Casa Comum > Fundação Mário Soares > Arquivo Amílcar Cabarl > Pasta: 05360.000.325 > Espaldar de morteiro, mais provavelmemte do Pel Mort 2138 [e não 2139], Buba, c. 1969/71. Pode perguntar-se: como é que esta foto chega às mãos do PAIGC?
Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
PELOTÃO DE MORTEIROS 2138 (BUBA, NHALA, MAMPATÁ, ALDEIA FORMOSA E EMPADA, 1969-1971): ESPALDÃO COM HISTÓRIA
por Jorge Araújo
1. INTRODUÇÃO
Tal como aconteceu no meu anterior texto sobre o universo de Pelotões de Morteiros mobilizados para a Guiné (1961-1974), no qual se identificaram e corrigiram algumas discrepâncias encontradas em trabalho académico concluído em 2015 (*), também no caso presente se procura rectificar o que, em nossa opinião, é uma inexatidão (provavelmente uma gralha) e que, por esse facto, deve-se corrigir.
E essa inexatidão (ou gralha) foi editada na legenda de uma foto localizada na Casa Comum – Fundação Mário Soares – na pasta: 05360.000.325, com o título: “Ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139 [?], do exército português”. O assunto é: “Estrutura militar portuguesa à beira de um rio [?]: ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139. A data [é abrangente]: 1963-1973.
A foto pertence ao DAC - documentos Amílcar Cabral (fotografias), como se prova na imagem acima (reproduzidacom a devida vénia).
Será que esta foto tem alguma história… importante? É muito provável que sim, como daremos conta ao longo do texto.
Considerando que no decurso da sua comissão ultramarina no CTIG (1969-1971) as diferentes esquadras do Pelotão de Morteiros 2138 [e não 2139] estiveram dispersas pelos aquartelamentos de Buba, Nhala, Mampatá, Aldeia Formosa e, finalmente, Empada, é mais do que certo que a foto acima dirá respeito a um deles, com forte probabilidade de ser o primeiro – Buba.
2. ELEMENTOS HISTÓRICOS DA UNIDADE
Para enquadramento histórico do Pelotão de Morteiros 2138, daremos conta, em síntese, do que escreveu o camarada Vítor Almeida, ex-fur mil, no blogue da sua Unidade [, e de que se reproduz aqui um excerto, com a devida vénia].
O relato inicia-se assim:
"Tudo começou no dia 2 de Junho de 1969 em Chaves, sendo a unidade mobilizadora do Pelotão de Morteiros 2138 o Batalhão de Caçadores 10. Até ao dia 5 de Julho decorreu a instrução de adaptação operacional [IAO] na região de Boticas. De 7 a 16 de Julho foram gozados dez dias de licença antes do embarque para o então chamado Ultramar Português.
"No dia 17 teve início a segunda parte do IAO estando previsto para o dia 30 de Julho, no navio “Índia”, o embarque para a Guiné, tendo o mesmo sido adiado para 13 de Agosto por avaria no navio. A viagem fez-se a bordo do navio “Uíge”, com chegada à Guiné no dia 18 e desembarque a 19 de Agosto de 1969 pela manhã."
"Entretanto [o Vítor Almeida] embarcou para a Guiné no dia 24 de Julho, num [C-54, ] avião Skymaster da Força Aérea, com escala em Las Palmas e Ilha do Sal, em Cabo Verde, onde pernoitaram [com] a chegada no dia seguinte à Guiné. A finalidade desta viagem antecipada foi tratar da logística do Pelotão, tendo mesmo efectuado uma deslocação a Buba antes da chegada do Pelotão a Bissau [num total de quarenta e oito elementos].
"A partida de todo o pessoal para Buba efectuou-se no dia 24 de Agosto a bordo da LDG 105 “Bombarda”, com chegada no dia 25 pelas 08H00. O pessoal foi dividido por vários aquartelamentos tendo seguido viagem no dia 31 de Agosto, integrados numa coluna militar com destino a Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa.
"Só a esquadra para Nhala chegou ao destino tendo as outras duas regressado a Buba devido ao estado intransitável da estrada. Estas duas esquadras para Mampatá e Aldeia Formosa só no dia 6 de Setembro seguiram para o seu destino.
"No dia 4 de Novembro a CCAÇ 2382, que se encontrava em Buba [comandada pelo Cap Mil Carlos Nery Gomes Araújo (1968/70)] foi substituída pela CCAÇ 2616, passando o Pelotão a depender administrativamente desta última". […]
Em 14 de Março de 1971 foi destacada para Empada uma das esquadras de Buba, comandada pelo fur mil Vítor Almeida [ou seja, pelo próprio].
O regresso a Portugal deu-se no final de Junho de 1971. Felizmente todos regressámos da nossa comissão não interessando mencionar os sacrifícios passados ou as inúmeras vezes que os aquartelamentos onde nos encontrávamos foram atacados.
Pela resenha histórica acima, é credível considerar que esta foto é mesmo de Buba [aguardamos a sua confirmação por quem por lá tenha passado] e a sua existência nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), poderá estar relacionada com o reconhecimento relativo à preparação do ataque ao aquartelamento de Buba, em 12 de Outubro de 1969.
Esta é, aliás, uma forte probabilidade fazendo fé no que se encontra referido no livro «Guerra Colonial – Angola / Guiné / Moçambique», do Diário de Notícias, p. 295, onde consta que esta informação foi obtida através da leitura dos documentos apreendidos ao capitão cubano [agora, coronel] Pedro Rodrigues Peralta (n.1937), na sequência da sua captura por tropas paraquedistas do CCP 122/BCP 12, em 18 de Novembro de 1969, durante a «Operação Jove», realizada no “Corredor de Guileje”, onde ficou gravemente ferido e evacuado para o HM 241, em Bissau.
Como curiosidade, o capitão cubano Pedro Peralta foi socorrido e evacuado pela enfermeira paraquedista Maria Zulmira Pereira André (1931-2010), que recebera a incumbência de um seu superior dizendo: “temos um ferido muito grave, que é necessário evacuar o mais rapidamente possível, e a Zulmira não o pode deixar morrer”, [in: Susana Torrão, «Anjos na Guerra», Oficina do Livro, 2011 (P9319)].
3. PREPARAÇÃO DO ATAQUE A BUBA EM OUTUBRO DE 1969
Do livro «Guerra Colonial», referido acima, reproduzimos o que consta sobre a preparação desta operação, informação extraída nos documentos de que era portador o capitão Pedro Peralta.
4. A ESTRATÉGIA DO ATAQUE
A análise ao modo como o PAIGC planeou o ataque ao aquartelamento de Buba em 12 de Outubro de 1969, domingo, deu origem à elaboração de um “Relatório do Ataque” por parte do comandante da CCAÇ 2382, ex-Cap Mil Carlos Nery Gomes de Araújo [, Carlos Nery, membro da nossa Tabanca Grande], bem como o competente croqui sobre a distribuição das forças IN.
Para que conste, dá-se conta, abaixo, de dois croquis do ataque, um global e outro mais específico, divulgados no livro acima citado, onde certamente se localiza o espaldar de morteiros da foto, utilizado pelos elementos do Pelotão de Morteiros 2138 em resposta ao ataque, cujo desempenho foi importantíssimo para o sucesso das NT, conforme é referido pelo autor do relatório.
5. O QUE ESCREVEU O CAP MIL GOMES NERY GOMES DE ARAÚJO
Neste contexto, recupero o que foi escrito pelo ex-CapM il Carlos Nery Gomes de Araújo, publicado no P6183, e citado do comentário ao poste de 25 de Janeiro de 2009:
“Eu era o Comandante da CCaç 2382 uma das unidades sediadas em Buba quando do ataque. A frase transcrita do relatório então elaborado foi de minha autoria. Porém, o desenho baseado naquele que fiz nesse mesmo relatório, contém algumas inexactidões. Efectivamente os cinco bigrupos do PAIGC que pretendiam entrar em Buba (cerca de 300 homens) foram emboscados por um grupo de combate da CCaç 2382, comandado pelo Alf. Mendes Ferreira, e por elementos do Pelotão de Milícia, postados no exterior do aquartelamento para lá da pista de aviação, tendo retirado com baixas e sem atingir o seu objectivo. Nessa retirada utilizaram o largo trilho aberto quando da sua aproximação.
Enquanto isto, a nossa artilharia, 2.º Pelotão/BAC comandado pelo Fur Mil Gonçalves de Castro atingia com eficácia a posição dos morteiros inimigos. Ficaram no local e foram capturadas na madrugada seguinte pelos fuzileiros do DFE7, 158 granadas, das 180 com que contava o Comandante Peralta [cap. cubano Pedro Peralta] na sua "Ordem de Fogo" preparando o ataque a Buba.
Entretanto, os dois morteiros 81, guarnecidos pelo Pel Mort 2138, atingiam a posição ocupada pelo comando do ataque IN, instalado na margem direita do Rio Mancamã, junto à foz. No lusco-fusco desse fim de tarde, viu-se, do quartel, a confusão de vultos em fuga, por entre o capim, nessa outra margem do rio. A maré estava baixa. Um frémito percorreu os defensores. Elementos do DFE7, da CCaç 2382 e da Milícia, sob o comando do Tenente Nuno Barbieri, alcançam a margem do rio Bafatá fronteira à posição dos canhões sem recuo e do comando inimigo. É aí deixada uma base de apoio comandada pelo Alf Domingos, da CCaç 2382, enquanto o Tenente Barbieri tenta ganhar a margem oposta no comando dos restantes voluntários, actuação esta que fez aumentar a confusão existente no dispositivo inimigo. Uma noite sem lua caíra, entretanto. Foi decidido regressar ao quartel. […]
Quando da captura do Comandante Peralta, pelos Paraquedistas, passados poucos dias, foi constatado que os planos de sua autoria para atacar Buba se ajustavam à descrição por nós elaborada. Gomes de Araújo (Cap Mil Art)”.
Em 4 de Outubro de 2009, passados quarenta anos, o colectivo de ex-combatentes do Pelotão de Morteiros 2138 «Sempre Excelentes e Valorosos», reuniu-se em Fátima, onde recordaram, naturalmente, este episódio (e muitos outros) ocorrido (s) em Buba (1969/1971), tornando-se este convívio num dia especial para todos.
Foto retirada, com a devida vénia, do blogue da Unidade.
Obrigado pela atenção.
Com forte abraço de amizade,
Jorge Araújo.
13DEZ2017.
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Nota do editor:
(*) Vd. poste de 15 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18214: Pelotões de Morteiros mobilizados para o CTIG: elementos históricos e estatísticos (Jorge Araújo)