terça-feira, 16 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24319: Homenagem a dois 'guineenses' de adoção e paixão, o algarvio António Camilo e o nortenho Xico Allen (1950-2022): "Diário da Viagem até à Guiné-Bissau por terra e por ela", em 20 dias (Herculano Prado). II (e última) Parte: de 26 de setembro a 6 de outubro de 2017; 11 dias : Bambadinca, Xime, Ponta do Inglès, Ponta Varela, Bafatá, Saltinho, Cussilinta, Quebo, Mampatá, Bafatá, Gabu, Bijagós, Bissau... Lisboa

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bubaque > c. 1973/74

Foto (e legenda): © Rui Vieira Coelho (2014). Todos os direitos reservado. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > O Rio Geba... o estreito (do Xime para montante) e o largo (do Xime para jusante)... c. 1970, no tempo seco... O rio era navegável de Bissau até Bafatá!... Mas normalmente, as embarcações (civis) iam até Bambadinca... As LDG ficavam pelo Xime, mas chegavam a Bambadinca, pelo menos até a 1968... Dois pontos vulneráveis do percurso eram a Ponta Varela (na margem esquerda do Rio, entre a Foz do Corubal/Ponta do Inglês e o Xime), e o Mato Cão (entre o Xime e Bambadinca, no troço serpenteante do Geba Estreito). Foto do álbum do Humberto Reis, ex-fur mil op esp (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné-Bissau >  Região de Bafatá > Saltinho > Abril de 2006 > Um olhar de esperança no futuro ?... É, pelo menos, o que gostaríamos de adivinhar neste olhar inocente de uma criança às costas de sua mãe...

Foto: © Hugo Costa (2006). Todos os sireitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Novembro de 2000 > Da margem esquerda (Xime) à margem direita (Enxalé): a canoa ainda continua a ser um meio fundamental de "cambança"

Fotograma do vídeo A Outra Guiné /The Other Guinea, de Hugo Costa, legendado em inglês. Vídeo (9' 27''). Ficha técnica: produção: Universidade do Porto, 2012; realização: Hugo Costa e Tiago Costa: diretor de fotografia: Hugo Costa; som: Hugo Costa... Duração: 9' 27''. (Deixou de estar disponível "on line", inclusive na página do Facebook do Hugo Costa, possivelmente pela reprodução de músicas sujeitas a direitos de autor.)

Cortesia de Albano Costa e Hugo Costa (2013). Edição e legendagem da imagen: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

 
Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > 16 de dezembro de 2009 > A rua comercial da nova Gabu, onde então já havia banco (agência do BAO - Banco da África Ocidental) e multibanco... Em 2009, a velha "rainha do Gabu" havia já destronado a "princesa do Geba", do nosso tempo, Bafatá, a cidade "colonial" mais encantadora da Guiné... Mudam-se os tempos, mudam-se os lugares: aqui falava-se mais francês do que português, e corriam muitos CFA, escreveu o João Graça, médico e músico, que viajou por estas paragens...  

Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Bafatá   > Bafatá > Abril de 2020 >  Hospital
 
Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda (e última) parte da publicação do diário da viagem à Guiné-Bissau, feita "por terra e por ela" (sic), em 20 dias, de 18 de setembro a 6 de outubro de 2017, por 4 portugueses, em dois jipes, o António Camilo, o Xico Allen, o Herculano Prado e a esposa, Luzinha, prima do António Camilo (que foi fur mil da CCAÇ 1565, Bissau, Jumbembém, Canjambari, Bissau, 1966/68).

O diário, da autoria de Herculano Prado, chegou-me, reencaminhado em 2018, quatro 
 anos antes de morrer, pelo Xico Allen (1952-2022).  

O Herculano Prado, hoje advogado, foi fur mil, CCAÇ 3550 / BCAÇ 3885 (Zambué, Tete, Moçambique, 1972/74). Não é membro da nossa Tabanca Grande, mas já foi convidado para a integrar, não só por esta viagem e a publicação deste texto (em duas partes), como pela ligação (profissional e afetiva) à Guiné (desde pelo menos 2010), e a amizade que criou e manteve com dois dos nossos tabanqueiros, o António Camilo e o Xico Allen (1952-2023).

Depois da morte do Xico, julgámos que seria oportuna a publicação deste "diário" no nosso blogue, partindo do pressuposto que era vontade dele que o texto fosse publicado no nosso blogue, com a anuência (pelo menos tácita) do Herculano Prado. 

Por outro lado, já aqui o dissemos, esta é a viagem que alguns de nós já fizeram, e que a maioria gostaria de ter feito em vida, e que por uma razão ou outra (a começar pelos problemas de saúde e segurança) nunca fez nem já chegará a fazer.

O texto, infelizmente, não veio acompanhado das fotos da expedição. Por esta ou aquela razão, as fotos nunca chegaram. Tivemos de recorrer por isso ao arquivo do nosso blogue. Mais uma vez deixamos aqui a manifestação da nossa gratidão ao Herculano Prado. E damos-lhe os parabéns pela excelència do texto, que ganha em vivacidade, fluência e objetividade (e que por isso seria uma pena ficar na "gaveta"...). 

Enviamos, entretanto, um alfabravo fratermo ao Camilo (de quem não temos tido notícias) desejando-lhe saúde e longa vida para poder continuar a fazer as suas expedições à Guiné-Bissau onde tem casa (em 2017, ao que parece, era a sua 22ª viagem). 

Em comentário do poste P24311 (*), o Carlos Silva, outro conheced0r da Guiné-Bissau,  comentou: "O Camilo, foi à Guiné depois da comissão, antes de 1998. Creio que em 1992 (?). E vários camaradas já lá tinham ido antes do Xico Allen e do Camilo. O Herculano, meu colega, está equivocado neste aspecto".

Por fim, fica aqui uma saudação especial à Inês Allen, que também já fez esta viagem por terra (um pouco mais longa, porque partiu do Porto). A nossa recém-tabanqueira (nº 875) é uma dugna sucedora do espírito aventureiro e solidário do seu pai.

DIÁRIO DA VIAGEM À GUINÉ BISSAU 

POR TERRA E POR ELA

  © Herculano Prado (2017)

8º dia, segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Após uma viagem tão desgastante e sempre a levantarmo-nos cedo, aproveitamos para dormir até mais tarde.

A primeira coisa que fiz foi tomar um antibiótico, porque se acentuou a dor que tinha no ouvido esquerdo, deduzindo que a tontura que tive em Saint Louis era devida a esta infeção.

Depois procurei o telemóvel, que já não via desde que tínhamos partido de Marraquexe, para lhe colocar um cartão local. Tinha-o desligado porque, em fevereiro, quando fizemos um cruzeiro nas Caraíbas, apesar de não ter feito chamadas, quando regressámos a Portugal tinha uma despesa de sessenta euros, gerada pela própria rede. Não o encontrei, nem até agora, concluindo que deve ter ficado em Marraquexe. Não fiquei muito preocupado, porque quando o desliguei retirei-lhe o cartão, para que não fosse ludibriado pelo sistema, colocando-o na pequena carteira que uso, há muitos anos, no bolso das calças. A preocupação, contudo, reapareceu quando constatei que o cartão não estava na carteira, tendo-o perdido ou ficado no bolso dos calções que utilizei durante a viagem. Quando procurei os calções informaram-me que tinham sido levados juntamente com a outra roupa para lavar… O meu azar acabou por se transformar em sorte, porque ainda fui a tempo de recuperar os calções e encontrar o cartão que estava dentro de um dos bolsos.

Depois do almoço, o Camilo levou-nos a visitar a região, tendo passado por muitos locais que marcaram muita da juventude portuguesa dos anos sessenta a 1974. Estivemos na Foz do Corubal com o rio Geba, em Xime, Ponta do Inglês e Ponta Varela. Passamos na Ponte do Rio Udunduma, vendo-se ao lado a do tempo colonial, já em ruinas, por onde passaram milhares de soldados e onde as nossas tropas sofreram muitas baixas. 

Eu, que também fiz a guerra, ainda que em outras paragens, em Moçambique, comovi-me ao visitar sítios que me foram referidos pelo Camilo e pelo Francisco, que cá estiveram na Guerra, pois imaginava o que sentiram e viveram os camaradas de armas que por cá passaram.

A minha mobilização foi para Moçambique, onde estive de Maio de 1972 a Agosto de 1974, integrado na Companhia 3550, pertencente ao Batalhão 3885, sediado no Fingoé. 

A companhia 3550 tinha a sede no Zambué e um destacamento no Zumbo, que distava cem quilómetros da sede. No mapa de Moçambique é fácil localizar o Zumbo, por ser a primeira terra moçambicana a ser banhada pelo rio Zambeze, junto à antiga Vila da Feira, atual Luangwa (15º 37`S, 30º 23` E), na Zâmbia, na foz da margem direita do Rio Aruangua, que divide os dois países.


9º dia, terça-feira, 26 de setembro de 2017

Este dia foi destinado a continuar a visitar os locais mais emblemáticos desta zona, começando por Saltinho e conhecer a casa que o Camilo tem no Clube de Caça, que fica junto à ponte Craveiro Lopes, sobre o rio Corubal, que foi visitada durante a construção pelo General Francisco Higino Craveiro Lopes, Presidente da República, em 1955.

Do Clube de Caça, localizado no antigo quartel da tropa, tem-se uma boa vista sobre a ponte e sobre o rio, que vai com um grande caudal. Do Outro lado do rio tem uma povoação grande ,onde visitei o régulo Suleiman, que foi soldado do meu primo Fernando, alferes Mota, quando cá cumpriu serviço militar. 

No bar do Clube, antigo bar dos oficiais ainda lá encontrámos um quadro de fotos da época feito pelo nosso companheiro de viagem, o Xico Allen, quando por cá passou em 1998. Depois passámos por Aldeia Formosa, atual Quebo, descendo a Buba, aonde almoçamos “ração de combate”, no Hotel da Dona Gabi, que se encontrava ausente para Bissau, utilizando uma das mesas que nos foi cedida, tendo sido recebidos pelo marido. 

De seguida regressámos a casa do Camilo, em Bambadinca, continuando a passar, agora sem riscos, por locais de tão triste memória, para aqueles que aqui fizeram a guerra.


10º dia, quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Mais uma vez nos levantámos cedo para, desta vez, irmos visitar Bissau e para o Camilo e o Francisco tratarem de vários assuntos. O Francisco trouxe duas ofertas de 50,00 e umas canadianas para serem entregues a dois antigos faxineiros, enviadas por dois antigos combatentes. Um deles, numa viagem que fez à Guiné, encontrou um desses faxineiros - em Moçambique chamávamos-lhes “mainatos” -, deficiente motor, que se locomovia encostado a um pau, do qual se condoeu, tendo prometido que lhe enviaria umas canadianas, promessa que foi cumprida, através do Xico Allen.

Durante a estadia, porque o Camilo conhecia o Tenente Coronel Sado e o Engº Agrónomo Constantino, que me tinham sido referidos pelo meu primo Fernando, o ex-Alferes Mota, para lhes apresentar cumprimentos e para lhes pedir ajuda, no caso de necessidade, encontrámo-nos com eles na Pastelaria Império. Foi um encontro agradável, que serviu para troca de cumprimentos e para o Engº Constantino, falar da sua boa experiencia vivida na minha cidade, Vila Real, quando lá frequentou o curso de agronomia. Fiz entrega a cada um de uma garrafa de vinho Cancellus Premium, que trouxe de Bambadinca a contar com um possível encontro, na convicção de que esta oferta seria do agrado do meu primo.

Porque, desde que saímos de Saint Louis, não tive oportunidade de aceder à internet, procurei encontrar um estabelecimento onde fosse possível, o que não consegui na Império, nem na Pensão Coimbra, onde pretendíamos almoçar, tendo, por isso, ido almoçar ao Hotel Ancar (antiga Solmar) aonde, para além de simpático almoço de buffet, consegui aceder ao Citius para consultar os processos que ainda tenho. Tinha uma notificação de um saneador.

Depois do almoço eu e o Francisco mantivemo-nos no bar do hotel, aproveitando a capacidade do Hi-Fi, cuja qualidade era inferior à que tínhamos encontrado no Diamarek de Saint Louis.

O Camilo e a Luzinha chegaram quando estava a começar uma grande ventania, que levantava poeira, mais parecendo que estávamos no deserto. Já tinham tratado da estadia nos Bijagós e comprado a viagem de barco para quatro pessoas. Também já tinham ido buscar o peixe que tínhamos comprado no porto e que tinha ficado para arranjar e para colocar na arca que levámos para esse efeito.

Porque eu pretendia ver o Basileia – Benfica para taça dos campeões, que começava às 18,45 horas locais, e entre Bissau e Bambadinca são 105 quilómetros, tivemos que regressar.

Quando chegámos a Bambadinca procurámos um sitio onde fosse possível ver o jogo, até que encontrámos um barracão onde supostamente daria o jogo, conjuntamente com outros, tendo pago a quantia de 150 francos CFA (um euro vale 650 CFA ), mas não conseguimos passar da entrada tal era a quantidade de pessoas que ali estavam para ver. Dos cinco écrãs que estavam ligados, um era o Sporting – Barcelona e num quinto procuravam um jogo que, provavelmente, seria o do Benfica. Em face destas condições e porque o Camilo só nos iria buscar depois do jogo terminar, eu e o Xico Allen fomos a pé para a casa do Camilo, que distava dois quilómetros.

Antes do jogo terminar, o Camilo disse-me que faltavam dez minutos para terminar o jogo e que o Benfica estava a perder 2 -0. No dia seguinte, quando nos levantámos disse-me que o Benfica perdeu 5-0. Custou-me a creditar…


11º dia, quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Saímos por volta das horas 10 horas para visitarmos Bafatá, cidade natal de Amílcar Cabral. Na parte colonial, alguns dos edifícios da época estão a ser utilizados por serviços públicos e outros estão em degradação. O que resta da cidade dá par ver que era uma muito bonita e que foi importante na histõria da Guiné. O Camilo vai-nos fazendo a historia de cada uma das grandes casas, pois ele conheceu a cidade no seu apogeu.

No regresso passámos por Gabu para a Luzinha comprar panos africanos. O mercando nativo é vasto e tem de tudo o que é expetável existir num sitio com muitas limitações.

Infelizmente, comprou muitos tecidos e alguns vestidos nativos…

É uma pena ver que tantos anos após a independência, nada tenha evoluído. A Guiné continua a ser um pais adiado, não se vislumbrando grandes saídas. Mesmos a fonte da sua economia - o caju - pode vir a ser abalada quando as enormes plantações que têm sido feitas no Vietname começarem a inundar o mercado

Não tendo pela Guiné a afetividade que tem aqueles que cá passaram parte da sua vida, tenho pena que a independência, que era inevitável em face das pressões internacionais e do desgaste que a guerra estava a fazer na sociedade portuguesa da época, não tenha trazido vantagens para as populações.

Começo a ter saudades dos meus cinco amigos de quatro patas: a Sacha, uma labradora de 10 anos; o Handy, um Waimaraner de sete anos; a Estrela, uma Serra da Estrela de seis anos; o Aires, um Serra D`Aires de cinco anos e, por fim, o Lobo, um pastor Alemão de nove meses.

Pela primeira vez tive tempo para ler, começando um romance histórico, Vela Sagrada, escrito por um escritor árabe Abdelaziz Al-Mahmoud, situando-se na época em que os portugueses chegaram à India e destabilizaram, não só o comércio de especiarias, que mudaram de rotas, mas também o poder político e militar da região, dominado pelos árabes.

Durante a tarde levantou-se uma ventania a que não estamos habituados, seguida de chuva intensa, que quem viveu na Guiné tao bem conhece.

Antes de nos deitarmos, fizemos a mala para partir no dia seguinte para a ilha de Bubaque, onde ficaremos quatro noites.


12º dia, sexta-feira, 29 de setembro de 2017


Saímos por volta das sete horas para fazermos os 105 quilómetros que nos separam de Bissau onde tínhamos a viagem marcada para Bubaque, às 15 horas.

Antes de partirmos, depois de chegarmos a Bissau o Camilo tratou do que era preciso para fazer uma pintura num dos jeeps. Fomos almoçar à pastelaria e, enquanto fazíamos tempo para a partida para Bubaque, fui tomar café ao Ancar para tentar aceder à Internet, não o tendo conseguido.

Porque pretendíamos marcar o nosso regresso a Lisboa, fomos à TAP, saber dos preços, que ficavam por quantia superior a € 400,00 por pessoa. Como eram muito caros, achamos por bem consultar as duas companhias que cá operam. Uma marroquina, que faz preços mais em conta, mas como teríamos que perder algumas horas em Casablanca acabámos por comprar na Euro Atlantic Airways, por cerca de € 300,00, por bilhete, para o dia 20 o Camilo comprou por cerca de € 150,00.

Depois, porque a Luzinha pretendia comprar uns panos pintados, que fazem quadros de parede, andámos à procura nas ruas perpendiculares à Av. Heróis da Pátria, que começa na Praça do Império e desce atá ao porto. O comercio foi deslocalizado para um parque distante do centro o que veio dar àquelas ruas um abandono ainda maior. Algumas estavam piores do que em 2010, apesar de algumas já estarem alcatroadas.

O palácio do quartel general, situado na Praça do Império, que, quando lá estive, em 2010, estava esburacado de balas, desde a altura em que assassinaram o General Nino Vieira, já está reparado, dando um ar mais digno àquela Praça.

Os bilhetes, que pagámos como residentes, ficaram em 40 000 CFAS, o que equivale a € 62,00.

O barco partiu às 15 horas e chegou às 19 horas, sem sobressaltos, porque o mar estava calmo.

O Xico Allen ficou em Bissau, para tratar de assuntos pessoais.

Depois de atracarmos transportámos a nossa bagagem para a Casa da Dona Dora. O que encontramos era um pouco diferente do que imaginava pelos relatos da Luzinha, feitos através de informações que recolheu do Facebook.

A luzinha, o Camilo e uma helvética que veio connosco no barco e que, também, ficou na Casa da Dona Dora,  foram beber um gim à Kasa Africana, enquanto eu fiquei a tentar pôr o diário em dia.

Deitamo-nos cedo e, contra o que era habitual, dormi razoavelmente.


13º dia, sábado, 30 de setembro de 2017

Por volta das oito horas fomos avisados pelo Camilo para nos despacharmos porque tinha encontrado um amigo, chamado Quintim, que é o diretor do Parque Nacional Marinho de João Vieira e Poilão, que ia em trabalho para uma outra ilha, e que estava à nossa espera para nos levar. Tomámos o pequeno almoço à pressa, nem me deixaram acabar o galão, pois uma oportunidade destas não era para desperdiçar.

No barco fomos várias pessoas, tendo duas ou três ficado numa primeira paragem do barco e nós ficámos numa praia, na Ilha de Canhabaque ou Ilha da Rocha, enquanto os técnicos iam fazer o seu serviço, recuperando-nos no regresso, por volta da hora de almoço.

Quando descemos do barco ficámos encantados com a temperatura da água, ao nível da melhor que já encontrámos, comparando-a com a das Filipinas, Indonésia, Cabo Verde, Caraíbas, Cuba, S. Tomé, por serem as mais quentes aonde já estivemos. Se em Saona, nas Caraíbas, existe a que é considerada a maior piscina natural do mundo, esta praia e a piscina que a rodeia, na ilha de Canhabaque, não lhe fica atrás e a água é incomparavelmente mais quente. Estivemos horas dentro de água e poderíamos continuar indefinidamente pois não chegaríamos a ter nenhuma sensação de desconforto. Uma maravilha! Avançámos pelo mar dentro, sempre com água pela cintura.

O barco recolheu-nos por volta da 13 horas, e quando estávamos na viagem de regresso, receberam um telefonema de um dos técnicos, que iriamos recolher, informando que estava atrasado, tendo-nos sido posta a hipótese de nos virem trazer a Bubaque e depois regressarem , com o que nós não concordámos pelos incómodos que lhes causaríamos e porque, para nós, a espera era a possibilidade de ficarmos mais algum tempo naquelas águas maravilhosas.

Enquanto esperávamos pelo recomeço da viagem, voltámos para a água, que continuava a ter altura da minha cintura, com a variante de os nossos pés pisarem lodo em vez de areia. Aquilo que, inicialmente, parecia um transtorno, porque nos enterrávamos, passou a ser um privilégio quando nos apercebemos de que estávamos a pisar, aquilo a que Luzinha chamou “ uma mina” de ameijoas, combé. Começámos a apanhá-las por distração e, passado pouco tempo, com a colaboração do condutor do barco, apanhámos uma grande quantidade, que acabámos por colocar num saco de supermercado, dos resistentes. 

Num calculo, por baixo, deveríamos ter apanhado mais de dez quilos, que transportámos para a Casa da dona Dora, para comermos no dia seguinte, porque, para o jantar desse dia, já tínhamos encomendado três robalos grandes, grelados, a uma nativa que tinha um grelhador à porta.

Nos primeiros dias de Guiné não teria comido em tal local – uma mesa colocada na rua de terra batida - mas agora, depois de me aperceber de que as pessoas são limpas, apesar da falta de qualidade das habitações, deixei-me dessas esquisitices ou então continuaria a comer “ ração de combate”, na gíria de combatente.

O peixe que foi servido com batatas fritas, salada e pão acompanhado de cerveja, estava bom e foi em quantidade suficiente que deu para quatro pessoas e para uma dúzia de amigos de quatro patas, que interesseiramente nos fizeram companhia. As festinhas que lhes fiz deu para mitigar as saudades, que cada vez são maiores, dos cinco amigos, que ansiosamente nos esperam em Vale da Laranja / Rio Maior.

Quando regressámos à “nossa casa”, a Glória, uma filha da Dona Dora, que está atualmente à frente do negócio, porque a mãe e irmã estão há um ano em Lisboa, conseguiu disponibilizar-me o sinal Hi-Fi, permitindo-me, assim, aceder ao Citius. Tinha duas notificações, das quais só tive acesso a uma. Espera-me trabalho, quando na próxima sexta-feira chegar a Lisboa. É por estas limitações e preocupações que deixei de aceitar a quase totalidade dos clientes que me procuram.

Não consegui receber nenhum dos setenta e-mails, que ficaram retidos.

Combinámos uma viagem ao outro extremo da ilha, para as 9,30 horas, com o dono de um transporte, que veio ter connosco ao hotel.


15º dia, domingo, 1 de outubro de 2017

Tomámos o pequeno almoço e ficámos a aguardar que nos viessem buscar, o que aconteceu por volta das 9,30, para nos transportarem a Bruce. Fomos recolhidos por um triciclo de caixa aberta com dois bancos de cada lado, que nos transportou a Bruce, no outro lado da Ilha de Bubaque e que dista 24 quilómetros do nosso “ aquartelamento” – a casa Dora. 

Foram quarenta e oito quilómetros por estrada, ida e vinda, na gíria chamamos-lhe picada, que deu para apreciar a paisagem verdejante, com algumas plantações de arroz, de milho e de outros produtos, Após muitos solavancos chegámos e encontrámos uma praia maravilhosa, a perder de vista, de águas tépidas e calmas. Passámos horas na água, tal como temos feito sempre que há oportunidade. Deu para explorar as redondezas, encontrando um pequeno curso de água, que faz uma piscina natural, antes de correr, devagarinho, para a praia, que deve secar no tempo seco. Continuámos a encontrar rochas vulcânicas, o que não me deixa qualquer dúvida quanto à origem destas ilhas, apesar de haver quem conteste esta evidência.

Aqui, em Bruce, um jovem local construiu um edifício de oito apartamentos, suites, espaçosos e modernos, dignos de qualquer bom lugar, que têm apoio de restaurante e bar. Com aquele mar em frente é um local a ter em conta para quem queira passar umas férias calmas e com conforto. O único contra são as viagens: quatro horas de barco, com saída de Bissau e os 24 quilómetros de “picada”. Também estão a ser construídos outros apartamentos, ainda que mais modestos, mesmo ao lado, que poderão, a preços mais módicos, prestar os serviços essenciais.

Quando chegámos, cruzamo-nos com duas portuguesas que cá estão a prestar cooperação, no seu período de férias e que tinham ficado num dos apartamento. Falámos-lhes da nossa viagem, o que as deixou desejosas de um dia também a poderem fazer.

Parte do regresso foi feito por outro caminho, incluindo a pista aérea, que também serve de campo de pastagem às muitas cabras que as populações próximas possuem.

À noite, comemos parte das ameijoas, que aqui se chama combé, arranjadas pela Glória, a dona do Aparthotel Canoa, mais conhecido por Casa da Dona Dora. Estavam ótimas.

Depois do jantar fui ver o jogo do Marítimo 1 – Benfica 1, que acabou por me dar mais uma desilusão. Quando não estamos habituados custa mais…


16º dia, segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Por volta das dez horas, aproveitando mais uma visita ao Parque Nacional Marinho de João Vieira e Poilão, fomos com a equipa do Diretor, Quintim, visitar as quatro ilhas mais no interior do Atlântico: João Vieira, Cavalos, Méio e Poilão, em trabalho de dinamização e sensibilização.

Fizemos uma paragem em Cavalos, para deixar o Diretor, que iria lá ficar até sábado e continuámos até Méio, onde parámos e aproveitámos para nos banharmos nestas águas maravilhosas. 

Continuámos para a Ilhéu de Poilão, que é a ilha mais ocidental do Arquipélago de Bijagós, sendo talvez por isso que é um santuário para as tartarugas marinhas, que aí vêm desovar. Estivemos com os técnicos que lá prestam serviço na monotorização das tartarugas e a prestar-lhes apoio no seu regresso ao mar, quando ficam presas nas rochas ou quando estão cansadas, depois do esforço de porem uma média de cento e vinte ovos, em cada postura. 

O chefe da equipa, biólogo, que esteve recentemente em Bragança a frequentar um curso, desta área, fez-nos uma exposição sobre o Instituto da Biodiversidade das Áreas Protegidas, no qual se insere o Parque Nacional Marinho de João Vieira e Poilão.

Quando nos preparávamos para piquenicar, coincidindo com o almoço dos nossos anfitriões, fomos obsequiados com a oferta de um prato de arroz com peixe, que estava muito bom. 

De seguida visitámos os locais de desova das tartarugas, sendo bem visíveis os enormes buracos dos últimos nascimentos. Indicaram-nos os locais, que se encontram identificados por datas, para onde transferiram os ovos, que se encontravam em locais ao alcance das ondas.

No regresso passámos pela Ilha de João Vieira, onde se encontra a sede do Instituto. Estivemos duas horas a banhos. Antes de regressarmos, por volta das 17 horas, ainda vimos o Museu do Parque, uma pequena sala, que contém elementos da fauna existente no Parque. Foi um viagem de regresso que demorou cerca de duas horas.

Durante o regresso vimos grande quantidade de golfinhos, que vinham saltar ao lado do barco, quando batíamos na chapa. Foi um momento muito gratificante.

Depois de jantarmos as sobras do almoço, pagámos os bilhetes da viagem de regresso, que tiveram a amabilidade de nos levar ao Aparthotel. Antes nos irmos deitar, pagámos a estadia, porque, no dia seguinte, deixaríamos os quartos por volta das sete horas, para apanharmos o barco às oito horas. Como aquela hora ainda não haveria pequeno almoço, a Glória, não vou chamar-lhe dona, porque é uma jovem de trinta anos, arranjou-nos uns bolos feitos por ela.


17º dia, terça-feira, 3 de outubro de 2017

Levantámo-nos pouco antes das sete para irmos apanhar o barco que nos traria de regresso a Bissau, puxando, no meu caso, uma mala de porão que tinha as minhas coisas e as da Luzinha.

Um dos jovens, que nos acompanhou nas visitas ao Parque, veio-se despedir de nós, tal como prometera na véspera. A contar com essa despedia, deixei-lhe ficar dois polos e uns calções safari, dos que tenho utilizado e demos-lhe uma pequena gratificação, para lá da que já havíamos feito coletivamente.

Fomos transportados num dos barcos que faz a ligação Bubaque a Bissau, sem comodidades, dado só ter meia dúzia de cadeiras, sendo a maioria dos assentos bancos sem encosto. Para atenuar este incómodo passei para a parte superior do barco, aonde descobri uma cadeira sem pernas, que coloquei em cima de um pneu, que partilhei com o Camilo, diminuindo o incómodo que foi a viagem, de mais de quatro horas e meia, aproveitando para continuar a leitura do livro Vela Sagrada. Foi a uma das piores partes da viagem!

Quando chegámos ao cais, tínhamos o Xico Allen à nossa espera com o jeep, que o Camilo conduziu de imediato, confirmando o que já sabíamos: o Camilo só cede o volante quando já não consegue resistir ao cansaço. Mas desta vez a condução foi curta, porque o Camilo ficou no Banco para levantar dinheiro e o Xico transportou-nos até ao Restaurante Ancar, para esperarmos por ele, pois este era o local que nos permitiria aceder ao Hi-Fi. Deu para fazer algumas consultas, mas continuo sem receber e-mails.

Como não gostámos do bufete do restaurante, fomos almoçar à Pastelaria do Trovão, onde comi uma bifana com batatas fritas e ovo, antecedido de umas moelas, que a Luzinha e o Xico condimentaram com piripiri. Como tinham gostado muito da primeira vez que lá comemos, o Xico, enquanto estivemos nas ilhas, comprou gindungo (piripiri) em verde, que deixou na pastelaria para uma empregada da casa preparar. Depois dividirá com a Luzinha, na sexta-feira, quando partirmos para Lisboa. Passado muito tempo de espera o Camilo lá chegou do Banco. Vinha esfomeado. A fome ainda poderia ser maior se, durante a viagem, não lhe tivesse dado um ovo cozido, que trazia para quando eu tivesse fome.

Depois do almoço regressámos a Bambadinca, tendo-nos cruzado com o Sr. Jorge que ia para Gabu aonde está a construir um armazém e outras instalações. Na viagem, várias vezes ultrapassámos o Sr. Jorge e fomos ultrapassados por ele, devido às paragens que fomos obrigados a fazer, talvez por culpa do piripiri que a Luzinha comeu.

A Luzinha, para o jantar, fez uma ótima sopa de abóbora, batata doce, cebola e de outros vegetais, acompanhado com umas rodelas de chouriço, que trouxemos de Portugal.

Antes de dormir, estive a escrever o diário.


18º dia, quarta-feira, 4 de outubro de 2017


Depois de tantos dias a levantar cedo, levantámo-nos calmamente. A Luzinha preparou o almoço: arroz de tomate com peixe frito. A refeição foi acompanhado com o vinho RedVelvete, de 2015, produzido pela Adega Alonso, de Alijó, propriedade da família do meu amigo Tozé Alonso, que era uma “boa pomada”, seguido de café, de moscatel de Alijó da mesma Casa e de Wiskey Teachers, uma garrafa antiga que trouxe da minha garrafeira.

Depois de bem bebido e quando se preparava para uma sesta merecida, e eu me encontrava a ler a Vela Sagrada, no alpendre, duas nativas vieram pedir ajuda ao Camilo, para levar ao médico a menina que as acompanhava e que aparentava ter seis anos, que está com a barriga inchada. A barriga da menina tinha duas grandes cicatrizes devido à operação que lhe foi feita em 2014. Perante esta situação, acabou o descanso do Camilo e do Xico, que foram levar a menina ao médico a Bafatá, sem a certeza de que lhe possa ser prestada ajuda. Se o Camilo não o fizesse, a menina ficaria sem assistência, porque aqui não existe Serviço Nacional de Saúde, nem ambulâncias acessíveis, nem postos de saúde adequados. O Camilo e o Chico saíram às 15 horas e passadas mais de duas horas ainda não regressaram. A menina poderá precisar de cuidados mais especializados que só existem em Bissau, que dista daqui 105 quilómetros por más estradas. Por muito boa vontade que o Camilo tenha, não pode estar a substitui uma função do estado guineense. São seis horas e o Camilo e o Xico acabaram de chegar. 

Estamos desolados! O médico que atendeu a menina, um espanhol dos Médicos Sem Fronteiras, que já anteriormente a tinha visto, referiu-lhe que não havia nada a fazer, que o problema é do fígado e que a menina está condenada… Ao olharmos para aquela menina, de olhos tristes, não podemos deixar de sentir um grande mal estar, por nos sentirmos impotentes perante esta crueza da vida!


19º dia, quinta-feira, 5 de outubro de 2017


Como tínhamos programada uma vista ao Saltinho, para lá almoçarmos, levantámo-nos mais tarde, sem as correrias que foram habituais ao longo destes dezanove dias. Só em Saint Louis, onde fizemos uma paragem reparadora e ontem, que ficámos em Bambadinca, ainda que com os incómodos que o Camilo e Xico tiveram, não fizemos visitas ou não estivemos ocupados com programas.

Chegámos a Saltinho por volta da 11,30 horas. Trouxemos almoço, para almoçarmos no Clube de Caça, que já foi referido na primeira visita, porque o Clube só abre para clientes, quando são feitas reservas. Contamos que depois das três horas nos tragam as famosas ostras, que até o meu primo Fernando me disse que são imperdíveis.

Como gostei deste local, trouxe o portátil para, na explanada em frente ao bar, ouvindo o barulho que as águas do Corubal fazem ao passar pelos rápidos do Saltinho, pouco antes de passarem pela Ponte Craveiro Lopes, procurar a inspiração que me falta, para escrever um texto mais digno de quem o possa ler.

A Luzinha acabou de chegar com um nativo do tempo da guerra, o Mamadu, ex-fuzileiro da nossa tropa, segundo diz, que reconheceu o alferes Mota de entre o grupo de fotos que tenho no portátil, tirados na festa dos meus sessenta anos.

Depois do almoço e enquanto esperámos pelas ostras, depois de tirar mais umas fotos, fomos tirar uma sesta nos quartos do Clube.

O Camilo veio dar-nos a notícia de que devido à altura das marés não puderam apanhar as ostras, o que para nós foi uma frustração e para a Luzinha um alívio, por não gostar de ostras.

No regresso a Bambadinca, o Camilo levou-nos a passar pelo interior da Tabanca de Mampata e, posteriormente, levou-nos aos rápidos de Cussilinta.

Antes de nos deitarmos deixámos as malas feitas, para irmos cedo para Bissau, porque apesar da partida estar marcada para as 15 horas, é necessário fazer o chec-in com seis horas de antecedência e porque para fazer a viagem até Bissau são necessárias mais de duas horas


20º dia, sexta-feira, 6 de oubro de 2017


Acordámos cedo, porque o calor húmido, apesar da ventoinha ficar ligada durante toda a noite, faz-nos sentir como se estivesse-mos numa sauna. Mesmo depois de tomarmos banho, com água fria, a transpiração regressa e só quando iniciámos a viagem para Bissau, com as portas do jeep abertas, para sentirmos os odores da mata, o calor abranda, tornando a viagem menos incomoda.

Durante a viagem aproveitámos para comprar amêndoa de caju, em quantidade que dará para satisfazer alguns amigos e a gulodice que eu e Luzinha temos por este produto.

Antes de chegarmos à cidade, ao passarmos ao lado do aeroporto, fizemos o check-in, ficando sem esta preocupação, o que nos permitiu fazer as últimas compras calmamente.

A Luzinha comprou  mancarra (amendoim) e duas papaias grandes. Enquanto o Camilo foi pagar o bilhete de avião para regressar no dia vinte, fomos mais uma vez ao Ancar para aproveitar o ar condicionado e para aceder ao Hi-Fi. Deu para aceder, mas, mais uma vez, não pude consultar os meus e-mails. Acabámos para ir almoçar à pastelaria do Trovão, antes do Camilo nos trazer ao aeroporto. O gindungo que o Xico deixou para preparar estava pronto, tendo-o divido com a Luzinha.

Ao passarmos pela máquina de controlo, a funcionária pediu-me um sumo e, como não lhe dei nada, mandou-me para uma mesa aonde estavam sentados dois funcionários, que me pediram para mostrar o que levava, ao mesmo tempo que me pediam dinheiro.

São três horas da tarde, estamos no aeroporto, à espera do embarque, com uma sauna ainda pior da que sentíamos em casa do Camilo, porque ali, à noite, tínhamos as ventoinhas ligadas, que atenuavam o calor.

Finalmente, entrámos no avião da Euro Atlantic, um boeing 767 – 300ER, com boas condições. Já são 4,20 e o avião nunca mais parte…. Partiu às 4,30 horas e chegámos a Lisboa por volta das 9,15 horas. Tendo em atenção a diferença de hora, mais uma em Portugal, demorámos quatro horas e pouco.

O serviço da Euro Atlantic é bom e a Luzinha comeu a refeição, coisa que poucas vezes acontece nos aviões.

Porque as bagagens só nos foram disponibilizadas por volta das 22,30 horas, o Xico Allen já não tinha transporte para o Porto, ficando em nossa casa.

Enquanto a Luzinha preparava o quarto para o Xico e uma refeição ligeira, acedi à Internet para consultar o Citius, constatando que tinha duas notificações: uma cujo prazo para apresentar testemunhas terminaria daí a uma hora, por sorte já as tinha apresentado, e a outra a terminar na segunda, para apresentar originais de documentos, no tribunal de Portimão, porque o juiz deve ter problemas de visão e não consegue ler as cópias que enviei. Isto vai alterar tudo o que tinha programado, porque teremos que ir no domingo pernoitar na Praia da Rocha, para, no dia seguinte, me deslocar ao escritório do cliente, em Albufeira, a fim de recolher os originais e entregá-los. Só pensávamos ir buscar o meu carro mais tarde, depois de matarmos saudades, ficando com disponibilidade emocional, para repousarmos mais uns dias no Algarve.

O Xico deixou-nos às sete, para apanhar o Alfa das oito, depois de chamarmos um táxi, porque não tínhamos o comando para abrir a porta da garagem, que se encontrava no meu carro, em Lagoa, aonde o tínhamos deixado.

O Xico Allen, que não conhecíamos, durante estes vinte dias de viagem , ganhou o direito de fazer parte do nosso grupo de amigos.


PS: No sábado, dia 7, fomos para Vale da Laranja aonde nos esperavam os nossos cinco amigos. Ficámos lá essa noite e no dia seguinte fomos para o Algarve, para dar cumprimento à notificação. Enquanto me encontrava no escritório do cliente, aproveitei para contactar a Virtual, firma informática de uma sociedade do Zé Miguel, meu cunhado, que, com a qualidade que lhe é reconhecida, à distância, resolveu o problema existente com a minha conta de e-mail, que se mantinha desde os primeiros dias da viagem.

Aproveitámos a nossa ida ao Algarve para levarmos o Lobo, o pastor alemão, a fim de o socializar, tendo excedido as nossas expectativas. Na praia do Alvor, o Lobo, depois das hesitações iniciais, tomou o seu primeiro banho de mar e conseguiu enfrentar as ondas.

Regressámos na terça, a tempo de ver o Portugal – Suíça, porque, apesar da água do mar estar como poucas vezes a encontrámos no Algarve, achámos por bem regressar, até porque, para além de já termos saudades das nossas rotinas em Lisboa e em Vale da Laranja, a mãe da Luzinha tinha uma consulta para hoje, na qual lhe foi marcada a operação, para transplante da córnea.


APRECIAÇOES FINAIS

Antes das apreciações gerais não posso deixar de agradecer ao Camilo tudo o que nos proporcionou. Sem ele, esta viagem nunca teria existido e nunca teria sido tao variada e completa, para além de nos acolher na sua casa em Bambadinca e por nos ter mostrado e explicado os locais que são referidos neste diário. Obrigado Camilo!

Também queremos agradecer ao Xico Allen, pela sua amizade e por todo o apoio que nos prestou, nomeadamente por ter feito a maior parte da condução, especialmente nos troços mais difíceis.

Esta foi a viagem da nossa vida: pela duração, pela diversidade de situações vividas, pelas muitas emoções sentidas. Não foi uma viagem muito difícil, porque íamos acompanhados por dois veteranos, conhecedores de todos os locais por onde passámos.

Durante a viagem, passámos por países e regiões muito dispares, bem percetíveis pelo que nos era dado apreciar nos contactos que fomos tendo com as suas gentes, nos locais em que parámos e que visitámos.

Marrocos foi uma agradável surpresa, começando por Tânger, aonde já tinha estado em 1980 e pelo que conheci de Casablanca quando lá estivemos em 2015. Casablanca e Tanger, tal como as grandes cidades de Marrocos, são cidades tipicamente ocidentais, com exceção das partes tradicionais do mundo muçulmano, como a Medina, o Kasbah e as mesquitas no lugar das igrejas.

Marrocos é um pais muçulmano, situado em Africa mas que se considera mais europeu do que africano, com o que concordamos, pois é diferente dos outros do mesmo continente e que tem a sorte de ser governado por uma monarquia esclarecida. O atual rei, Mohammed VI, filho de Hassan II, tem seguido uma politica de desenvolvimento, bem patente na rede viária e na construção civil, procurando eliminar os bairros da lata, como foi visível ao longo do percurso. Dentro de dois anos já terão o TGV, segundo nos disseram e acreditámos, tendo em atenção o estado avançado dos trabalhos. Devido ao seu poderio, a anexação dos territórios do Sara Ocidental poderão ser irreversíveis.

Mauritânia é um pais desértico e porque não tem petróleo é pobre, bem patente na aparência das suas gentes e dos pedidos que nos faziam, quando parávamos para meter combustível. A sua capital, Nouakchot, é cheia de contrastes. Tem partes agradáveis e limpas e outras com o lixo espalhado pelos passeios. O Hotel onde ficámos é de grande qualidade e quando lá pernoitámos estava praticamente vazio.

Senegal, por já fazer parte da região subsariana, não é tão pobre como a Mauritânia – tem mais condições naturais para se viver -, mas a pobreza é bem visível.

Em Saint Louis, cidade costeira, que, no tempo da colonização francesa chegou a ser a capital do Senegal, ficámos impressionados com a pobreza e sujidade que encontrávamos. As pessoas coabitavam com o lixo, as cabras, os burros, galinhas e outros animais. Também foi aqui que passámos um dos melhores dias da viagem, no Hotel Diamarek, bem juntinho à praia.

A Guiné, apesar de ser um país pobre, não é um país miserável, como me pareceu ser a Mauritânia e o Senegal que conhecemos, mas continua a ser um país adiado. As suas gentes são simpáticas, mas indolentes, por natureza, o que, associado ao clima quente e húmido e à impreparação das pessoas, contribui para esse atraso. 

Para além destes fatores endógenos, muito contribui a corrupção e a frequente instabilidade política. Por outro lado, também lhe faltam fontes de energia, porque, sendo um país plano, não tem centrais elétricas, tendo que recorrer a geradores e a painéis fotovoltaicos, que são dispendiosos e por isso leva a que a energia elétrica seja distribuída de forma intermitente. Em Bambadinca, a luz é produzida por painéis fotovoltaicos e é distribuída só à noite e com pouca capacidade.

Estive em Bissau em 2010, no âmbito de um protocolo antigo celebrado com o Governo da Guiné e os Jogos Santa Casa, para darmos apoio ao desenvolvimento dos Jogos Sociais na Guiné. Apesar dos apoios que íamos dando, inicialmente em material e dinheiro, sentíamos que nada estava a ser feito, mas os pedidos de apoio em dinheiro continuavam, o que me fez duvidar que tais verbas se destinassem para o desenvolvimento dos Jogos Sociais. Por isso, propus ao Administrador daquela área que o melhor seria ir à Guiné para, in loco, aferir dos apoios necessários e, a partir daí, começar a dinamização que fosse necessária. Quando lá cheguei fiquei na Pensão Coimbra e no dia seguinte vieram levar-me, num carro posto à disposição pelo Secretário de Estado da Juventude e Desportos, com quem reuni mais tarde no seu gabinete, com a presença do seu Assessor e do meu anfitrião, o futuro diretor. 

Enquanto estava a decorrer a reunião, ocorreu um facto, que nos deixou estupefactos: entraram pelo gabinete dois chineses para prestarem assistência ao ar condicionado, sem pedirem licença nem cumprimentarem ninguém, o que me levou a comentar, talvez de forma inapropriada, que estávamos na presença dos novos colonizadores.

Antes desta reunião fomos visitar as instalações onde funcionaram as Apostas Mútuas ( Totobola) do tempo colonial, aonde ainda se conseguia vislumbrar a antiga designação. O edifício, apesar de em tempos ter sido enviado dinheiro para a sua reparação, estava um autêntico pardieiro, esburacado, sem forro no telhado, sem cofres para guardar o que fosse necessário, sem as bolas para fazerem os sorteios. Em suma, eram um barracão onde nada existia que pudessem dar credibilidade à existência de um jogo oficial, apesar de serem vendidos alguns bilhetes na rua, por engraxadores, apondo um carimbo nos bilhetes antigos, que lhes tínhamos fornecido. Numa sala, em que nem cadeiras existiam para as pessoas se sentarem, foram-me apresentadas umas quatro, que eram as que supostamente lá trabalhavam e para as quais precisavam de dinheiro para lhes pagar.

Na reunião com o Secretário de Estado referi-lhe toda a disponibilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, através do seu Departamento de Jogos, mas para isso o governo da Guiné teria que mostrar interesse, começando por criar legislação própria e arranjar umas instalações, com alguma dignidade porque aquelas, já eram impróprias. 

Apesar das promessas, saí da Guiné convicto de que nunca mais lá voltaria, porque não acreditei que a minha colaboração viesse a ser necessária. Apesar dessa convicção, ainda elaborei um projeto de decreto-lei e uns estatutos, que poderiam servir de apoio para a criação da legislação necessária. A instabilidade politica inviabilizou a possível boa vontade do Secretário de Estado.

A Guiné continua a ser delapidada pelas potencias mundiais naquilo que lhes interessa. A China, nos últimos anos, veio buscar muitos milhões de metros cúbicos de madeira, a coberto de protocolos, que pouco contribuíram para o seu desenvolvimento. Só pararam devido às pressões da Greenpeace, acabando por deixar muita madeira cortada pela mata, como nos tem sido dado observar.

Os pedidos de dinheiro, que nos foram feitos em alguns controlos policiais e no aeroporto, dão uma ideia da fragilidade institucional e social da Guiné Bissau.

Arquipélago dos Bijagós, com as suas muitas ilhas, mais de oitenta, e as suas águas maravilhosas, tem condições excecionais para o turismo, que poderá vir a ser uma das fontes de maior rendimento do pais.

A Luzinha pretende voltar aos Bijagós, mas é minha intenção, apesar de ter adorado os Bijagós, visitar novas paragens, quando tiver oportunidade. Com tanto para ver, não gosto de repetir destinos.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos: LG]
___________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P24318: Parabéns a você (2170): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 8351 (Aldeia Formosa e Cumbijã, 1972/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 15 de Maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24314: Parabéns a você (2169): António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Fá Mandinga, 1971/74)

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24317: Recortes de imprensa (126): O caso do capelão militar Arsénio Puim, expulso do CTIG em 1971 (tal como o Mário de Oliveira em 1968) não foi excecional: o jornalista António Marujo descobriu mais 11 padres "contestatários" (10 da diocese do Porto e 1 de Viseu)... Destaque para o trabalho de investigação publicado na Revista do Expresso, de 12/5/2023

 

Duas páginas do diário do Arsénio Puim que foi apreendido pelas autoridades militares de Bambadinca, em 17 de maio de 1971 (e que serviria depois para o incriminar). Cortesia de António Marujo / Semanário Expresso, 12/5/2023 




Arsénio Chaves Puim, ex-alf graduadocapelão,
CCS/BART 2917 (Bambadinca, maio 1970 / maio 1971)

Foto: © Gualberto Magno Passos Marques (2009). Todos os direitos reservados. 
Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Transcrição: 

"Porto, 19/2/70. 

Continuam a perpassar pela minha consciência, espontaneamente, confrontos e problemas relativamente  à minha situação de capelão militar.

Não nego, evidentemente, a necessidade de assistência religiosa aos militares como parcela que são, frequentemente muito válida do mundo dos homens e mesmo da Igreja. O problema não é esse, mas simplesmente os moldes atuais em que essa assistência é feita.

Penso e tenho constatado que a incorporação do sacerdote, como tal,  no Exército, demais em guerra, com a categoria de oficial, sob as ordens de um comando militar, e a orientação duma cúria castrense, que é uma repartição do Ministério do Exército, escandaliza seriamente muitos homens de hoje, e distorce a sua missão de pregador do Evangelho, e dispensador da graça a todos os homens.

Como ministro de Cristo, que veio dar testemunho da Verdade e morrer por todos, o sacerdote não pode (sem falsear a sua realidade, manietar a palavra de Deus, e dar um antitestemunho de Cristo), estar comprometido, enquant0 tal, com instituições de fins especificamente militares, mormente quando
empenhadas em atividades bélicas partidárias e unilaterais, que a sua presença, além de cooperante, poderia parecer autorizar e sacralizar.

Ou os homens compreendem a missão específica do sacerdote e respeitam-na ou não compreendem e prescindem dela.

Todos estes pontos de vista, tive oportunidade de ver que preocuparam a consciência de muitos sacerdotes que frequentaram este ano a Academia Militar, mas nunca mere- (...)

(Transcrição / revisão / fixação de texto: LG)


1. O jornalista António Marujo (do jornal digital 7Margens) publicou esta semana na Revista do semanário Expresso, edição nº 2673, de 12/5/2023,  uma excelente e bem documentada reportagem sobre os capelães militares e a guerra do ultramar / guerra colonial. O destaque é dado à figura do nosso tabanqueiro Arsénio Puim (que acaba de completar, em 8 de maio,  os 87 anos).  

O título da peça não de deixa de ser apelativo e metafórico: "O caso do capelão expulso por querer descalçar os dois sapatos à guerra".

Neste trabalho de investigação (em que o nosso blogue é citado várias vezes), o autor acabou  por descobrir  "pelo menos outros 11 padres católicos que se opuseram à guerra colonial e não quiseram ser capelães", para além dos dois que foram expulsos do CTIG e exonerados das suas funções de capelania (Mário de Oliveira, em 1968 e Arsénio Puim, em 1971):

(...) "José Maria Pacheco Gonçalves, José Alves Rodrigues, Domingos Castro e Sá, Serafim Ferreira de Ascensão, Manuel Joaquim Ribeiro, António de Sousa Alves, José Domingos Moreira, José Lopes Baptista, Joaquim Sampaio Ribeiro e Carlos Borges de Pinho (todos da diocese do Porto) e José Carlos Pinto Matos, da diocese de Viseu. "

Destes nomes destaque-se o do Carlos Manuel Valente Borges de Pinho, que foi capelão da CCS / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74), no curto período de 16/3 a 16/9/73. (´Foi amigo pessoal do nosso tabanqueiro José Teixeira, que neste momento não sabe do seu paradeiro: para saber mais ler aqui o poste P19055.)

O título da reportagem é inspirado na história de dois homens e um par de sapatos, que o ex-capelão militar Arsénio Chaves Puim,  na Guiné, registou no seu diário, no Dia de Ano Novo de 1971. 

“A guerra não é coisa para ter fim. Qual? Até se lhe acharia a falta, como aquele homem que, dormindo num andar inferior, estava habituado a ouvir o vizinho descalçar os sapatos à noite. Um dia este só descalçou um e o homem não adormeceu.”

O mesmo Diário que depois lhe provocaria dissabores... Como sobejamente é conhecido e está descrito no nosso blogue em inúmeros postes com a referência a Arsénio Puim (há pelo menos 66 referências)

Citando o jornalista António Marujo:

(...) A história acabou com uma denúncia — não sabe de quem: poderia ter sido alguém que o ouvira em alguma missa ou outra pessoa que o tivesse escutado numa conversa menos coincidente com as opiniões do regime. Certo é que os comandantes do quartel lhe apareceram no quarto, obedecendo a ordens superiores, “de Bissau”, para revistar tudo. Começaram por exigir os diários: “Tinham ordem judicial, estavam informados de que eu os escrevia. Deram-me duas ou três horas para me preparar, iria depois uma avioneta buscar-me.”

Abílio Machado, militar que presenciou a cena, contou, no blogue de Luís Graça: “Fui ver. Encontro o Puim sentado na cama, nervoso mas determinado, olhando uns sujeitos que impiedosamente lhe desmantelavam o quarto descarnado, de asceta, à cata de... Abriam, fechavam gavetas, apressados...”

O resto desta história, acabrunhante,  é conhecida dos nossos leitores: o capelão acaba por ser expulso do CTIG, e das suas funções de capelania (tal como tinha acontecido com o Mário de Oliveira, três anos antes, em Mansoa). De "Bissau" (sic) veiouma ordem (que ele nunca leu, nem lha deram a ler), para arrumar a trouxa e preparar-se para embarcar numa DO-27... Foram-lhe confiscados, pelo major que fazia então as  funções de comandante do BART 2917, os caderninhos com o seu "diário".

"(...) há vários sublinhados dos censores ou militares que os leram, depois de apreendidos. O autor só os recuperaria depois do 25 de Abril de 1974, depois de um primeiro pedido ter sido recusado, em janeiro de 1972, pelo ministro do Exército." (...).

Em suma, achamos de todo o interesse documental a leitura desta peça jornalística  que aborda um tema, se não tabu, pelo menos incómodo (e até comprometedor) para a hierarquia da Igreja Católica de então, nomeadamente para o bispo titular de Madarsuma, António dos Reis Rodrigues (1918-2009), um homem intelectualmente brilhante, professor na Academia Militar, que desempenhou as funções de Pró-Vigário Castrense e Capelão-Mor das Forças Armadas entre 1967 e 1975, ano em que foi nomeado bispo-auxiliar do Patriarcado de Lisboa ( ainda ao tempo do cardeal-patriarca Manuel Gonçalves Cerejeira, 1888-1977).

Não sabemos qual foi o papel, nesta história, do controverso capelão-chefe major Gamboa (de seu completo Pedro Maria da Costa de Sousa Melo de Gamboa Bandeira de Melo, nascido em Castelo Novo, Fundão, em 1919)  que vivia no "Vaticano",  em Bissau, na altura em que o Puim fui expulso do CTIG. 

De qualquer modo,  o Puim  tinha já razões de sobra para não querer “ser mais capelão militar nesta guerra”, como escreveu numa carta ao vigário-geral castrense, o bispo António dos Reis Rodrigues, pedindo para sair. Mas ainda hoje ele não sabe se a carta chegou a Garcia... Honra lhe seja feita, também fez questão de dizer que "terei pena de abandonar os homens com quem vim [os militares do BART 2917, Bambadinca, 1970/72] e de quem não tenho razões pessoais de queixa.” Dois meses depois vem a ordem de expulsão de Bissau...

2. Num trabalho desta natureza, com recurso a diversas fontes, e nomeadamente orais, há sempre alguns imprecisões, nomeadamente toponímicas, que eu próprio já sinalizei ao autor. É o caso, por exemplo, deste parágrafo:

(...) Algumas das homilias mais fortes de Puim contra a guerra foram entre abril e maio de 1971. Um grupo de pessoas — incluindo sete mulheres e algumas crianças — tinha sido detido em Madina do Boé, onde dois anos depois o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) proclamaria a independência unilateral. A memória é de Luís Graça que viria a ser professor da Escola Nacional de Saúde Pública, colocado no mesmo batalhão e que hoje é o principal dinamizador de um blogue que recolhe memórias e testemunhos desse tempo (...)  (Negritos nossos, LG).

O jornalista deve trocado, por lapso, Madina / Belel por Madina do Boé. Madina / Belel (temos duas dezenas de referências a este topónimo) era uma península, que ficava a norte do Enxalé, na margem direita do Rio Geba, já no limite do Sector L1 (Região de Bafatá), e que era de difícil acesso a tropas apeadas... As NT iam lá uma vez por ano, no tempo seco... 

Madina do Boé, por seu turno,  ficava junto à fronteira sul / sudeste com a Guiné-Conacri (Região de Gabu). (Temos mais de 180 referências a este topónimo; por outro lado, é um erro grosseiro dizer que foi em Madina do Boé que o PAIGC proclamou a independência unilateral em 24/9/1973; o nosso blogue já publicou muitos postes a desmontar esse mito da propaganda do PAIGC.)

Por outro lado, eu preciso de confirmar mas os referidos prisioneiros não terão sido feitos pela 1ª CCmds (que já estava a atuar no setor L1 nessa altura, no nordeste da Guiné) mas sim pela CCAÇ 12, companhia de recrutamemtp local (a que eu pertenci desde a sua formação, em junho de 1969 até ao fim da minha comissão, em março de 1971).

Tirando estes "pequenos lapsos" (frequentes quando se  fala com os jornalistas ao telefone e não há muito tempo nem espaço para explicar e registar o contexto em que as histórias acontecem, para mais num território como a Guiné de geografia e etnografia complexas e exóticas...), o trabalho do António Marujo merece ser lido. (Ele disse-me que vai também publicar uma versão corrigida, no seu jornal digital 7Margens).
____________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P24316: Notas de leitura (1582): Revisitar o livro "Memória", de Álvaro Guerra (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2020:

Queridos amigos,
O escritor Álvaro Guerra esteve na Guiné entre 1961 e 1963, os seus primeiros livros guardam memória da vida que levou no Sul, ele foi um combatente na região Sul, aqui recebeu ferimentos. Os livros "A Lebre", "O Disfarce", "Memória" e "O Capitão Nemo e Eu" (este de 1973) estão salpicados de episódios de guerra e de fascínio por todos aqueles horizontes de floresta, mistérios e afetos. "Memória" é um processo experimental e não um livro de contos, como alguma crítica anota. É uma escrita quase automática, textos fragmentados, por eles perpassam tiroteios na mata, recordações de infância, amores parisienses, o esplendor da natureza africana, até um episódio da chegada da sua unidade militar à Guiné em 1961, quando, à falta de instalações, foram metidos no Liceu de Bissau onde ocorreram cenas hilariantes. Dentre esses textos fragmentados o que se intitula "Ponta Tenente" é uma elegia de paixão perante a exuberância da natureza, pujante, mas onde o clima e a paragem de civilização podem reverter a favor das leis da selva, talvez seja esta a grande metáfora de construir e abandonar, a selva sufoca tudo quanto os homens construíram e abandonaram.

Um abraço do
Mário



Revisitar o livro "Memória", de Álvaro Guerra

Mário Beja Santos

Álvaro Guerra foi combatente da Guiné (1961-1963), recebeu ferimentos, depois de regressar estudou em Paris, onde viveu até 1969, praticou jornalismo em Portugal, foi diplomata. Em termos literários, esboçou inicialmente uma atração pelo Neorrealismo, em Paris afeiçoou-se pelo movimento Nouveau Roman, que teve entre as suas figuras mais representativas Alain Robbe-Grillet, Nathalie Sarraute, Michel Butor e Claude Simon. Tratava-se de uma arquitetura narrativa de fragmentos, prosas aparentemente desencontradas, muitas vezes sem sequência cronológica, fez voga poucas décadas e não deixou continuadores, apesar de grandes criadores literários, como José Saramago, terem urdido construções espessas, autênticos blocos sem cedências a pontuação, irem beber ideias a tal processo narrativo.

"Memória" é uma das primeiras obras de Álvaro Guerra, abre com um tropel discursivo em que a sua memória regressa ao mato, numa cadência alucinante: “no calor morria e nesse medo matava rasgando capim folhas lianas a tiros de raiva e metal escaldante metralha a abrir o caminho para hoje percorrido comigo desde o meu corpo espalmado na terra a beber o suor e o sangue e os olhos fechados invocavam imagens e logo se abriam para a dor real naquele longe de casa que eu era rastejando entre os silvos e explosões zumbidos aos ouvidos meus sentidos todos na fusão com o nada e desesperado disso que eu sabia ser tarde para a escolha que não fiz e matava e no meio desse calor morria e me abria o caminho da justiça sem voz…”.

Houve quem escrevesse que era um livro de contos, não acredito, são textos recitados à volta de um eixo central, é o que vem à memória, quase de forma automatizada, há infância, há mesmo um passado colonial guineense que ele vai descrever admiravelmente no texto Ponta Tenente, falará dos seus amores em Paris e não escusará dizer-nos o que pensava da sua identidade: “Nasci na pátria do ódio gentil, na pátria da paz e do sonho, do idílio de uma seringa cheia de medo com uma veia cheia de velho sangue, uma veia sossegada e antiga, sem dores de me parir. Cresci entre as histórias mentirosas e as mezinhas mitológicas de adiar mortes serenas, milhões de tranquilíssimas mortes conformadas, ao som do fado-hino e da saudade-destino”. Um dos seus textos deste seu livro foi escolhido por João de Melo para a antologia "Os Anos da Guerra", tem seguramente a ver com a sua chegada a Bissau em 1961:
“A companhia recém-desembarcada dos três velhos aviões a hélice foi provisoriamente instalada no Liceu da Cidade que, para o efeito, se encontrava equipado com aquilo que habitualmente equipa um liceu: carteiras, mesas de professores, quadros pretos, ponteiros, giz, globos terrestres, animais empalhados, provetas, tubos de ensaio, bicos de Bunsen, estalactites e estalagmites, poliedros, frascos, boiões, um esqueleto muito pouco convincente e, ainda, como extra ali colocado para maior comodidade da tropa, alguns fardos de palha. Quando a soldadesca saltou dos camiões, o capitão ordenou a formatura e disse para terem muita atenção em não escangalhar nada do que estava lá dentro”.
A dita soldadesca ali montou a sua logística, adaptou-se, a palha serviu de colchão, apareceram cozinhas rolantes com uma refeição quente, houve protestos, até se brincou com o esqueleto.

Mas é o texto intitulado "Ponta Tenente" que merece as honras da casa, no que tange às memórias guineenses. Pode muito bem ter acontecido que Álvaro Guerra tenha conhecido os escombros desta granja implantada no Rio Grande, rebuscou dados históricos e deu-nos uma prosa aliciante, injustamente esquecida:
“Sangrada a terra por viagens sem regresso que levaram pais e filhos nos bojudos porões dos veleiros, restou da sangria a dissimulada lembrança e o silêncio e a vontade de Deus que tudo pode, até chegar e instalar-se o Tenente, o branco, que parecia não vir buscar nada e pelejou ao lado dos homens contra a pilhagem de Amadu Paté Coiada, régulo do Gabú, e contra o veneno de serpentes, os insetos, as febres, os tornados, a sede e a traição das onças e dos enviados do chão francês. Durante a guerra, montou quartel à beira do Rio Grande, junto do Cais dos Escravos; pelo Tcherno Kali possuíam os dois mais fogosos cavalos da região e repartiam entre si as mais belas virgens, em haréns de pacotilha, sem ofensa de Cristo e de Alá…”.

O tenente dedica-se à agricultura, há um vapor, de nome Maria, e cujo capitão, o cabo-verdiano Vicente, transporta as suas laranjas para o mercado de Bolama. Estas laranjas atingem uma carga simbólica que toma conta da narrativa, medram numa autêntica luxúria, é uma reprodução que abre caminho a uma vitória da agricultura, algo sem precedentes, um estranhíssimo milagre saído do ventre da terra:
“Os pés de laranjeira trazidos da metrópole com mil cuidados puseram-se a crescer, floriram um ano depois, deram as primeiras laranjas no segundo e, a partir do terceiro, o Tenente podia ter enchido com eles uma frota de cinco ou seis barcos iguais ao vapor Maria, na época da colheita, quando Ponta Tenente cheirava a laranja a três milhas de distância e grandes montes de frutos apodrecendo ao sol ladeavam a álea das acácias rubras que iam do tosco cais de tábuas de pão-sangue até à casa grande. Experimentadas como adubo nas searas, as laranjas ajudaram a crescer um amendoim ligeiramente adocicado e grossas e longas raízes de mandioca não totalmente brancas mas rosadas. Passados anos, Ponta Tenente florescia: ananases e abacaxis enormes e dulcíssimos também cresceram e se multiplicaram, o decrépito vapor Maria passou a fazer a viagem três vezes por mês, mas não era possível deslocar sequer a quinta parte da produção. Não só as laranjas apodreciam em Ponta Tenente. Legiões impressionantes de formigas pretas investiam periodicamente a casa grande, o armazém, a loja, que círculos de fogo tentavam defender dos ferozes ataques: gibóias, surucucus, cobras-verdes abundavam nas proximidades e realizavam incursões frequentes atraídas pela abundância, sem falar nos fedorentos saninhos, nas lúgubres hienas, nos destruidores bandos de macacos”.

Dá-se o envelhecimento do tenente, fica artrítico e grande consumidor de aguardente de cana ou vinho de palma. Inopinadamente, o vapor Maria um dia trouxe a mulher e o filho do tenente que não o viam há 14 anos, não suportaram o clima e reembarcaram no vapor, no meio do odor enjoativo do gergelim e dos ananases. Vieram as pragas da mosca, aquela empolgante civilização da Ponta Tenente vai gradualmente chegar ao sono profundo, a selva reocupa o lugar espoliado, a presença humana entrou em vias de extinção: “Nesse ano, morreu o Tcherno Kali, longe, no exílio do chão de Cacine. Meses depois, o tenente mobilizou tudo o que sobrava da população da tabanca para a colheita das laranjas, que são particularmente doces e sumarentas, e em número impressionante. Montanhas de laranjas rodeavam a casa grande, a álea das acácias rubras, e começaram a decompor-se, a espalhar um cheiro intenso, doce primeiro, acre, depois, à espera de uma frota imaginária que havia de as restituir à sua origem, porque o Tenente gritava, bêbado, trôpego, agitando uma das muletas como um sabre, nos inconcebíveis limites da loucura, ‘Vieram da China, hão-de ir para a China!’ ”.

E este texto parabólico sobre o mundo tropical onde as regras vegetais podem ter uma ordem bem contrária à dos humanos deixa o seu recado, através da simbólica de que tudo pode crescer naquelas terras úberes da Guiné, e por isso também nos fala da vingança da selva, de que tudo pode apodrecer, pode mesmo dar-se uma ofensiva da baga-baga que reduz ao estéril a exuberância de uma agricultura florescente e a terra pujante definha, verga-se à erva-daninha, ao mortífero clima.

A obra Memória bem merecia ser reeditada, revela a capacidade literária de um Álvaro Guerra ainda jovem e ainda muito ligado à sua experiência guineense.

Monumento a Álvaro Guerra em Vila Franca de Xira
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de Maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24309: Notas de leitura (1581): A economia guineense em 2017: oportunidades de import-export do lado português (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24315: Convívios (960): 50.º almoço de confraternização da CCAÇ 12, Pelotões Daimler e Pel Caç Nat, Bambadinca e Xime, 1971/74: Coimbra, Claustros do antigo Colégio da Graça, 27 de maio de 2023 (José Sobral e Jaime Pereira)


Guião da CCAÇ 12 (CTIG, 1969/74)


Coimbra, Rua Sofia, 136, antigo Colégio da Graça,
 hoje sedc do Núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes




Claustros do antigo Colégio da Graça


ALMOÇO DA CCAÇ 12, PELOTÕES DAIMLER E CAÇADORES AFRICANOS

50º Almoço de Confraternização – 2023


1. Mensagem do nosso tabanqueiro António Duarte, comunicando-me a realização, em Coimbra, no próximo dia 27,  do 50º almoço de confraternização da CCAÇ 12, e divulgando o respetivo programa que lhe chegou por via de um dos coorganziadores, o Jaime Pereira, ex-alf mil, CCAç 12 (Bambadinca, 1971/72):

Caros Companheiros:

Vamos realizar o nosso 50º almoço de Confraternização Anual, no dia 27 de Maio no Claustro do Colégio da Graça,  localizado na Rua da Sofia nº136 em Coimbra. 

Este colégio foi mandado construir por D. João III em 1542 tendo sido integrado na Universidade de Coimbra em 1549. Em Maio de 1834, Joaquim António de Aguiar, conhecido como o “Mata Frades”,  decretou a extinção das Ordem Religiosas e entregou o vasto complexo edificado aos militares, funcionou como Hospital ao serviço das tropas absolutistas de D. Miguel, tendo em 1834 sido nacionalizado e incorporado no património do Estado.

Funcionou como quartel durante muitos anos, era lá que se realizavam as inspeções de todos os militares do concelho de Coimbra que eram chamados para prestar serviço militar, até que em 1998 o Quartel da Graça foi extinto e as instalações foram entregues à Liga dos Combatentes.

A Liga dos Combatentes decidiu rentabilizar o espaço, realizando almoços de confraternização para Grupos nos claustros do antigo Colégio da Graça com ampla vista para o jardim e é neste cenário que vamos realizar o nosso almoço de 2023, organizado este ano pelo nosso companheiro José Sobral com a preciosa ajuda da filha Joana Sobral.


O programa do almoço e da sessão cultural é o seguinte:

(1) Encontro às 12h00 no local do almoço


A Liga dos Combatentes permite a entrada dos carros através do portão da antiga porta de armas, localizado imediatamente a seguir à Igreja e autoriza o estacionamento no parque interior.

Vejam o local do almoço no Google Mapas: Rua da Sofia 136, 3000-391 Coimbra


(2) Almoço das 12H30 às 15H30
  • Entradas: Queijos e enchidos regionais, salgadinhos, moelas e outros
  • Sopa: de legumes ou outra.
  • Prato peixe: Bacalhau à Combatente, alourado no forno com legumes e batata assada.
  • Prato de carne: Lombo de porco assado com batata a murro e arroz.
  • Bebidas: Vinhos branco, tinto ou rosé da Quinta dos Termos, Refrigerante ou Água.
  • Sobremesa: Fruta ou doce.
  • Café.

(3) Às 15h45 partida a pé para a visita à Igreja de Santa Cruz, onde estão sepultados os dois primeiros Reis de Portugal.

O nosso companheiro José Sobral e a filha Joana solicitaram à Camara Municipal de Coimbra a indicação de um Guia-Intérprete para nos acompanhar na visita. Aguardamos resposta.

(4)  Passeio pela Baixa de Coimbra

Após a visita à Igreja, para quem desejar, propomos um passeio pela Baixa de Coimbra até ao Parque da cidade, onde podemos tomar uma bebida e continuar a confraternização, agora com vista para o espelho de água do açude do Mondego e para a colina do Mosteiro de Santa Clara situada na margem esquerda do Rio.

(5) O preço é de 20€ por pessoa adulta, as crianças até aos 4 anos não pagam e as dos 5 aos 9 anos pagam 10€. 

Este preço é referente ao almoço, a visita guiada será objeto de um ligeiro aumento que informaremos logo que tenhamos dados concretos sobre os custos das entradas na Igreja e da guia-interprete.

Como habitualmente convidamos para este encontro as esposas dos nossos companheiros já falecidos, os ex-militares da CCAÇ12, pelotões Daimler e Caçadores Africanos e todos os amigos e companheiros do BART 2917 e BART 3873 que se quiserem associar e participar neste nosso convívio anual. 

O convite é igualmente extensivo às esposas, namoradas, madrinhas de guerra, filhos e netos que desejem associar-se a este encontro.

Conversem com as vossas famílias e reservem o dia 27 de Maio para estarem presentes no nosso almoço anual, confraternizarem com os amigos e companheiros de guerra e reviverem os momentos da nossa juventude passados na Guiné.

Não faltem… Contamos com as vossas marcações até ao dia 22 de Maio, através do contacto do organizador, José Sobral (ex-alf mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1970/72) (coadjuvado pelo Jaime Pereira).

José Sobral |  Email: mzsobral@sapo.pt  | Tlm. 969 800 826 (...)


2. Mensagem posterior do Jaime Pereira, datada de 
12 de maio de 2023, 13:34

Caros Companheiros

Aproxima-se a data para a realização do nosso 50º almoço e ainda há ex-combatentes que não se inscreveram…

Este é um ano muito especial porque comemora 50 anos de regresso para alguns de nós e inicio da nossa vida civil fora do regime militar, por isso não podem faltar… Aguardo pelas inscrições dos que estão em falta durante a próxima semana.

Aproveito para informar que já temos informação precisa sobre o preço da visita à Igreja de Santa Cruz, razão pela qual vamos ter que acrescentar 1€ ao preço que indicámos para o almoço que passa a ser de 21,00€ para os adultos e 11,00€ das crianças entre os 4 e os 9 anos. (*)

Um abraço para todos e até breve…
Jaime Pereira


3. Comenmtário do editor LG.

No mesmo dia, 27 de maio próximo, e na mesma cidade, embora em locais diferentes, realizam-se dois convívios de antigos combatentes que passaram pela CCAÇ 12 (e outras unidades e subunidades, que estiveram sediados ou aquartelados em Bambadinca, de 1968 a 1974)...

(i) é o caso da malta de 1971/74 (2ª e 3ª geração de graduados e especialistas, de origem metropolitana, da CCAÇ 12, que esteve em Bambadica (e depois no Xime), ao tempo do BART 2917 (1970/2), BART 3873 (1972/74);

(ii) e da CCS/BCAÇ 2852, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, e ainda CCS/BART 2917, e outras subunidades adidas a estas dois batalhões, que passaram por Bambadinca entre 1968 e 1971 (**).

Espero poder  dar, no dia 27,  um abraço fraterno a esta malta toda...  (O António Duarte teve o gesto nobre e solidário de me mandar boleia, passando pela Lourinhã, e seguindo depois pela A8 e A17 até Coimbra.)

O José Sobral (que organiza este encontro, no antigo Colégio da Graça, na baixa coimbrã) autporizou-me a publicar os seus contactos.

Em 2011 passei, na casa do casal José Sobral (estomatologista) e Ermelinda Sobral (obstetra) uma tarde inesquecível, por ocasião do convívio desse ano do pessoal da 2ª geração da CCAÇ 12 (1971/73). Tive também ocasião de conhecer o casal Jaime Pereira e Odete Pereira (***). Os dois casais já foram, em tempos à Guiné-Bissau, tendo passado por Bambadinca e conhecido a família do José Carlos Suleimane Baldé.


Coimbra > Convívio da CCAÇ 12 (2ª geração, 1971/73) > 21 de Maio de 2011 > Casa do casal José Sobral e Ermelinda Sobral ambos médicos, ele, estomatologista, ela obstetra e ginecologista... > Da esquerda para a direita, a Ermelinda, o Rui (enfermeiro, amigo e colega da Ermelinda no Hospitalar Universitário de Coimbra, se não me engano), o Sobral e o Ferreira  (eles dois, alferes milicianos da CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/72, vivendo o Ferrreira hoje em Felgueiras, sendo professor do ensino básico aposentado)...

A chanfana, em Coimbra, não podia faltar e não faltou: estava uma delícia... Pelo menos na casa do casal Sobral. Obrigado, cara amiga Ermelinda, obrigado, caro camarigo Sobral, grandes anfitriões!


Coimbra > Convívio da CCAÇ 12 (2ª geração, 1971/73) > 21 de Maio de 2011 > Casa do casal Sobral (José e Ermelinda, ambos médicos, ele, estomatologista, ela obstetra, figuras conhecidas e estimadas no meio coimbrão)... > Na foto, a anfitriã, a dra. Ermelinda com o Zé Carlos Suleimane Baldé, fotografado junto à mesa das sobremesas, uma amostra da nossa grande, riquíssima, diversidade gastronómica... Destaque, nas frutas, para as cerejas de Resende (cada conviva trouxe a sua sobremesa).


Coimbra > 17º Convívio do Pessoal de Bambadinca (1968/71) > Um momento de grande emoção, proporcionado pelo Jaime Pereira, ex-Alf Mil da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72): o reencontro do Zé Carlos com o seu primeiro comandante de secção, a 2ª do 4º Gr Comb, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... 

Na foto, em primeiro plano, o nosso amigo e camarada António Fernando Marques e o Zé Carlos... Em segundo plano, o Jaime Pereira e um camarada da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) cujo nome me escapou...


Lisboa, 2 de Junho de 2011 > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública / Universidadfe NOVA de Lisboa > A Gina, o António Marques e o Zé Carlos Suleimane Baldé.  

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Em 2011,  a "vedeta" principal  do convívído foi o  nosso camarada guineense José Carlos Suleimane Baldé, cuja vinda a Portugal foi possível graças ao apoio do casal Jaime Pereira e Odete Pereira... 

O Zé Carlos pertenceu à CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12) e à CCAÇ 12, desde Junho de 1969 até Agosto de 1974. Já no final da guerra, foi dispensado da actividade operacional para dar aulas como monitor escolar em Dembataco. Foi, no meu tempo (1969/71), o primeiro soldado arvorado, do recrutamento local, a ser promovido (em 15 de Setembro de 1969) ao posto de 1º Cabo At Inf, por ter completado com sucesso o exame da 4ª classe. 

Tive ocasião de ouvir da boca dele, neste convívio em Coimbra (e depois na visita que me fez à Escola Nacional de Saúde Pública com o casal António Marques e, alguns momentos extremamente dramáticos por que passou, no início de 1975, quando os "balantas e mandingas", os as "hienas" e os "irãs maus" 
do PAIGC da zona leste, transformaram Bambadinca numa permanente tribunal popular e numa "matadouro humano"...  (Bambadinca foi, depois da independência, um dos lugares trágicos dos "ajustes de contas" dos guineenses, vencedores e vencidos...). (***)

O Zé Carlos (por quem eu sempre tive um grande apreço, estima e amizade) esteve sentado no banco dos réus, e chegou as estar encostado ao "poilão dos fuzilamentos de Bambadinca, valendo-lhe a influência do seu  pai e o peso dos demais "homens grandes" do chão fula, bem como a opinião generalizada de que ele,  Zé Carlos, era um homem bom, e um antigo militar de conduta correcta, apesar de ter sido um "cachorro dos tugas"...

Mesmo assim, foi obrigado a assitir à execução pública de um cipaio (polícia administrativa) em Bambadinca, à execução de "sete irmãos" em Bissorã, etc... Descreveu as torturas horrorosas a que foi submetido o nosso "bom gigante", o  Abibo Jau (1º Gr Comb da CCAÇ 12, e que depois transitou para a CCAÇ 21, do Jamanca e do Amadu Djaló) antes de ser executado... 

Andou também fugido pelo Senegal, como tantos outros camaradas nossos guineenses, e tentou ir de avião para Angola, acabando por ser apanhado e recambiado para a sua terra... O seu sonho é que dois dos seus filhos consigam vir viver e trabalhar em Portugal... Em 2011 era agricultor em Amedalai, perto do Xime, trabalhando no duro com as suas mulheres e filhos para sobreviver...
____________

Notas do editor:



(***) Vd. postes de:

22 de maio de  2011 > Guiné 63/74 - P8311: Os nossos camaradas guineenses (32): José Carlos Suleimane Baldé... Pensando na CCAÇ 12, em Coimbra, em Amedalai, em Bambadinca... Andando pelo Planaltod as Cesaredas, à procura de amonites e orquídeas-abelhas... Celebrando a biodiversidade, a etnodiversidade, a camarigagem, os nossos encontros e desencontros... (Luís Graça)

20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8302: Os nossos camaradas guineenses (31): O José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º Cabo At Inf, CCAÇ 12 (1969/74), está em Portugal até 3 de Junho, e quer estar connosco! (Odete Cardoso / Luís Graça)

Vd. ainda postes de;


15 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9903: Tabanca Grande (338): José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º cabo at inf, CCAÇ 12 (Contuboel, Bambadinca e Xime, 1969/74)

Guiné 61/74 - P24314: Parabéns a você (2169): António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Fá Mandinga, 1971/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24303: Parabéns a você (2168): Fernando Valente (Magro), ex-Cap Mil Art do BENG 447 (Bissau, 1970/72) e Henrique Matos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

domingo, 14 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24313: (In)citações (241): "Reflexão (Ainda sobre a poesia)", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

REFLEXÃO (Ainda sobre a poesia)

adão cruz

Dizia Daniel Barenboim, que a música não é o som. Todos sabemos que a música se exprime através do som, mas o som, em si mesmo, não é música, é apenas o meio através do qual se pode transmitir a mensagem da música. Todos conhecemos as notas musicais, todos somos capazes de as dedilhar nas teclas de um piano, mas daí à música vai um abismo. Todos conhecemos as letras e as palavras, todos somos capazes de juntar palavras e com elas comunicar, de forma mais ou menos primária, mas daí a fazer arte literária vai um abismo.

Todos nós possuímos no nosso cérebro o mesmo esquema neural do sentimento, já que é o esquema neural da nossa espécie. Mas o padrão neural do sentimento, o padrão sentimental de cada um, que vai encaixar no nosso esquema neural, é completamente diferente em cada um de nós. Todos, de uma maneira geral, temos o mesmo esquema de vida, mas os nossos padrões de vida são diferentes, desde a camisa à profundidade do nosso íntimo.

Cada um de nós vai criando os padrões dos seus próprios sentimentos, através de uma curva de vivência e aprendizagem de uma vida inteira. Uma pessoa que tenha tido uma vida repleta de amor tem um padrão do sentimento do amor muito diferente do padrão de uma pessoa que nunca amou ou nunca foi amada. Uma pessoa que toda a vida viveu na miséria, no meio de agruras e dificuldades de toda a ordem, tem um sentimento de carência totalmente diferente do sentimento da pessoa que nunca teve dificuldades e sempre viveu na abundância.

Então, poderemos tentar dizer, cautelosamente, o que será um poeta…

Ser poeta não é ser um agente da banalização da palavra e da poesia, que é o que tantas vezes se vê, mas ser dono de um sentimento poético consolidado, muito apurado e afinado, construído através de uma vivência de amor e dedicação à poesia, vivendo a poesia de uma forma indissociável do viver da vida. No entanto, para além desta aprendizagem de uma vida inteira, é fundamental na construção do sentimento poético uma formação cultural global do ser humano, tão profunda quanto possível, a par de uma segura formação ética e estética. Obviamente que me refiro, muito especialmente, à formação na universidade da vida e não em qualquer fábrica de intelectualismos.

Só assim se entende que o sentimento poético e o sentimento artístico podem enriquecer e enobrecer todos os nossos processos de humanização, podem criar grandes afinidades com a consciência, revolucionar as inquietas questões da nossa mente, aproximar-nos de todos os mecanismos de identificação da verdade e ajudar-nos na difícil procura do caminho da harmonia.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24267: (In)citações (240): O meu 25 de Abril de 2023 (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)