do fado.



Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > Sentimento e casa à cunha, em mais uma noite de fados. Eu, acompanhado pelo João Rebola, à esquerda, e pelo Vilas Boas, à direita.



Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > Noite de bingo no bar de sargentos da CCS. Eu canto os números, o furriel Orlando Bonito (já falecido) ordena as bolas saídas, o capitão Andrade Barros supervisiona o sorteio.







Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70) > Três aspectos do bar de sargentos da CCS


Fotos (e legendas): © Armando Pires (2014). Todos os direitos reservados

E tudo foi assim até que chegou o mês de Junho de 1970. A Bissorã chegaram os rapazes da CCAÇ 13, formada originalmente por quadros e especialistas metropolitanos da CCAÇ 2591, a quem em Bolama se juntou pessoal guineense, predominantemente de etnia balanta. Chegaram para integrar o dispositivo e manobra do BCAÇ 2861, o meu batalhão, rendendo a CCAÇ 2444 que foi terminar o seu tempo de comissão em Binar. E,  com ela, lá foram o João Rebola e o Vilas Boas.

Quer isto dizer que “calaram-se as guitarras, calou-se o fadista, e acabou-se o fado”.

Só não acabou a história.

Vão ver mais tarde como o fadista se transformou no locutor do “Programa das Forças Desarmadas”.
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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

19 de fevereiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12742: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (12): Chegou Polidoro, "O Terrível"

(...) Queiramos ou não, a primeira imagem, a primeira impressão que causamos, acompanha-nos vida fora, cola-se-nos à pele como lapa. Podemos melhorá-la, ou piorá-la, “vê lá tu, pá, quem diria que aquele gajo se transformava no que é hoje”, mas a primeira impressão fica para sempre. À primeira, eu vi o Polidoro assim. Emproado, como um pavão. Escreva-se, por ser verdade, ele fez tudo menos querer causar uma primeira boa impressão. (...) 

23 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12333: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (11): A decapitação do Comando

(...) Aquelas primeiras horas em Bissorã não foram fáceis. Desde logo, como já escrevi, o não me sentir dentro de um quartel. Era assim a modos como que um exército que tivesse ocupado uma cidade e “vamos lá instalar-nos”. Não quero com isto dizer que fossem más aquelas acomodações. Antes pelo contrário. Mas num quartel está ali tudo próximo, estamos ali todos juntos, tipo ó militar chegue aqui, e em Bissorã não, era mais ó furriel dê um salto à enfermaria e lá ia eu, no jeep, rua acima. E depois, o que também me fez confusão, abrigos "cá tem". (...)

10 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12023: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (10): Alô Bissorã, cheguei!!!

(...) Portanto, o DO aterrou em Bissorã eram nove da manhã. Nem fanfarra nem guarda de honra à minha espera. Apenas um Unimog para me levar a mim, mais ao correio e outras mercadorias que o avião transportara. Sem esquecer, evidentemente, o Machado, o meu cabo enfermeiro, que viera receber-me, dar-me as boas vindas, e levar-me ao comando onde era devida a minha apresentação ao comandante da companhia. (...)

30 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11994: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (9): Um reencontro para agasalhar a idade


(...) Mais um reencontro para agasalhar a idade. Estava eu posto em sossego e chama-me o João Rebola para perguntar:
- Ó Pires, sabes quem está aqui?

A pergunta foi feita através desse prodígio da comunicação chamado Skype. Sabem os que sabem, quem não sabe fica a saber que é um software que podemos instalar no computador, e que nos permite falar com qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, e, o melhor de tudo, estar a vê-la do outro lado. (...) 



(...) Tal como prometera, envio um conjunto de 12 (doze) fotografias de Bula. Tenho dúvidas quanto à forma de as editar. Por essa razão permito-me enviar duas versões. Como podes ver, a que tem o titulo de Bula 2 ocupa menos espaço no blog, mas algumas das fotos perdem em qualidade. Deixo ao teu critério, ou ao critério do "Editor de Dia", escolher qual das duas versões publicar. Do mesmo modo, também fica ao vosso critério decidir em que série as inscrever. Se na série "furriel enfermeiro, 
ribatejano e fadista", se em "Álbum fotográfico..." do que for. (...) 



(...) A oito de agosto, deixei Bula com um nó na garganta e sem saber que não mais lá voltava. Tinha férias marcadas para Portugal e pedi ao comandante que me permitisse ir uns dias mais cedo para Bissau, de forma a poder visitar o Daniel no Hospital Militar. (...)


(...) Raios te partam, Manel Jaquim, que as tuas Cartas de Amor e Guerra incendeiam-me a memória na razão directa do respeito que me provocam. Começo pelo fim, em que sou mais breve, para dizer de quanta admiração sinto por essa cumplicidade entre ti e a Dionilde, tua mulher, nascida no tempo do amor e dos segredos, trazida pela vida fora, chegando hoje à comum aceitação da partilha dessas palavras escritas, tão intensas de paixão e raiva, que só os amantes sabem dizer.  (...) 

3 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11048: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (5): O dia em que a minha mala voou

(...) A coluna estava pronta para se pôr em marcha. À frente o rebenta minas, logo atrás uma das Panhard’s do EREC 2454, depois um Unimog com munições para o Óbus 14 e as restantes viaturas.  Eram seis camionetas civis que, vindas de Bissau, tinham sido cambadas, uma a uma, através do Rio Mansoa para João Landim e daí escoltadas até Bula, onde foi organizado o comboio militar que iria levar os reabastecimentos ao aquartelamento de Binar.  (...)

(...) Eu tinha dois doutores. Era para ter três, mas perdi um mesmo à saída da escada de portaló. Era um oftalmologista em quem alguém descobriu, logo ali, insuspeitadas capacidades para ver fundo na raiz dos dentes, razão porque ficou em Bissau para uma especialização de três meses em medicina dentária, findos os quais percorreu todos os quadrantes dessa Guiné, em socorro de algum militar carente dos seus serviços. (...) 

7 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10629: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (3): Enquanto não chegar a evacuação, ao meu lado ninguém morre! ... Promessa cumprida! (Parte II)

(...) Já era noite fechada em Bula quando o Teixeira, meu soldado maqueiro, veio ao bar dizer-me:
– Furriel, está uma mulher à porta de armas a pedir para tratarmos o filho.
– Já lá vou.
– Mas, ó furriel, olhe que o miúdo se não está morto, parece.
– Leva-a para a enfermaria que eu é só acabar o café. (...)


5 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10622: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (2): Enquanto não chegar a evacuação, ao meu lado ninguém morre! ... Promessa cumprida! (Parte I)

(...) - Então doutor, o puto safa-se?

Não me respondeu. Limitou-se a olhar-me assim como quem diz “vamos ver”, e a dizer-me com um sorriso benevolente:
- Vá lá dormir que você está com cara de quem precisa de descansar. (...) 


(...) Bula, 15 de Abril de 1969, depois das oito da noite.

Ofegantes, os noventa cavalos da velha GMC galgaram a cancela do aquartelamento e estacaram às dez rodas em frente ao bar. Ao lado do condutor ergueu-se o Caeiro e gritou-me:
– Salta práqui, ó pira, que esta noite vai haver espectáculo no Esquadrão. (...)

Guiné 63/74 - P12904: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (35): Grande e sentida homenagem ao Pepito (1949-2014), no bairro do Quelelé, em Bissau, onde fica a sede da ONDG e a casa de família

  
Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente do Quelelé > 18 de março de 2014 > Homenagem da AD ao Pepito > Cartaz com o célebre frase com que acaba o texto autiobiográfico ("A sombra do pau torto") que o Pepito escreveu em 2008, que nos ofereceu depois de um memorável jantar na  nossa casa  de Alfragide e que o nosso blogue publicou em primeira mão, em 31/7/2008 (*):

 "Recomeçámos tudo mais uma vez, menos por convicção, mais por tradição. Hoje as nossas duas netas, Sara e Clara, sabem que desistir é perder e recomeçar é vencer."...

Foi também com essa convicção, de que "desistir é perder e recomeçar é vencer", que a  Isabel  ("Belocas", para a família e os amigos mais íntimos) e as filhas, Cristina e Catarina, regressaram há dias para  a sua casa no bairro do Quelelé, em Bissau... onde estão grande parte das suas memórias e das suas vidas de trabalho, de resistência, de amor... Sim, por que recomeçar é preciso, Isabel, Cristina, Catarina, Ivan, Henrique, João, Clara!


Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente > 18 de março de 2014 > Homenagem da AD ao Pepito > O José Filipe Fonseca, da AD, no uso da palavra. É um velho amigo do Pepito e cofundador da AD:

"Em 1991, incluído num grupo de guineenses do qual faziam parte José Filipe Fonseca, Nelson Dias, Isabel Miranda, Roberto Quessangue e Rui Miranda, entre outros, criámos uma organização não-governamental, a Acção para o Desenvolvimento (AD), que pretendia promover uma ética de desenvolvimento local centrada no homem e não no crescimento económico. A AD surgia assim para dar continuidade e potenciar de forma mais aberta as actividades de vulgarização do DEPA." (Carlos Schwarz, " A sombra do pau torto", 2008).



Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente > 18 de março de 2014 > Homenagem da AD ao Pepito > A Isabel Miranda (se não erro...), no uso da palavra.  É a presidente da direção da AD, casada com o Rui Miranda: conheci o casal em 2008.



Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente > 18 de março de 2014 > Homenagem da AD ao Pepito > O Rui Miranda (se não erro...), outro cofundador da AD, e marido da Isabel Miranda. As fotos publicadas no sítio da AD não trazem legendas...  Rui Miranda foi nosso camarada no tempo da guerra colonial, o Pepito tratava-o por "nosso furriel".


Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente do Quelelé > 18 de março de 2014 > Homenagem da AD ao Pepito >  A família mais próxima: as filhas Cristina e Catarina, a viúva, Isabel, e o irmão, Henrique (que vive em Lisboa).



Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente do Quelelé > 18 de março de 2014 > Homenagem da AD ao Pepito > O  irmão, Henrique Schwarz (que vive em Lisboa, enquanto o outro João vive em Paris, e a mãe, Clara Schwarz, de 99 anos, vive em Paço de Arcos, Oeiras).



Guiné-Bissau > Bissau > Quelelé > Campo polivalente > 18 de março de 2014 > Homenagem da AD ao Pepito >  Mais um amigo dos muitos amigos do Pepito transmitindo as suas condolência à Isbael. (Se não erro,  o homem que abraça a Isabel é o Mussa Candé, da Associação dos Moradores de Quelelé.)

Legendas de Luís Graça. Fotos da AD - Acção para o Desenvolvimento.


1. Imagens da homenagem ao Pepito,  Carlos Augusto Schwarz da Silva (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), por parte dos funcionários e parceiros da AD, bem como dos seus muitos amigos e admiradores. É no bairro do Quelelé que fica a sede da AD e a casa do Pepito e da Isabel bem como de outros amigos próximos (por ex., o Nelson Gomes).

Sobre a ONGD AD, fundada pelo Pepito e mais uma cinquentena de guineenses, convirá dizer o seguinte: (i) em 2012, em termos de recursos financeiros, mobilizou  mais de  542 milhões de CFA, o equivalente a cerca de  827 mil euros (1 euro=655,957 CFA); metade dessas receitas era proveniente de fundos  da União Europeia; (ii) dava  trabalho a mais de 3 dezenas de profissionais; (iii) tinha um significativo impacto na vida de diversas comunidades onde desenvolvia projetos (Bissau, região do Cacheu, região de Tombali); e, por fim, (iv) as suas contas eram auditadas.

Fotos da AD - Acção para o Desenvolvimento (2014), página na Net e página no Facebook. Aqui reproduzidas com a devida vénia... (**)

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(**) Último poste da série >  17 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12849: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (34): Homenagem nacional e internacional ao Pepito, organizada pelos seus amigos e colaboradores, um mês depois da sua morte: 3ª feira, 18 de março, em Bissau, no Quelelé, no seu "chão"... Seguramente que ele não quereria um "choro" à moda tradicional, mas sim uma festa onde os seus valores, os seus sonhos, os seus projetos e a sua equipa fossem celebrados como um legado vivo, fecundo e proativo... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P12903: Parabéns a você (709): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf.º do BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70; Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732 (Guiné, 1970/72); Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974) e Maria Dulcínea, Amiga Grã-Tabanqueira


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Nota do editor

Último poste da série:

25 de março de  2014 > Guiné 63/74 - P12896: Parabéns a você (708): Rui Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 816 (Guiné, 1965/67)

quarta-feira, 26 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12902 Agenda cultural (306): Vila Nova de Famalicão > Ciclo de Conferências 2014 > Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974 > 4 de abril de 2014, 21h30 > Conferência do doutor Sérgio Neto (CEIS20/UC): "De Goa a Luanda, pensamento e acção de Norton de Matos"




Vila Nova de Famalicão > Ciclo de Conferências 2014 > Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974 > 4 de abril de 2014, 21h30 > Conferência do doutor Sérgio Neto, do
Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, da Universidadae de Coimbra (/CEIS20/UC): " De Goa a Luanda, pensamento e ação de Norton de Matos". (*)



1. Divulgação do evento, a pedido do Museu Bernardino Machado.

Entretanto, decorreu já. no passado dia 14 deste mês a segunda conferência deste ciclo subordinado ao título "Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974".

Fica aqui o resumo dessa sessão, de acordo a página dio Museu Bernardino Macahado (**):

(...) O Prof. Jorge Paulo Fernandes, na última conferência, intitulada “As Ideias Colonialistas de Aires de Ornelas”, realizada no dia 14 de Março do corrente ano no Museu Bernardino Machado, iniciou por evidenciar se faria hoje sentido em recuperar as ideias colonialistas de Aires de Ornelas.

Figura chave portuguesa nos finais do século XIX e nos princípios do século XX, será com Aires de Ornelas que o império colonial se tornou na chave política portuguesa até 1974. Pertencendo à geração colonialista de 1895, o Prof. Jorge Paulo Fernandes evocou Aires de Ornelas em três perspectivas: o homem, a experiência africana e as ideias colonialistas.

Aliás, estas mesmas começaram a ser difundidas pela imprensa, nomeadamente em dois títulos, nomeadamente enquanto director do “Jornal das Colónias” e na “Revista do Exército e da Armada”, fundada por Aires de Ornelas.

Numa fase inicial, Ornelas incorporou no movimento, sem sucesso e numa “fantasia sem preocupação”, nas palavras do Prof. Jorge Paulo Fernandes, que pretendia restaurar Portugal através de uma ditadura militar, numa altura em que o rotativismo estava a ser fortemente criticado pelos republicanos.

Em 1906, perante a dissidência do Partido Regenerador, Ornelas ficará ao lado de João Franco, será Ministro da Marinha e do Ultramar no governo de 1906 a 1907. Estará, assim, com o príncipe Filipe na viagem a África, indo, logo a seguir à implantação da República, para o exílio, chegando a chefiar a revolta militar de Monsanto em 1919.

A questão a saber para o Prof. Jorge Paulo Fernandes é se Aires de Ornelas é um reacionário, tradicionalista ou uma figura do tradicionalismo monárquico. Fiel monárquico, Ornelas nunca nega a ordem pela monarquia constitucional. Será, enquanto conselheiro do Rei D. Manuel em Londres, uma figura de cautela e de moderação, conselhos que incutia no próprio Rei.

No seu contacto com África, Ornelas será o que irá definir a estratégia militar em África, numa altura em que o Estado português irá possuir o armamento mais moderno e completo da época. Desta forma, com um investimento em tecnologia militar e médica, melhor preparação técnica, permitiram tais condições uma série de vitórias africanas, novas proezas que farão olhar para África de forma diferente.

Defendia Ornelas para África a soberania portuguesa pelas soberania das armas, assim como o darwinismo social (isto é, a reacção musculada). Ao mesmo tempo, Ornelas defendia igualmente uma reacção nacionalista africana, reclamando uma política administrativa para as colónias.


Defensor de uma descentralização administrativa, projectando a municipalização (ideia que já vinha de Mariano de Carvalho, uma autonomia administrativa realizada pelos portugueses de Moçambique, não da metrópole), na prática tais ideias não tiveram a sua consequência; e se esteve ao lado dos vencedores, acabou, nas palavras do Prof. Jorge Paulo Fernandes, um derrotado: o império pelo qual sonhou, terá ganho na sua importância estratégica, enquanto que as ideias descentralizadoras não tiveram o seu seguimento. (...)

2. Norton de Matos (1867-1955)

(i) Jorge Maria Mendes Norton de Matos nasceu (1867) e  morreu (1955) em Ponte de Lima; 

(ii) Frequentou o colégio em Braga, tendo ido depois, em 1880, para a Escola Académica, em Lisboa; 

(iii)  Em 1884, iniciou o seu curso na Faculdade de Matemática em Coimbra;

(iv)  Fez o curso da Escola do Exército e, em 1898, partiu para a Índia;

(v) Começou aí a sua carreira na administração colonial, como diretor dos Serviços de Agrimensura;

(vi) Finda a  sua comissão, viajou por Macau e pela China em missão diplomática;

(vii) O seu regresso a Portugal coincidiu com a proclamação da República (1910);

(viii) Dispondo-se a servir o novo regime, Norton de Matos foi nomeado chefe do estado-maior da 5ª  divisão militar;

(ix) Em 1912 tomou posse como governador geral de Angola; s sua atuação nesta  colónia revelou-se extremamente importante, ao impulsionar fortemente o seu desenvolvimento, e protegê-la da ameaça contínua que pairava sobre o domínio colonial português, por parte de potências europeias rivais (Inglaterra, Alemanha e Itália); ficará para sempre associado à criação da cidade de Nova Lisboa (hoje, Huambo), em 1912;

(x) Foi demitido do cargo em 1915, como consequência da nova situação política que se vivia em Portugal durante a Primeira Guerra Mundial;

(xi)  Foi depois chamado, de novo, ao Governo, ocupando o cargo de ministro das Colónias, embora por pouco tempo: em 1917,  é obrigado a exilar-se em Londres;

(xii) Mais tarde, é promovido a general por distinção e nomeado Alto Comissário da República em Angola;

(xiii) Na primavera de 1919, foi delegado português à Conferência da Paz de Veersalhes;

(xiv) Em junho de 1924, exerceu as funções de embaixador de Portugal em Londres, cargo de que foi afastado aquando da instauração da Ditadura Militar (1926-1930);

(xv)  Em 1929, foi eleito grão-mestre da Maçonaria Portuguesa;

(xvi) Recebeu diversas condecorações, entre outras,  a Grã-Cruz de Torre-e-Espada;

(xvii) Em 1948, participou nas eleições presidenciais de 1949, contra o candidato do regime do Estado Novo, o general Óscar Carmona (1869-1951).

Fontes: InfopédiaWikipédia e Almanaque Republicano (, blogue donde retirámos a foto acima, com a devida vénia)

Guiné 63/74 - P12901: Lembrete (1): 5ª feira, 18h30, FNAC Chiado, Lisboa, a nossa amiga Catarina Gomes, filha de ex-combatente, e jornalista, apresenta o seu primeiro livro "Pai, tiveste medo?"... Entre outros grã-tabanqueiros, estarão presentes o nosso camarada Zé Teixeira e o seu filho Tiago, médico (uma das 12 histórias pertence-lhe; outra é de um dos filhos do João Bacar Jaló)

Título: Pai, tiveste medo?
Autor: Catarina Gomes
Género: História
Editora: Matéria-Prima
Local: Lisboa
Ano: 2014
Número de páginas: 248
PVP: € 15,50


1.  Doze histórias de filhos de combatentes da guerra colonial, umas contadas, outras advinhadas, sobre as perguntas feitas aos pais, ou que nunca chegaram a ser feitas.
:
"Chega ao fim um longo processo. No dia 27 deste mês, uma quinta-feira, às 18h30, vai ser lançado o meu primeiro livro. Vai ser na Fnac do Chiado.

"É sobre a forma como a guerra colonial chegou à geração dos filhos de ex-combatentes, como é o meu caso. São 12 histórias muito diferentes. Cada história pertence a um filho. É um livro sobre histórias de guerra contadas e outras adivinhadas, sobre perguntas que os filhos fizeram aos pais, outras que nunca ousaram fazer. Gostava muito de vos ver por lá." (Catarina Gomes, 3 de março de 2014, página do Facebook)..


2. Catarina Gomes [, foto á esquerda, retirada com a devida vénia da respetiva página do Facebook]:

(i) Filha de camarada nosso que fez a guerra colonial em Angola, infelizmente já desaparecido;

(ii) jornalista do Público desde 1998, tendo-se interessado pelas ´
áeras da Justiça e da saúde; mas o que mais gosta de escrever "são reportagens e histórias de vida";

(iii) entre 2002 e 2003 fez uma pausa para pensar nas lides do jornalismo à distância, rumou a Londres onde tirou o Master of Science in Media and Communications na London School of Economics and Political Science;

(iv) em 2011 aventurou-se como argumentista do documentário Natália, a Diva Tragicómica (RTP2/Real Ficção);

(v) tem feito jornalismo de investigação sobre temas "marginais" da guerra colonial, como por exemplo,  os filhos que deixámos no TO da Guiné, os "filhos do vento";

(vi) tem uma dezena de referências no nosso blogue, e está na altura de a convidar a sentar-se à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande; de resto, os filhos e filhas dos nossos camaradas nossos filhos e filhas são... 


Guiné 63/74 - P12900: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte IV: Quando os solípedes ganhavam aos bípedes em mimos, carinhos e cuidados: art. 96º do antigo RDM








~








Continuação da reprodução da brochura "Deveres Militares"... A lista dos deveres de um militar é (ou era) longa...Publicamos hoje os deveres dos plantões... às cavalariças (artº 96º do RDM que estava em vigor do nosso tempo)...

Parece que, na tropa, o solípede (leia-se, o animal que tem um só casco ou uma só unha em cada membro inferior) ganhava ao bípede (ou seja, a besta que andava em dois pés ou que se deslocava sobre as duas patas posteriores)...em mimos, carinhos e cuidados!

E a propósito de cavalos e cavaleiros há muitos dichotes, ditados, provérbios... populares. Aqui vão algums de que eu gosto mais: (i) As manhas do cavalo só as sabe seu dono; (ii) Cavalo com quatro pés cai, quanto mais só quem tem dois; (iii) Cavalo que há-de ir à guerra, não corra bobo nem o abane a égua; (iv) Coices de garanhão, para égua carinhos são; (v) Em compar cavalo e escolher mulher, fecha os olhos e encomenda-te a Deus; (vi) Enquanto o meu tiver besta, para que quero cavalo ? ; (vii) Cavalo, mulher e arma não se emprestam; (viii) Não cavalgues em potro, nem gabes tua mulher a outro; (ix) A soldado novo, cavalo velho;: (x) Quanto maior é a besta, maior o coice....

O nosso saudoso RDM foi substituído pelo atual RDM - Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 09ABR, com diversas alterações. (Entro em vigor em 10 de abril de 1977, e foi promulgado pelo então Presidente da República António Ramnalho Eanes)

Imagens: Fonte: "Deveres Militares", 2ª edição, SPEME, 1969. A 1ª edição é de 1963. E há uma 4ª edição de 1973.


1. O documento chegou-nos, digitalizado, por intermédio do Fernando Hipólito e César Dias.  O Fernando Hipólito [, foto atual à direita, ] é o nosso novo grã-tabanqueiro, com o nº 650... Passou pelo CISMI, Quartel da Atalaia, Tavira, 3º turno, 1968. Foi fur mil, CCAÇ 2544, Angola, 1969/71. Esteve a maior parte do tempo no leste, em Lumege. Há um blogue sobre Lumege e a malta que por lá passou. E onde o Fernando Hipólitio colabora. Já lhe pedi uma foto atual, "decente", para substituir esta, do "Correio da Manhã"..

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

19 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12856: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte I: Os dez primeiros deveres de um militar...
20 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12859: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte II: Era longa a lista dos nossos deveres militares (e curta a dos direitos): Aí vão mais, do 11º ao 20º

23 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12885: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte III: Será que a lerpa, jogada no CTIG, nas longas noites de insónia, violava o nº 21º do art. 4º do RDM - Regulamento de Disciplina Militar, então em vigor ? Ou as bebedeiras de caixão à cova... não caíam sob a alçada do nº 24 º ?

terça-feira, 25 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12899: Agenda cultural (306): Relatos de investigação na Guiné-Bissau - Da Água à Saúde, a cargo do Professor Adriano Bordalo e Sá, dia 28 de Março de 2014 no Salão Nobre do Clube Fenianos Portuenses, Rua do Clube Fenianos, 29, Porto

1. Da Tabanca Pequena ONGD, recebemos hoje, 25 de Março de 2014, a seguinte mensagem:


C O N V I T E 

RELATOS DE INVESTIGAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU: DA ÁGUA À SAÚDE



Subordinada ao tema RELATOS DE INVESTIGAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU: DA ÁGUA À SAÚDE, o Professor Doutor Adriano Bordalo e Sá do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto (ICBAS-UP) e investigador do Ciimar, irá proferir uma palestra no próximo dia 28 de Março, às 18 horas, no salão nobre do Clube Fenianos Portuenses, à Rua do Clube Fenianos, 29, (ao lado da Câmara Municipal do Porto).

Serão relatadas experiências do trabalho levado a efeito na Guiné-Bissau nos últimos 7 anos.

No final, está previsto um debate com a assistência.

A conferência tem o apoio da ONG Mundo a Sorrir e a colaboração do Clube Fenianos Portuenses.

Aproveite e passe em www.facebook.com/clube.fenianos.portuenses.oficial e faça um Like
E visite o nosso sitio em www.clubefenianos.pt

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12870: Agenda cultural (295): O camarada "pifaniano" Silvério Dias, ex-1º srgt, locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, e "poeta todos os dias", convida os poetas da Tabanca Grande para a sessão de hoje, "Há Poesia no CASO", ou seja, no Centro Acção Social de Oeiras, às 17h00

Guiné 63/74 - P12898: Convívios (573): O Almoço de despedida do inverno da Magnífica Tabanca da Linha foi no passado dia 20 de Março de 2014 (José Manuel Matos Dinis e Manuel Resende)



1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 21 de Março de 2014:

Bom dia Carlos,
Faço seguir outra espécie de reportagem sobre o último e fresquinho encontro da Magnífica.
Seguem anexas algumas fotografias do conceituado repórter fotográfico Manuel Resende, e a propósito, numa das fotografias do grupo, verifica-se que o Colaço está sentado ao lado das senhoras, talvez ainda lembrado da extraordinária trunfa que ostentou até recente data, acho que desde os tempos do PREC, e faria tanta inveja a muitas cabeleiras do belo sexo, pelo que te peço para incluíres um dos seus retratos anteriores.
Esta notícia inclui ainda uma importante omissão para o País, pois dele não saiu qualquer declaração, não por falta de ideias, mas por falta de quorum, que éramos só 33 mastigantes, número insuficiente para os 70 da ordem.

Com um grande abraço
JD


Ainda não tina acabado de ouvir as doze badaladas do meio-dia, e tocou o telefone com o expedito Mário Pinto a certificar-se do local do encontro. Ansioso, tinha sido o primeiro a chegar, orientado pelo treinado faro a bacalhaus que vai devassando por todo o território nacional. Nem careceu de GPS. Cheguei ao local meia-hora depois, e já se agrupava um perigoso grupo de assalto, que, a seco, papagueava tácticas e contra-tácticas, aperfeiçoando o método como, aliás, se impõe nas operações bem congeminadas e melhor conseguidas.

Faltava o Miguel - que foi colocar um contador no braço - para o reconhecimento aéreo, mas o pira Sacoto já trazia inspiradas as excelentes fotografias aéreas sobre o alvo, contributo de muita valia para o dispositivo final. Calmos, mas determinados, iam chegando outros elementos, conformemente às incumbências de cada um.

Para dar uma nota de alegria na paisagem de pinheiros e mar, as senhoras juntavam-se em sereno colóquio, onde davam conta das façanhas dos maridos, todos veteranos e activos comedores de bacalhaus mais dos produtos acolitados, que, na circunstância, veio a verificar-se, tratar-se de batatas assadas e grelos. Ai grelos, verdinhos, que estavam tão bons!

Enquanto os machões mentiam convictamente sobre fantasiosos antecedentes no local, o Senhor Comandante que revelava um excelente aspecto, e o sorrizinho malandro de quem a tudo corre na perfeição, logo me chamou para dizer que não esquecesse os pormenores. Ora, com a minha incontrolável tendência para a distração, neste momento dramático de pôr tudo em pratos limpos, só me ocorrem os pormaiores, mas espero que a reportagem não saia viciada, e que consiga evitar a correspondente porrada.

Neste encontro houve estreias e um recorde mundial:

Entre as estreias, já foi referido o novel aviador Sacoto, que se incumbiu da importante tarefa; o animado e contagiante Carlos Rios; o Vieira, que desde a capital conseguiu trazer o corpulento Pinto; e por último, mas não menos importante, com surpresa e sucesso na função, estreou-se a bengala de pau do Senhor Comandante. O recorde mundial regista o maior número de senhoras presentes em encontros desta Magnífica Tabanca, e é de toda a justiça salientar que se bateram tão bem quanto os confrades. Mas não há bela sem senão: o Com-Chefe Luís Graça continua a desenvolver actividades esforçadas que, pelo menos, devem causar alguma sensação no preenchimento do IRS, e, novamente, não compareceu. Aquilo, da outra vez, foi um raio faiscante, e, se calhar, teremos que aguardar alguns anos, para que o consagrado fundador do blogue possa tornar-se assíduo junto da cambada.

O tempo estava assim a modos que de meia-cura, pois não desagradava a friorentos, nem a calorentos. Até que alguém (ah! fui eu) se lembrou de convocar a força para as hostilidades. Adoptou-de então um dispositivo de grande eficácia, consubstanciado pelo ataque surpresa e mais ou menos à balda, sem lugares fixados, onde cada um escolhia o lugar do pleito, numa perspectiva de encher os olhos, que as entradas eram miúdas para tanta guerreirice.

Algum tempo decorrido, sem baixas a registar, acabou, como, dizem, tudo acaba, o escasso fartote dos condutos, mai-los doces rematados a cafés, que outros ainda prolongaram em injustificados digestivos (face ao volume da operação), que esta malta não é brutamontes, e revela estomagozinhos delicados.

Não havendo mais despojos daquela guerra, apresentou-se a ocasião de registar para a História, com maiúscula, claro, as imagens testemunhais da última glória depois da entrega do império. Novamente no exterior, os olhares ainda extasiaram pela delicada colina verde abaixo, que a renda marítima limitava e a brancura do Farol do Raso dava maior expressão, até se perder no horizonte vasto (estive a pensar, se poderia escrever vastidão horizontal, mas o Manuel Joaquim poderia não apreciar, e decorrida escassa meia-hora decidi pela outra expressão) até às nossas posições atlânticas nos Açores e na Madeira, onde, não sei quando, os bravos Magníficos poderão afoitar-se em novos e avançados cometimentos.

Afinal, a treta não conhece limites. Só espero que esteja do agrado do Senhor Comandante, pessoa arguta, homem sério, simpático até, mas que tem a estranha tentação de me bater, sem que eu perceba porquê. Ao fim destes anos, nem um louvorzito me deu, só exige, só exige...


Da esquerda para a direita: Mário Pinto, Vieira e David Ventura


Da esquerda para a direita:CMDT Rosales, José Carioca, Armando Pires, José Colaço, Veríssimo Ferreira e David Ventura


José Colaço e Hélder Sousa


Da esquerda para a direita: Jorge Pinto, Fernando Marques e esposa Gina. Com camisa clara, Luís Moreira


Mário Fitas e sua esposa Maria Helena


Manuel Joaquim e sua esposa Deonilde


Da esquerda para a direita: Francisco Palma, Manuel Resende e Carlos Rios


Da esquerda para a direita: Carlos Rios, Manuel Joaquim e José Horta 


O CMDT Jorge Rosales e o Adjunto Zé Dinis junto de um grupo de senhoras


João Sacoto e Hélder Sousa 


Os magníficos tabanqueiros  e tabanqueiras da Linha: Por trás de grandes mulheres estão sempre grandes homens... Foto de grupo

Fotos:  © Manuel Resende (2014)

Selecção de fotos e respectivas legendas da responsabilidade do editor
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12892: Convívios (572): 31.º Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447, a realizar no próximo dia 17 de Maio de 2014 na Tornada, Caldas da Rainha

Guiné 63/74 - P12897: (De) Caras (16): Quem tramou o alf mil capelão Mário de Oliveira, do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69) ?... Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Mário de Oliveira, a PIDE tinha escritório aberto em Mansoa (Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, CCAÇ 1698, Mansoa, 1967/69)


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 1912 (1967/69) >  O alf mil capelão Mário de Oliveira entre soldados da CCS/BCAÇ 1912 e/ou da CCAÇ 1686 (que esteve sempre em Mansoa e a que pertenceu o Aires Ferreira, alf mil inf, minas e armadilhas, e membro da nossa Tabanca Grande) . O Mário de Oliveira viria a receber ordem de expulsão da Guiné em 8 de Março de 1968.

Foto: © Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)

1. Em toda a história da guerra colonial, no CTIG, houve dois casos de capelães militares que foram "expulsos"... Não sabemos ao certo por quem: (i) o bispo castrense (ii) a hierarquia militar; ou (iii) a polícia política ... Eu diria antes que foram dois erros de "casting" (sem que isto nada tenha de ofensivo para com os visados)...

Um deles é o padre Mário de Oliveira, que será sempre até morrer, o padre Mário da Lixa (*)... Foi capelão do BCAÇ 1912 (que esteve sediado em Mansoa, 1967/69)... Recorde-se que o BCAÇ 1912, mobilizado pelo RI 16, partiu para o CTIG 8/4/1967 e regressou a 16/5/1969.. O cmdt era o ten cor  inf  Artur Afonso Pereira Rodrigues. Subunidades de quadrícula:  CCAÇ 1686 (Mansoa); CCAÇ 1685 (Fá Mandinga, Fajonquito,  Fá Mandinga, Mansoa); e  CCAÇ 1684 (Bissau, Ingoré, São Domingos, Susana, Mansoa).

O outro caso de um capelão "expulso" foi o açoriano Arsénio Puim (que deixou, de resto, o sacerdócio em finais dos anos 70): foi capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Curiosamente, os dois são membros da nossa Tabanca Grande... Mas quantos capelães passaram pela Guiné ? É uma boa pergunta, a que não sabemos,  para já, responder...Seguramente algumas largas dezenas ou algumas centenas, já que, em princípio  havia um capelão por batalhão (c. 600 homens)...

Ora, ao que sabemos, foram apenas estes dois homens, e nossos camaradas,  os únicos capelães a entrar  em rota de colisão com a dupla hierarquia da Cruz e da Espada... Não os queremos nem santificar nem diabolizar, mas apenas ouvir (e saber ouvir) as suas histórias... Felizmente estão os dois vivos e têm inclusive participado em convívios anuais dos respetivos batalhões...

Temos cerca de 6 dezenas de referências a capelães no nosso blogue. Aliás,  temos mais dois capelães  registados no blogue:  o Augusto Baptista e  o Horácio Fernandes (este de resto contemporâneo do Mário de Oliveira)... É pena não haver mais capelães da Guiné a querer dar a cara neste blogue, que está aberto a todos os camaradas que por lá passaram, por aquela "terra verde e rubra"...

A nossa pergunta,  de momento, é: quem tramou  o Mário de Oliveira ? (**) (LG)

2. A este propósito, fomos recuperar o depoimento do Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, da CCAÇ 1686 (Mansoa), do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69). O Aires Ferreira esteve em Mansoa de 13/4/1967 a 13/5/1969, e conviveu, portanto, com o Mário de Oliveira, como se depreende deste episodio que ele já aqui em tempos nos contou, aquando da sua apresentação, em  28/7/2006, à Tabanca Grande:


2.1. Missa em Cutia
por Aires Ferreira


Cutia era um destacamento que tinha um grupo de combate e ficava entre Mansoa e Mansabá  e entre o Morés e o Sara - Sarauol.

O Batalhão tinha um capelão que, um certo domingo, lá para o fim de 67, resolveu ir celebrar missa a Cutia. Para isso, arranjou uma escolta de voluntários que, comandados pelo furriel S.S., lá foram, com 2 Unimogues e o jipe do capelão.

A missa foi celebrada e no regresso, um dos Unimogues despistou-se e uma grande parte do pessoal da escolta ficou com ferimentos muito graves, tendo os restantes seguido até Mansoa para pedir auxílio.

Nesse Domingo eu estava de Oficial de Dia ao quartel de Mansoa e desconhecia totalmente este assunto. Cerca da hora de almoço, passava junto à porta de armas, encontrei o Ten. Cor, o Comandante do Batalhão, que me disse:
- Alferes Ferreira, o seu grupo está todo destroçado na estrada de Cutia, o que está aqui a fazer? Vá já para lá.
- Não posso, estou de serviço - disse eu e apontei a braçadeira.
- Dê cá, eu fico com ela. O piquete vai já atrás de si com a ambulância.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > c. 1969/71 >
O destacamento de Cutia. Foto de César Dias
Assim foi. Lá fui, munido da pistola Walther, com um condutor que por ali apareceu e chegámos depressa. A cena era trágica. Havia 5 ou 6 militares gravemente feridos e deitados na berma. O único militar que ali estava capaz de dar uns tiros para defender o local, se o IN por ali aparecesse, era … o Capelão, que de joelhos na estrada, junto ao jipe, fazia as suas orações, de G3 ao lado.

Logo de seguida chegou o necessário auxílio e todos os feridos foram evacuados e tratados.

O Alferes Capelão que faz parte desta história era… o Padre Mário Pais de Oliveira, bem conhecido desta Tertúlia,  e a quem envio um grande abraço.

Aires Ferreira

2.2. Comentário adicional  do Aires Ferreira, com data de 15/9/2006:


Igreja de Mansoa. c. 194/66. Foto de Tony Borié

Luís Graça:  Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Padre Mário do seu seio. Penso que nem tinha autoridade para o fazer. O que aconteceu, foi que o Padre Mário politizou fortemente as homilias das missas dominicais na Igreja Paroquial de Mansoa e isso criou problemas ao Comando do Batalhão. Além disso, a PIDE tinha em Mansoa um funcionário com escritório aberto.

Sei que o Comando foi por várias vezes chamado a Bissau e por fim o Padre Mário saiu de Mansoa. 

Estávamos em 1967, éramos todos muito jovens e acho que faltou uma pitadinha de bom senso ao Padre Mário, para levar a água ao seu moinho. Ele que me perdoe, mas foi o que pensei na altura.

Aires Ferreira




Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil  > Região do Oio > Detalhe: posição relativa de Cutia no triângulo Bissorã- Mansabá- Mansoa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)



Padre Mário da Lixa. Foto da sua página,
aqui reproduzia com a devida vénia
2.3. Sobre a sua experiência na Guiné entre finais de 1967 e princípios de 1968,  como capelão militar, o Mário de Oliveira, disse o seguinte:

(...) "Na guerra colonial, vivi integrado no Batalhão 1912, sedeado em Mansoa. Era o único padre capelão. Havia outro padre em Mansoa, mas na igreja da Missão, com quem sempre dialoguei, durante os quatro meses que lá vivi e actuei. Mas como capelão militar era o único padre no Batalhão.

"Enquanto não me expulsaram, pude privar de perto com as diversas chefias militares e com as centenas de soldados rasos que davam corpo ao Batalhão. Encontrei homens que estavam na guerra com convicção. A tese oficial do Regime sobre a guerra estava bem interiorizada neles. E eram generosos, à sua maneira, na entrega de si mesmos àquela causa, sem se aperceberem que era uma causa perdida. Mas havia também os que se aproveitavam da guerra, com sucessivas comissões, bem remuneradas, e quase sempre longe dos perigos das frentes de combate. Dizê-lo, não é novidade para ninguém. E havia os oficiais milicianos que, duma maneira geral, estavam na guerra contrariados e cuja preocupação maior era poderem regressar à sua família e à sua terra sãos e salvos" (...).

Fonte: Vd. post de 27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa) (***)

Num outro texto, também publicado na I Série do nosso blogue, em 17/5/2006, o Mário de Oliveira explicou como é que foi apanhado pela armadilha da guerra colonial e o que é que a sua experiência, como capelão militar no CTIG, representou para ele, como homem, cidadão e padre:

(...) Acordei para a Guerra Colonial, quando, em 1967, fui chamado ao Paço episcopal do Porto - tinha então 30 anos de idade e cinco anos de padre, na Diocese, e era professor de Religião e Moral no Liceu D. Manuel II - para ser informado, de viva voz, pelo Bispo-Administrador Apostólico, D. Florentino de Andrade e Silva, de que o meu nome já tinha sido enviado para Lisboa, pelo que, em breve, iria ser chamado a frequentar um curso de capelães militares, na respectiva Academia Militar!
Não me perguntou o Bispo se eu estava disposto a ir, se tinha alguma coisa a objectar. Não me consultou. Apenas me informou e deu-me a ordem de marcha. Como se a Igreja fosse um enorme quartel, onde a generalidade dos seus membros apenas obedece, cumpre ordens dos superiores, auto-apresentados como infalíveis, como donos da verdade, como rostos visíveis de Deus, senão mesmo, o próprio Deus na terra.

A verdade é que eu, nessa altura, embora ficasse mudo de espanto e como que apunhalado no peito, não ousei sequer contradizer o Bispo. E lá fui para a Academia Militar, com mais umas dezenas de outros padres do país, pelos vistos, todos mais ou menos incómodos, por razões as mais diversas, nas respectivas dioceses.

Ao fim de cinco semanas de curso intensivo, fui dado como apto e parti para a Guiné-Bissau, a fim de me integrar, como alferes capelão, no Batalhão 1912, que já operava militarmente em Mansoa, a 60 kms de Bissau.

Hoje, também eu me pergunto: Como é que isto foi possível? Como é que eu nem sequer me lembrei de formular objecção de consciência? Como é que fui logo obedecer a semelhante ordem? (...)

______________

Notas do editor

(*) Da página pessoal do Padre Mário da Lixa, retirámos alguns apontamentos autobiográficos que nos ajudam a entender melhor a o seu percurso como homem, cidadão e padre bem como a sua curta passagem pela Guiné.

(i) Nascido em 1937, na freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, numa família da classe trabalhadora, entrou no seminário em 1950;

(ii) Em 1962, foi ordenado padre, na Sé Catedral do Porto, pelo bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, que substitui o Bispo D. António Ferreira Gomes (1906-1989), exilado por ordem de Salazar em 1959...

(iii) A partir de 1963 foi professor de religião e moral em dois liceus do Porto;

(iv) Em Agosto de 1967 "foi abruptamente interrompido nesta sua missão pastoral pelo Administrador Apostólico da Diocese, por suspeita de estar a dar cobertura a actividades consideradas subversivas dos estudantes (concretamente, por favorecer o movimento associativo, coisa proibida pelo regime político de então)";

(v) Nomeado capelão militar, "sem qualquer consulta prévia, pelo mesmo Administrador Apostólico", viu-se compelido a frequentar, durante cinco semanas seguidas, um curso intensivo de formação militar, na Academia Militar, em Lisboa;

(vi) Em Novembro de 1967, desembarca na Guiné-Bissau, na qualidade de alferes capelão do Exército português, integrado no BCAÇ 1912, com sede em Mansoa;

(vi) Menos de cinco meses depois, em março 1968,  é "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência", e mandado regressar à sua diocese, sendo "rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável ";

(viii) Em Abril de 1968, foi nomeado pároco da freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses);

(ix) Em Junho de 1969 é exonerado da paróquia de Paredes de Viadores pelo mesmo Administrador Apostólico da Diocese do Porto, que o havia nomeado;

(x) Em Outubro de 1969 está a paroquiar a freguesia de Macieira da Lixa (Felgueiras), por nomeação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, entretanto, regressado do exílio;

(xi) Em Julho de 1970 é preso pela PIDE/DGS;

(xii) Em Março de 1971 sai da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto;

(xiii) Volta a ser preso pela PIDE/DGS em Março 1973; quando sai em liberdade, em Fevereiro de 1974, é "informado, de viva voz, pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que já não era mais o pároco de Macieira da Lixa";

(xiv) Em 1975 torna-se jornalista profissional;

(xv) Em Julho 1995, e a convite do jornal Público, "regressou à Guiné-Bissau, onde permaneceu durante uma semana, com o encargo de escrever uma crónica por dia sobre o passado e o presente daquela antiga colónia portuguesa" (...).




Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > 1995 >  O jornalista Mário de Oliveira com o padre missionário que foi encontrar em Mansoa.

Foto:© Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)


(**) Último poste da série > 21 de fevereiro de 2014 >  Guiné 63/74 - P12753: (De)caras (15): O meu primo Agnelo, e meu conterrâneo da ilha de Santo Antão, comandante do PAIGC, com quem me reencontrei no pós-25 de abril, em Bissau, era eu empregado bancário, no BNU - Banco Nacional Ultramarino (António Medina, ex-fur mil op esp, CART 527, Teixeira Pinto, 1963/65, a viver nos EUA, desde 1980)