Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 4 de abril de 2014
Guiné 63/74 - P12930: Parabéns a você (713): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mecânico Auto do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74); António Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2406 (Guiné, 1968/70); Hernâni Acácio Figueiredo, ex-Alf Mil TRMS do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70) e José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 675 (Guiné, 1964/66)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12925: Parabéns a você (712): Álvaro Vasconcelos, ex-1.º Cabo TRMS do STM (Guiné, 1972/74)
quinta-feira, 3 de abril de 2014
Guiné 63/74 - P12929: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (46): Depois do ataque
BIM DJUBI ARAMI DI BRANKU... MININU
BIM DJUBI INVOLUCROS DE BALA... PIQUININU
BIM DJUBI, LA LUNDJU, DJITU MANSU DE CERKA FORONTA
BIM DJUBI, NA MATU SUKURO, N’DÊ KU HOMI NA MATA HOMI, KUMA PA BUSKA PAZ.(1)
Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé)
45 - DEPOIS DO ATAQUE
Depois do ataque amanheceu e, de repente, ficámos sem medo e podíamos caminhar para além da porta das nossas casas-abrigo. O dia clareou, a sensação da coragem voltou e podíamos olhar para além do cercado da nossa morança. Como sempre, apetecia-nos perguntar ao sol, nosso general, onde estava ele, ontem à noite, quando enfrentámos a certeza de morrer na escuridão que escondia os assaltantes, bandidos que vieram da barraca vizinha, do mato, lá longe, no intuito de matar, roubar e destruir a nossa aldeia. Depois, a tabanca acordou novamente, ao ritmo dos seus afazeres, como se nada tivesse acontecido, porque nem a morte nem os medos sofridos na escuridão da noite superam a vida.
NENÃ IAY KOLEÁ, BAHÃ IAY BIRRERÔ, MI ANDÁ KÔ WIRA-WIDE: UMMH... DJEURO MAY...(2)
Depois do ataque, fomos à procura dos vestígios a volta da tabanca. Por detrás de uma árvore gigante, encontrámos o cenário, já familiar, onde um ou vários homens armados lutaram, desesperadamente, durante várias horas, entre o desejo de matar e o medo de morrer. No chão, espalhados aqui e ali, pequenos invólucros de cor amarela. Sinais de mil pegadas sobrepostas uma sobre a outra, dança frenética de pés, pegadas de homens, indecifráveis como as motivações dos seus actos de desespero. No ar, o cheiro inconfundível de pólvora queimada.
A distância entre o local e a aldeia era razoável, no entanto, éramos capazes de jurar que estiveram a atirar muito perto da nossa casa. Se calhar era o eco dos zincos ou então o pulsar dos nossos corações aflitos, todavia, éramos capazes de jurar que ouvíramos as suas vozes, igualmente aflitas, na ânsia premente de matar ou morrer. Invadidos de medo repentino de gelar o corpo, fugimos de volta para casa, a tempo de seguir para o quartel onde nos esperava o resto do nosso grupo de rafeiros com as habituais latas nas mãos e a teimosia nos olhos.
No quartel situado dentro da aldeia, a azáfama era grande. De manhã cedo saiu uma coluna de soldados para parte incerta. Desde ontem à noite que a rádio não parou de chamar na sua linguagem de códigos secretos, símbolos da guerra que nos aflige: “ALFA BRAVO... ALFA BRAVO... AQUI CENTAURO... ESCUTO”. “ALFA BRAVO... ALFA BRAVO... AQUI CENTAURO... ESCUTO”. Os chefes entram e saem calados. Tratar-se-ia de mais um ataque numa aldeia vizinha. Do sitio onde estamos podemos ver a claridade provocada pelas chamas das casas incendiadas. O jovem Capitão e seus Furriéis não nos vêm e não nos conhecem, mas nós conhecemos os seus nomes e conseguimos ler a aflição dos seus rostos impassíveis de homens de guerra.
O movimento de carros e da tropa é ininterrupto. Não sabemos para onde vão nem quando termina esta guerra que consome a nossa alegria de viver. No quartel, todos os soldados são parecidos, na idade, na pressa do andar, nos camuflados. Só o primeiro Sargento destoa do conjunto, pelo andar vagaroso e os olhos cansados. Junto dos arames, uma criança está à espera do amigo e talvez dum pedaço de pão que tardam a chegar. Aos miúdos que aventuram lá dentro o destino é incerto, tanto podem conseguir um pedaço de pão com marmelada como levar um vigoroso pontapé nos seus traseiros de crianças intrometidas. É uma questão de sorte ou de azar, como sempre acontece na guerra e na vida. “ALFA BRAVO... ALFA BRAVO... AQUI CENTAURO... ESCUTO”.
De repente, o silencio é cortado pelo ruído ensurdecedor de helicópteros que chegam e trazem reforços. Os homens saltam e os engenhos continuam no seu vôo rasante. Não são muitos, os soldados, o Comandante é preto, alto e magro, olhos de lince, calças camuflado, camisola branca e boina de pára-comando, uma faca de mato, duas cartucheiras e uma arma de assalto. Força especial, a elite da elite, mistura de botas e plásticos, boinas vermelhas, verdes e chapéus cubanos. Buruntumá, Canquelifá, Cumbamori e Samba-Ulencunda. A guerra não pára, assim como as más línguas sobre a prática macabra de corte de orelhas, em guisa de troféus, no mato escuro, onde os homens se matam uns aos outros na procura impossível da paz e sossego que tardam a chegar.
Na aldeia o silêncio é total. Não sabemos se partimos ou ficamos. As mulheres estão à porta dos casebres com seus enormes embrulhos e os filhos que choram nas suas costas. O que levar e o que deixar? Os homens estão apressados, entram e saem das casas, olhando para o céu, nos seus preparativos habituais, as Mausers nas mãos trémulas. Cabisbaixos, os mais velhos sorriem, pois sabem que quem vai a guerra nunca estará preparado, o suficiente, para enfrentar a morte. Corpos amarfanhados de guardas e amuletos diversos, cem garrafas de “Nassy”(3) para lavar a cabeça e os membros, trinta e três surats do Profeta para superar as forças do imponderável.
O frenesim do dia termina com a chegada do crepúsculo e, com ele desaparecem, também, os sorrisos das crianças no meio da guerra. Mergulhamos de novo na escuridão da noite e ninguém sabe o que pode acontecer até o dia seguinte. As nossas vidas giram à volta deste medo quotidiano junto dos arames farpados e abrigos escuros, o vai-vem apressado dos carros da tropa, sempre na esperança de um novo dia que há-de chegar, não se sabe como nem quando. “ALFA BRAVO... ALFA BRAVO... AQUI CENTAURO... ESCUTO...”
Imagem retirada do P12872, de autoria de Joaquim L. Fernandes, ex-Alf Mil da CCAC 3461 -Teixeira Pinto e Bissau (1973-74) com o sugestivo titulo: “Acordar memorias, Porto do carro, a minha aldeia e Canchungo, ontem e hoje"; que me devolveu à memória alguns episódios e cenas vividos durante a guerra colonial na Guiné e serviu de inspiração para o presente texto.
Notas:
(1)
Venha ver os arames dos brancos, menino;
Venha ver os invólucros das balas, pequeninos;
Venha ver a luz que brilha lá longe, para afastar o medo;
Venha ver o mato escuro, onde os homens se matam à procura da paz.
(2)
“A minha mãe foi ao campo trabalhar e o meu pai foi ao Birré (casa de mato onde, antigamente, os homens bebiam vinho de palma) e não sei de quem é a voz que clama: Umh... Djeuro morreu”.
Trata-se de partes da canção muito popular de um conto iniciático em língua Fula que narra a coragem de uma criança, simbolizando a vida que, sozinha, conseguiu superar o medo e vencer a serpente, grande como a terra, que a queria engolir na ausência da mãe, sempre ocupada em trabalhos para o sustento da família, do pai ocioso e amante do vinho de palma e do irmão (Djeuro) que teria encontrado a morte ao tentar opor-se a serpente gigante.
(3)
Nassy = mistura de água perfumada e de versículos corânicos previamente escritos numa tábua de leitura, muito usada no seio da comunidade muçulmana da África ocidental em geral e entre os Fulas em particular, ao qual se atribui diferentes tipos de poderes.
Bissau, 27 de Março de 2014.
Cherno Abdulai Baldé (Chico de Fajonquito).
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Nota do editor
Último poste da série de 25 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11762: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (45): Horror e terror em Cuntima, em novembro de 1976: a revolta de um grupo de antigos milícias, a execução pública de Soarê Seidi e de Abbaro Candé, por ordem do histórico comandante do PAIGC, Quemo Mané (Recordações de Demburri Seidi, tradução e texto de Cherno Baldé)
Guiné 63/74 - P12928: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (12): Guerra copofónica
1. Em mensagem do dia 28 de Março de 2014, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense. CSJD/QG/CTIG, 1973/74), reaparece com uma perigosa história de guerra (copofónica) vivida nas perigosas matas da cidade de Bissau.
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
12 - Guerra copofónica
Pelas tarefas que desempenhava na CSJD/QG/CTIG (Serviço de Justiça), fui-me apercebendo que muitas doenças, ferimentos e até mortes eram resultantes do abuso na ingestão de bebidas alcoólicas mas quem, durante a sua comissão, não apanhou a sua "tosgazita"?
Porém, quando estamos num TO e somos possuidores de uma arma de guerra, uns copitos com os camaradas e algum descontrolo, podem resultar em tragédia.
Este pequeno episódio que se passou comigo é bem elucidativo disso mesmo, e se o multiplicarmos por dezenas, ou até centenas (durante toda a guerra colonial, talvez milhares) e o transpusermos para uma qualquer Companhia do mato, não será difícil adivinhar a quantidade de incidentes com finais trágicos que ocorreram durante aquela guerra.
Numa das minhas muitas seguranças nocturnas que fiz às instalações da PIDE-DGS em Bissau, junto ao bairro do "Pilão", comandando um pequeno grupo de 6 ou 7 homens, deu-se um episódio que me deixou bastante incomodado e "acagaçado".
O pessoal que integrava estes pelotões pertencia à CCS/QG e apresentava-se à noite, para efectuar o "serviço", já bastante cansado das muitas picadas percorridas durante o dia entre gabinetes e, alguns, com muitas paragens para reabastecimento no Bar.
Por norma, estacionávamos numa pequena ruela, nas traseiras da DGS, que dava acesso ao Bairro do Cupilom e ali, junto a uma palhota, o pessoal "ferrava o galho" com uma "pinta do caraças"! Eu nunca dormia e não era por medo ..., não senhor! Era pelo meu elevado sentido de responsabilidade e pela obrigação moral de zelar pelo merecido descanso daqueles bravos militares.
Nessa noite, íamos talvez fazer o turno das 00h00 às 04h00 e tínhamos acabado de chegar ao "objectivo" quando entra na ruela um táxi conduzido por um negro e com um "pendura" negro também. De repente, um "fabiano" do pelotão manda parar o táxi, puxa a culatra atrás, e apontando a arma ao "pendura", indaga:
- Quem és tu, para onde vais!?
Oh balha-me Deus, carago, que é isto!? - Pergunto-me a mim próprio, completamente embasbacado.
Passados uns segundos logo me apercebi que o "fabiano" estava com uma valente "tosga", daquelas chamadas de "caixão à cova". Ai meu Deus se o gajo diapara aquela merda!
Com pinças e tentando manter a calma do "fabiano" (eu tremia todo e devia estar azul - ai s'aquilo dispara!), a muito custo, mas muito de levezinho, lá consegui retirar-lhe a arma e desarmá-la, apetecendo-me logo de seguida dar-lhe uma valente coronhada na "tola", mas lembrando-me de algumas "tosgas" próprias, lá pedi desculpas ao taxista & Cª e mandei-os seguir viagem.
Pelo "telemóvel" contactei o Alferes Miliciano de prevenção (um amigo dos tempos do QG de Lisboa) e, com receio de possíveis escutas, disse-lhe apenas que precisava da presença dele pois havia um pequeno problema.
Apareceu passado pouco tempo de Unimog e com mais um pelotão, meio embasbacado também por não perceber o que se estava a passar.
Chamei-o à parte e lá lhe contei o que acontecera. Substituiu-se o "fabiano" que seguiu de Unimog para o Quartel e tudo o resto decorreu normalmente.
Acordamos depois que não faríamos qualquer participação e o "fabiano" livrou-se duma valente "porrada".
Eu ..., apanhei mais um valente "cagaço".
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Nota do editor
Último poste da série de 24 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12080: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (11): Djassi, o ordenança
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
12 - Guerra copofónica
Pelas tarefas que desempenhava na CSJD/QG/CTIG (Serviço de Justiça), fui-me apercebendo que muitas doenças, ferimentos e até mortes eram resultantes do abuso na ingestão de bebidas alcoólicas mas quem, durante a sua comissão, não apanhou a sua "tosgazita"?
Porém, quando estamos num TO e somos possuidores de uma arma de guerra, uns copitos com os camaradas e algum descontrolo, podem resultar em tragédia.
Este pequeno episódio que se passou comigo é bem elucidativo disso mesmo, e se o multiplicarmos por dezenas, ou até centenas (durante toda a guerra colonial, talvez milhares) e o transpusermos para uma qualquer Companhia do mato, não será difícil adivinhar a quantidade de incidentes com finais trágicos que ocorreram durante aquela guerra.
Numa das minhas muitas seguranças nocturnas que fiz às instalações da PIDE-DGS em Bissau, junto ao bairro do "Pilão", comandando um pequeno grupo de 6 ou 7 homens, deu-se um episódio que me deixou bastante incomodado e "acagaçado".
O pessoal que integrava estes pelotões pertencia à CCS/QG e apresentava-se à noite, para efectuar o "serviço", já bastante cansado das muitas picadas percorridas durante o dia entre gabinetes e, alguns, com muitas paragens para reabastecimento no Bar.
Por norma, estacionávamos numa pequena ruela, nas traseiras da DGS, que dava acesso ao Bairro do Cupilom e ali, junto a uma palhota, o pessoal "ferrava o galho" com uma "pinta do caraças"! Eu nunca dormia e não era por medo ..., não senhor! Era pelo meu elevado sentido de responsabilidade e pela obrigação moral de zelar pelo merecido descanso daqueles bravos militares.
Nessa noite, íamos talvez fazer o turno das 00h00 às 04h00 e tínhamos acabado de chegar ao "objectivo" quando entra na ruela um táxi conduzido por um negro e com um "pendura" negro também. De repente, um "fabiano" do pelotão manda parar o táxi, puxa a culatra atrás, e apontando a arma ao "pendura", indaga:
- Quem és tu, para onde vais!?
Oh balha-me Deus, carago, que é isto!? - Pergunto-me a mim próprio, completamente embasbacado.
Passados uns segundos logo me apercebi que o "fabiano" estava com uma valente "tosga", daquelas chamadas de "caixão à cova". Ai meu Deus se o gajo diapara aquela merda!
Com pinças e tentando manter a calma do "fabiano" (eu tremia todo e devia estar azul - ai s'aquilo dispara!), a muito custo, mas muito de levezinho, lá consegui retirar-lhe a arma e desarmá-la, apetecendo-me logo de seguida dar-lhe uma valente coronhada na "tola", mas lembrando-me de algumas "tosgas" próprias, lá pedi desculpas ao taxista & Cª e mandei-os seguir viagem.
Pelo "telemóvel" contactei o Alferes Miliciano de prevenção (um amigo dos tempos do QG de Lisboa) e, com receio de possíveis escutas, disse-lhe apenas que precisava da presença dele pois havia um pequeno problema.
Apareceu passado pouco tempo de Unimog e com mais um pelotão, meio embasbacado também por não perceber o que se estava a passar.
Chamei-o à parte e lá lhe contei o que acontecera. Substituiu-se o "fabiano" que seguiu de Unimog para o Quartel e tudo o resto decorreu normalmente.
Acordamos depois que não faríamos qualquer participação e o "fabiano" livrou-se duma valente "porrada".
Eu ..., apanhei mais um valente "cagaço".
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Nota do editor
Último poste da série de 24 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12080: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (11): Djassi, o ordenança
Guiné 63/74 - P12927: O que é que a malta lia, nas horas vagas (28): Fotonovelas não temos, mas arranja-se Sigmund Freud (José Manuel Matos Dinis)
1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 27 de Março de 2014:
Viva Carlos,
Apesar da chuva desejo-te boa tarde.
Hoje, quando manuseava um dossier da Guiné, onde guardei uns apontamentos sobre Salazar, descobri o pequeno papelinho, que anexo, e pode muito bem enquadrar-se na rubrica do blogue, que acolhe os temas relacionados sobre as nossas leituras naquele espaço geográfico da antiga colónia, durante as nossas comissões militares.
Já anteriormente me pronunciei sobre coisas que me interessava ler. Referi que em Piche havia um acervo livreiro sobre, principalmente, temas romanceados, Lartéguy e Amado eram à farta. Mais tarde, em Bajocunda, já havia uma certa evolução gustativa, e o colectivo livreiro passou a integrar ensaios, poemas interventivos, e outras publicações de carácter político e contestatário.
Coisas que líamos na pacatez do lugar e dos "intervais" da guerra, sendo que uma ou outra poderia considerar-se "armadilhada".
Nunca houve azar, nunca irrompeu nos quartos qualquer brigada da secreta, nem consta, que tivesse havido bufaria, até porque o âmbito dos leitores mais atrevidos era bastante reduzido e circunspecto.
Em Piche, como já referi noutra ocasião, também tive o meu período "intelectual" dedicado às fotonovelas. Andei próximo de ficar apanhada, mas, ao que consta, o meu stress pós-traumático só tem a ver com a característica que me atribuem, de ser um bocadinho maluco dos cornos. Ou era, pois já me dou conta, de que, nesta idade, às vezes, convém ter travões.
Passemos então à matéria da relíquia, que não guarda rendas, nem odores de sedução, como a do Eça com todo o encanto da descrição que ele fez. Pelo contrário, até pode passar ao lado da curiosidade da maioria, e vou descrevê-la com a carga fictícia de quem já não se lembrava do assunto.
FOTONOVELAS NÃO TEMOS, MAS ARRANJA-SE SIGMUND FREUD
Um qualquer dia, de certeza em Bajocunda, algum funcionário ou militar terá sido portador do papelinho digitalizado, que "pede por favor" aos Srs Furriéis (com maiúscula, que o respeitinho é muito bonito), se podem emprestar fotonovelas ou foto Romances (?).
Acrescenta alguma coisa, que não se parece com nada, e assinou.
Igualmente, este teu amanuense deve ter sido o destinatário, ou um dos destinatários, mas de alguma maneira tornou-se personagem, quiçá a pensar produzir algum efeito especial num futuro blogue dedicado às coisas daquele tempo na Guiné.
Como o amanuense não morria de amores pelo capitão, que considerava descaracterizado, e o autor da missiva com interesses vastos pela leitura não teve em conta, por falta de destinatário expressamente indicado, que a mensagem poderia chegar ao IN, o referido amanuense ousou baralhar Sua Senhoria o capitão, e respondeu nas costas do instrumento mensageiro, que se lamentava a indisponibilidade do material pedido, mas, em alternativa, se assim o entendesse, subentende-se, poderia usufruir da leitura contida em "Psicopatologia da Vida Quotidiana", título perigosíssimo, por o conteúdo poder conter denúncias de certas práticas, associadas a patologias incuráveis nas bordinhas do deserto (Sahará).
E, como se sabe, ninguém gosta de tomar conhecimento de derivas no próprio estado de saúde. Por esta e por outras poderás avaliar como o amanuense nutria profunda estima pelo maioral, que retribuía (a ordem é indiferente), tanto quanto possível, na mesma moeda.
Iam-se gramando, até que deixaram de gramar-se. Mas não foi desta. Só não sei, por que raio de artes consegui ficar com a mensagem e a resposta, já que não era meu costume (ainda não é) devassar bens alheios.
Ou será que ele me devolveu o papel com alguma ironia ou ameaça?
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Nota do editor
Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12882: O que é que a malta lia, nas horas vagas (27): Em Galomaro li "A Relíquia" e "O Primo Basílio" do Eça de Queirós, José Vilhena e outros autores, ouvi a Maria Turra e decifrei os escritos do 2.º CMDT do Batalhão (António Tavares)
Viva Carlos,
Apesar da chuva desejo-te boa tarde.
Hoje, quando manuseava um dossier da Guiné, onde guardei uns apontamentos sobre Salazar, descobri o pequeno papelinho, que anexo, e pode muito bem enquadrar-se na rubrica do blogue, que acolhe os temas relacionados sobre as nossas leituras naquele espaço geográfico da antiga colónia, durante as nossas comissões militares.
Já anteriormente me pronunciei sobre coisas que me interessava ler. Referi que em Piche havia um acervo livreiro sobre, principalmente, temas romanceados, Lartéguy e Amado eram à farta. Mais tarde, em Bajocunda, já havia uma certa evolução gustativa, e o colectivo livreiro passou a integrar ensaios, poemas interventivos, e outras publicações de carácter político e contestatário.
Coisas que líamos na pacatez do lugar e dos "intervais" da guerra, sendo que uma ou outra poderia considerar-se "armadilhada".
Nunca houve azar, nunca irrompeu nos quartos qualquer brigada da secreta, nem consta, que tivesse havido bufaria, até porque o âmbito dos leitores mais atrevidos era bastante reduzido e circunspecto.
Em Piche, como já referi noutra ocasião, também tive o meu período "intelectual" dedicado às fotonovelas. Andei próximo de ficar apanhada, mas, ao que consta, o meu stress pós-traumático só tem a ver com a característica que me atribuem, de ser um bocadinho maluco dos cornos. Ou era, pois já me dou conta, de que, nesta idade, às vezes, convém ter travões.
Passemos então à matéria da relíquia, que não guarda rendas, nem odores de sedução, como a do Eça com todo o encanto da descrição que ele fez. Pelo contrário, até pode passar ao lado da curiosidade da maioria, e vou descrevê-la com a carga fictícia de quem já não se lembrava do assunto.
FOTONOVELAS NÃO TEMOS, MAS ARRANJA-SE SIGMUND FREUD
Um qualquer dia, de certeza em Bajocunda, algum funcionário ou militar terá sido portador do papelinho digitalizado, que "pede por favor" aos Srs Furriéis (com maiúscula, que o respeitinho é muito bonito), se podem emprestar fotonovelas ou foto Romances (?).
Acrescenta alguma coisa, que não se parece com nada, e assinou.
Igualmente, este teu amanuense deve ter sido o destinatário, ou um dos destinatários, mas de alguma maneira tornou-se personagem, quiçá a pensar produzir algum efeito especial num futuro blogue dedicado às coisas daquele tempo na Guiné.
Como o amanuense não morria de amores pelo capitão, que considerava descaracterizado, e o autor da missiva com interesses vastos pela leitura não teve em conta, por falta de destinatário expressamente indicado, que a mensagem poderia chegar ao IN, o referido amanuense ousou baralhar Sua Senhoria o capitão, e respondeu nas costas do instrumento mensageiro, que se lamentava a indisponibilidade do material pedido, mas, em alternativa, se assim o entendesse, subentende-se, poderia usufruir da leitura contida em "Psicopatologia da Vida Quotidiana", título perigosíssimo, por o conteúdo poder conter denúncias de certas práticas, associadas a patologias incuráveis nas bordinhas do deserto (Sahará).
E, como se sabe, ninguém gosta de tomar conhecimento de derivas no próprio estado de saúde. Por esta e por outras poderás avaliar como o amanuense nutria profunda estima pelo maioral, que retribuía (a ordem é indiferente), tanto quanto possível, na mesma moeda.
Iam-se gramando, até que deixaram de gramar-se. Mas não foi desta. Só não sei, por que raio de artes consegui ficar com a mensagem e a resposta, já que não era meu costume (ainda não é) devassar bens alheios.
Ou será que ele me devolveu o papel com alguma ironia ou ameaça?
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Nota do editor
Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12882: O que é que a malta lia, nas horas vagas (27): Em Galomaro li "A Relíquia" e "O Primo Basílio" do Eça de Queirós, José Vilhena e outros autores, ouvi a Maria Turra e decifrei os escritos do 2.º CMDT do Batalhão (António Tavares)
Guiné 63/74 - P12926: Convívios (577): Encontro comemorativo do 47.º aniversário do regresso da CCAÇ 816, a realizar no próximo dia 10 de Maio de 2014 nas Caldas das Taipas (Rui Silva)
1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 15 de Janeiro de 2014:
Caríssimos:
O que me ocorre logo e antes de tudo, é formular o desejo de uma boa saúde nas vossas pessoas e familiares queridos.
Agradecia que fosse publicado no “Querido Blogue” o programa da festa da família 816 que este ano ocorre na simpática terra de Caldas das Taipas.
Manda di ronco no dia 10 de maio e que faz sensivelmente 47 anos da chegada ao cais da Rocha do Conde de Óbidos. Isso mesmo, da chegada!... Irra!!).
Um abraço para toda a tertúlia.
Rui Silva
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Nota do editor
Último poste da série de 30 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12916: Convívios (576): XVII Encontro do pessoal do BCAÇ 4514, Estarreja, dia 5 de Abril de 2014
Caríssimos:
O que me ocorre logo e antes de tudo, é formular o desejo de uma boa saúde nas vossas pessoas e familiares queridos.
Agradecia que fosse publicado no “Querido Blogue” o programa da festa da família 816 que este ano ocorre na simpática terra de Caldas das Taipas.
Manda di ronco no dia 10 de maio e que faz sensivelmente 47 anos da chegada ao cais da Rocha do Conde de Óbidos. Isso mesmo, da chegada!... Irra!!).
Um abraço para toda a tertúlia.
Rui Silva
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Nota do editor
Último poste da série de 30 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12916: Convívios (576): XVII Encontro do pessoal do BCAÇ 4514, Estarreja, dia 5 de Abril de 2014
Guiné 63/74 - P12925: Parabéns a você (712): Álvaro Vasconcelos, ex-1.º Cabo TRMS do STM (Guiné, 1972/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 1 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12921: Parabéns a você (711): Carlos Pedreño Ferreira, ex-Fur Mil Inf Op do COMBIS e COP 8 (Guiné, 1971/73)
Nota do editor
Último poste da série de 1 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12921: Parabéns a você (711): Carlos Pedreño Ferreira, ex-Fur Mil Inf Op do COMBIS e COP 8 (Guiné, 1971/73)
quarta-feira, 2 de abril de 2014
Guiné 63/74 - P12924: Tabanca Grande (432): João Alberto Coelho (Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 – S. Domingos -, 1972/74), grã-tabanqueiro nº 653
1. O nosso Camarada João Alberto Coelho (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 – S. Domingos -, 1972/74) enviou-nos uma mensagem de apresentação e algumas fotos do seu álbum de memórias.
Camaradas,
Sou do 2º Curso de Rangers de 1972, onde fui graduado em Aspirante, tendo ficado no C.I.O.E. como instrutor no 3º curso (Adjunto do então Capitão Cardeira Rino).
Formamos Batalhão de Artilharia 6522.em Penafiel, passando a Alf Mil e chegamos à Guiné em Dez/1972, integrado na 1ª CART, que foi colocada em S. Domingos.
Regressamos a Portugal em Setembro de 1974.
Envio umas fotos e conto uma pequena história, apesar de não ter grandes histórias.
Felizmente, não houve baixas na minha companhia e todos os rapazes que foram, regressaram sem um ferimento.
Então, aqui vai a história do momento em que eu senti que ia morrer na Guiné.
DEBAIXO DE FOGO INIMIGO
Um dia, depois do jantar, e estando na messe a jogar "King", eis que ao longe ouvimos a saída de um projétil de uma arma pesada.
Claro que todos correram para os seus postos, menos eu, que continuei sentado a olhar para o meu jogo, chamando nomes ao IN, pois era a minha mão e tinha um jogão para "nulos".
Quando saí da messe já as granadas de canhão sem recuo caíam dentro e fora do aquartelamento(a grande maioria delas).
Como o meu posto de combate ficava nas valas à frente dos 3 obuses 10,5, decidi correr em campo aberto, pois ainda era distante.
Sensivelmente a meio do trajeto, eis que ouço um silvo. Pensei que estava feito e que ia levar com uma granada em cima. Deitei-me no chão e tentei cobrir a cabeça com os braços. Logo a seguir um rebentamento a poucos metros de mim e comecei a levar com terra em cima.
Uns segundos depois, ao ver que nada me tinha acontecido, levantei-me e lá cheguei ao meu destino, são e salvo.
Mais tarde, contarei outra que se passou no dia seguinte, quando fui fazer o reconhecimento, onde se pode ver que a sorte pode muitas vezes decidir quem vive e quem morre.
Oficial de Dia no C.I.O.E.
"Aeroporto " de S. Domingos
Aquartelamento, vestido com um macaco e botas, oferecidos pelo meu amigo 2º tenente Centeno do Destacamento de Fuzileiros Especiais da vila de Cacheu, na companhia do 1º comissário político do PAIGC que visitou S. Domingos.
Um abraço amigo,
João Coelho
Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 –
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010).Direitos reservados.
Fotos: © João Coelho (2010). Direitos reservados.
_________
Notas de M.R.:
A título informativo, comunicamos que após consulta ao nosso blogue, descobrimos que temos entre a Tertúlia Bloguista 5 Camaradas deste batalhão:
- Diamantino Prazeres Colaço, ex-Soldado Atirador da 1ª CART;
- António Inverno, que foi Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª CARTs e Pel Caç Nat 60, S. Domingos;
- Raul Manuel Bivar de Azevedo, que foi Cap Mil da 2ª CART, Susana;
- Sérgio Matos Marinho de Faria, Cap Mil Inf - Comandante da 3.ª Companhia, Ingoré e Sedengal;
- Ricardo Pereira de Sousa, que foi Alf Mil Op Esp/RANGER do 3ª CART, Sedengal.
Vd. o último poste desta série em:
Guiné 63/74 - P12923: Os nossos seres, saberes e lazeres (68): O panelo de barro preto (Manuel Luís R. Sousa)
1. O editor de serviço não resistiu à tentação de publicar esta história que o nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), escreveu e enviou aos seus familiares e amigos.
Como destas crianças de então se fizeram os homens que combateram em Angola, Guiné e Moçambique, entre 1961 e 1974, aqui fica o texto.
O PANELO DE BARRO PRETO
Há cerca de cinquenta anos, os habitantes da minha pequena aldeia de Folgares, Freixiel, Vila Flor, como a maior parte das aldeias do nordeste transmontano, tinham na terra que cultivavam o meio principal da sua subsistência, que conciliavam com a pastorícia de rebanhos de cabras e ovelhas, complementando, assim, a sua fonte de rendimento.
Além do leite, do queijo e da carne que comercializavam, e que também faziam parte da sua dieta alimentar, serviam-se destes animais para fertilizar as suas terras com os excrementos e a urina, na ausência de fertilizantes químicos que há hoje, tornando as suas pequenas leiras mais produtivas. Assim, para o efeito, desde o princípio da Primavera até ao final do Outono, o tempo mais quente, estes rebanhos de animais pernoitavam nas terras, confinados ao espaço limitado de um bardo, também conhecido por curral, que, todos os dias, ia sendo mudado até ser estrumada a parcela de terreno em causa.
O bardo, para quem não sabe, era uma cerca formada por várias cancelas de madeira, ligadas umas às outras, formando uma cerca nas mais variadas formas geométricas, (quadrado, rectângulo, círculo, em labirinto, conforme a configuração do terreno que se pretendia ocupar) que se fixavam, com uma ligeira inclinação para fora, espetadas no solo e suportadas do lado exterior por uns paus com uma bifurcação a que se chamavam forcados.
Claro que era indissociável do bardo a cabana onde pernoitava o pastor, que consistia num quadrado de madeira revestido a camadas de colmo de palha centeia, colocado de pé em posição ligeiramente oblíqua, para proporcionar o abrigo do lado do menor ângulo, amparado por dois forcados. Sob a cabana era aberta uma pequena cova onde era depositada alguma palha que servia de colchão ao pastor. Uma verdadeira suite de luxo, atendendo a que, na noite escura, dali se tinha o privilégio de ser admirada a beleza da abóbada celeste com as suas constelações de estrelas: a Ursa Maior, a Ursa Menor, a via Láctea, também conhecida por Estrada de S. Tiago, a estrela da manhã, além, também, da beleza das noites de luar. É a experiência que fala, visto que dormi algumas vezes com o meu pai nestas condições de campismo, cujos sons, além das imagens já referidas, ainda tenho bem presentes na memória: o ruminar das cabras, os balidos dos cabritos, o som das marradas das cabras e dos bodes nas suas lutas, o latir dos cães de guarda, etc.
À noite, depois de todos os animais acomodados no bardo, o pastor, com grande mestria, orientado pelo sentido do tacto, de cócoras, com o cântaro entre as pernas, mungia as cabras de uma a uma, de cujos mamilos, pressionados por mãos hábeis, jorravam os jactos de leite que, num instante, atestavam a vasilha.
Como logística alimentar, todos os dias, ao anoitecer, levava-se ao campo, além dos cântaros destinados ao leite, a ceia do pastor na chamada “lata dos pastores”.
Era um recipiente cilíndrico em lata, dividido em duas partes: a superior, um pouco mais pequena, destinada ao prato principal, e a inferior, a parte maior, destinada ao caldo não só destinado ao pastor como aos cães de guarda do rebanho. Depois uma asa de arame, por onde se pegava, completava o conjunto.
Neste contexto de então, o meu pai também tinha um rebanho de cabras, cuja guarda, enquanto ele se dedicava também ao amanho da terra, estava a cargo de um nosso pastor, o senhor Américo Catarino de uma aldeia vizinha, de Pereiros de Ansiães.
Era um homem com setenta e tal anos de idade, alto, magro, com o saber próprio da sua idade, com sentido de humor, de piada fácil. Era um contador de histórias. Algumas delas, preenchem ainda o meu imaginário.
Era meu contemporâneo na aldeia, naqueles anos, o meu amigo “Rito”, de seu nome completo, Francisco Pinto, aproximadamente da minha idade, seis ou sete anos. Talvez ele fosse um ano ou dois mais velho do que eu.
O “Rito” era conhecido por este nome por ser filho de uma senhora de uma das aldeias da freguesia de Freixiel, do Vieiro, de nome Rita, e de pai incógnito. Zorro, portanto. Era assim que se chamavam lá na terra os filhos cujos pais eram desconhecidos.
Dadas as dificuldades da mãe do “Rito”, foi adoptado, ainda que, na época, informalmente, por um casal lá da terra, o senhor João Mariano e a senhora Olívia.
O “Rito" caracterizava-se pela sua figura franzina, pouco nutrido, e revelava algumas dificuldades cognitivas, motivo porque, embora tenha frequentado a escola, nem a primeira classe chegou a concluir. Porém, era travesso incorrigível, principalmente quando os progenitores não estavam por perto, e tinha o condão de cantar muito bem. Era, incondicionalmente, um dos meus grandes amigos de infância.
Com toda esta minha exposição da vida do campo lá da aldeia, quis proporcionar aos leitores, como se de uma receita de culinária se tratasse, os ”ingredientes” necessários para “confeccionar” esta história do célebre “panelo de barro preto”:
Os progenitores do meu amigo “Rito” tinham uma cabra que por uns dias foi integrada no rebanho do meu pai para estar em contacto com os bodes reinantes da cabrada, com o objectivo de ela vir a procriar.
Ao cair da noite de um dia de verão, a mim e ao meu irmão Fernando, este mais velho do que eu cinco anos, foi-nos dada a tarefa de levarmos a ceia ao pastor, que pernoitava, portanto, no campo com as cabras, e as vasilhas para ao leite.
Tão novinhos que éramos, ambos alternávamos o transporte da “lata do pastor”, colocando a boina na mão para a asa de arame da lata não nos magoar.
Para meu contentamento, acompanhou-nos nesse dia o meu amigo “Rito” que levava um panelo de barro preto destinado ao leite da cabra dos seus pais adoptivos.
Tínhamos já saído da aldeia e caminhávamos já na poeirenta estrada térrea, entre pinhais, que liga a minha pequena aldeia a Carrazeda de Ansiães, que nos levaria até cerca de dois quilómetros onde se situava a parcela de terreno, designada por Terreiro, onde pernoitavam as cabras e o pastor.
O “Rito”, fazendo jus à sua irreverência, iniciava o chorrilho de diabruras que eu já bem conhecia, correndo à nossa frente, arrastando os pés descalços na estrada, levantando uma autêntica nuvem de poeira que nos sufocava. Corria de um lado para o outro a esconder-se na noite entre os pinheiros que ladeavam a estrada para, ao aproximarmo-nos, nos tentar assustar.
A dada altura começou a cantar e, como acompanhamento à sua melodiosa voz, agitava o panelo de barro preto com algumas pedras que meteu dentro.
- Dlão…, dlão…, dlão…, dlão.
Produzia assim o panelo uma bonita entoação sonora, ampliada pelo eco que se fazia ouvir pelo interior do pinhal que ladeava a estrada, de fazer inveja à velha sineta da capelinha de S. Luís lá da aldeia quando se rebimbava no alto do campanário a anunciar a hora da homilia, ou então, naquele tempo, a hora de irmos para a escola.
- Rito, tu vais partir o panelo. - Alertámos nós mais do que uma vez.
- Dlão…, dlão…,dlão…, dlão.
Continuava ele ignorando os avisos.
Depois de tanto badalar o panelo, a dada altura, e estranhamente, o “Rito” aquietou-se. Entretanto chegávamos ao Terreiro.
Embora fosse já noite cerrada, as cabras e o pastor ainda não tinham chegado ao bardo e nós os três, depois de colocarmos a lata com a ceia e as vasilhas do leite na cabana, incluindo o panelo, que o “Rito” fez questão de o deixar muito direitinho, regressámos a casa.
Depois da ceia, chegou a hora do pastor, o senhor Américo Catarino, ajudado pelo meu pai que entretanto foi ter com ele, proceder à ordenha dos animais.
Às escuras, como era habitual, o pastor, de cócoras, propôs-se a ordenhar a “Mariana” que era o nome que ele dava àquela cabra, por pertencer ao senhor João Mariano.
- Ó Antóoooooonio…!, Homessa…! Exclamava ele incrédulo momentos depois para o meu pai com a sua voz arrastada, com o sentido de humor que o caracterizava, levantando-se lá no meio das cabras.
E prosseguiu:
- Eu devo ter estado a ordenhar o bode porque o panelo ainda não tem uma gota de leite…
- Ó senhor Américo, não me diga que não consegue distinguir uma cabra do bode. Gracejava o meu pai com o pastor.
- Não é isso Antóoonio…, é que o panelo não tem cuuu…! Homessa…!
Foi assim o final deste célebre panelo de barro preto, indissociável da memória que guardo do meu amigo “Rito”, cujos cacos ainda hoje devem repousar no chão do Terreiro, que poderão constituir muitos anos depois um importante achado arqueológico.
Ao longo de muitos anos, a “sina” deste panelo de barro preto proporcionou bons momentos de hilariante boa disposição lá em casa a toda a família. Mais tarde o “Rito”, já homem, deixou os pais adoptivos e a aldeia e foi para uma outra aldeia do concelho de Mirandela, para Barcel, que se situa junto à margem direita do rio Tua.
Um dia, e esta é a parte triste desta história, o “Rito” faleceu em circunstâncias muito estranhas, ao ter sido encontrado o seu cadáver a boiar nas águas do rio.
Quis com esta história prestar a minha homenagem à sua memória, para ele, esteja onde estiver, sentir que o seu amigo “Manel” não se esqueceu dele, e, ao mesmo tempo, também como intervenientes directos neste episódio, relembrar o meu pai e o nosso pastor, o senhor Américo Catarino, também já falecidos.
Ao longo deste texto também quis deixar implícito, mesmo para o leitor mais distraído, que as crianças daquela época, desde muito pequeninas, eram chamadas a participar activamente na economia familiar em tarefas compatíveis com a sua capacidade física. Dizia-se na altura: “o trabalho das crianças é pouco mas quem o rejeita é louco”.
Eu, como tantas outras crianças da época, contribuí sempre com a minha parte sem que isso constituísse para mim, particularmente, qualquer trauma ou atrofiamento físico e cognitivo, muito pelo contrário. E a prova disso é que as mesmas mãos que se protegeram com a boina da asa de arame da “lata do pastor”, são as mesmas mãos que escreveram para vós este texto.
Quiçá ele venha a ser excerto de um próximo livro, por forma a perpetuar a memória de todos estes intervenientes que me são caros.
Manuel Sousa
Março de 2014
____________
Nota do editor
Último poste da série de 15 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12720: Os nossos seres, saberes e lazeres (67): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (10) (Tony Borié)
Como destas crianças de então se fizeram os homens que combateram em Angola, Guiné e Moçambique, entre 1961 e 1974, aqui fica o texto.
Vista parcial de Folgares
O PANELO DE BARRO PRETO
Há cerca de cinquenta anos, os habitantes da minha pequena aldeia de Folgares, Freixiel, Vila Flor, como a maior parte das aldeias do nordeste transmontano, tinham na terra que cultivavam o meio principal da sua subsistência, que conciliavam com a pastorícia de rebanhos de cabras e ovelhas, complementando, assim, a sua fonte de rendimento.
Além do leite, do queijo e da carne que comercializavam, e que também faziam parte da sua dieta alimentar, serviam-se destes animais para fertilizar as suas terras com os excrementos e a urina, na ausência de fertilizantes químicos que há hoje, tornando as suas pequenas leiras mais produtivas. Assim, para o efeito, desde o princípio da Primavera até ao final do Outono, o tempo mais quente, estes rebanhos de animais pernoitavam nas terras, confinados ao espaço limitado de um bardo, também conhecido por curral, que, todos os dias, ia sendo mudado até ser estrumada a parcela de terreno em causa.
O bardo, para quem não sabe, era uma cerca formada por várias cancelas de madeira, ligadas umas às outras, formando uma cerca nas mais variadas formas geométricas, (quadrado, rectângulo, círculo, em labirinto, conforme a configuração do terreno que se pretendia ocupar) que se fixavam, com uma ligeira inclinação para fora, espetadas no solo e suportadas do lado exterior por uns paus com uma bifurcação a que se chamavam forcados.
Claro que era indissociável do bardo a cabana onde pernoitava o pastor, que consistia num quadrado de madeira revestido a camadas de colmo de palha centeia, colocado de pé em posição ligeiramente oblíqua, para proporcionar o abrigo do lado do menor ângulo, amparado por dois forcados. Sob a cabana era aberta uma pequena cova onde era depositada alguma palha que servia de colchão ao pastor. Uma verdadeira suite de luxo, atendendo a que, na noite escura, dali se tinha o privilégio de ser admirada a beleza da abóbada celeste com as suas constelações de estrelas: a Ursa Maior, a Ursa Menor, a via Láctea, também conhecida por Estrada de S. Tiago, a estrela da manhã, além, também, da beleza das noites de luar. É a experiência que fala, visto que dormi algumas vezes com o meu pai nestas condições de campismo, cujos sons, além das imagens já referidas, ainda tenho bem presentes na memória: o ruminar das cabras, os balidos dos cabritos, o som das marradas das cabras e dos bodes nas suas lutas, o latir dos cães de guarda, etc.
À noite, depois de todos os animais acomodados no bardo, o pastor, com grande mestria, orientado pelo sentido do tacto, de cócoras, com o cântaro entre as pernas, mungia as cabras de uma a uma, de cujos mamilos, pressionados por mãos hábeis, jorravam os jactos de leite que, num instante, atestavam a vasilha.
Como logística alimentar, todos os dias, ao anoitecer, levava-se ao campo, além dos cântaros destinados ao leite, a ceia do pastor na chamada “lata dos pastores”.
Era um recipiente cilíndrico em lata, dividido em duas partes: a superior, um pouco mais pequena, destinada ao prato principal, e a inferior, a parte maior, destinada ao caldo não só destinado ao pastor como aos cães de guarda do rebanho. Depois uma asa de arame, por onde se pegava, completava o conjunto.
Neste contexto de então, o meu pai também tinha um rebanho de cabras, cuja guarda, enquanto ele se dedicava também ao amanho da terra, estava a cargo de um nosso pastor, o senhor Américo Catarino de uma aldeia vizinha, de Pereiros de Ansiães.
Era um homem com setenta e tal anos de idade, alto, magro, com o saber próprio da sua idade, com sentido de humor, de piada fácil. Era um contador de histórias. Algumas delas, preenchem ainda o meu imaginário.
Era meu contemporâneo na aldeia, naqueles anos, o meu amigo “Rito”, de seu nome completo, Francisco Pinto, aproximadamente da minha idade, seis ou sete anos. Talvez ele fosse um ano ou dois mais velho do que eu.
O “Rito” era conhecido por este nome por ser filho de uma senhora de uma das aldeias da freguesia de Freixiel, do Vieiro, de nome Rita, e de pai incógnito. Zorro, portanto. Era assim que se chamavam lá na terra os filhos cujos pais eram desconhecidos.
Dadas as dificuldades da mãe do “Rito”, foi adoptado, ainda que, na época, informalmente, por um casal lá da terra, o senhor João Mariano e a senhora Olívia.
O “Rito" caracterizava-se pela sua figura franzina, pouco nutrido, e revelava algumas dificuldades cognitivas, motivo porque, embora tenha frequentado a escola, nem a primeira classe chegou a concluir. Porém, era travesso incorrigível, principalmente quando os progenitores não estavam por perto, e tinha o condão de cantar muito bem. Era, incondicionalmente, um dos meus grandes amigos de infância.
Com toda esta minha exposição da vida do campo lá da aldeia, quis proporcionar aos leitores, como se de uma receita de culinária se tratasse, os ”ingredientes” necessários para “confeccionar” esta história do célebre “panelo de barro preto”:
Os progenitores do meu amigo “Rito” tinham uma cabra que por uns dias foi integrada no rebanho do meu pai para estar em contacto com os bodes reinantes da cabrada, com o objectivo de ela vir a procriar.
Ao cair da noite de um dia de verão, a mim e ao meu irmão Fernando, este mais velho do que eu cinco anos, foi-nos dada a tarefa de levarmos a ceia ao pastor, que pernoitava, portanto, no campo com as cabras, e as vasilhas para ao leite.
Tão novinhos que éramos, ambos alternávamos o transporte da “lata do pastor”, colocando a boina na mão para a asa de arame da lata não nos magoar.
Para meu contentamento, acompanhou-nos nesse dia o meu amigo “Rito” que levava um panelo de barro preto destinado ao leite da cabra dos seus pais adoptivos.
Tínhamos já saído da aldeia e caminhávamos já na poeirenta estrada térrea, entre pinhais, que liga a minha pequena aldeia a Carrazeda de Ansiães, que nos levaria até cerca de dois quilómetros onde se situava a parcela de terreno, designada por Terreiro, onde pernoitavam as cabras e o pastor.
O “Rito”, fazendo jus à sua irreverência, iniciava o chorrilho de diabruras que eu já bem conhecia, correndo à nossa frente, arrastando os pés descalços na estrada, levantando uma autêntica nuvem de poeira que nos sufocava. Corria de um lado para o outro a esconder-se na noite entre os pinheiros que ladeavam a estrada para, ao aproximarmo-nos, nos tentar assustar.
A dada altura começou a cantar e, como acompanhamento à sua melodiosa voz, agitava o panelo de barro preto com algumas pedras que meteu dentro.
- Dlão…, dlão…, dlão…, dlão.
Produzia assim o panelo uma bonita entoação sonora, ampliada pelo eco que se fazia ouvir pelo interior do pinhal que ladeava a estrada, de fazer inveja à velha sineta da capelinha de S. Luís lá da aldeia quando se rebimbava no alto do campanário a anunciar a hora da homilia, ou então, naquele tempo, a hora de irmos para a escola.
- Rito, tu vais partir o panelo. - Alertámos nós mais do que uma vez.
- Dlão…, dlão…,dlão…, dlão.
Continuava ele ignorando os avisos.
Depois de tanto badalar o panelo, a dada altura, e estranhamente, o “Rito” aquietou-se. Entretanto chegávamos ao Terreiro.
Embora fosse já noite cerrada, as cabras e o pastor ainda não tinham chegado ao bardo e nós os três, depois de colocarmos a lata com a ceia e as vasilhas do leite na cabana, incluindo o panelo, que o “Rito” fez questão de o deixar muito direitinho, regressámos a casa.
Depois da ceia, chegou a hora do pastor, o senhor Américo Catarino, ajudado pelo meu pai que entretanto foi ter com ele, proceder à ordenha dos animais.
Às escuras, como era habitual, o pastor, de cócoras, propôs-se a ordenhar a “Mariana” que era o nome que ele dava àquela cabra, por pertencer ao senhor João Mariano.
- Ó Antóoooooonio…!, Homessa…! Exclamava ele incrédulo momentos depois para o meu pai com a sua voz arrastada, com o sentido de humor que o caracterizava, levantando-se lá no meio das cabras.
E prosseguiu:
- Eu devo ter estado a ordenhar o bode porque o panelo ainda não tem uma gota de leite…
- Ó senhor Américo, não me diga que não consegue distinguir uma cabra do bode. Gracejava o meu pai com o pastor.
- Não é isso Antóoonio…, é que o panelo não tem cuuu…! Homessa…!
Foi assim o final deste célebre panelo de barro preto, indissociável da memória que guardo do meu amigo “Rito”, cujos cacos ainda hoje devem repousar no chão do Terreiro, que poderão constituir muitos anos depois um importante achado arqueológico.
Ao longo de muitos anos, a “sina” deste panelo de barro preto proporcionou bons momentos de hilariante boa disposição lá em casa a toda a família. Mais tarde o “Rito”, já homem, deixou os pais adoptivos e a aldeia e foi para uma outra aldeia do concelho de Mirandela, para Barcel, que se situa junto à margem direita do rio Tua.
Um dia, e esta é a parte triste desta história, o “Rito” faleceu em circunstâncias muito estranhas, ao ter sido encontrado o seu cadáver a boiar nas águas do rio.
Quis com esta história prestar a minha homenagem à sua memória, para ele, esteja onde estiver, sentir que o seu amigo “Manel” não se esqueceu dele, e, ao mesmo tempo, também como intervenientes directos neste episódio, relembrar o meu pai e o nosso pastor, o senhor Américo Catarino, também já falecidos.
Ao longo deste texto também quis deixar implícito, mesmo para o leitor mais distraído, que as crianças daquela época, desde muito pequeninas, eram chamadas a participar activamente na economia familiar em tarefas compatíveis com a sua capacidade física. Dizia-se na altura: “o trabalho das crianças é pouco mas quem o rejeita é louco”.
Eu, como tantas outras crianças da época, contribuí sempre com a minha parte sem que isso constituísse para mim, particularmente, qualquer trauma ou atrofiamento físico e cognitivo, muito pelo contrário. E a prova disso é que as mesmas mãos que se protegeram com a boina da asa de arame da “lata do pastor”, são as mesmas mãos que escreveram para vós este texto.
Quiçá ele venha a ser excerto de um próximo livro, por forma a perpetuar a memória de todos estes intervenientes que me são caros.
Manuel Sousa
Março de 2014
____________
Nota do editor
Último poste da série de 15 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12720: Os nossos seres, saberes e lazeres (67): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (10) (Tony Borié)
terça-feira, 1 de abril de 2014
Guiné 63/74 - P12922: 10º aniversário do nosso blogue (1): 10 anos a blogar... 652 camaradas e amigos registados... 13 mil postes publicados... 5,5 milhões de visitas... 50 mil comentários... Obrigados ao Miguel Pessoal pela prenda que já nos mandou!... Obrigados aos nossos editores, colaboradores permanentes, autores, leitores, comentadores!...
Poster do nosso 10.º aniversário. Autoria do © Miguel Pessoa (2014)
1. Amigos/as e camaradas: não colecionamos estatísticas mas os números também têm um função didática... Saber falar com números ajuda-nos a descrever e compreender melhor o que se se passa à nossa volta, ou até o que se passa connosco... Neste caso, esta pequena/grande aventurta em que nos metemos, em 2004, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, sem poder imaginar que um dia iríamos celebrar 10 anos de existência... E que chegaríamos a ter este número, digno de registo, de 652 amigos e camaradas da Guiné, (i) que vivem nos 5 continentes... e (ii) que aceitaram algumas regras básicas comuns, (iii) permitindo um convívio são, e uma partilha de memórias e de afetos, à volta de uma terra, de uma guerra, e de um período histórico que vai de 1961 a 1974, grosso modo. (Nos últimos 3 meses entraram mais 16 membros para a nossa Tabanca Grande, o que representa uma média de mais de 5 por mês. Em 31/12/2013, éramos 636].
2. A celebração do nosso aniversário não é um pretexto para o autoelogio, o narcisismo, a vanglória... É apenas mais uma ocasião para reforçarmos os laços de camaradagem e de amizade que nos unem. No caso pessoal do nosso editor Luís Graça, mas também dos demais editores e colaboradores permanentes, o blogue veio fazer alargar e enriquecer a nossa rede de relações humanas e sociais: temos hoje mais amigos do que em 2004... E mais: sabemos muito mais sobre a história daquela terra verde e rubra (bem como da nossa própria terra) do que sabíamos em 2004... O blogue tem sido não só um ponto de encontro dos ex-combatentes da guerra da Guiné (1963/74) como também uma valiosa fonte de informação e conhecimento, para a comunidade, lusófona e não só, em que nos inserimos... Investigadores, escritores, professores, alunos, jornalistas, empresas... têm-nos procurado, a pedir-nos algum tipo de apoio: por ex., acesso a imagens.
3. Não menos importante, temos posto muita gente a escrever e até a publicar livros, em prosa e em verso, o que não deixa de ser legítimo motivo de orgulho... Somos uma geração que se recusa a morrer e desaparecer sem deixar rasto, marcas, peugadas, dedadas, ADN... Orgulhamo-nos de sermos uma geração que soube fazer a guerra e a paz!... E disso damos testemunho, discretamente, todos os dias, de há 10 anos a esta parte. Fundámos, além disso, uma Tabanca Grande que tem, simbolicamente, um poilão ao meio, alto, frondoso, mágico, fraterno, protetor, com bons irãs e tudo no seu cocuruto, irãs que zelam por nós! E essa Tabanca Grande já se desmultiplicou por outras, de maior ou menor dimensão da Tabanca de Matosinhos à Tabanca do Centro, da Tabanca dos Melros à Magnífica Tabanca da Linha...
4. E temo-nos reunido, todos os anos, num encontro nacional, que este ano o será IX... Mais uma vez em Monte Real, como é costume, mas ainda sem data marcada, porque este ano aconteceu um percalço ao nosso editor Luís Graça: vai esta tarde ser hospitalizado para uma intervenção cirúrgica, e voltará com uma anca nova, pronto para retomar o trilho da velha picada da vida... Isto significa, para já, 6 ou 8 semanas de estaleiro, sem obrigações profissionais e com atividade bloguística muito mais reduzida... Valer-se-á dos santos da casa, o São Carlos Vinhal, o São Eduardo MR e e os demais anjos, querubins e bons irãs que pousam no poilão da Tabanca Grande, e que são afinal todos vocês... (a quem vou pedir um esforço adicional para alimentar esta boca voraz que é o nosso blogue, que precisa de 4 a 5 postes por dia, muitos textos, muitas fotos, e sobretudo de novos "piras", muitos "piras"...).
5. Infelizmente, nestes 10 anos, também já nos deixaram 33 amigos/as e camaradas, pela lei inexorável da morte. São 5% do total dos nossos 652 grã-tabanqueiros... Temos o dever de manter viva a sua memória, aqui registada sob a forma das fotos e textos que deles e sobre eles publicámos. Alegra-nos, por outro lado, sermos cada vez mais abordados pelos filhos/as e netos/as de camaradas nossos que, ou já morreram, ou têm dificuldade em comunicar connosco. Recorde-se, de resto, o nosso lema, que nada tem de demagógico: "Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são".
6. Veja-se também o que aqui escrevemos, todos nós (editores, colaboradores, leitores...) nos anteriores aniversários (, efeméride que só se começou a comemorar a partir de 2010, por iniciativa do nosso infatigável coeditor Carlos Vinhal e do Jorge Félix, outro camarada da primeira hora):
2. A celebração do nosso aniversário não é um pretexto para o autoelogio, o narcisismo, a vanglória... É apenas mais uma ocasião para reforçarmos os laços de camaradagem e de amizade que nos unem. No caso pessoal do nosso editor Luís Graça, mas também dos demais editores e colaboradores permanentes, o blogue veio fazer alargar e enriquecer a nossa rede de relações humanas e sociais: temos hoje mais amigos do que em 2004... E mais: sabemos muito mais sobre a história daquela terra verde e rubra (bem como da nossa própria terra) do que sabíamos em 2004... O blogue tem sido não só um ponto de encontro dos ex-combatentes da guerra da Guiné (1963/74) como também uma valiosa fonte de informação e conhecimento, para a comunidade, lusófona e não só, em que nos inserimos... Investigadores, escritores, professores, alunos, jornalistas, empresas... têm-nos procurado, a pedir-nos algum tipo de apoio: por ex., acesso a imagens.
3. Não menos importante, temos posto muita gente a escrever e até a publicar livros, em prosa e em verso, o que não deixa de ser legítimo motivo de orgulho... Somos uma geração que se recusa a morrer e desaparecer sem deixar rasto, marcas, peugadas, dedadas, ADN... Orgulhamo-nos de sermos uma geração que soube fazer a guerra e a paz!... E disso damos testemunho, discretamente, todos os dias, de há 10 anos a esta parte. Fundámos, além disso, uma Tabanca Grande que tem, simbolicamente, um poilão ao meio, alto, frondoso, mágico, fraterno, protetor, com bons irãs e tudo no seu cocuruto, irãs que zelam por nós! E essa Tabanca Grande já se desmultiplicou por outras, de maior ou menor dimensão da Tabanca de Matosinhos à Tabanca do Centro, da Tabanca dos Melros à Magnífica Tabanca da Linha...
4. E temo-nos reunido, todos os anos, num encontro nacional, que este ano o será IX... Mais uma vez em Monte Real, como é costume, mas ainda sem data marcada, porque este ano aconteceu um percalço ao nosso editor Luís Graça: vai esta tarde ser hospitalizado para uma intervenção cirúrgica, e voltará com uma anca nova, pronto para retomar o trilho da velha picada da vida... Isto significa, para já, 6 ou 8 semanas de estaleiro, sem obrigações profissionais e com atividade bloguística muito mais reduzida... Valer-se-á dos santos da casa, o São Carlos Vinhal, o São Eduardo MR e e os demais anjos, querubins e bons irãs que pousam no poilão da Tabanca Grande, e que são afinal todos vocês... (a quem vou pedir um esforço adicional para alimentar esta boca voraz que é o nosso blogue, que precisa de 4 a 5 postes por dia, muitos textos, muitas fotos, e sobretudo de novos "piras", muitos "piras"...).
5. Infelizmente, nestes 10 anos, também já nos deixaram 33 amigos/as e camaradas, pela lei inexorável da morte. São 5% do total dos nossos 652 grã-tabanqueiros... Temos o dever de manter viva a sua memória, aqui registada sob a forma das fotos e textos que deles e sobre eles publicámos. Alegra-nos, por outro lado, sermos cada vez mais abordados pelos filhos/as e netos/as de camaradas nossos que, ou já morreram, ou têm dificuldade em comunicar connosco. Recorde-se, de resto, o nosso lema, que nada tem de demagógico: "Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são".
6. Veja-se também o que aqui escrevemos, todos nós (editores, colaboradores, leitores...) nos anteriores aniversários (, efeméride que só se começou a comemorar a partir de 2010, por iniciativa do nosso infatigável coeditor Carlos Vinhal e do Jorge Félix, outro camarada da primeira hora):
6º aniversário do nosso blogue (2010)
7º aniversário do nosso blogue (2011)
8º aniversário do nosso blogue (2012)
9º aniversário do nosso blogue (2013)
7. A partir de hoje, 1 de abril (, dia das mentiras...), começamos as comemorações do 10º aniversário do nosso blogue, extensivas á nossa página no facebook, Tabanca Grande Luís Graça). A melhor prenda? É a esperança de continuarmos a blogar por mais dez anos, se para tanto não nos faltar o engenho, a arte... e a saúde!..
Aproveitamos o ensejo para, publicamente, agradecer ao Miguel Pessoa o cartaz do nosso 10º aniversário, uma belíssima prenda, fruto do seu talento e generosidade. Toda a gente gostou. O Zé Martins resumiu bem a opinião dos editores e colaboradores permanentes: "Para mim está simples, objectivo e, sobretudo, luminoso.",
Guiné 63/74 - P12921: Parabéns a você (711): Carlos Pedreño Ferreira, ex-Fur Mil Inf Op do COMBIS e COP 8 (Guiné, 1971/73)
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Nota do editor
Último poste da série de 30 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12913: Parabéns a você (710): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, exFur Mil Op Especiais do BART 2917 e Rosa Serra, ex-Alf Enf Paraquedista do BA 12 (Guiné, 1969)
Nota do editor
Último poste da série de 30 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12913: Parabéns a você (710): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, exFur Mil Op Especiais do BART 2917 e Rosa Serra, ex-Alf Enf Paraquedista do BA 12 (Guiné, 1969)
segunda-feira, 31 de março de 2014
Guiné 63/74 - P12920: Tabanca Grande (431): Albano Mendes de Matos, ten cor art ref, GA 7 e QG/CTIG (Bissau, 1972/74), grã-tabanqueiro nº 652
1. Mensagem de 13 do corrente, enviada pelo Albano Matos:
Luís Graça
Tenho muito gosto em integrar a «Tabanca Grande». Logo que possível, vou enviar um apontamento sobre o Caderno de Poesias «POILÃO», que organizei e fiz, na Guiné, publicado de forma artesanal pelo Grupo Desportivo e Cultural do Banco Nacional Ultramarino.
Tenho contactos com Mário de Oliveira, do restaurante o «Ninho» e com o meu amigo Silvério Pires Dias, do PIFAS e da Emissora da Guiné.
Abraço.
Albano Mendes de Matos
2. Comentário de L.G.:
(iv) Já em Angola, havia publicado, em 1973, o caderno de contos africanos «Jangadeiro», dos quais foram apreendidos 300 exemplares pela PIDE/DGS;
(v) É também licenciado em Antropologia Cultural e Social e mestre em Ciências Antropológicas;
(vi) Foi professor na Universidade Moderna;
Mandei ao Albano o convite para integrar a Tabanca Grande, convite que ele aceitou de bom grado. È também o nosso apreço pelos contributos que o Albano já deu para a preservação e divulgação da nossa(s) memória(s) da Guiné...
Um alfabravo. Luís Graça
Luís Graça
Tenho muito gosto em integrar a «Tabanca Grande». Logo que possível, vou enviar um apontamento sobre o Caderno de Poesias «POILÃO», que organizei e fiz, na Guiné, publicado de forma artesanal pelo Grupo Desportivo e Cultural do Banco Nacional Ultramarino.
Tenho contactos com Mário de Oliveira, do restaurante o «Ninho» e com o meu amigo Silvério Pires Dias, do PIFAS e da Emissora da Guiné.
Abraço.
Albano Mendes de Matos
2. Comentário de L.G.:
Aqui fica uma resenha biográfica, respigada da Net e completada com elementos informativos do nosso blogue, sobre o novo grã-tabanqueiro, que se vai sentar, à sombra do nosso poiulão, no lugar nº 652, ao lado do seu amigo e camarada Silvério Dias:
(i) Nasceu em Castelo Novo, Fundão, em 1932,
(i) Nasceu em Castelo Novo, Fundão, em 1932,
(ii) É tenente-coronel do Exército na reforma, com várias comissões de serviço durante a Guerra Colonial:
Angola (Grupo Art 157 / BArt 147, 1961/63);
Angola (BArt 1469/ CArt 1469, 1965/68;
Guiné (GA 7 e QG/CTIG - Secção de Milicias e Chefe de Contabilidade, 1972/74);
(iii) Na Guiné, a par das tarefas militares, organizou festivais de poesia e representações teatrais, bem como os «Cadernos de Poesias POILÃO», com autores guineenses e portugueses;
(iv) Já em Angola, havia publicado, em 1973, o caderno de contos africanos «Jangadeiro», dos quais foram apreendidos 300 exemplares pela PIDE/DGS;
(v) É também licenciado em Antropologia Cultural e Social e mestre em Ciências Antropológicas;
(vi) Foi professor na Universidade Moderna;
(vii) Estreou-se no romance em 2008, com a obra «A Casa Grande» (Prémio Literário Aquilino Ribeiro).
Mandei ao Albano o convite para integrar a Tabanca Grande, convite que ele aceitou de bom grado. È também o nosso apreço pelos contributos que o Albano já deu para a preservação e divulgação da nossa(s) memória(s) da Guiné...
A partir de agora, passamos a tratar-nos por tu, de acordo com as nossas regras de convívio, e como de resto se impõe entre camaradas do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Sê bem vindo, Albano. E vê se mandas uma foto atual.
Um alfabravo. Luís Graça
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Nota do editor:
Último poste da série > 24 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12894: Tabanca Grande (430): Silvério Dias, 1º srgt art ref, o senhor PIFAS, e "poeta todos os dias!...Nove anos de permanência em terras guineenses, incluindo uma comissão na CART 1802 (Nova Sintra, 1967/69)... É agora o grã-tabanqueiro nº 651
Guiné 63/74 - P12919: Estórias e memórias de Silvério Dias, radialista, PFA, 1969/74 (1): Como, por causa de um amigo, deixei a CART 1802, fiz provas para locutor do PFA e, mais tarde, abandonei voluntariamente o Exército
Na foto, o 1º cabo José Camacho Costa e o 1º srgt Silvério Dias. Reconhecem-se excertos musicais de Carlos do Carmo, José Mário Branco, Beatles e outros... Faz-se referência á chegada do homem à lua, à guerra no Laos e no Camboja, e dá-se a notícia da flagelação, à cidade de Bissau, com foguetões 122 mm de origem russa (em 9 de junho de 1971)...
[Ouvir aqui o Compacto aúdio, de Garcez Costa, antigo locutor. Vídeo (6' 31''): Alojado em You Tube > Nhabijoes ]
Assunto: Voltar à Tabanca
Agora que "desbravei a picada" (*), é com maior naturalidade que me desloco até junto dos bons "rapazes da nossa Guiné". Para criar o tal ambiente, só falta mesmo o calor húmido. Porque, "manga de chuva" temos nós, nesta prima bera que não muda para melhor.
Fora o humor negro, passo a expor alguns dados relativos à minha pessoa, face à curiosidade do barbas Luís Graça:
O meu percurso com a CArt 1802 incluiu presenças em Farim, S.João e Jabadá, com todas as contingências inerentes a uma Companhia Operacional.
Ao tempo, em deslocação a Bissau para reabastecimento de frescos, encontrei velho amigo que, de forma entusiástica e sabendo das minhas actividades radiofónicas em Moçambique, me deu conta de que estavam necessitando de um locutor para o Programa das Forças Armadas.
O meu percurso com a CArt 1802 incluiu presenças em Farim, S.João e Jabadá, com todas as contingências inerentes a uma Companhia Operacional.
Ao tempo, em deslocação a Bissau para reabastecimento de frescos, encontrei velho amigo que, de forma entusiástica e sabendo das minhas actividades radiofónicas em Moçambique, me deu conta de que estavam necessitando de um locutor para o Programa das Forças Armadas.
A "reboque", lá prestei provas de leitura e dicção. "Tiro e queda"!
Substitui o então profissional da E.N. [Emissora Nacional]
Substitui o então profissional da E.N. [Emissora Nacional]
Lima Jorge, dando início a nova missão e a possibilidade de ter comigo parte da família. Esse foi sem dúvida o prémio maior.
Também não será desajustado dizer que o encontro fortuito com o amigo, António Martins, mudou radicalmente o meu futuro. Quiçá o meu destino, porquanto começava a desenhar-se um certo desencantamento, quanto às missões que aos militares estavam destinadas.
Na Guiné, mercê do empenho do então Major, António Ramalho Eanes e a influência do General Spínola, abandonei voluntariamente, o Exército, para muitos, impensável, tratando-se de um 1º Srgt .do Quadro Permanente.
Já nesse tempo: Mandava quem podia!
Fica por hoje este fragmento. Prometo voltar, dissipando duvidas e contando "estórias"...
Oxalá tenham paciência para as ouvir!
De mim para todos os "tabanqueiros"... aquele abraço.
Também não será desajustado dizer que o encontro fortuito com o amigo, António Martins, mudou radicalmente o meu futuro. Quiçá o meu destino, porquanto começava a desenhar-se um certo desencantamento, quanto às missões que aos militares estavam destinadas.
Na Guiné, mercê do empenho do então Major, António Ramalho Eanes e a influência do General Spínola, abandonei voluntariamente, o Exército, para muitos, impensável, tratando-se de um 1º Srgt .do Quadro Permanente.
Já nesse tempo: Mandava quem podia!
Fica por hoje este fragmento. Prometo voltar, dissipando duvidas e contando "estórias"...
Oxalá tenham paciência para as ouvir!
De mim para todos os "tabanqueiros"... aquele abraço.
Silvério Dias
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Nota do editor:
(*) Vd. postes de:
30 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12914: (In)citações (63); Senhor Ministro da Defesa, vamos lá falar, com toda a franqueza: dizer-lhe que militar não é, propriamente, um funcionário público. Já lhe ocorreu pensar nesta verdade? (Silvério Dias, ex-2º srgt art, CART 1802, Nova Sintra; ex-locutor do PFA, QG/CTIG, Bissau, 1969/74)
Guiné 63/74 - P12918: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): E Vendas Novas, onde funcionou a Escola Prática de Artilharia ?...Será que vai ser recordada apenas pelas bifanas ? (Luís Graça)
Vendas Novas > Escola Prática de Artilharia (EPA) > 1969
Foto © Carlos Vinhal (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]
Vendas Novas > Escola Prática de Artilharia (EPA) > 1967 > O Torcato Mendonça, à esquerda,. sentado, num exercío de instrução sobre a G3... 2º ciclo do COM.
Vendas Novas > Março de 2014 > "Outdoor" com o anúncio da maraca registada "Bifanas de Vendas Novas"
Vendas Novas > Março de 2014 > As famosas "bifanas", prontas a comer (1)...
Vendas Novas > 1 de março de 2014 > As famosas "bifanas", especilaidade da terra
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.
1. Sobre Vendas Novas já temos, no nosso blogue, mais de um dúzia de referências. Muitos dos nossos camaradas artilheiros passaram por lá antes de irem parar à Guiné. Estou-me a lembrar do Carlos Vinhal, do Torcato Mendonça, do Jorge Cabral, do Jorge Picadio, do Vasco Pires, do Fernando Valente (Magro), do João Martins, e de tantos outros. O nosso colaborador permanente José Marcelino Martins já aqui fez o historial da Escola Prática de Artilharia (EPA), incluindo o seu papel no 25 de abril de 1974.
De qualquer modo, faltam-nos histórias vividas em Vendas Novas, do tempo da recruta e da especialidade... Temos algumas, mas queremos mais... O Carlos Vinhal sei que tem uma, pronta (ou quase pronta) a editar... Mas era bom que os nossoa arilheiros mandassem aí umas "obusadas", para enriquecer a série "A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG" (*)....
Até porque temos uma ideia algo estereotipada sobre aquela, hoje, cidade que aparentemente cresceu ao longo de uma estrada nacional, a N4... É, historicamente, um sítio de "passagem", aparentemente sem grandes histórias para contar... Até 1962, era uma simples fregueseia do concelho de Montijo. Em 1970, o concelho tinha c. de 8500 habitantes, hoje terá menos de 12 mil, a grande maioria vivendo na sede.
Diz a Wikipédia que "a origem de Vendas Novas remonta à criação da Posta Sul, por ordem de D. João III. Foi então aberto um caminho de Aldeia Galega (Montijo) a Montemor, de modo a reduzir o percurso e o tempo das viagens. Foi nesse caminho que o rei mandou construir uma estalagem, no local onde hoje se encontra Vendas Novas. Alguns anos mais tarde, por ordem de D. Teodósio, uma nova pousada foi construída nas Vendas Novas. O nome do povoado terá provavelmente origem nas construções - "Estalagens" ou "Vendas" - que por serem de recente construção, eram novas, denominadas pelos viajantes como "as Vendas Novas". A povoação mais antiga do concelho é, no entanto a Landeira, hoje freguesia do concelho, de que existem referências de sua existência nos inícios do Séc. XII." (...)
De qualquer modo, faltam-nos histórias vividas em Vendas Novas, do tempo da recruta e da especialidade... Temos algumas, mas queremos mais... O Carlos Vinhal sei que tem uma, pronta (ou quase pronta) a editar... Mas era bom que os nossoa arilheiros mandassem aí umas "obusadas", para enriquecer a série "A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG" (*)....
Até porque temos uma ideia algo estereotipada sobre aquela, hoje, cidade que aparentemente cresceu ao longo de uma estrada nacional, a N4... É, historicamente, um sítio de "passagem", aparentemente sem grandes histórias para contar... Até 1962, era uma simples fregueseia do concelho de Montijo. Em 1970, o concelho tinha c. de 8500 habitantes, hoje terá menos de 12 mil, a grande maioria vivendo na sede.
Diz a Wikipédia que "a origem de Vendas Novas remonta à criação da Posta Sul, por ordem de D. João III. Foi então aberto um caminho de Aldeia Galega (Montijo) a Montemor, de modo a reduzir o percurso e o tempo das viagens. Foi nesse caminho que o rei mandou construir uma estalagem, no local onde hoje se encontra Vendas Novas. Alguns anos mais tarde, por ordem de D. Teodósio, uma nova pousada foi construída nas Vendas Novas. O nome do povoado terá provavelmente origem nas construções - "Estalagens" ou "Vendas" - que por serem de recente construção, eram novas, denominadas pelos viajantes como "as Vendas Novas". A povoação mais antiga do concelho é, no entanto a Landeira, hoje freguesia do concelho, de que existem referências de sua existência nos inícios do Séc. XII." (...)
Para mim, e para muitos portugueses em viagem, que ali fazem uma paragem "técnico-gastronómica", Vendas Novas é apenas a capital da bifana.. Seria injusto esquecer o Museu da Escola Prática de Artilharia e de outros centros de interesse. Curiosamente, o Museu não tem ainda uma página na Net. E a página do munícípio é muito fraquinha, em matéria de informação turística...(Eu diria que é uma grande pobreza!).
Confesso que ainda não o conheço o museu da EPA... Há um mês atrás, parei lá, em Vendas Novas, mas apenas para comer a "sandocha" da ordem..."O pró lá e ó pró cá!, como se diz no norte... Eu, a Alice e e mais um casal, os meus cuhados... Neste caso, e já não tendo 20 anos (e a "galga" dos 20 anos!), pedimos só... oito "bifanas", mais 4 empadas, e umas cervejolas pretas, fresquinhas, mais os cafezinhos da ordem, no fim... Um almoço "light", o suficiiente para a viagem, de 45 minutos, até Lisboa... Julgo que pagámos 7 euros por cabeça, neste caso, por boca...
Enfim, são valores do século passado, A.T. (antes da Troika)... Perguntam-me onde ? Passe a publicidade, no Snack-bar e Café "A Chaminé", que é com o café Boavista o "tasco" que disputa a fama e o proveito das melhores bifanas de Vendas Novas... Faço aqui a minha declaração de conflito de interesses: não sou sócio, não conheço ninguém, não tenho lá amigos nem parentes, mas já lá fui 3 vezes e fiquei fã... E nestas coisas, o povo é quem mais "ordenha"...
Não sei porquê mas as bifanas de Vendas Novas ganharam fama e proveito de há 20 ou 30 anos para cá... E são hoje uma das nossas especialidades da chamada "street food" (, comida de rua, que a gente já conhece desde o tempo da tropa!)... Têm alguns segredos, como se pode ler no ponto 2, a seguir...
De qualquer modo, pergunto à rapaziada da artilharia que por lá pssei se não haveria já bifanas à maneira, nos anos 60/70, em Vendas Novas, quando por lá passaram ? Seguramente que sim, e estas devem ser filhas da tropa...
Importa documentar onde e com quê se matava a malvada naquele tempo, em Vendas Novas... E só por ver as fotos das bifaninhas, já fiquei com hipoglicemia...
2. Excerto, com a devida vénia, do blogue Mesa Reservada, de Rui Barradas Pereira > 4 de julho de 2013 > A Bifana de Vendas Novas
(...) Depois de durante o ano passado ter falado desta, daquela e de outra bifana, havia uma grave omissão no meu estudo bifanófilo. Ainda mais sendo a minha família oriunda da zona de Vendas Novas, era difícil explicar como é que ainda não tinha escrito aqui sobre a mítica bifana de Vendas Novas.
Diz a lenda que a bifana de Vendas Novas teve origem numa das casas de bifanas ainda existente: o Café Boavista. A principal característica distintiva da bifana de Vendas Novas é ser feita com um bife de porco do lombo que [ é ] batido até se transformar numa fina película de carne. A bifana é feita no molho numa espécie de frigideira desenhada para o efeito e o pão é ligeiramente torrado e passado pelo molho.
Esta minha incursão pela bifana de Vendas Novas não teve lugar no Café Boavista mas sim no Café Chaminé que fica do outro lado rua. Diz também a lenda ter sido aberto por um ex-empregado do Café Boavista e que trouxe consigo os segredos da bifana do Café Boavista. Estas duas casas são as mais afamadas casas de bifanas de Vendas Novas e a discussão sobre qual das duas é a melhor inflama paixões entre os mais fiéis apreciadores das bifanas de Vendas Novas.
Esta bifana pede mostarda. Só com a mostarda é que o tempero da carne sobressai. Em termos de tempero até prefiro outras. Mas a carne é finíssima e de boa qualidade, quase demasiado fina, e o pão ligeiramente torrado dá-lhe um crocante que faz toda a diferença. Para acompanhar uma Sagres Preta. Porquê? Porque sim... (...)
___________________
Nota do editor:
(*) Vd último poste da série > 23 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12891: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Um longo percurso que começou em Vendas Novas, passando por Cascais, Torres Novas, Queluz, Lisboa, acabando em Mafra
Apesar de os meus pais terem uma casa perto de Vendas Novas onde passam uma boa parte do tempo e de eu lá ir várias vezes durante ano, a proximidade da cozinha da minha mãe, acabava por nunca proporcionar uma ida a uma das casas de bifanas em Vendas Novas.
Esta minha incursão pela bifana de Vendas Novas não teve lugar no Café Boavista mas sim no Café Chaminé que fica do outro lado rua. Diz também a lenda ter sido aberto por um ex-empregado do Café Boavista e que trouxe consigo os segredos da bifana do Café Boavista. Estas duas casas são as mais afamadas casas de bifanas de Vendas Novas e a discussão sobre qual das duas é a melhor inflama paixões entre os mais fiéis apreciadores das bifanas de Vendas Novas.
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Nota do editor:
(*) Vd último poste da série > 23 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12891: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Um longo percurso que começou em Vendas Novas, passando por Cascais, Torres Novas, Queluz, Lisboa, acabando em Mafra
Guiné 63/74 - P12917: Notas de leitura (577): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2013:
Queridos amigos,
Está aqui uma análise serena e rigorosa dos acontecimentos guineenses entre 2003 e 2005.
A deposição de Koumba Yalá por um golpe militar que trouxe alteração profunda à vida constitucional. São tempos de transição (mas será que alguma vez a Guiné viveu fora da transição?), haverá eleições e formar-se-á uma coligação entre o PAIGC e o PRS. A sombra de Koumba é uma constante da política guineense. E o exilado Nino Vieira regressa e é reeleito.
Onofre dos Santos honrou a literatura portuguesa com crónicas de grande valor e de altíssima qualidade literária. Talvez seja tarde para o editar em Portugal. Mas pelo menos os guineenses deviam conhecer as advertências que ele lançou à política do sacrificado país.
Um abraço do
Mário
Um enternecido olhar luandense sobre a Guiné-Bissau (2003-2005) - II
Beja Santos
Devido ao seu trabalho na Comissão Eleitoral da Guiné-Bissau, o angolano Onofre dos Santos acompanhou de perto os acontecimentos políticos guineenses entre 2003 e 2005. Previam-se eleições, mas antes houve um golpe de Estado em 14 de Setembro, a Constituição foi suspensa, o presidente Koumba Yalá foi deposto e instituído um Comité Militar. Seguiram-se negociações, vários chefes de Estado de países vizinhos intercederam. Os militares tomaram conta do poder, uma Carta de Transição Política passou a regular de forma jurídica os efeitos do golpe de Estado. Nomeou-se um Presidente da República de Transição. O que parecia uma alvorada da reconciliação não o foi. Ao longo do seu livro “Eleições em tempo de cólera”, Edições Chá de Caxinde, 2006, Onofre dos Santos explica porquê. Quando o Presidente da República de Transição assumiu funções, foi confrontado com questões básicas, altamente prementes: era preciso obter financiamento para pagar um ano de salários atrasados, depois criar uma atmosfera de estabilidade para governar com alguma autoridade. Onofre dos Santos escreve artigos para um jornal de Angola, Folha 8, regista as suas impressões pessoais de um país que ele passou a amar. Por exemplo, o fascínio do mercado de Bandim, “uma área de mais de 30 mil metros quadrados, em plena cidade de Bissau, onde há meio século havia um pequeno entreposto na encruzilhada de três reinos tradicionais e onde hoje, diariamente, transitam mais de 100 mil pessoas e se transacionam produtos no valor de mais de um milhão de dólares. Não admira que Bandim seja não só a praça mais concorrida e extensa da Guiné-Bissau, como a sua principal praça comercial e financeira. Os seus artigos vão dando conta das decisões tomadas ou adiadas". A propósito das eleições para o Supremo Tribunal de Justiça refere as flagrantes e incessantes violações do princípio da separação dos poderes: o presidente do Supremo Tribunal de Justiça tinha sido compulsiva e ilegalmente substituído e preso, sendo frequente os juízes serem substituídos e mudados sem justificação regulamentar. Nino Vieira tinha exonerado o presidente do Supremo Tribunal de Justiça em 1994. Koumba Yalá despediu o presidente antes de ter sido apeado pelo golpe de Estado. Temos aqui alguns indicadores do despotismo mascarado de democracia.
Para quem quer saber o que é preparar um ato eleitoral na Guiné-Bissau, o livro de Onofre dos Santos é leitura suculenta. Por exemplo, as diásporas, há guineenses nos países africanos à volta, há centenas de guineenses na Ilha de Lançarote, em Portugal (não esquecer que são dados do tempo) residem cerca de 80 mil cidadãos guineenses. Há votantes possíveis em Dakar, Ziguinchor, Conacri, Banjul e Nouachkot, mas também Madrid e Paris. Traça o retrato (bem lisonjeiro) do general de quatro estrelas Veríssimo Seabra, homem que contava com um currículo notável, incluindo experiência internacional. Onofre especula como se irão consorciar o Presidente de Transição e o comité militar e os órgãos democraticamente eleitos nas eleições que se avizinham. Deploravelmente, esta conjetura deixará de ser interessante quando o general Seabra for assassinado com um tiro na nuca. Descreve garridamente o carnaval em Bissau, aprecia sobretudo os grupos dos Bijagós “com as suas pinturas guerreiras, as suas máscaras e adereços, as jovens com as suas famosas saias de ráfia mostrando toda a altura da perna esbelta e adolescente”. Comenta um livro que acaba de ser publicado “Páginas de história política, rumos da democracia”, de Fernando Delfim da Silva, político proeminente. Foi considerado um provável sucessor de Nino Vieira, era seu protegido. Ora no livro Delfim da Silva coloca Nino na cadeira de réu pela autoria do golpe militar de 14 de Novembro. O que Onofre não sabe é que quando Nino Vieira reassumir poder Delfim da Silva estará de novo a seu lado.
O autor observa a inquietação dos chefes religiosos, a começar pelos católicos. Nas suas homilias, os bispos de Bissau e Bafatá pedem insistentemente um discurso realista, que se fale verdade e que não se mate a esperança. Há momentos de desânimo, como aquele que transmitiu o bispo de Bissau dizendo que qualquer que seja o resultado tudo vai ficar na mesma porque destas eleições não vai emergir nenhum líder com o carisma e autoridade necessários para resolver os males que afligem a Guiné-Bissau.
Em Março de 2004, o cenário político fica ainda mais baralhado quando o Supremo Tribunal de Justiça considerou inválida a declaração de renúncia de Koumba Yalá. E escreve uma observação que pode funcionar até aos dias de hoje, a propósito de Koumba: “Ele é na política guineense um ponta de lança invejável, fazendo avançadas surpreendestes sempre com os olhos postos na baliza e capaz de virar o jogo até ao último minuto da partida”.
Feitas as eleições, o PRS, o partido fundado por Koumba e que fora vencedor em 1999, resolve protestar por questões manifestamente insignificantes, o Supremo Tribunal de Justiça indefere. Carlos Gomes Júnior, presidente do PAIGC, foi indigitado pelo Presidente da República de Transição como Primeiro-Ministro. E a observação de Onofre sobre a votação obtida pelo PRS é do maior interesse: “Veio demonstrar que este partido já não se concentrava apenas nas regiões onde a população de etnia Balanta está particularmente localizada mas estende de facto a todo o território nacional, ou quase. Na realidade, se excetuarmos Bissau, o PRS acaba nestas eleições exatamente a par do PAIGC em número de votos o que é um resultado inesperado. Apesar de derrotado nas urnas, o PRS emerge destas eleições como um partido nacional que não era de facto e esta alteração das circunstâncias, só por si, muda toda estratégia que envolvia até agora o partido criado por Koumba Yalá e considerado como um partido destinado magnetizar o eleitorado da etnia Balanta”.
A seguir o autor espraia-se longamente sobre Angola, os estudiosos da realidade angolana encontram aqui pano para mangas, não sendo um constitucionalista Onofre dos Santos conhece profundamente a política angolana, como se depreende das suas riquíssimas observações, e conhece África e revela uma grande integridade, e assim se compreende pela escolha que as Nações Unidas para observador de variados atos eleitorais em todo o continente. E é culto e estudioso como se pode ler no seu relato sobre a fortaleza de S. Jorge da Mina, de onde ele escreve: “Sentado no areal que circunda a fortaleza de S. Jorge da Mina, vendo os barcos à vela que sulcam a sua baia, recordo Luanda e os últimos vestígios do Império que lá e aqui ainda despertam sentimentos contraditórios, uma saudade indefinível de um tempo que já passou à história, mas que nos deixou irmanados, portugueses, angolanos, guineenses, cabo-verdianos, santomenses, moçambicanos, macaístas e timorenses. A Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, nos anos 50 e 60 do século passado, foi a placa-tornante dos muitos que por lá passaram e de lá partiram para fazer história nos seus próprios países. O Império nos irmanou e o Império determinou o nosso destino”.
As crónicas sucedem-se, Nino Vieira é candidato presidencial, o general Veríssimo Seabra é assassinado, o fantasma sobre os direitos humanos voltou a cair pesadamente sobre a Guiné, Nino é eleito, mostra ser um corredor de fundo, os bichos voltam a fazer apelo à reconstrução nacional e referem que a conciliação exige perdão, perdoar é uma opção, implica um ato de vontade para pôr acima dos interesses de grupos, de etnias, o interesse do bem-comum e da Pátria; Koumba Yalá regressa à cena política, como regressam os rumores de atentados e liquidações sumárias. É um belíssimo livro de crónicas, que fatalmente teria que terminar com esta frase: “A Guiné, vou ter de a amar de longe, mas todos os dias rezarei para que os que ficam a amem de verdade, mais e melhor do que eu”. Os guineenses e os portugueses só têm a ganhar em ler esta prosa vibrante, de alta qualidade, de tão sincera esperança.
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Nota do editor
Último poste da série de 28 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12908: Notas de leitura (576): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (1) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Está aqui uma análise serena e rigorosa dos acontecimentos guineenses entre 2003 e 2005.
A deposição de Koumba Yalá por um golpe militar que trouxe alteração profunda à vida constitucional. São tempos de transição (mas será que alguma vez a Guiné viveu fora da transição?), haverá eleições e formar-se-á uma coligação entre o PAIGC e o PRS. A sombra de Koumba é uma constante da política guineense. E o exilado Nino Vieira regressa e é reeleito.
Onofre dos Santos honrou a literatura portuguesa com crónicas de grande valor e de altíssima qualidade literária. Talvez seja tarde para o editar em Portugal. Mas pelo menos os guineenses deviam conhecer as advertências que ele lançou à política do sacrificado país.
Um abraço do
Mário
Um enternecido olhar luandense sobre a Guiné-Bissau (2003-2005) - II
Beja Santos
Devido ao seu trabalho na Comissão Eleitoral da Guiné-Bissau, o angolano Onofre dos Santos acompanhou de perto os acontecimentos políticos guineenses entre 2003 e 2005. Previam-se eleições, mas antes houve um golpe de Estado em 14 de Setembro, a Constituição foi suspensa, o presidente Koumba Yalá foi deposto e instituído um Comité Militar. Seguiram-se negociações, vários chefes de Estado de países vizinhos intercederam. Os militares tomaram conta do poder, uma Carta de Transição Política passou a regular de forma jurídica os efeitos do golpe de Estado. Nomeou-se um Presidente da República de Transição. O que parecia uma alvorada da reconciliação não o foi. Ao longo do seu livro “Eleições em tempo de cólera”, Edições Chá de Caxinde, 2006, Onofre dos Santos explica porquê. Quando o Presidente da República de Transição assumiu funções, foi confrontado com questões básicas, altamente prementes: era preciso obter financiamento para pagar um ano de salários atrasados, depois criar uma atmosfera de estabilidade para governar com alguma autoridade. Onofre dos Santos escreve artigos para um jornal de Angola, Folha 8, regista as suas impressões pessoais de um país que ele passou a amar. Por exemplo, o fascínio do mercado de Bandim, “uma área de mais de 30 mil metros quadrados, em plena cidade de Bissau, onde há meio século havia um pequeno entreposto na encruzilhada de três reinos tradicionais e onde hoje, diariamente, transitam mais de 100 mil pessoas e se transacionam produtos no valor de mais de um milhão de dólares. Não admira que Bandim seja não só a praça mais concorrida e extensa da Guiné-Bissau, como a sua principal praça comercial e financeira. Os seus artigos vão dando conta das decisões tomadas ou adiadas". A propósito das eleições para o Supremo Tribunal de Justiça refere as flagrantes e incessantes violações do princípio da separação dos poderes: o presidente do Supremo Tribunal de Justiça tinha sido compulsiva e ilegalmente substituído e preso, sendo frequente os juízes serem substituídos e mudados sem justificação regulamentar. Nino Vieira tinha exonerado o presidente do Supremo Tribunal de Justiça em 1994. Koumba Yalá despediu o presidente antes de ter sido apeado pelo golpe de Estado. Temos aqui alguns indicadores do despotismo mascarado de democracia.
Para quem quer saber o que é preparar um ato eleitoral na Guiné-Bissau, o livro de Onofre dos Santos é leitura suculenta. Por exemplo, as diásporas, há guineenses nos países africanos à volta, há centenas de guineenses na Ilha de Lançarote, em Portugal (não esquecer que são dados do tempo) residem cerca de 80 mil cidadãos guineenses. Há votantes possíveis em Dakar, Ziguinchor, Conacri, Banjul e Nouachkot, mas também Madrid e Paris. Traça o retrato (bem lisonjeiro) do general de quatro estrelas Veríssimo Seabra, homem que contava com um currículo notável, incluindo experiência internacional. Onofre especula como se irão consorciar o Presidente de Transição e o comité militar e os órgãos democraticamente eleitos nas eleições que se avizinham. Deploravelmente, esta conjetura deixará de ser interessante quando o general Seabra for assassinado com um tiro na nuca. Descreve garridamente o carnaval em Bissau, aprecia sobretudo os grupos dos Bijagós “com as suas pinturas guerreiras, as suas máscaras e adereços, as jovens com as suas famosas saias de ráfia mostrando toda a altura da perna esbelta e adolescente”. Comenta um livro que acaba de ser publicado “Páginas de história política, rumos da democracia”, de Fernando Delfim da Silva, político proeminente. Foi considerado um provável sucessor de Nino Vieira, era seu protegido. Ora no livro Delfim da Silva coloca Nino na cadeira de réu pela autoria do golpe militar de 14 de Novembro. O que Onofre não sabe é que quando Nino Vieira reassumir poder Delfim da Silva estará de novo a seu lado.
O autor observa a inquietação dos chefes religiosos, a começar pelos católicos. Nas suas homilias, os bispos de Bissau e Bafatá pedem insistentemente um discurso realista, que se fale verdade e que não se mate a esperança. Há momentos de desânimo, como aquele que transmitiu o bispo de Bissau dizendo que qualquer que seja o resultado tudo vai ficar na mesma porque destas eleições não vai emergir nenhum líder com o carisma e autoridade necessários para resolver os males que afligem a Guiné-Bissau.
Em Março de 2004, o cenário político fica ainda mais baralhado quando o Supremo Tribunal de Justiça considerou inválida a declaração de renúncia de Koumba Yalá. E escreve uma observação que pode funcionar até aos dias de hoje, a propósito de Koumba: “Ele é na política guineense um ponta de lança invejável, fazendo avançadas surpreendestes sempre com os olhos postos na baliza e capaz de virar o jogo até ao último minuto da partida”.
Feitas as eleições, o PRS, o partido fundado por Koumba e que fora vencedor em 1999, resolve protestar por questões manifestamente insignificantes, o Supremo Tribunal de Justiça indefere. Carlos Gomes Júnior, presidente do PAIGC, foi indigitado pelo Presidente da República de Transição como Primeiro-Ministro. E a observação de Onofre sobre a votação obtida pelo PRS é do maior interesse: “Veio demonstrar que este partido já não se concentrava apenas nas regiões onde a população de etnia Balanta está particularmente localizada mas estende de facto a todo o território nacional, ou quase. Na realidade, se excetuarmos Bissau, o PRS acaba nestas eleições exatamente a par do PAIGC em número de votos o que é um resultado inesperado. Apesar de derrotado nas urnas, o PRS emerge destas eleições como um partido nacional que não era de facto e esta alteração das circunstâncias, só por si, muda toda estratégia que envolvia até agora o partido criado por Koumba Yalá e considerado como um partido destinado magnetizar o eleitorado da etnia Balanta”.
A seguir o autor espraia-se longamente sobre Angola, os estudiosos da realidade angolana encontram aqui pano para mangas, não sendo um constitucionalista Onofre dos Santos conhece profundamente a política angolana, como se depreende das suas riquíssimas observações, e conhece África e revela uma grande integridade, e assim se compreende pela escolha que as Nações Unidas para observador de variados atos eleitorais em todo o continente. E é culto e estudioso como se pode ler no seu relato sobre a fortaleza de S. Jorge da Mina, de onde ele escreve: “Sentado no areal que circunda a fortaleza de S. Jorge da Mina, vendo os barcos à vela que sulcam a sua baia, recordo Luanda e os últimos vestígios do Império que lá e aqui ainda despertam sentimentos contraditórios, uma saudade indefinível de um tempo que já passou à história, mas que nos deixou irmanados, portugueses, angolanos, guineenses, cabo-verdianos, santomenses, moçambicanos, macaístas e timorenses. A Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, nos anos 50 e 60 do século passado, foi a placa-tornante dos muitos que por lá passaram e de lá partiram para fazer história nos seus próprios países. O Império nos irmanou e o Império determinou o nosso destino”.
As crónicas sucedem-se, Nino Vieira é candidato presidencial, o general Veríssimo Seabra é assassinado, o fantasma sobre os direitos humanos voltou a cair pesadamente sobre a Guiné, Nino é eleito, mostra ser um corredor de fundo, os bichos voltam a fazer apelo à reconstrução nacional e referem que a conciliação exige perdão, perdoar é uma opção, implica um ato de vontade para pôr acima dos interesses de grupos, de etnias, o interesse do bem-comum e da Pátria; Koumba Yalá regressa à cena política, como regressam os rumores de atentados e liquidações sumárias. É um belíssimo livro de crónicas, que fatalmente teria que terminar com esta frase: “A Guiné, vou ter de a amar de longe, mas todos os dias rezarei para que os que ficam a amem de verdade, mais e melhor do que eu”. Os guineenses e os portugueses só têm a ganhar em ler esta prosa vibrante, de alta qualidade, de tão sincera esperança.
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Nota do editor
Último poste da série de 28 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12908: Notas de leitura (576): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (1) (Mário Beja Santos)
domingo, 30 de março de 2014
Guiné 63/74 - P12916: Convívios (576): XVII Encontro do pessoal do BCAÇ 4514, Estarreja, dia 5 de Abril de 2014
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Nota do editor
Último poste da série de 28 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12910: Convívios (575): 27º Encontro Convívio da CCaç 2382, 3 de Maio de 2014, em Fazendas de Almeirim (Alberto Silva)
Nota do editor
Último poste da série de 28 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12910: Convívios (575): 27º Encontro Convívio da CCaç 2382, 3 de Maio de 2014, em Fazendas de Almeirim (Alberto Silva)
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